Berilos, Turmalinas & Volframatos.

Giacomo Piolini sentia-se, e consequentemente, no caso, considerava-se, um artista. Contudo, não apresentava talentos para render na vasta amálgama das designadas artes consagradas (uma espécie de estados religiosos aplicados à arte), daquelas em que não era preciso apresentar resultados explícitos para um artista se sentir realizado ('sentir-se realizado' é a 5ª essência da natureza humana, e a 1ª essência da natureza artística a par do Kunstschaffende Gedanke, já se sabe). Ora se é do acordo comum que um bom escritor não precisa de ser lido, um bom realizador não precisa de ver os seus filmes todos apipocados nas salas de cinema, um bom escultor não precisa de ver as suas obras a servirem de pisa-papéis, um bom pintor não precisa de vender os seus quadros ao Berardo, um bom actor de teatro não precisa de trepar às paredes como a beatriz batarda, and so on, and so on, Giacomo descobriu então que: se também se assumisse como um artista-do-negócio, poderia perfeitamente realizar-se sem que da sua arte tivesse de resultar qualquer mínimo vestígio de lucro, que, como é do conhecimento geral, e nalguns casos particular, se estabeleceu como a regra de oiro, mesmo com estatuto de condição sine qua non, para definir a bondade do negócio-que-não-é-arte-mas-apenas-negócio.


Doctor Piolini dedicou-se assim a conceber, planear e executar projectos de índole empresarial, nos quais realizasse a sua Kunstwollen sem o imperativo categórico (perdoem-me a deKantação terminológica) do cash-flow, ombreando assim sem vergonha com pintores da nova figuração, romancistas de diálogos do eu, bailarinos contorcionistas do expressionismo e cineastas do deserto da intimidade. Claro que teria sempre de ficar claro que jamais se trataria duma mera actividade-sem-fim-lucrativo, (como lavar o cuzinho a velhos indigentes ou distribuir sopas a benfiquistas) Não! mas outrossim algo que, de facto, estava rigorosamente pensado para dar lucro, mas pura e simplesmente dele não necessitava como raison de satisfation, tal como um pai-nosso se reza para nos dar força d'alma mas basta sabermos que nos pode salvar das chamas do inferno para aguentarmos a angústia da existência por mais uns 30 ou 40 e picos anos.

A sua primeira instalação - designação emprestada pelo sempre inovador e generoso mundo das artes mais ou menos plásticas - de negócio-arte concretizou-se numa empresa de polimento de minerais para incrustação em pontas de bengalas, pingalim's e bastões diversos. Tratava-se dum nicho dentro dum nicho, mas que cruzava várias linhas de força dentro do cluster dos body-suplements: 1) uma necessidade óbvia ( de coxos e demais aleijados) com 2) um adereço estético clássico (são vários os exemplos), acrescentando-lhe 3) uma nova singularidade estética com espasmos de propagação (leia-se: moda) e 4) uma nova forma de distinção (agora que se torna, meus Deus, cada vez mais difícil distinguir quem é quem na sociedade).

À estrutura da empresa foi decidido enquadrá-la num clássico funcional, uma espécie de chanel dos organigramas, sendo que alguma transversalidade também era admitida face à segmentação de negócios: linha coxo tradicional, linha paneleirote, linha aristocrática e linha gadjetada. Cada área tinha objectivos traçados anualmente, conta de resultados autonomizada e, obviamente, planos de investimentos, marketing e desenvolvimento que, dalguma forma, competiam internamente entre si, tornaram-se inclusivamente famosas as rivalidades entre o designer chefe da paneleirote division e o seu homólogo da baronete division. As reuniões eram periódicas, as agendas conhecidas com a antecedência necessária, e a inovação (não se pense que era um produto maduro) era incentivada a par dum enorme, mas equilibrado, sentido corporativo, sem excessos iconográficos. Informalidade & Rigor era o lema que todos levavam para casa ao fim do dia mas com o qual retornavam diariamente, e sempre remoçado. Uma empresa, um negócio, um projecto que era uma peça de arte.

No primeiro ano foram adquiridas pela 'La Cannelona, SA' 2 toneladas das mais diversas madeiras e bambus (a empresa não admitia materiais que não fossem fornecidos directamente pela mãe natureza) e 1 ton dos mais diversos minérios. Foi devidamente subcontratado (a beleza incontornável do outsourcing, lá está) o serviço mais grosseiro de tratamento de madeiras e minerais e às instalações da empresa já só chegavam paus e roliças pedras.

A promoção e vendas estava suportada num catálogo que se tornou rapidamente uma obra de referência, e a distribuição realizava-se através de lojas seleccionadas, sendo que cada bengala era, obviamente, uma peça única, que cada cliente haveria de sentir que tinha sido pensada especialmente para ele. Nesse primeiro ano de presença no mercado foram vendidas 1253 bengalas (155 para coxos tradicionais, 328 para baronetes, 422 para uma gay parade em Leixões e as restantes para uma promoção do desodorizante em stick roll on da Old Spice, sendo que 2 delas ainda assumiram um estatuto mais elevado, pois uma ficou exposta no museu de marqueterie de Rennes, e uma outra no salão nobre da Câmara Municipal de Gdansk).

