O Plot dos happy few


Vê-se que pensou em arrancar num tour d’horizon mas apelou-lhe mais o Bildungsroman, não tivesse sido uma criança absolutamente desinteressante. Temi que se tornasse num patchwork fútil mas acredito que foi resgatado pelo modelo de roman à clef em que acabou por se tornar. Não desperdiçou momentos exclusivos em huis clos, nem nenhum teaser que a inspiração lhe serviu no prato. Optou muitas vez pelo sottovoce não fosse o papel rasgar, se bem que a naïveté o terá traído nalgumas cenas, das quais apenas saía com o recurso ao close reading decorado com um ou outro hors texte. A conversation pièce em que se transformou nalguns trechos não impediu algum divertissement a unir o bas-fond  ao beau monde como se fossem duas faces da mesma moeda e a fornecer a complexidade do mundo para funcionar como pièce de resistance. Infelizmente não resistiu ao clássico melting point que todo o burlesco acarreta e nem o grand finale conseguiu compensar a falta do derradeiro punch. Todos temos a petite vie que merecemos.

O Homem com qualidades


Tudo aponta para que nos tornemos num novo matriarcado. Aguardo com serenidade e até com alguma entusiasmada esperança essa chegada ao poder das mulheres. Cada mulher transporta consigo a sabedoria milenar que proporcionam os actos de menstruar, engravidar, parir e amamentar. São os mamíferos por excelência e chegarão ao poder por direito próprio. Podemos dizer que milénios foram necessários para que se fizesse justiça. O tempo das mulheres quase parece mais um tempo geológico do que biológico. E aplica-se, confirmando-se, a analogia: são inflexíveis como pedra.
A questão que se colocará então agora já não terá a ver com o papel das mulheres mas outrossim com o papel dos homens.
O homem passará progressivamente a ser o grande desconhecido. Parte com estigmas de vária ordem: eterna criança, amadurecimento retardado, manipulável por desígnios de baixa dignidade, facilmente corruptível, agarrado aos pequenos poderes que tenha mais à mão, propenso à infantil violência, totalmente vulnerável a ternuras de ocasião, entre eteceteras vários. Vai demorar milénios até recuperar.
Acossado pela subalternidade, acossado pelas dialécticas de género, acossado pela ameaça do desconhecido e pela falta ou dispersaõ das famosas referências, o homem irá forçosamente colocar o seu destino na mão dos Câncios que forem mais expeditos e convincentes.
Eu tenho um plano para os homens.
Ao contrário do que aponta o senso comum o homem tem um talento especial para ser desprezado. É uma vitimização especial, atenção, não confundir com espécimes mais vulgares, nem com a qualidade estritamente feminina que é dominar pela fragilidade. O homem consegue posicionar-se naquele lugar de aparência instável que é o vazio. Vendo que lhe foram assacadas as maldições da espécie o homem irá recolher à caverna e voltar a observar as sombras no quentinho.
No cantinho dos desprezados – as mulheres vão fazê-lo com o requinte das grandes vingadoras e não terão piedade – o homem não precisa de recuperar a confiança pois nunca a perdeu, mas pela primeira vez vai ter consciência que há uma guerra de sexos antes de todas as outras guerras. Ou seja, vai fazer o que já bem podia ter feito se não tivesse cego pelo poder: reconhecer a existência do inimigo.
Ponto da situação: desprezado, num canto, e a observar os movimentos das sombras do inimigo fêmeo. Afinal a mulher é apenas um homem que decidiu aprimorar alguns talentos em detrimento de outros. Um darwinismo antes de Darwin que se operou numa dobra do genesis que ainda ninguém tinha acedido. Einstein tinha estado ocupado com o casamento do tempo com o espaço e esquecera-se do que se passava no bordel da criação.
O plano deve seguir. A mulher vai achar que não vai cometer os erros do homem e fingirá que tudo é apenas um desprezo estético. Vai tratar o homem como se fosse roupa de estação e elevar a condescendência a máximos olímpicos. E o homem vai deixar correr.
O momento chave será sempre o do excesso de confiança. A mulher vencera a sua batalha quando finalmente desistiu de apostar no famoso ‘fazer das fraquezas força’ depois de ter posto todas as fichas nesse cavalo durante séculos e decidido ir à luta com as mesmas armas do homem: domínio do conhecimento, domínio do relacionamento, domínio do preço.
O passo seguinte será sair do cantinho seguro dos desprezados. A fresta abrir-se-á no momento em que a mulher se cansar de mandar. A corrente de ar ficará de feição quando a mulher não souber como pedir ajuda. Irá desaprender esse grande talento. Voltarão em força as pequenas debilidades: ler mapas, desenroscar frascos, interpretar a beleza dum fora de jogo, perder-se nos pormenores. A mulher irá cair nas ratoeiras que, na sua ansia de poder, se esqueceu de recolher e destruir. Ficará ciumenta como nunca tinha sido, ficará novamente refém do seu corpo, falará demais, desistirá e entregará novamente o mundo aos desprezados.
Desta vez nem será preciso um novo dilúvio.  Noé ficou dispensado do novo resgate. O homem retomará os comandos com todas as suas qualidades intactas.

DESPSICOGRAFIA


O animal feroz é um fingidor
Finge tão completamente
Que chega a fingir que é amor
O amor que deveras sente.
E os que ouvem o que diz,
No amor ouvido sentem bem,
Não a grana que ele teve,
Mas só a que eles não têm.
E assim nas calhas de roda
Gira, a entreter a vaidade,
Esse comboio de corda
Que se chama visa card.