Encomendam-se passados, paga-se com futuros.

«viver é sempre escrever sem borracha, não se pode emendar o que ficou para trás; se {o remorso} pudesse, ao menos, ajudar a remendar o que fica para a frente já não seria mau»

A.Lobo Antunes ( DN, 21 de Outubro de 2000)
Tu queres ver

que eu era um ganda maricas e não fazia uma lista ó um balanço ó lá o que é sobre aquilo que marcou o ano:


1. A injecção de xanax que enfiaram há uns tempos naquele rapaz o bill murry e que chegou ao ponto da minha mulher me fazer uma festa durante o ‘flores partidas’. ( mas depois descobri que era o movimento do braço para conter alguma expressão mais inconveniente ou um intermitente bocejar)

2. Como felizmente passou mais um ano em que não li nenhum livro completo queria aqui salientar uma frase da donna tartt que ainda me rendeu uma sms de belo efeito :«nós pensamos que temos muitos desejos, mas na verdade temos apenas um. (...) viver para sempre»

3. Destaco o disco do jamie lidell (‘multiply’) mas essencialmente porque foi o primeiro que conseguiu sacar da minha filha um carinhoso e revolucionário ( se bem que com alguns laivos comiserativos vejo agora uns meses depois): «emprestas-me esse».

4. Sendo o ano do desaparecimento político do nosso narciso miranda isso acaba por ensombrar todos os outros factos politicos relevantes como sejam o regresso de fatinha ou o casamento de carlos com camila

5. A dinâmica (entremeada de dialéctica) imprimida pelo meu filho mais novo nas conversas familiares na sequência dos seus visionamentos apócrifos dos ‘morangos com açucar’. Educar passou ao estatuto de conceito, e a oração mais repetida cá em casa passou a ser: «eu nem acredito nas merdas que este puto diz». ( se bem que aquela ideia de o ter levado a ver a Frida Khalo no verão também pode não ter ajudado)

6. Nesta coisa dos blogues o ano fica definitivamente marcado pelo facto do seu registo e estilo (refiro-me aos aparentemente mais lidos e mais conhecidos, claro) ter sido completamente assimilado pelos tiques do jornalismo/comentarismo oficial: não arriscam genuinamente a pensar, e falam geralmente uns para os outros incapazes de simular um público imaginário e ‘irrelevante’e intrinsecamente desconfiado. Deste contexto salvam-se – dos que vou lendo – alguma natureza do mal, algum mar salgado, algum blogame mucho. De resto mantém- se a influência da angústia existencialista e da hormonodependência, o que, já se sabe, tem dias, e a mais confrangedora previsibilidade encontra-se naqueles que querem fugir dela. E há um bom blog de escrita curtinha: o melancómico.

7. Há depois também aquela questão da Soraya do Crime do Padre Amaro. O meu diagnóstico é que se o Bergman ainda tivesse ido a tempo punha-a no Saraband e o velho até dançava. Foi uma pena; de resto os lapsos do costume: o Mário Crespo a juntar ao cabeleireiro que escolhia os penteados da constança cunha e sá nas entrevistas, claro.

8. Depois foi o ano em que Hans Kung se encontrou com o Papa Bento e isso acaba por nos deixar mais à vontade para dizer que o sto Agostinho deixou armadilhada a coisa de tal maneira que agora um gajo pode ter de ir repescar o Orígenes que, como se sabe, já não os terá no sítio.

9. Peseiro. ( acho que chega escrever o nome)

10. Assinalo também o barrete ( não é camauro, note-se) que enfiei a comprar uma daquelas camisolas apaneleiradas com fechozinho e que a única coisa boa que têm é nunca se correr o risco de lá entalar algo de importante.

Juro que tentei fazer um balanço minimalista, mas esta coisa de escrever à toa é mais forte do que um vibrador num ‘blogue de gajas’.
Continuação de Boas Festas

Cake
‘short skirt / long jacket’


I want a girl with a mind like a diamond,
I want a girl who knows what's best,
I want a girl with shoes that cut,
and eyes that burn like cigarettes.

I want a girl with the right allocations,
Who is fast, and thorough, and sharp as a tack.
She's playing with her jewelry,
She's putting up her hair,
She's touring the facility and picking up slack.
I want a girl with a short skirt and a long jacket.

I want a girl who gets up early, (gets up early!)
I want a girl who stays up late, (stays up late!)
I want a girl with uninterrupted prosperity,(uninterrupted!)
Who uses a machete, to cut through red tape.
With fingernails that shine like justice,
and a voice that is dark like tinted glass,
She is fast, and thorough, and sharp as a tack.
She's touring the facility and picking up slack.
I want a girl with a short skirt and a long, long jacket.
(na na na na.....)

I want a girl with the smooth liquidation, (smooth liquidation!)
I want a girl with good dividends, (good dividends!)
At Citibank we will meet accidentally, (meet accidentally!)
We start to talk when she borrows my pen.
She wants a car with a cup holder-arm rest,
She wants a car that will get her there.
She's changing her name from Kitty to Karen,
She's trading her MG for a white, Chrysler LeBaron
I want a girl with a short skirt and a long jacket.
Christmatrix

O grosso das heresias que animaram os primeiros séculos do Cristianismo andavam à volta essencialmente da natureza humana e divina de Jesus e respectivos adereços. Com o aparecimento da PSPortatil estas questões poderão voltar à liça porque, porra, um dogma não é de ferro. Prevejo uma contra reforma da terceira geração baseada num jogo entre Nestorianos e Monofisistas em que o Menino Jesus é raptado por um copta que vive amantizado com uma presbiteriana, e ganha o que conseguir obrigar um montanista a entrar num restaurante sem utilizar a tecla F1 nem fugir para os ortodoxos. A Nintendo se ainda for a tempo poderia ficar com os royalties das seitas gnósticas, ganhando quem provocasse mais cismas sem recurso a iconoclastas.

Acho que fazem falta hereges com mais tomates e menos direitos de autor.

Mas se Deus quiser ainda voltarei a esta coisa das heresias porque vale a pena. Estão para a fé como a insegurança, o ciúme e um bocadinho de obsessão para o amor: imprescindíveis para anatemizar credos líricos montados à pressa, e essenciais para distinguir corações que não passam de bases de dados. Mas aviso, as melhores ainda são as que andam à volta da Liberdade e da Graça; desde que a alma e a carola aguentem andar assim uns tempos com uma espécie de religião tipo ‘garota de programa’.
Bom natal

Ternura & carinho. Hoje coloquei como missão natalícia recuperar a reputação destas duas palavras.
O decadentismo ético de teor existencialista que assola a espécie e a faz carregar cada vez mais um pessimismo irónico-expiatório (topem-me só a categoria deste intróito, que me isenta praticamente de mais quaisquer outras erudições) teve, entre muitos outros efeitos perversos, este de relegar para as caixas negras do discurso intimista-amoroso ou do discurso de registo humorístico-sarcástico estas duas palavras de tanto conteúdo e riqueza, diria mais: preciosidades de corpo e de alma.

Aparentemente as suas terminações indiciariam dois opostos estéticos: o ‘ura’ e o ‘inho’ - fazendo lembrar o anúncio antigo das canetas BIC : ‘ BIC laranja da escrita fina, BIC cristal da escrita normal’. No entanto estamos na presença de dois vectores duma mesma força que poderão funcionar como autênticos acumuladores de energia para usar naqueles momentos em que até o timbre da voz do alheio nos incomoda. (pessoal de Boliqueime incluído, claro)

Através da sua desagradável terminação, a ‘ternura’ acaba por ir buscar aos parentes afastados ‘cozedura’ e ‘assadura’ a gourmetização que necessita para a sua real função, acabando por não dar grande espaço de manobra a uma prima afastada, a ‘candura’, que geralmente se apresenta num registo sonsiolítico. No entanto, é com as primas minimalistas ’fura’ e ‘dura’ (esta sempre com o atractivo especial de ter dois sentidos) que alcança toda a sua pujança mais sensual, e porque não dizê-lo: filha de toda a erecta carnalidade. Neste capítulo ‘car-inho’ tem outras potencialidades, inclusive apresenta mesmo originais sinergias osculo-anatómico-cinéticas com alguns movimentos (do mesmo nível das sinergias demonstradas pelo peitinho delicado dos jogadores do Benfica que começa como se sabe na zona do umbigo e só termina na falangeta)

O movimento tremelicante da língua nos ‘r’ é também diferente nas duas palavras; como sabemos, quando o movimento da língua nos ‘r’ se expande para o céu-da-boca - tal como sempre acontece quando vem seguido de um ‘n’ - em ‘ternura’ realiza-se um dos mais procurados êxtases de todo o complexo peri-labial, o que, diga-se de passagem, esta palavra bem merece, pois muitas vezes vem associada – injustamente - a êxtases de segunda categoria, os chamados rodriguinhos, na vida real. Em ‘carinho’, temos de reconhecer, a língua apaneleira-se um pouco no ‘r’ , mas também não se justificará fazer uma prótese dentária para corrigir este fenómeno, tudo se pode resolver com o recurso a um dos típicos comportamentos discursivos de emergência, o famoso ‘falar à bebé’ obliterando simbolicamente a referida letra e assim a coisa safa-se.

Há no entanto um tema, que chega quase a ser uma temática nos seus melhores dias, que eu deixo para o fim, mas que deverá ser tomado em especial atenção, e que tem a ver com a tendência de exagerada substantivação personificante destes dois termos. E é aqui que se pode jogar toda a subversão paralisante (acabado em ‘ante’ também havia a palavra ‘secante’ mas agora tirando este post não estou a ver nada para a aproveitar) . A perda do grau de abstracção intrínseco a estas duas palavras (e eu agora fui trocar de roupa porque os meus poros já não aguentaram tanta pressão semântica) faz com que elas frequentemente percam a carga puramente romântica e sensorial e se envolvam numa corporalidade de registo ontológico, que se revela em todo o seu explendor (com ‘x’ claro) com a utilização das palavras em análise (‘carinho’ ou ‘ternura’) ao interpelar uma pessoa. Isso sim é o arrepio dos arrepios.
Olha, perdi-me.

