De shorts história

Julgaram-se amantes nesses últimos anos. Tinham feito tudo como mandava o catálogo: encontros furtivos e fins de semana prolongados, ora beijos meramente prometidos ora beijos sofregamente concretizados, ora simples escapadelas ora sofisticadas programações, sexo seguido ou não de boas refeições, confidências arrastadas, passeios à beira mar, despedidas desconsoladas, corações sempre a dançar. Até que um dia descobriram o fingimento que alimentavam. Afinal ambos eram solteiros, livres, descomprometidos, mas achavam isso tão insuportável que alimentaram assim um crime artificial que lhes desse sentido àquela culpa estúpida que sentiam por aparentemente tudo lhes ser permitido. Ela ao descobrir a fraude da fraude pegou na roupa dele e atirou-a pela janela fora, ele riu-se e fez o mesmo com as roupas dela. Ficaram ambos apenas com uns calções horríveis, daqueles que não enganam ninguém: nem tapam, nem insinuam, nem espevitam, nem castificam. Mas a força metonímica do cenário serviu para chegarem ao mesmo tempo à conclusão de que o maior engano é dos que julgam que se sabem despedir. Com a clarividência dum momento sexual mal consumado decidiram ser amantes para sempre, mas agora iria cada um enganar para seu lado. E seriam fiéis para sempre àqueles tempos em que as mentiras se anulavam umas às outras num ciclo quase remissivo e que os deixou praticamente de cuecas. Uma despedida só vale a pena quando se tem a certeza que se pode regressar.

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