E no fundo isto tudo era para dizer que estas palavras deverão ser usadas sem espartilhos retóricos, nem subdogmas gramaticais, nem half-enconanços fonéticos. O menino Jesus ‘nas palhinhas deitado’ é obviamente uma ternura, e uma miúda gosta mais duma festa carinhosa na franja do que dum gajo chamado Bob Dylan a grasnar-lhe no intervalo das madeixas e entre duas snifadelas de incenso. E já nem falo de beijos à francesa, claro. God is everywhere, livros do Saramago e esculturas do Rodin incluídos, e eu cá se fosse ao fisco congelava primeiro os devedores antes de lhes ir aos bens.
Amores ainda em estado praticamente novo

Desenjoando um pouco da democracia com os amores dum ditador à portuguesa do tempo em que não havia debates, nem VPV escrevia crónicas, nem MMG apresentava telejornais. Mas já o Benfica era levado ao colo, e Cunhal tinha sido preso com Carolina Loff, a tal que «trajando maillot, tinha uma influência enorme para a captação de vontades» (*)


«Vai álgido o tempo e invernoso, mas apesar disso são longos os passeios nos arredores da aldeia, ou pelos córregos da Urgeiriça e do Buçaco. Christine está em puro enlevo, e Salazar possuído por sentimento que há muito não conseguia. (...) Agora, que a vida para ela mudou de sentido e de rosto, promete a Salazar ser paciente e doce, e obedecer-lhe para sempre. (...) E diz mais a Salazar: beija-lhe as mãos, num amor imenso, total: e que beija as suas cartas.»

in ‘Salazar’ – vol. IV – ‘o ataque’, de Franco Nogueira, Liv. Civilização, pags 251,252

(*) retirado do texto dos arquivos da Pide citados em ‘Alvaro Cunhal’- volume I - de J. Pacheco Pereira, pag 381
My M.’Mena Mónica (condensed) side of the soul

Naquele ano apenas me faltou aparecer um anjo e ir às putas. L.Freud tinha sido nomeado para a short list do Turner e eu lia duma forma diferente pela primeira vez aquele familiar dele mais conhecido, coincidência ou não passei a ter sonhos mais descontrolados e imprecisos, pus Dostoievski numa prateleira, por um triz Anna K. não foi para a enfardadeira e agarrei-me à pele. Alguma sabedoria tinha-me ensinado que desenfreado era a pior forma de galopar, e isso fez-me rodear fossos que luziam como espelhos de água, mas não deixava de lutar entre uma vertigem de mustang e um entardecer de cavalo de cortesia. Afligia as hostes com uma pose de playboy a rezar o terço já me chegaram a recapitular. Pela primeira vez a frieza duma mão certamente mal afagada afastou-me duma fornicação desejada e também saíram as primeiras lágrimas depois duma canção certamente também ouvida vezes demais. Mas Deus esteve sempre por perto, está na Sua natureza aliás (deve ser uma ‘divindade de proximidade’ como diria agora o poeta-candidato ) e os melhores pecados são aqueles que afinal não eram; a moral começou a eliptizar-se (é arrepiantemente parecido com eclipsar-se, porra) numa defesa matemática, num desencruzilhadamento cartesiano. Olhava para os filósofos gregos com desdém, tinham-me fodido várias idas à praia, iria trocá-los por existencialistas foi a minha primeira ideia de vingança, mas nenhuma miúda me quis acompanhar nessa viagem, nessa altura os cremes não seriam tão bons certamente, preferiam bons jantares, o pior que pode acontecer a um homem é ter dinheiro para jantar todos os dias nos restaurantes da moda, acreditem, se bem que o primeiro beijo que me acasalou foi à saída dum deles, já na altura os versos do papel da factura também rimavam, mas tive de me deixar rápido desse estrofeamento, o inconsciente não era parvo e preferia viver Lacana e hibernadamente, porque nem o muro de Berlim ainda tinha caído, nem a Andie MacDowell me tinha dado a maior nega da minha vida (mas ela também não deve ter ficado bem da cena porque depois foi fazer ‘sexo, mentiras e video’)
Estava-se naquele ano, pois, e Madonna não tardaria muito a ir vender Pepsi Cola ‘Like a Prayer’; a minha vida sonhou por momentos poder ser vivida entre «colhendo doce fruito» (1) ou a «cuidar das rosas» (2), mas realmente se adivinhasse ter-me-ia era preparado para fazer parar um tanque em Tiananmen em vez de montar operações de privatizações de bancos até às tantas da noite, o que nem me deixava ler a Anais N. em condições quanto mais voltar ao cirílico; nunca mais leria ‘Um herói do nosso tempo’ no original. Chateava-me fazer gajos ricos que não conheciam Lermontov, mas tinha sido treinado para isso e tinha-se esfumado a minha oportunidade sonhada de montar um negócio clandestino de bíblias em S.Petersburgo; ao meu lado iam-se casando, repletos duma prenupcialidade de lista, davam à costa as primeiras mulheres enciumadas das amizades dos seus agora maridos, a realidade mostrava-se uma forte possibilidade para tema dum best-seller-light, mas a ironia e o pessimismo ainda não se apresentavam como o lubrificante certo para a grande foda dos dias e falava-se da experiência e da novidade como duas manas afrodisíacas de forte compatibilidade.
João Paulo II estava prestes a receber Gorbatchov, a grande eslavia iria ser libertada muito antes das mulheres se poderem consagrar e eu recomeçava a fornicar, esquecendo mestres e apenas confiando no vento para me afastar das concubinas e das virgens profissionais. Lia apenas os ‘Actos dos Apóstolos’ porque geriam mais serenamente a função da metáfora, mas começava a sentir alguma saudade de gozar com o Chesterton, o Tolkien e os poetas parnasianos, e como não se podia levar Pavese para a neve, nem ser visto a ler Beckett num monte alentejano, começava o turismo industrial falhando algumas missas de domingo, mas acabando por só encontrar infidelidades conjugais em gajos a descair para o gordo e que não faziam a mais pequena ideia de quem era Kundera. Felizmente conservei aquele distanciamento da política muito balzaquiano que pouco mais encontrava nela do que um objecto literário ao mesmo nível da perfumaria; só que nessa altura eu também bastava cheirar uma zurrapa qualquer do paço rabane no perímetro de duas coxas que mudava de idealista para pragmático em segundos, que o Deus dos teólogos me perdoe; não perdoou totalmente, acho; mas poupou-me a Kierkegaard à base de miúdas arejadas e com bom ciclo menstrual. Não liguem, eu sempre fui muito dado a achar coisas, noutro dia até via ossos onde estavam sapatos de salto alto.
A melhor sensação do mundo é sermos ingénuos depois de julgar já ter sabido tudo.

E a vida não passa duma mnemónica.

(1) esta frase pode ler-se em ‘educação sentimental’
(2) esta frase pode ler-se em ‘jardim de luz’
(e como é óbvio o conteúdo do suprapostado não tem rigorosamente nada a ver com qualquer dos blogs citados nem com qualquer outro por citar)
Hamlet meteu baixa

in ordinem adducere


«O homem prudente encobre a sua sabedoria,
(...)
Na boca do insensato está um rebento de orgulho»

Provérbios, 12,23 e 14,3
My Tony de Matos side of the soul

O Dicionário não ilustrado hoje mostra que só o amor nos salva. Mas pelo sim pelo não eu cá levava bóia. As frases do nosso enamoramento em tantas entradas quantos os dias que o mês já leva. ( 1141 a 1149)

‘Nunca compreenderás o quanto te amo’ – Constatação de registo agnosticizante que revela uma condição de irracionalidade entre a angústia fragilizante e o fascínio pelos carapauzinhos fritos dum dia para o outro

‘Nunca conseguirei dizer o quanto te amo’ – Constatação de registo peri-afásico, que corre o risco de descambar numa gestualidade demasiado exuberante e que geralmente coloca a boca em locais originalmente apenas destinados às mãos e ao Dystron

‘Amar-te-ei até sucumbir’ – Revelação de um amor que apenas é refém da nossa condição biológica, e que vai de lua nova em lua nova olhando para as marés como um surfista quando sonha com aquela onda gigante que lhe daria para impressionar definitivamente as miúdas.

‘Causa-me dor tanto amor’ – Fenómeno verificável nalgumas relações amorosas em que a epidural da paixão foi dada numa zona mais descaída.

‘Não vejo como te possa amar mais, mas todos os dias cresce o meu amor por ti’ – Problema de índole cruzada entre a matemática e a lógica mas que encontra na libertação da escala logarítmica do inconsciente aquilo que parecia poder correr o risco de ovalizar em excesso no contacto com as abcissas da realidade e com o mau hálito.

‘Não me parecia possível um amor assim’ – Quando sentimos o coração balançando entre um fenómeno do Entroncamento e um bungee jumping. Geralmente acaba-se a camomila. Ou então sossegadinhos na cama com a Mila.

‘Este amor é a razão da minha existência’ – Constatação de registo metafísico que combina geralmente muito bem com momentos contemplativos adornados com visa, e com cruzeiros expiatórios em forma de veleiro serpenteando pelas ilhas gregas.

‘Sofrerei sempre por não saber se me amas com a mesma intensidade que eu’ – Típico problema da álgebra contabilística em que o ‘deve’ ao não se mostrar igual ao ‘haver’ teremos sempre uma auditoria à perna. Muitos conseguem ir sobrevivendo com umas ‘reservas’ ligeiras nas contas

‘Amo-te tanto que só te vejo a ti’ – Reflexo do mecanismo eucaliptizante do fenómeno amoroso que transforma tudo o que está à volta do ser amado em areal sem interesse mesmo que se vestisse do brilho ilusório da poeira do meteorito do desejo.
Desmaker residence
Check out lover

Aprimorava especialmente os rituais de saída. Entusiasmava-se a dar pormenores sobre o consumo até ao esgotamento do minibar, reflectia sobre os canais obscenos pagos à parte, sobre os cheiros a alfazema dos carrinhos das camareiras, sobre as coxas medidas pelo olhar no bar do último andar, sobre os olhares furtivos de elevador, todos eles dispensando motivos e provocando ardor; e mesmo que não lhe perguntassem desenvolvia com alguma minúcia as peripécias da sua estadia, em que nenhuma noite teria sido fria, acabando por seduzir uma plateia de grumetes, recepcionistas de saia travada e outros comensais de face corada que ficavam encantados pela forma como ele descobria tanta riqueza num banal fim de semana em meia pensão, sem sexo desprotegido, nem nenhum amor escondido numa suite com crucifixo e com vista para Valedicere, e como desencantava encantos escondidos no acto de se ir embora cantando pestanejares de canto de olho.
Mas ele era um profissional da saudade, tricotava nós na garganta, vendia sentimentos de perca a retalho, e suspiros a grosso, promovia sessões de adeus e desilusão, possuía um catálogo próprio de amores incompletos, fornecia traumas de ausência à medida e entregava ambíguos ‘the ends’ enlaçados ao domicílio. O seu cartão de visitas dizia ‘empreiteiro de despedidas’, o seu doutoramento tinha sido sobre as ‘Grandes rupturas duma alma sangrando em falta’ e assinava o cartão de crédito com o nome de ‘desfazendeiro’ deixando revelar um emparcelamento muito peculiar do seu próprio coração. Extasiava-se olhando metódica e friamente para trás, demonstrando que o abandono era o melhor negócio, partir o acto mais nobre, e que o desprendimento era a prisão mais eficaz. O seu orgasmo estava em ir-se.
santinho da ladeira

Uma das conclusões a que cheguei depois de ver as reportagens sobre Sá Carneiro é que todos envelheceram imenso mas ele está na mesma.
Apenas picando o ponto

Tudo tem rosto
Tem tudo olhar...
Nevoa-antegosto
Do decifrar!

Sobe em meu sêr
Um mêdo a Deus...
Quero não ver
Os mudos ceus...
Porque o seu claro
Azul sem fim
Sem ter olhos olha
Com olhos p’ra mim...

Paro em meu frio
Limiar da alma...
Como (?) o arrepio
Que cerca a calma

Em que me cerco
De Deus e teu
E em mim me perco
Por todo o céu.

do F.P. ( do espólio)
Revelações da córnea

«O meu deus é apenas a transcendência que vislumbro a espaços nos olhos dos meus filhos» leio no controversa maresia. Primeiro achei aquele tipo de frase de belo efeito para consumo de agnóstico entre dois scones, depois senti ali uma bonita lamechice literária de mãe, depois vi um lugar comum sacudindo a desmetafisiquizada incomodidade de não acreditar em Deus, depois fiquei lixado e invejoso por não sentir transcendência nenhuma quando vejo os olhos dos meus filhos, depois ainda pedi ao sacana do meu filho mais novo para parar de piscar os olhos, e antes de ir ao que interessa ainda pensei que Deus se manifesta de muita maneira mas privilegia as dissimuladas porque infelizmente gastou a verba para milagres pirotécnicos há uns anos atrás.

É muito difícil encontrar Deus se apenas o procuramos na bondade das coisas ou das pessoas, como quem procura Neptuno no recheio duma santola, e é por isso que ainda dou algum crédito à filosofia, à teologia e à metafísica que lá se vão equilibrando, fugindo e relativizando alguma poeira ou vinagre ou sentimentalite que a realidade vai cozinhando. Não se sabe no que o Altíssimo pensava quando achou que, e como, se tinha de revelar; certamente fez um balanço sobre o ‘livre arbítrio’ e sobre a ‘predestinação’, calculou que intelectualmente nunca conseguiremos fugir totalmente da dependência de nenhuma delas, e arriscou naquele filmaço de enviar o seu Filho antes da geração de Hollywood, CNN e Microsoft, deixando tantas variáveis em aberto quantas as equações por resolver.

Acreditar em Deus, no Deus expresso na Cristandade, é um equilíbrio entre o coração, a razão e a revelação. Dizer «o meu deus é apenas» mostra essencialmente uma gritante menorização da nossa condição – não consciente, claro – uma condição que para ver mais além (uma tal de transcendência) só o conseguiria a espaços por exemplo através dos olhos dos filhos. Mas até encontro bastantes méritos neste mitigado método: aposto que se olharmos para os olhos dos nossos filhos, depois se olharmos para os nossos próprios olhos (um espelhito de cabeleireiro serve) e finalmente se acabarmos por olhar para os olhos duma velhita doente a rezar (ver o Ricardo a beijar a medalhinha é opcional), Deus há-de acabar por aparecer nem que seja aos ziguezagues envolto numa neblinada, controversa e fresca maresia, mesmo que não venha caminhando pelas águas chupando alegremente uns percebes.

Mas chego aqui e a verdadeira conclusão que alcanço é que acredito em Deus principalmente porque a minha mãe me disse para acreditar, certamente olhando-me com aquele mesmo olhar com que a VdM olha para os seus filhos.
carrée

Y ahora umas entradas levezinhas, sans peur de estar cara a cara avec la realité, mas just in case, e para não deixar dúvidas, calling the oxes by the names. O dicionário não ilustrado nas entradas 1132 a 1140.

Proibição de Padres maricas – Todos poderão discutir a escolha, da mesma maneira que eu hoje teimava em chamar raineta a um pêro golden. O supermercado das reclamações está sempre aberto mas felizmente o código de barras tem dono.

Autobiografia da Mª de Filomena Mónica – (Retirado o ligeiro pormenor de não ter lido e de ter prometido à minha mãe que não lia) acho que seria sempre um mero aperitivo para as memórias da Fátinha Felgueiras

Beijinhos lésbicos no recreio – Manifestação de carinho em que a inocência faz de língua, a pouca-vergonha faz de lábio, e a modernidade libertário-hipócrita anda de mão dada com o puritanismo. Cócegas opcionais.

Crucifixos nas escolas – Apesar de Deus nosso Senhor ter dito ao bom ladrão para deixar de catrapiscar o calendário da Pirelli mesmo naquela situação desgraçada, infelizmente este precioso diálogo acabou por não ser destacado por nenhum evangelista.

‘Pulo do Lobo’ – Local que virou metáfora, metáfora que virou redundância, redundância que virou eufemismo, eufemismo que virou banalidade.

‘Super Mário’ – Quando a banda desenhada consegue transformar a força do patético – que a tem - no enjoo caricatural duma espécie de mister magoo em fato macaco

Educação sexual mas escolas – Sofisticado modelo pedagógico baseado na primazia da ecografia em detrimento da apalpação

Estudos sobre aeroportos – Seguindo a velha máxima de que o papel aguenta tudo, nem otam nem desotam. Ou como Almodôvar diria se viesse cá fazer um filme rodado em S. Bento : «Ota-me».

As listas de livros preferidos – Classificar é uma urgência da espécie, hierarquizar uma exigência da nossa condição, e dizer merdas em carreirinha uma necessidade deste dicionário
Fusionblog

«Bom. Concentrai-vos e fazei mas é o que tendes a fazer, sem ondas. O resto eu controlo daqui. Remotamente. Sim, com tudo o que o advérbio implica » (*) e olhando para a pantalla resignadamente mas procurando aguentar-me «tendo a risibilidade como fio condutor»(**).

(*) blogame mucho
(**) frenchkissin
O conto dos achocolatamentos desviantes

Sonhava-se o Ferrero roché a viver embrulhado num papel dourado, sendo fantasia por fora e doce avelanado e crocante por dentro, com baronesas a suspirarem afrontadamente por ele, mordomos a transportarem-no numa bandeja, qual andor de prazer, e vivendo resguardado numa caixa climatizada de raiz de nogueira lacada e forrada a cetim, fazendo duma travessinha Cantão o seu boudoir; tanto servia para se derreter aos poucos como para ser trincado aos repelões, e mostrava-se irrecuperavelmente sensível aos caprichos da translação do planeta e da camada de ozono.

Por outro lado o Mon chéri sentia-se um turbilhão de cereja por dentro, sentia que tinha poros a menos e demasiada ternura emulsionada para sair, era um magma de sensibilidade reprimida, imaginava-se pólen e queria ir abanar pralinadamente o seu cacau ao vento, não valorizava a companhia sedutora das trufas e estremecia deslumbrada e inesperadamente com a presença do pau de canela.

Sentiam-se ambos progressivamente orgulhosos dentro duma minoria gastronómica mas olhados de soslaio pelos toblerones, e acabavam sempre por se enfeitar demasiado entre laçotes, coloridos chamativos e frases de italianismo exacerbado, achando que a prateleira que mais lhes servia era a da mercearia fina, eles que nada ficariam a dever aos verdadeiros patés aux herbes, ao fois gras, inchados agora dum novo direito logístico que se chamaria ‘liberdade de escolha cacauzal’.

Mas sentiam-se sempre discriminados pelo grande Esterculiácio (esta é dedicada a especialistas em botânica), por não ter permitido que da junção das suas sofisticadas polpas germinassem novos Smarties às cores; a natureza era-lhes afinal tão madrasta como a sociedade, a hermafroditização das mutações ainda não era possível por decreto e restava-lhes assim conseguirem adoptar Ovos Kinder para poderem brincar às gamas completas, e em nada serem inferiores ao bombomfóbico marron glacé.

Mas um dia apareceu-lhe uma castanha pilada e disse-lhes: vocês pensam que tudo saiu duma grande mousse de chocolate e que cada um terá o direito a escolher como quer adocicar ou fermentar a sua cozedura, como pralinar ou enrijar, mas olhem, eu também quis fugir a ser assada e agora não passo duma iguaria de que todos fogem porque no fundo só sirvo para estragar os dentes.
O direito à diferença não passará afinal dum enfeite no cabaz das promoções.
Romaria à Senhora da Sufrágica Consolação

Editorial break: isto-é-mas-é o verdadeiro blog político

Como julgo ser de todos sabido nada de marcante na vida recente da sociedade portuguesa se deve a algo que algum Presidente da República tenha feito, dito, pensado, insinuado, elocubrado, recalcado, suspirado, sacudido o rabo, sublimado, rangido os dentes, ululado, piviado, ou qualquer outro movimento mais ou menos kamasutrico.

Mas de certa forma acho isto um misto de injustiça, ignorância e falta de sensibilidade, e assim deixo aqui também uma dúzia dos momentos mais marcantes da presidência da república portuguesa nos últimos 25 anos; no fundo poderá alguém querer fazer daqui a uns tempos um congresso chamado ‘Portugal, que passado’.

1º - Discurso de Sampaio no 5 de Outubro de aqui há cinco anos que permitiu adormecer o meu filho mai novo depois duma birra que já se arrastava desde o 28 de Setembro - (no entanto cheguei a temer o pior com um ronco despropositado dum senhor fardado da 5ª fila).

2º - Beijo de Mário Soares à empregada da minha avó em 1989 e que a deixou num tal estado de êxtase pantagruelico que me fez o melhor arroz de cabidela que foi comido para cá dos Urais durante o século passado.

3ª - Momento em que Mário Soares diz que nunca convidaria Basilio Horta para casa dele e assim inicia a verdadeira revolução que é ser ‘presidente de todos os portugueses menos um’, deixando em aberto a possibilidade constitucional de recusarmos pelo menos uma amiga da nossa mulher de ir lá para casa dar-lhe sugestões cromatico-megalómanas sobre a decoração do quarto.

4ª - Discurso de Ramalho Eanes em 85 durante o qual após uma troca de água por 'Amarguinha' o levou a finalmente conseguir abrir uma vogal no final duma palavra e assim alcançar um orgasmo – ainda hoje se discute se foi simulado ou não – em falsete na Manelinha.

5º - Momento de grande tolerância em que Mário Soares autoriza Maria Barroso a fazer a primeira comunhão, demonstrando que uma mulher pode acreditar na existência de Deus mesmo sendo casada com um laico profissional, e simultaneamente abrindo o caminho para Guterres poder levar o país para uma via sacra em diálogo com terminação num gólgota pantanoso para aliviar o joelhinho.

6ª - Insulto de Mário Soares a um GNR que não só permitiu a Mizé Morgado introduzir nas técnicas de investigação criminal o método da ameaça de coacção presidencial, como acicatou um cabrão dum policia a multar-me nesse dia só porque ia a 207 na subida da A1 em Vialonga. Ora não lhe chamassem vialonga porra, e a subir também tem de se dar algum balanço.

7º - Momento em que Sampaio insta Guterres a demitir Armando Vara por causa duma tal de Fundação e que assim permite agora ao País ter um especialista em prevenção rodoviária como administrador da CGD.

8º - Quando Mário Soares diz que só percebeu a engenharia financeira da ponte Vasco da Gama depois de ter ouvido Perez Metello na televisão acaba por dar um estímulo de valor incomparável, não só a Manela Moura Guedes que inicia assim o seu project finance de cirurgia estética, mas a todos aqueles que sabem que um dia passarão para a outra margem e que estão a pagar antecipadamente a conta dos seus pecaduchos aos bocadinhos.

9º - Sampaio veta o casino no parque Mayer dando um sinal claro de que é preferível a roleta russa à sensaboria dum ‘par’ ou ‘impar’, e que o país não é uma slot machine, quanto muito uma bisca lambida na praça das flores (uma máquina de flippers também já não estou tão certo...). Foi visionário nesta sua medida ao proteger por antecipação o lobby dos reformados-jogadores-de-sueca-do-jardim-da-estrela.

10º - Sampaio, que já sabia da existência do povo pelos livros, teve o seu primeiro contacto com essa riquíssima realidade sociológica quando um puto deixou a marca da sua mãozinha no vestido da d. Maria José Rita durante uma festa do S.Martinho. A reacção foi tremenda e então a par da já existente ‘primeira-dama’ criou a figura do 'primeiro-irmão', destacando Daniel – não o profeta, claro – para o cargo, pondo-o a ensinar o povo a lidar com os miúdos ainda antes destes poderem dar beijos obscenos no recreio da escola.

11º - Soares inventa o famigerado ‘direito à indignação’, tipo 5ª emenda da ponte do Pragal , deixando em aberto a possibilidade do código penal passar também a poder ser usado como turbante nas viagens de estado, e em paralelo foi nessa precisa altura e decorrência que passei a ser eu a levar o lixo para a conduta.

12º - Soares na sua presidência aberta aos bairros da lata de Lisboa faz como a Rainha Vitória e leva as melhores jóias (demagógicas) para não desiludir os pobres, e assim, a par de acossar Cavaco (1º ministro da altura), demonstra que a escolha entre sermos Bordalos ou sermos Zé Povinho pode ser apenas uma questão de disponibilidade mental, tanto mais que a fronteira é já de si muito ténue.

É um cansaço, honroso embora, ser musa.
contradanças

"E tudo [cof cof] que eu [agora] posso te dar / É solidão [nem por isso] com vista pro mar [rio, sff] / Ou outra coisa [pastéis de Belém?] prá lembrar [é a idade, filho] // Se você quiser [se não? dá no mesmo] eu posso tentar [quer dizer...] mas / Eu não sei dançar [o problema é o inverso] / Tão devagar [ou isso] prá te acompanhar [pois...]"

Marina Lima, "Não sei dançar" (2003)
Maria,
(sim, agora dirijo-me directamente a si, e em serpentina, para não me poder agarrar)

Nos primórdios da psicanálise Freud escrevia que a «consciência de hamlet (outra vez este gajo) é a sua sensação inconsciente de culpa». Inaugurava-se assim aos poucos aquilo que G. Steiner chamaria de «metáforas controladoras», referindo-se aos mitos em oposição às «metáforas paralelas do pecado» que seriam estruturantes para as visões teológicas.

Ora a ‘confissão’ nasce essencialmente no seio dum processo reconciliatório, longe de ‘sensações inconscientes’ sejam elas do que forem, e antes a responder aos apelos de união com Deus que sentem as almas que dalguma forma o reconhecem.
A ‘forma’ actual do sacramento até é tardia – trazida para a europa ocidental por missionários irlandeses, julgo – mas não desvirtua o essencial da religião, ou religiosidade se quisermos adverbiar a conversa, que é ligar e converter (a par da dimensão vocacional).

O mecanismo/método/doutrina/literatura/mitologia/encenação/ freudiana é bem esgalhado mas baseia-se essencialmente na dimensão comercial da alma: todos temos uma consciência à venda, e todos queremos ser nós mesmos a comprá-la.

E agora vou abusar dos efeitos redutor e associativo e sacudidor que tantos fernicoques lhe causam: a palavra do ‘histérico’ é ‘consumida’ na psicanálise – e se calhar na vida - como o esgar duma insatisfação, a palavra do penitente é consumida na confissão como a fonte de energia do perdão. Mas o perdão não é uma ‘metáfora paralela do pecado’, é antes um «cogit peccatorem omnia libenter sufferre» (o latim está na moda).
"Passando-lhes pelo estrado"

6. Síntese
Confessamos que estamos a chegar desalentados e fatigados ao fim deste estudo, verificamos afinal que o homem é um mero lubrificante, é um mero encerador de estrados em pavimento flutuante, um betume que tem sempre de estar à cor senão vai destoar com a madeira, e por isso está cientificamente provado que há muitos que trocam essa merda toda por um ladrilho brilhante, às cores, e onde depois se possa passar com um pano e, desde que não se escorregue, já está.
reflexos e actos fal(h)ados

“Seria errado supôr uma oposição onde existe uma relação de cooperação” (*)

Numa conferência de 1893 Freud aborda a etiologia da histeria expondo pela primeira vez a noção de afecto como um dos elementos que liga alma e corpo, ou seja, as componentes psíquica e física do ser humano. Mais tarde, e ainda sobre a histeria, concluirá existirem três modalidades gerais através das quais se processará o aliviar da excitação na sequência do processo traumático na base da sua génese: o movimento, a fala e a associação. Em 1891 é publicada a que muitos investigadores consideram ser a primeira verdadeira obra teórica de Freud (**) em que se clarifica alguma da relação entre a histeria e o uso das palavras e onde se encontra, de forma simples e clara, explicação para alguns mistérios quase insondáveis da natureza humana em geral (e da blogueira em particular): "há casos em que os afásicos sensoriais não dizem nem sequer uma palavra compreensível mas desbobinam sílabas sem sentido numa sequência inexaurível".

Que se deva à igreja católica, através da confissão, a prioridade na descoberta do poder da psicanálise, é assumpção que não discuto. Que se deve a Freud, através dos estudos sobre a histeria, a heurística que permite a compreensão de tanto do que por essa "blogaria" fora se escreve, é certeza que reclamo.

(*) S Freud, Três Ensaios sobre a Teoria da Sexualidade, Lisboa: Livros do Brasil
(**) S Freud, A Interpretação das Afasias, Lisboa: Edições 70
E agora um pavesezinho mal passado em molho de cioran, servido com um montaignezinho a cavalo. As senecazinhas fritas acabaram por amolecer um bocado.

«Amiúde se me tem afigurado que mesmo os bons autores erram ao obstinarem-se a conceberem-nos como um todo coerente e constante». Na verdade essa polifonia da nossa condição perpassa-nos a existência, e alguns encontram o «segredo da adaptação à vida mudando de desespero como de camisa», enquanto outros admitem que «não nos libertamos de uma coisa evitando-a mas só passando através dela». Dá mesmo a ideia que «só somos desgraçados por culpa própria».
Constato que para viver decentemente basta lutar contra a supersticiosidade da alma, sabendo simultaneamente abraçar a sua iluminada e intrigante transcendência e a sua apaziguadora e perturbadora imanência. Em suma: um grande foda-se (senão nem aqueles gajos vendiam livros nem o padre borga escrevia canções).
Espero que tenham degustado.
apontamentos de fenomenologia

(ou da hermenêutica em versão so-letra-da)

Na língua de Camões - a quem Eugénio de Andrade atribuía a dádiva de "(um) aprumo de vime branco, (um) juvenil ressoar de abelhas, (uma) graça súbita e felina, (uma) modulação de vagas sucessivas e altas, (um) mel corrosivo da melancolia" - pode dizer-se "um burro não é um cavalo", em alternativa a dicionários especializados na arte vanguardista da fusão entre a epistemologia do cromo de futebol, a gnoseologia da centerfold da playboy e a semiótica do postal natalício dos ctt.
O conceito ‘candidato esfinge’ abriu todo um leque de possibilidades epistemológicas para a ciência política. O dicionário não ilustrado jamais poderia ficar alheio a esta nova perspectiva e esboça novos enlaces nas entradas 1123 a 1131

Candidato pirâmide – Tipo de candidato especialmente indicado para guardar as múmias do regime

Candidato vitral – Tipo de candidato que faz muito melhor efeito se tiver alguém a iluminá-lo por trás

Candidato menir – Candidato com real peso específico na sociedade civil

Candidato Jardim Suspenso – Tipo de candidato que tem as suas raízes num país em que o pessoal já esteja pelos cabelos

Candidato Altamira – Tipo de candidato que em poucos traços pode transformar um país que esteja na fossa num paraíso etnográfico

Candidato Taj-Mahalianio – Tipo de candidato que governará com a magnanimidade de quem está a celebrar um grande amor

Candidato Pompeia – Tipo de candidato feito para renascer das cinzas

Candidato Acrópole – Tipo de candidato especializado no tudo ao monte e fé nos deuses

Candidato navio escola Sagres – Tipo de candidato que poderá transformar a tanga numa vela e um politico vertical num mastro
"Passando-lhes pelo estrado"

5.3. Factores aleatórios
Teremos de saltar as 'festas com as costas da mão' porque o Patriarcado acabou de ameaçar não distribuir esta merda nos retiros do "verbo divino" e acabaremos por nos concentrar finalmente no 'dedilhar'. Antes de mais tem de ficar bem claro que todas as perversões relacionadas com a algema de dedos estão vedadas a este estudo, e que todos os trabalhos de campo se efectuaram após o devido aquecimento dos referidos dedos em reuniões de conselhos pedagógicos (ou como é que se chamam essas coisas em que gajas quarentonas vestidas de turcas se juntam para suspirar por homens belos, apolíneos e de gravata à espera de ser tirada e que lá não se encontram, obviamente).

Feito este prévio esclarecimento, não podemos fugir à evidência de que onde há um dedo terá de haver ou uma luva, ou uma tecla, ou um buraco. Ora este estudo não arranjou verba para o piano, já chegou atrasado à secção de marroquinaria e portanto teve de se contentar com esse equilíbrio proustiano que é um dedo à procura dum buraco aí perdido. É que caros leitores, muitas vezes ou o dedo trabalha ou está mesmo tudo perdido. Encontrámos situações desesperadas de dedos que já tinham vindo do pescoço, que já tinham passado temporadas a esfregarem-se desalmadamente em ombros despidos (e mordidos inclusivo), que já tinham chegado a vadiar por nádegas afastando rendas inoportunas, já se tinham arrastado em recursos sucessivos no grande tribunal que são os silicones peitorais e que mesmo assim têm de ir fazer figura de varetas de óleo!!!
dragon matters

‘We must say of Freud: after him there is only commentary’ (*)

Ao ler Clara F.Alves no Expresso a escrever isto « numa conversa que tive uma vez com George Steiner, queixava-se ele de que a literatura, e o romance como grande arte, tinha deixado de focar e tocar a história do mundo para a poder organizar com a imaginação» lembrei-me logo daquela vez em que eu e o Freud fomos comer uns caracóis ali à Rua da Esperança e em que ele espantado e intrigado por eu não usar os palitos chupando directa e deliciadamente os caracóis da casca, acabou por me dizer à laia de desabafo científico: é por estas e por outras que eu concluo que tive uma infância infeliz e não soube aproveitar devidamente o processo amamentativo ao estar sempre a pensar em como por os palitos ao meu pai.

(*) in ‘Where shall wisdom be found’ de H. Bloom, pag 240, ed. da Penguin group
Misoginias alternativas

Quando lia a pré-publicação das cartas de amor em tempo de guerra de António Lobo Antunes, encontrei, pressenti, lá - muito mais que as saudades de um futuro escritor enamorado – uma mulher que sabia deixar-se amar.
Vá Anybal pega no cavaquinho e nessa voz suja e surpreende-nos

«After saying that the words are the important thing, Dylan then proceeds to caress the melody, first on harmonica and then with his voice, until the song sounds less a political anthem and more like a lover’s question»

in texto que acompanha o cd ‘Bob Dylan – no direction home: the sound track' a propósito da versão de ‘Blowin’ in the wind’ que é apresentada no filme de Scorcese.
"Passando-lhes pelo estrado"

5.2. Variáveis dependentes
Temos de confessar agora que nutrimos pelo movimento sobre o qual nos iremos debruçar de seguida um carinho especial; trata-se da 'roçadela de polegar'. As combinações de estrado escolhidas são 1) o percurso braço-ombro-costas-rabo, que será uma carreira expresso temos de reconhecer, e 2) a zona traseira da coxa desde a dobra do joelho (ai que arrepio) até à sempre recorrente e omnipresente nádega esquerda (a nádega direita foi poupada ao estupro científico e foi oferecida em fermol aos artistas plásticos); aqui a velocidade e a intensidade são absolutamente determinantes, nelas se joga todo o sucesso do fraseado mímico-erótico do polegar; e crucial: a mulher tem de sentir que o olhar do homem está a acompanhar o movimento, é verdade, momentos ouve em que algumas desabafaram 'mas olha lá e tu estás a olhar para onde' quando se apercebiam que o polegar estava nas costas dela mas o resto estava virado para a sharon stone que descruzava as pernas no - ainda julgam assim hoje - canal panda. São verdadeiros instantes charneira, mas nada que uma boa foda (Função Orgânica Desenvolvida hArmoniosamente mas sem agá) rápida não resolva, pois qualquer movimento penetrante deixa o estrado feminino praticamente amnésico, é mesmo conhecido como 'comportamento refúgio', mas estamos a desviar-nos.

Concluamos cerce: um polegar deslizante pode fazer mais que uma pila de elefante, soa a brejeiro, soa, mas a ciência não vai em snobeiras: nem todo o esfreganço resulta em amor ao próximo.
o drama (ou a prodigiosa questão)

Who’s there? [W. Shakespeare, Hamlet]

Numa das suas obras sobre o real, Clément Rosset (*) chama a atenção para a faculdade humana e quase mágica de oferecer resistência à informação externa não conforme com a expectativa e o desejo, de usar o livre arbítrio e ignorá-la se necessário fôr e mesmo de se lhe opôr, enquanto realidade, através da recusa da percepção com vista ao encerramento da controvérsia e do debate. O sucesso reside, por conseguinte, no paradoxo que é usar cabeça, olhos ou ouvidos para não entender, ver ou ouvir.

(*) Rosset, C. (1988). Le principe de cruauté. Paris: Éd. Minuit.
Moon again
(e conforme prometido)

Hamlet -
Em verdade, ser grande
Não é agitar-se sem argumento válido,
Mas encontrar com grandeza motivo de querela numa palha
Quando a honra está em jogo
(…)
Ah que doravante meus pensamentos
Sejam feitos de nada ou sejam sangrentos

Pag 183, da ed. bilingue da Lello, com tradução da Sophia de M.B.
tip / quiz

1. Jerónimo acusa Cavaco de «gerir silêncios» [TSF]

2. Iago (avvicinandosi molto ad Otello e sottovoce): Temete, signor, la gelosia! / È un'idra fosca, livida, cieca, / col suo veleno / sè stessa attosca, / vivida piaga le squarcia il seno. [Otello, 2º acto]

Com quantos (az)Iagos nos fará a vida cruzar?
Back to earth

Talvez vote cavaco, sim talvez vote cavaco. Não estou a ver bem porquê, mas talvez vote cavaco. Aliás mais ou menos sei, a alternativa seria um poeta do terceiro mundo ou um tipo que pode ficar gagá a todo o momento; todos podemos aliás. Mas parece-me pouco, parece-me uma coisa feita assim com pouca honra, não sei ( é pá agora vinha mesmo a calhar uma outra do Hamlet de que me lembrei, mas não sei de cor, no próximo post acrescento à laia de bónus) mas realmente o que me espanta é o entusiasmo todo em torno de cavaco – incluindo alegorias com mais ou menos citroen, mais ou menos bolo-rei. É que me fica sempre esta questão entalada: mas o Cavaco, prof Cavaco como lhe chamam – o que daria umas boas rimas mas o poeta anda distraído com o hip hop - ao certo ao certo poderá fazer o quê? Sim, o quê? Convence os chineses a comprarem as ilhas selvagens para plataforma logística, convence os sindicatos alemães a deixarem fazer cá os carros todos, obriga os esturjões a virem desovar todos ao mar da palha, faz da Katia Guerreiro um clone da Amália, inunda Espanha de gansos patolas, vende a alma por uma camadinha jeitosa de ozono, descobre um laxante milagroso e enfia-o no rabinho dos binladens, é padrinho de casamento duma filha Bush com o Villepin, descobre petróleo no pulo do lobo, franchiza as aparições de N. Srª de Fátima, transforma todos os ucranianos em cirurgiões plásticos, nacionaliza o pirilampo mágico, dá-nos a tomar uns pozinhos perlimpimpim e põe-nos a dançar de contentes nos alunos de Apolo, convence o mundo que as brasileiras dos call centers da almirante reis são melhores que as de Nova Deli, inventa a vaselina anestesiante, distribui-nos óscares para os melhores figurantes, o tipo vai fazer o quê ao certo, caralho!?
Presidenciais alternativas
ou do culto da personalidade entre duas cavadelas de adubo

Hamlet – (...) Um rei gordo e um pedinte magro nada são senão iguarias variadas: dois pratos, mas para uma só mesa
Rei – Ai de nós!
Hamlet – Um homem pode pescar com um verme que comeu um rei, e comer um peixe que jantou esse verme
Rei – Que queres tu dizer com isso?
Hamlet – Nada. Só mostrar-te que um rei pode desfilar através das tripas de um mendigo

E face a poetas, a comunas, a economistas ou a republicanos profissionais fico com um certo desencanto – mas não melancólico, valha-me isso – por não se encontrar aquilo que H. Bloom dizia no ‘Cânone Ocidental’ sobre Hamlet : um «livre artista de si mesmo», alguém que «dissolvesse as demarcações entre as ordens da natureza e do jogo».

Mas eu já desço à terra. Dá muito trabalho ser terra à terra, é coisa de agricultor.
porque "um z é um s com mais relevé nas curvas"


Mi casa es tu casa

Quando Deus se revelou na sua versão literária-exegética – porque obviamente também se revela constantemente naquilo que se convencionou chamar ‘coração de cada um’ – sempre deu a entender que existiria uma ‘casa do Pai’. Esta toponimização aplicada à transcendência pode aparentar ser uma abébia metafórica de Jesus para que nós apanhássemos - e nos aconchegássemos - melhor as ideias de salvação, de vida eterna, de céu, de paraíso. Mas eu cá topei-o bem: não há Deus sem sítio, não há amor sem lar. Não há religião sem fios, não há alma sem pele.
su casa es mi casa

Deve ser o ex-libris em versão pós-moderna de quem descobre ter acesso gratuito a quatro diferentes fornecedores de serviços de internet por obra e graça do altruísmo do sistema wireless da vizinhança.
"Passando-lhes pelo estrado"

5. Materiais e procedimentos (ou metodologia)
Escolhemos como metodologia um sistema de base matricial: uma 'técnica' para 'duas zonas'; a variável 'velocidade' será introduzida sempre que se considerar pertinente. Procuraremos não sucumbir ao mero efeito estético e por isso ficam afastadas, por exemplo, as combinações 'roçar de polegar' /'mamas' e 'dedilhar'/'costas' (esta últimas têm inclusivamente tratamento autónomo nos estudos sobre drenagens linfáticas, pois as investigações de campo fizeram ressaltar algumas incomodativas respostas do género "as gajas querem mas é massagens à borla").
Evoluamos pois.

5.1. Variáveis independentes
Para o originalíssimo movimento denominado 'apalpar' escolhemos as combinações pouco óbvias com a zona 'entre-pernas-vindo-de-baixo', e com a zona 'colina-ascendente-da-nádega-esquerda-vindo-de-poente'; como adereço epistemológico foi escolhido uma saia larga a três quartos da maconde porque a verba afecta aos ensaios não dava para a utilização de saia travada trussardi. Destacamos em qualquer destas combinações o 'efeito surpresa', que já foi apelidado também de efeito 'és mesmo brutinho', mas ficou catalogado como 'não penses que é assim que vais lá'. A reacção mais usual da sofisticada química feminina é a de 'turquês fechada', e o homem quedar-se com a mão entalada e com cara de parvo sem saber o que fazer com ela é um efeito secundário muito observado. No entanto, refira-se desde logo, a nádega tem-se mostrado inesperadamente como um dos elementos anatómicos mais rebeldes às instruções do cérebro feminino (este órgão é tratado em bruxura, perdão brochura separada), é apelidada como a grande traiçoeira e apresenta-se muito errática nas suas convicções; fala-se duma tal de lingerie como elemento paliativo, foram inclusive encontrados alguns exemplares que... bem voltemos à ciência que estão-me a dar suores e não são frios.

Concluamos nesta fase: apalpar poderá ser um bom movimento de compromisso desde que acompanhado dalgumas alegorias verbais e sempre com a intensidade devida para não ser confundido com as vulgares cócegas que são comprovadamente de propriedades eróticas muito duvidosas, mas nesta porra um gajo tem de se preparar para ver de tudo.
quase nada

Quando tudo o que resta de uma história banal sobre cleptocracia, apadrinhada pelo concluio silencioso do nosso mundo de palhaços ricos, é uma alegria desamparada nos olhos das crianças que Deus parece ter esquecido.
Quase filosofia

A questão que realmente me assola a mente neste momento nem são os mandatários da juventude, nem o sexo criminoso antes dos 18, nem a falta que sinto do peseiro, reparem bem: é a questão dos ‘porta-vozes’. Todos sabemos que a vida seria bem mais difícil sem porta-chaves, nem sei o que faríamos sem porta-bagagens, sem porta-estandartes já se aguentaria melhor mas em todo caso também é bem vindo, o porta-luvas será um caso de duvidosa utilidade e há mesmo quem tenha com ele uma relação difícil, mas também lhe encontro potencialidades para esconder restos de bolachas oreos, o porta-Portas agora está um bocado em baixo com aquele rapaz o Ribeiro-que-ventila-Castro (uma espécie de Nuno Cardoso da direita) mas o rapaz das feiras voltará certamente um dia, quando o Cavaco estiver no intervalo entre uma fatia de bolo rei e uma condecoração ao Saramago, estou-me a desviar – e afinal não tive nenhum sonho marado, volta Freud estás perdoado – mas critica crítica é aquela situação de o Soares ter um porta voz – o Severiano-também-porta-gravatas-Teixeira , e depois vai-se a ver o Cavaco diz que é ele o porta-voz de si próprio. Pessoal, assim, a gente, não se entende. Eu reconheço os méritos da opção cavaquista, ( o Dic. Houaiss é arrasador com esta palavra) é uma coisa mais limpinha, um tipo transporta a sua própria voz, não expõe o gargomil ao perdigoto do povo por dá cá aquela palha, parece-me pois uma opção higiénica, desde que tenha por hálito, perdão por hábito comer-se com a boca fechada. No entanto, a opção de delegar a portabilidade da sua voz é uma solução que também poderá ser encarada como mais arriscada por causa das correntes de ar durante o transporte, mas, vendo bem, ao estar safa a próstata não me parece que as amígdalas venham a atraiçoar, pior será mesmo o Severiano ainda poder ser contratado pela TVI para fazer de Vitinho na hora de deitar as crianças tal o seu ar de embalo e a irrelevância do que diz.
São contudo claramente, e isto é que é importante destacar, duas maneiras distintas de ver o mundo, não diria duas mundovisões mas arriscaria em falar de duas formas diferentes de encarar o céu da boca: um tem lá o credo, outro tem lá o peixe.
Penso que esta questão tem sido muito desvalorizada pelos analistas, mais concentrados no teor de ansiolíticos dos manifestos e por isso vou ainda discorrer mais um pouco em torno dela. A mensagem ao ser transmitida por um porta-voz exógeno pode incorrer num fenómeno de transferência, mas ao ser emitida pelo porta-voz endógeno pode criar mecanismos perversos de feed-back. Se estivermos atentos constataremos facilmente que é nesta dinâmica peri-neurótica: ‘transferência’ versus ‘feed-back’ que se podem jogar os destinos da nação, mas o importante mesmo é que na baliza do Sporting vigora d’hoje em diante a regra do coito interrompido - só é considerado golo do adversário se já levarmos duas de avanço, e porra já estou a passar outra vez as 25 linhas. Abrevio, portanto: o sonho de qualquer nominalista é um dia ser tomado por eminente platónico. No fundo, ninguém gostará de ser lembrado como um mero porta voz.
quase religião

(porque "o pecado, esse já se sabe, está na carne". ou na influenza das aves)

descongelam-se no micro-ondas; envolvem-se no pó de uma sopa instantânea de marisco para ficarem a parecer panados sem o serem (o rigor não interessa nada para o caso); depois deitam-se num pyrex amanteigado (convém usar margarina, também não vale a pena mais despesa), cobrem-se de natas (daquelas em conta das linhas brancas dos supermercados) e deixa-se a arrastar no micro-ondas aí por uns 3000 segundos, em banho-maria; acompanha obrigatoriamente com arroz, salada e vinho branco

parece complicado? não é! vendo bem não é sequer necessário usar qualquer tempero específico para fazer estes "filetes de pescada expresso", tão de encher-o-olho quanto desenxabidos e intragáveis, valha-lhes a santa. ou outra coisa qualquer
My nhiqui nhiqui side of the soul

Não gostei de ver Madonna com aqueles brincos horrorosos, fazem-lhe na cara o mesmo efeito que Manuel Alegre na corrida presidencial que dá ao país um ar de bidonville a maquilhar-se, como um país de farófias que um dia sonharam ser profiteroles, parecemos uma Venezuela a recauchutar-se em realismo mágico, como se não nos bastasse ser um país de pitágoras que é constantemente encornado pelas hipotenusas. Mas foge-me a lógica, sou puxado para o trocadilho, apetece-me adormecer num sofisma e empolar o que me falta; hoje se sonhar, vai sair merda. Se amanhã ainda tivesse coração poria a boca no trombone, mas felizmente a tal de lua nova já se está a baldar.
"Passando-lhes pelo estrado"

- Toda a mulher é uma lição -

Parte II - Afagando e andando

4. Notas prévias
Na dialéctica em análise o papel das mãos assume uma posição muito sensível, delicada mesmo. É o clássico dilema do investigador: onde termina o cientista e começa o homem; ou o drama do artista: onde termina o modelo e começa a amante; ou mesmo, não o esqueçamos nunca, o drama do homem do lixo: onde termina o trabalho e começa a merda.

Escolhemos para objecto deste capítulo desde os movimentos mais clássicos como o 'apalpar', até aos menos evidentes como o 'roçar de polegar', passando pelas sempre enigmáticas 'festas com as costas da mão', sem esquecer o febril 'dedilhar' nas suas mais diversas combinações estilísticas. O acto de 'espremer borbulhas' foi afastado da análise pela sua evidente falta de gosto e por apenas servir o cruel desiderato de uma das partes.

Existe uma premissa que deverá ser de imediato vertida porque é transversal a toda a análise: para as mãos de um homem todo o estrado feminino deve merecer o seu cuidado, não deverão existir zonas de primeira e zonas de segunda pois a mulher é muito sensível a estas classificações e não assimila bem que fazer-lhe uma festinha ao de leve com o indicador percorrendo a curva torneada do cotovelo possa ser ligeiramente menos estimulante para o homem do que apalpar-lhe valentemente o rabo.
história de z

Era uma avózinha tão saudosista que chegava a sonhar com a Mary Poppins. Só por causa do guarda-chuva, claro.
"Passando-lhes pelo estrado"

3.4. Perspectiva panteísta
Antes de passarmos às mãos importaria reflectir sobre os locais onde os lábios efectivamente podem trazer um real valor acrescentado no estrado feminino. Afastado o mistificado, ou pelo menos sobrevalorizado, pescoço, teremos forçosamente de avançar para as zonas de maior valor ginecológico. Face à extensão e riqueza do corpo feminino teremos de nos concentrar nesta breve exposição apenas nalgumas. Aqui avançaríamos para as sempre muito interessantes zonas de fronteira. Escolheria duas: aquela que fica entre as protuberâncias mamárias e o umbigo, e uma outra, também não menos eriçadora do pêlo, entre o final das costas e o início da encosta descendente das dunas de retaguarda. Cremos que ambas as zonas foram criadas por Deus e julgamos que terão sido mesmo aí que nasceram as primeiras heresias panteístas. Não era caso para menos. É nessas zonas de antecâmara que parece tudo se jogar; é aí que parece se revelarem os passos chave de toda a dança pelo estrado, é aí que um gajo tem de estar atento a essa merda dos sinais, porque porra, um gajo já não lhe basta ter de decorar o código do Multibanco que ainda tem de se pôr a adivinhar qual é o momento certo do orgasmo feminino.

3.5. Síntese prévia
Pois seja a roçar, seja a beijar, seja a sorver, nesses locais o lábio será sempre magister luxuriae, mas valha-me Deus eu agora vou interromper o estudo e vou ali e já venho. É apenas mais trabalho de campo, nada demais, cience oblige. Sim até porque se não fosse a ciência nem sequer sabia que nada destas coisas existiam.
y's e concisão

O minimalismo é um efeito de expressão de genes holândricos. Tal como a hipertricose auricular, de resto. Ou a surdez selectiva.
"Passando-lhes pelo estrado"

3.2. Perspectiva sensório-motora
Acabou no entanto por ser depositada muita esperança no mero movimento arrastado dos lábios sob o estrado dérmico. Esse "roçar labial "absolutamente carregado de insinuação, era uma resposta masculina à acusação de 'táctica barata' com que muitos lábios-em-kiss-module viam ser catalogada a sua humilde actuação. Este movimento deslizante de lábios, numa primeira fase, conseguia parecer transportar consigo o tão falado, e elogiado, pela sensibilidade feminina: poder do implícito. Mas como não foi até agora localizado nenhum espécime do género masculino da raça pura que se tenha chegado a satisfazer com esse conceito, ele passou a ser um mero refúgio de frustrações canalizadas para a literatura.

3.3. Perspectiva psicológica: Freud, Piaget e Vigotsky
Menos prosaico que estes dois movimentos referidos anteriormente no que concerne aos lábios, mas julgamos de valor epistemológico não inferior, é a denominada 'sucção'. Trata-se dum movimento aglutinador de competências e que possui um elevadíssimo potencial teórico de excitação. Certos estrados mais sensíveis conseguem no entanto arruinar liminarmente todo esse caudal erótico com a frase carregada de encanto: "não gosto que me chupes". É cruel, houve mesmo quem ficasse tão traumatizado que passou apenas a beber de palhinha. Mas não generalizemos, os estudos demonstram que qualquer homem normal já ficou muitas vezes a chupar no dedo e a pensar na vida porque não acertou num tal de ponto G e acabou por superar isso recuando de letra e apostando no que f...lixe. O alfabeto será sempre um manancial desde que um tipo não seja kapado de todo.
The country club

O dicionário não ilustrado com entradas avulsas entre todos os santos e os fiéis defuntos, mas a piscar o olho ao limbo dos inocentes. (1110 a 1122)- fui acrescentando até à capicua

Constituição – Documento que começa a ficar para as democracias modernas como o livro dos Salmos para o catolicismo.

Poderes presidenciais – Tipo de poderes tão bem definidos que deixariam o Leviathan a pedir ao Hobbes para escrever tudo outra vez.

Magistratura de influência – Sofisticado processo que permite o nariz penetrar em locais para onde não foi chamado. Pingo ( de vergonha, claro) a evitar.

Procuradoria geral da Republica – Local selecto onde a República faz de palheiro, o cidadão de agulha e a lei faz de palha.

Políticos profissionais – Os que descontam para a caixa mesmo que depois não dêem uma para ela.

Política – Actividade nobre que assim relega para um segundo plano a actividade isidoro. (Em qualquer caso entram picados e saem enchidos).

Sessão legislativa – Tipo de convenção semelhante ao orgasmo feminino e que dura o tempo que o povo leva a gemer.

Estado – Zona de caça associativa que se aproveita das regras da caça livre e sobrevive como couto privado. Livre de pandemias porque trabalha mais à base de revoadas.

Poderes consagrados na constituição – Tipo de relíquia em que o santo depois do martírio ainda ficou um bocadinho a aquecer as mãos.

Regime semi-presidencialista – Tipo de regime que está para a democracia com o cobertor curto para um corpo enregelado.

Mandatário eleitoral – Figura que está para um candidato como as fábulas para a literatura e as parábolas para a revelação.

Regime parlamentar – Tipo de regime que está para a liturgia democrática como os fieis defuntos para a católica: devemos primeiro pedir a todos os santinhos que quando for o juízo final se lembrem e valorizem as pequeninas coisas boas que algum dia, mesmo que inadvertidamente, conseguimos fazer. Agonizar é o martírio possível.

Presidência da República – Limbo do regime que apenas se agita ligeiramente quando o pessoal do purgatório quer arejar um bocado e, lembrando-se que ir às putas pode ser opção arriscada, vai antes comer algodão doce.
big brother pbx

Ouvido hoje numa radio: "todos têm um talento que devem descobrir e desenvolver nem que seja recorrendo ao auxílio das fadas de Neverland". Deve residir nesta crença a explicação para haver quem pretenda ensinar antes de aprender a soletrar.

['musa intertextual' e 'francesinha especial' não são sinónimos: rimam e é tudo]
Aqui jaz um post


- Li outra vez, estava uma trampa, apaguei.
- Então porque é que não apagaste os outros?
sonho de uma manhã de outono:

ser musa intertextual (*)

(*) leia-se: em regime de copy&paste
"Passando-lhes pelo estrado"

3. Anatomo-fisiologia do ósculo
Mas voltemos à verdadeira dialéctica: lábios versus mãos. É aqui onde realmente se joga todo o destino dum homem que não queira viver apenas dando lustro ao soalho do divino estrado feminino.

3.1. Perspectiva bio-físico-química
O lábio é sem dúvida um instrumento que foi bafejado pela benesse da localização estratégica. Vizinho do nariz, vizinho dos dentes, porteiro da língua, condómino da bochecha, parece aquela ave que todas as reservas ecológicas gostariam que lhes viessem desovar em cima. Este bolbo sanguíneo apresenta dois prosaicos movimentos ao seu dispor. O mais clássico é o chamado 'beijo' e é talvez o exemplo mais acabado do sucesso sexual periclitante e instável. Já foram observados tanto a resultarem na mais valente e empolgante fornicação (designação derivada da culinária alentejana e que descreve o momento em que o cozinheiro mete o cação no forno) como a resultarem no mais desanimador 'agora não', mais desanimador ainda porque muitos estudos chegaram à conclusão de que 'agora' significaria 'dois meses'. Tudo parece indicar que o efeito desse dito 'beijo' estará muito dependente duma tal de 'disposição'. Ora esta maravilha da psicologia feminina está relacionada com um misterioso equilíbrio químico em que as enzimas variam com o rácio entre a raiz quadrada dos fungos vaginais e o logaritmo menstrual. Mas, diga-se em abono da verdade, seja enzima seja embaixo nenhum beijo poderá resolver uma falta de pachorra hormonal. Certas correntes chegaram a concluir que o beijo em si já poderia reflectir um estado de climax erótico, peri-orgásmico; essas teorias foram no entanto abandonadas porque a frigidez foi considerada um atraso civilizacional apesar de não haver nenhum barco itinerante de holandesas a tratar disso.
Génesis revisitado

Socraates depois da maioria absoluta avisou as tribos que Deus lhe tinha dito num sonho que com ele a descendência socialista seria numerosa como o pó da terra, e que bastaria lá haver pelo menos um justo (actualmente tinham dois: a mme Barroso e o Guterres) para serem poupados àquela dose da dissolução com que levaram os Sodoma Lopes e Gomorra Portas. Preparavam-se assim para viver todos contentes, e até tinham feito um pacto (isento de corte de prepúcio, contudo) de que se garantissem que circunlixavam o povo rapidinho nos dois primeiros anos talvez Deus os iluminasse com um candidato em condições para a presidência. Constatando o meio uterino do partido a envelhecer a olhos vistos, Socraates desesperou, adiantou-se ao Criador, e informou que iria gerar um candidato de nome Soaares, moço este que certamente garantiria uma prole socialista a crescer que nem estrelas no céu. A coisa parecia poder correr normalmente, o outro possível e incómodo candidato (pode fazer de filho da escrava Oportuunista), o Freitaas, até acabou por fazer o desmame sem muita berraria, mas eis senão quando o Altíssimo tinha uma partida preparada e informou Socraates: ‘tás fodido, podias perfeitamente ter escolhido o Lacaão e perdias sem muito estrilho, mas quiseste fazer a coisa às três pancadas, e agora levas-me o Soaares ali pràs urnas e ele vai acabar por levar com uma cavacada do caraças na carola. Sócrates resignou, cabisbaixou, desforrou-se para desenjoar na reforma dos combatentes e na comparticipação prás análises da próstata dos juízes, e entregou-se definitivamenete à vontade d’Aquele que lhe tinha colocado o poder numa bandeja (entre umas finas fatias de Sampaio, diga-se). Já Socraates escolhia o tipo de tracejado ou picotado no qual incidiria geometricamente a cavacada em Soaares, quando num último momento o Anjo da lírica lhe apareceu e disse: Acalma-te meu, arranjo-te aqui mais um artolas para levar com o cavaco-cutelo; e então ele ergueu os olhos e viu por detrás surgir um poeta de voz funda e olhar doce de carneirinho chamado Aleegre. Seriam então assim os dois entregues em holocausto, seria dividida a desgraça, Socraates manter-se-ia abençoado e a sua descendência continuaria a multiplicar-se como as areias da praia. ( concurso de construções opcional)
Ao povo, que não podendo ser eleito e se ficou por eleitor ( o que nem dá uma terminação, grande porra!) , aquele que ora é pó, ora é estrela, ora é areia, o melhor que lhe pode acontecer é fugir para o Egipto, enfiar-se numa cestinha de junco e rezar para que por aí lhe apareça a filha dum faraó banhando-se na margem do canavial. No fundo, todos sonhamos com um abençoado êxodo. Mas acaba por só fazer sentido uma terra prometida depois de se ver a primeira fodida e bem fodida.
"Passando-lhes pelo estrado"

2. Anatomo-fisiologia da cerviz
Comecemos por uma lateralidade procurando criar ambiente, pois até um texto técnico precisa dum ambiente descontraído para ser bem recebido; detenho-me por isso no pescoço da mulher, que é aparentemente uma atracção logo aos primeiros acordes das hormonas, que só se aguentam calmas quando os sustenidos estão embebidos em bemol. Mas desmistifiquemos sem demora: tirando o caso quase zoológico de Celine Dion, o pescoço duma mulher é um dos grandes equívocos do erotismo; e fica já arrumado o postulado: nem todo o arrepio é uma descarga hormonal. A mulher utiliza esta ilusão de que no pescoço se situa uma espécie de aleph do prazer para ir ganhando tempo, para dar a entender ao homem que tem pontos sensíveis afastados do centro de gravidade. Ora um ponto sensível que esteja longe do epicentro não passa duma figura a dar serventia à retórica poética, dum entreposto manhoso, dum posto de muda de montada, duma senha de racionamento que nos cria a ilusão de que estamos no caminho das especiarias lá porque tresanda a perfume fino. Os vários estudos de campo realizados ao longo da última década revelaram respostas bem elucidativas, do género "elas levam-nos à certa com aquela conversa do pescoço" ou então "muitas vezes depois nem se passa daquela merda". Por isso de pescoço estamos conversados: é um mero fait-divers que a mulher usa para tentar alimentar a imagem de animal sensual que foi parido à socapa por divindades gregas com excesso de esperma a cheirar a hortelã-pimenta.
"Passando-lhes pelo estrado"

- Toda a mulher é uma lição -

Parte I

1. Preâmbulo
A grande dúvida da vida de qualquer homem é se deve começar a abordar uma mulher - no esplendor do seu estrado - com os lábios ou com as mãos. Com o coração está fora de questão porque, como já se sabe, o risco deste vir a amolecer os movimentos dalguns músculos mais sensíveis e essenciais é muito grande. Fazê-lo à base de 'paleio' será sempre uma solução de 'recurso', ou seja, basta ver o resultado da fusão gráfica dos conceitos: é um mero 'recreio'. Este texto é praticamente científico, não cairá jamais na divagação lírica, nem mesmo se esta ajudasse a rimar, nem na divagação onírica, nem mesmo se ajudasse a sublimar recalcamentos, nem cairá na divagação humorística mesmo que esta ajudasse quimicamente ao sempre difícil orgasmo, intelectual entenda-se.
Ou o nó da gravata

Qualquer mulher que se preze é uma exigente executora de metas difíceis. Quando conhece um homem mune-se de uma tabela swat e começa por proceder a uma avaliação da tarefa em causa. Em seguida, elabora um plano de actuação que o transforme no super-homem com que sempre sonhou. No entanto, o resultado do trabalho, a que dedica por vezes anos de afinco, não consegue, alguma vez e ainda que por aproximação, deixá-la satisfeita. A cada dia que passa mais se apercebe terem-se as mudanças planeadas, quando executadas, transformado em defeitos. Não é que não goste do trabalho feito, não gosta é do efeito. Única conclusão lógica, inteligente e pragmática, possível: é do nó, e não do tecido, o defeito.

[Bom, este é um tema tabu aqui na «casa» mas, dadas as circunstâncias, a tentação foi mais forte. E livre-se de emigrar, nem com aquela algaraviada sobre despedida se safa!]
cada um sabe onde lhe aperta o sapato

quando num fim de tarde em que o sol se punha ali à beira-rio (há sempre este cliché, não? mas foi mesmo assim) confessei a alguém (a quem na devida altura - e perante a sua ofuscante elegância em beges e azuis - expliquei dever ser a barriga masculina aos quarenta e tais mais calo sexual que pneu) que gostaria de viver, ainda que por um dia apenas, na pele de um homem (outro inevitável cliché com a atroz vulgaridade das conversas privadas em voz alta ao telemóvel ou no café), não estava realmente nadinha à espera de poder um dia experimentar viver na pele-blog deste...

ah, calço abaixo de 39, faxavor
Homens de flesh & bones

Talvez resultado da leitura do novo e badalado blog sociedade anónima e sobre o efeito duma febre que só espero não esteja relacionada com uma canjita que comi à atrasado (e gajo que não se refira a esse 'blog de meninas' no prazo duma semana pode ser considerado complexado)

(Este é um texto praticamente teórico, e revelador de que os homens também não têm pruridos nenhuns em falar dos seus problemazinhos, sejam eles a masturbação em grupo, sejam os terços às quintas feiras, sejam a paixão pela playstation, sejam o primeiro beijo lambuzado ou ressequido, sejam a incapacidade de dizer a um amigo que a mulher dele é como as botas da tropa… marcha sempre)

{1} É sabido que para o homem a sua barriga assume uma simbologia de carácter dinâmico, e tem para com ela uma relação de altos e baixos ou, para utilizar uma expressão que dá sempre muito boa serventia: de amor-ódio. Freud acabou por menosprezar esta fracturante problemática em favor da sensaborona ‘inveja do pénis’ mas deixem-me dizer-vos – queridas leitoras – os homens nos balneários, nos ginásios e pocilgas afins, não andam nada a ver a pilas uns dos outros mas antes sim a analisar as respectivas barrigas, a curva logarítmica da sua evolução, a sua tendência para uma quase marsupialidade, a sua maior ou menor michelinização, a sua cilindrificação versus conificação enfim, reconheçamos: o homem antes de se confrontar com as nuances da sua pendente sexualidade terá sempre de passar pela constatação do arredondamento ventral da sua adiposidade.
Certas correntes científicas, acautelando o potencial negativo que sobreviria da deficiente - se não mesmo neurótica - incorporação que o homem pode fazer da sua condição de 'enlargement waist criature' acabaram por desenvolver sofisticadas teorias que fizeram concentrar o orgulho masculino em suaves palmadinhas sincopadas em ambas as encostas laterais da dita barriguinha confluindo para a zona umbigal. Chegamos assim a este estádio de desenvolvimento da espécie – no seu género masculino – em que a gravidade se concentra numa zona mediana do ser, que nem é lombo, nem é peitoral, nem é coxa, e qualquer dia já nem sequer poderemos dizer que o homem tem as costas largas, mas que apenas transporta consigo o crescente e bojudo dom da umbiguidade.

{2} Mas isto não podia ficar assim e tal como a origem das espécies inaugurou a moda de ir escrevendo diversas versões de ‘contos sintéticos’, eu também não resisto e escrevo agora uma outra versão baseada num texto do soc-anónima (de titulo ‘O Teste’ e que já vi referenciado, concorrendo assim para o estatuto de canónico) sendo pois mais um humilde contributo para a sempre esclarecedora discussão em torno das diferenças entre homens e mulheres. Ei-lo :

Eu a uma dada altura andava com muitas dúvidas sobre o sabor. Um amigo mais experiente (que já tinha lambido uma assim de raspão num intervalo do Quarteto) achava que o paladar era mais o genuíno sabor a peixe que se encontra no sushi. Outro com o mesmo nível de experiência inclinava-se mais para o clássico sabor a bacalhau salgado mas apenas meio demolhado. Eu que já sabia da riqueza gustativa de ambos os paladares achei que era fácil esclarecer essa dúvida e, numa feira de gastronomia provei das representantes de ambas iguarias; verificada que foi a instabilidade do sabor do sushi e da sua maior dependência do grau de sensibilidade da língua, foi aprovado por unanimidade que o bacalhau salgado estaria mais correcto. Todos nós casámos…

Aqui se prova igualmente como o homem é de facto um ser mais previsível e com muito menos piada, mas se calhar isso será porque nunca uma barriga poderá ter o mesmo encanto dum belo par de mamas. Mesmo que em ambos os casos estejam um pouco descaídos.
«Where is the "I"?» (*)

ainda sobre a história universal, adão e eva in(ex)cluídos, em 25 linhas e mais um pouco:

1.
"I never painted my dreams, I painted my own reality" (**)

e sobre o recurso ao distanciamento, ainda que ao preço do coração, como forma de recusa à trivialidade:

2.
"These canvases I've painted
I did with my own hands;
they wait for you upon the walls
to please you as I planned." (***)

[(*) Frida Kahlo, in catálogo à exposição "Frida Kahlo", na Tate Modern (9 Junho - 9 Outubro 2005), Tate Publishing (p. 31) - (**) Frida K., idem, contracapa - (***) Frida K., idem, para o convite à exposição de 1953 (p.8)]
De shorts história

Julgaram-se amantes nesses últimos anos. Tinham feito tudo como mandava o catálogo: encontros furtivos e fins de semana prolongados, ora beijos meramente prometidos ora beijos sofregamente concretizados, ora simples escapadelas ora sofisticadas programações, sexo seguido ou não de boas refeições, confidências arrastadas, passeios à beira mar, despedidas desconsoladas, corações sempre a dançar. Até que um dia descobriram o fingimento que alimentavam. Afinal ambos eram solteiros, livres, descomprometidos, mas achavam isso tão insuportável que alimentaram assim um crime artificial que lhes desse sentido àquela culpa estúpida que sentiam por aparentemente tudo lhes ser permitido. Ela ao descobrir a fraude da fraude pegou na roupa dele e atirou-a pela janela fora, ele riu-se e fez o mesmo com as roupas dela. Ficaram ambos apenas com uns calções horríveis, daqueles que não enganam ninguém: nem tapam, nem insinuam, nem espevitam, nem castificam. Mas a força metonímica do cenário serviu para chegarem ao mesmo tempo à conclusão de que o maior engano é dos que julgam que se sabem despedir. Com a clarividência dum momento sexual mal consumado decidiram ser amantes para sempre, mas agora iria cada um enganar para seu lado. E seriam fiéis para sempre àqueles tempos em que as mentiras se anulavam umas às outras num ciclo quase remissivo e que os deixou praticamente de cuecas. Uma despedida só vale a pena quando se tem a certeza que se pode regressar.
Só me apetece escrever textos de despedida

Se Deus por acaso quisesse fazer isto outra vez de novo e me pedisse a opinião, eu dizia-lhe. Ai dizia, dizia. Para já, àquela não a fazia sair duma costela, é logo algo que sai um pouco de esguelha, fica condicionada a simbologia, fica prejudicada a genealogia, acho que foi mal pensado, teria antes escolhido uma tíbia ou uma falangeta, e viu-se, deu logo azar com o Caím e com o Abel, e depois foi por aí fora; e pelo menos teria feito uma pausa com aquilo que aconteceu com o Abraão, era muito tribo, era muita confusão, demasiado deserto, demasiadas tendas, demasiado borrego assado, eu cá essa cegada teria saltado, e depois de ver os etruscos e os egípcios com tanto figurão, e tanta figurinha, e tanto enchumaço, nãnã, eu não teria avançado tão rápido, eu teria pensado melhor, teria mesmo repensado, e ter-me-ia certamente assustado com aqueles gregos todos a trabalhar em seco, borrifando-se para a saída e borrifando-se para o beco, aí teria feito umas substituições, reforçava outra vez defesa, e não deixava os romanos perderem a cabeça.
Ai eu dizia-lhe: abusaste daquela coisa do livre arbítrio, devias ter ponderado melhor, deixavas o pessoal mais controlado, a ter de ir prestando contas formalmente aos poucos, ter-se-ia evitado algum escrúpulo medieval, e ter-se-ia evitado alguma escolástica retorcida disfarçada de aristotelismo. E teria posto a mão no Agostinho. Era muita metáfora e já teriam bastado aquelas que tinhas permitido ao Platão. Teria dado mesmo uns saltos valentes na história, desvalorizava os renascimentos e acarinhava os maneirismos, punha a reforma e a contra-reforma a jogarem às palavras cruzadas, no limite tê-los-ia levado a passar uns dias com umas tribos da amazónia para que perdessem todos as peneiras, e esquecessem as boas maneiras, faziam as fogueiras mas dançavam; e aos filósofos que fossem aparecendo teria feito com que alimentassem bem, de barriga cheia talvez gerissem a azia de maneira diferente.
Mas não me ficaria por aqui, se Ele queria realmente a minha opinião, eu iria falar até ao fim. Ali por alturas da tal revolução industrial eu organizaria então um intervalo, com umas bandas animadas e uma petiscada, vá lá. Chamava o Marx, trazia à liça os tipos da tomada da Bastilha, juntava-lhe uns americanos entusiasmados com o federalismo e uns chinocas desconfiados– ainda não faziam tshirts - e dava-lhes meia hora para se entenderem, com decisões rápidas: havia classes exploradoras e exploráveis ou não havia, havia propriedade privada ou não havia, a paz era um valor a tender para absoluto ou não, a sociedade de informação quando aparecesse seria de dar esse pelouro apenas aos anjos ou não, a admissibilidade do sexo livre e por aí adiante, assim tipo um caderno de encargos para resolver mas sem dinheiros por fora. Alguma táctica haveria de sair, a espécie está destinada a desenrascar-se, só precisa que lhe dêem um oportunidade e que lhe saibam reconhecer os méritos e sejam compreensivos com os fracassos senão, como já tinha dito o Shakespeare em plena pose inspirada em Hamlet: nunca haverá chicotes que cheguem. Teríamos sido poupados ao existencialismo, a psicanálise ter-se-ia conformado apenas com o seu estatuto de método, Kafka teria sido sócio de Tintin, Gorbachov montaria uma loja de perucas na praça vermelha e Mandela venderia camisas às riscas Ralph Lauren. Os judeus dedicar-se-iam apenas à música clássica e Hitler organizaria acções de formação em condutas de gás natural para a Galp.
Eu cá, no fundo, não teria era dado tanta rédea solta à rapaziada logo que se viu que começavam a pintar as paredes nas grutas, e assim eu até escusaria de estar sempre a ser chamado à escola do meu filho mais novo porque o sacana já lixou mais de metade das paredes da sala dele e o Soares escusava de acabar os seus dias políticos a fazer de Manuel João Vieira mas ainda mais gordo e com menos cabelo. Que Deus o perdoe e a nós no alivie do ar rupestre que isto pode tomar.
a gebak dos lagartos

uma ordem sua, já se sabe...

quando, na minha inocência, esperava por uma indicação salvífica da demissão (*) daquele rapaz loiro e encorpado que em pequenino deve ter-se empanturrado de koggertjes e de poffertjes (**) e até já tinha preparada uma faixa de homenagem a dizer

tot ziens!

em letras azuis desenhadas a rigor, eis que sobre mim se abate a notícia de ter sido, afinal e mal feitas as contas, aquele rapaz moreno, musculado e de aspecto pacífico criado a migas de couve e bifinho da lezíria (***) a ser demitido, carago!

(*) leia-se pontapé naquele sítio que deixa de ser costas, para me deixar de eufemismos inúteis
(**) ultimamente tem-me apetecido muito mandá-lo comer, sei lá!, bolbuisjes? mas não sou mãe dele nem digo palavrões por causa da manutenção do bom nome da família
(***) e que, esse sim de forma generosa e determinada, tanto tem contribuído para o bom lugar do clube que me afaga o coração

[nota de rodapé: aqui para nós, a carolina deve ter qualquer coisa de endorfina pra pintos, essa é que é essa]
Basicamente, um post de futebol para gajas (*)

O actual momento futebolístico está marcado por diversas circunstâncias que apenas estão ao total alcance do universo feminino.

Tomemos o caso de Nuno Gomes. A menina. Esse maravilhoso jogador conhecido na Europa pelo movimento arredondado que faz com a mãozinha no cabelo em torno da orelha, de repente torna-se de igual modo notado porque começou a marcar golos. A última vez que o conseguiu foi precisamente no sábado passado, onde acabou por ser acolitado pelos defesas-tipo-araras de uma equipa treinada por aquele moço holandês que já fez mais pelo ensino do inglês que duas reformas educativas juntas, dado hoje não haver puto que antes de sair para a bola não se chegue à mãe e lhe peça um ‘white handkerchief’. Poderia dissertar um pouco mais sobre estes inesperados sudários da futebolidade, simbologias para novas vias sacras, mas preferia antes deixar definitivamente claro que todos os problemas do futebol moderno se situam no equilíbrio entre as variáveis, que passo desde já a elencar:
- a função preponderante dos trincos
- a subida constante dos laterais
- A construção da equipa de trás para a frente
- A pressão global
- O controlo do jogo
Ora aqui é imediatamente notório estarmos perante opções que parece ter sido o universo feminino a influenciar determinantemente . Comecemos pelos ‘trincos’. Julgo que a alternativa óbvia seriam os ‘chupões’, género de jogadores que fariam uma espécie de ventosa no jogo do adversário o que me pareceria bastante mais perturbador e eficaz, no entanto colocou-se antes o ênfase nesta operação de ‘trincar’ sob flagrante capricho do desejar e pensar feminino. Não contentes com isto, os novos estrategos do jogo em vez de valorizar a zona dianteira central, que acaba por ser onde se situa a baliza, sucumbem novamente e resignam-se à utilização de técnicas da ordem do preliminar como sejam o papel excessivo dos ‘laterais’ e o construir dos movimentos de consolidação do jogo vindo ‘de trás para a frente’. O que não deveria passar de mera manobra de diversão alcança agora o posto de condição sine qua non. Como se isto não fosse suficiente, ainda aparece um tipo sempre agarradinho à mulher e aos filhos, conhecido por Mourinho, e inventa essa coisa da ‘pressão total’ quando o pessoal já estava serenamente habituado apenas à ‘pressão alta’. Isto baralha, pois baralha. Um homem sabe bem que não tem mãos para tudo, e só um espírito feminino poderia conceber uma tal de ‘pressão total’; o jogo, até reconheço, ganhará eventualmente em potencial orgásmico mas ao intervalo garanto que o pessoal já não sabe o que anda ali a fazer bem ao certo e o jogo seguirá por conta e risco da dona do carrocel . Chegamos assim lógica e finalmente ao ‘controlo do jogo’, onde no fundo se concretiza toda a influência feminina no futebol moderno. Ter a bola sempre em seu poder e determinar os momentos de penetração é o que está por detrás deste conceito estratégico que nos dias de hoje é a chave mestra do domínio duma partida e do aumento da probabilidade de criação de situações de concretização, isto para já nem falarmos na obsessão de treino das bolas paradas – nós, os homens prestamo-nos a tudo, é o que é; valha-nos Deus. Estamos, em consequência, perante uma absoluta femininização do futebol, esse novo gineceu, antevendo-se assim os tempos de glória para Nuno Gomes. Haja quem desfrute.


(*) ‘gajas’ - conceito de índole arcaico pois se já nem têm escrita específica é porque não existem senão como figura de retórica gasta.
nota técnica: neste momento o Sporting é assunto do foro religioso e por isso não me posso pronunciar
ÿ


[Perdão?! Como diz que disse? Ah, estruturalismos!]
Manual de estereotipagem rápida
( blogue sem disfunção eréctil, mas que não rime, será sempre meio apanascado)

Pegue-se selectivamente num tique
E apetrechemo-lo dum belo par de pernas;
Exageremos-lhe depois o andar remoçado,
Façamos um suspiro parecer um chilique
Tudo recheadinho com umas piadas modernas
E teremos uma figurinha em ponto rebuçado


Com o tique já em forma de trejeito
E todo ele a apoderar-se do sujeito
O povo estará então pronto a babar-se de gozo;
É o momento certo de apelar ao belo efeito
Tirando-lhe a casca, mostrando-lhe bem o caroço

Resumindo, temos assim nesta fase:
O ventre já está à mostra,
E o rabo já está quase;
Só falta tirar a última crosta
Antes que a rima se atrase
e comece a fazer fernicoques,
ou outros tormentos,
no maravilhoso reino dos berloques
e dos afrontamentos.

E é nestes preparos que chegamos à parte final,
Temos o sujeito já meio em pelota
À mercê da infalível técnica do ‘tal e qual’:
enquanto a divina excepção arrota
A regra torna-se uma flatulência fatal.

Daí que o verdadeiro segredo
seja dizer o que os outros gostam de ouvir
Para assim todos podermos sacudir
O que nos transporta o medo
A alta marroquinaria

Por falar em 'coiros & escritos', uma expressão ouvida hoje a um jovem:

"A língua tapa-lhe os olhos".