Esta combinação de organização exemplar, (com altos níveis de motivação do pessoal, a que não é alheio a obtenção em 3 anos consecutivos do prémio da melhor sandes de presunto em snack de refeitório ) a inovação crescente de produtos, (o melhor gadjet-cócó do ano em 2016 pela sua bengala com anti-fungos e corta unhas para pés), e o grande reconhecimento pelos fornecedores (eleita empresa-transformadora do ano por mais de uma vez pela União das Pedreiras do Piamonte) fizeram de La Cannelona SA uma empresa que se tornaria com o tempo uma obra de arte requisitada pelas mais reputadas galerias internacionais de empresas modelo, das Kunstwollen corporations. Não foi pois de estranhar que em 2022 tenha ganho o Prémio Camões, pelos relevantíssimos serviços prestados à difusão da cultura nacional das empresas-arte, batendo concorrentes fortíssimos como o conjunto de receitas para bolo mármore de Medina Carreira , o moscatel de Henrique granadeiro, ou os preservativos de renda de Joana Vasconcelos. Em 2019 uma colecção especial das suas bengalas foi escolhida por Fidel Castro para celebrar o 1º regadio em Havana e em 2027 passou a ser elemento de uso obrigatório nas tomadas de posse do governo da região da Madeira.

Giacomo Piolini foi agraciado com a grã ordem de mérito artistico-industrial e em 2023 uma bengala com incrustações a pedra lunar da colecção primavera la paneleirota de 'La Canellona, SA' foi colocada no museu Pompidou junto ao urinol de Duchamp, com este verso de Valery por perto: « e cem anos depois qualquer coxo poderá sacudir sem cair». Giacomo tinha conseguido. A sua empresa era uma obra de arte reconhecida em todo o mundo. Em mais de 30 anos nunca dera lucro, a sua divida bancária subira gradualmente ao ritmo do custo duma barriga de aluguer de Ronaldo por ano, chegando à fantástica soma de 150 EBITDA's na celebração das suas Bodas de Prata. Apesar de nunca ter distribuído dividendos, o seu valor em bolsa subira mais de 20 vezes e para qualquer banco era um orgulho ter aí parte da sua dívida estacionada, chegando as empresas de rating a apelidar de crédito-cannelona a este tipo de dívida artística, que se caracterizava por pouco interessar se algum dia seria paga ou não mas que qualquer banco se esforçava por apresentar no balanço, dizia-se no meio que se revestia de leverage artístico, a Kunsthebel. Giacomo Piolini chegou ao ponto de não aceitar que qualquer banco emprestasse à 'La Cannelona, SA'. O desenho do 1º organograma (baseado num vestido de casamento de Armani) foi leiloado pela Sothebys por 3 milhões de euros, o 1º recibo de ordenado (da telefonista-recepcionista-polidora-de-morganites, D. Cibele Sousa) foi comprado pela biblioteca do congresso da guiné equatorial por 200.000 dólares, e a 1ª factura ( de uma bengala da 1ª colecção baronete adquirida por um Aorta e Tosta para o casamento de uma sobrinha com o descendente do inventor do bico de Bunsen) foi resgatada pelo museu da cera de Londres por 100.000 libras para acompanhar a estátua de Tony Blair. Amen.

salmo 121


Levanto os olhos para os montes:

de onde me virá o auxílio?


O meu auxílio vem do Senhor

que fez o céu e a terra.


Ele não deixará que vacilem os teus pés;

aquele que te guarda, não dormirá.


Pois não há-de dormir nem dormitar,

aquele que guarda Israel.


O Senhor é quem te guarda e está a teu lado.

Ele é a tua protecção.


O Sol não te fará mal durante o dia,

nem a Lua, durante a noite.


O Senhor protege-te de todo o mal

e vela pela tua vida.


O Senhor protege-te nas tuas idas e vindas,

agora e para sempre.

.

Julien Fetucci (1948-2037)

Há apenas três formas saudáveis de olhar para a realidade: mitificá-la, estruturificá-la e relativizá-la. A melhor solução é aplicar em simultâneo e ao extremo a receita tripla e ficará assim garantida a felicidade terrena. O primeiro e principal teórico da 'Felicidade Explicativa' (um tipo de felicidade que em paralelo ajuda a explicar tudo o que nos rodeia) foi Julien Fetucci, um suiço residente em Genéve e que deixou a sua empresa de private equity, que vendeu a um russo depois da falência do Lehman, para se dedicar à difusão das suas teorias. Julien tinha surpreendido meio mundo no início dos anos 90 quando publicou um pequeno opúsculo intitulado 'O mundo é uma tosta mista' onde apresentava várias grelhas de 'mitos-estruturas-relativizações' que deveriam enquadrar todo o potencial humano de Felicidade-Explicativa, a sua 'Explainepiness'.

Todo este conceito se baseava numa combinação circular de premissas que para o Dr. Fetucci (que tinha defendido uma tese de doutoramento nos anos 70 em bio-neurologia sobre a interacção entre o nível de ocupação da bexiga e a capacidade de pensar) era crucial: 1) sem explicações não há equilíbrio ; 2) sem equilíbrio não há conjunto; 3) sem conjunto não há absolutos; 4) sem absolutos não há relativos; 5) sem relativos não há felicidade; 6) sem felicidade não há explicações.

Julien considerava que existia uma grelha base de 3x3x3 a enquadrar: os 3 tipos de mitologias constitutivas: o bem, a verdade, a eternidade; com os 3 tipos de estruturas base: explorativa, libertária, concertativa; e com os 3 tipos de relativizações fundamentais: 'podemos sempre piorar', 'todo o verso tem reverso', 'nada é realmente importante'.

Nesta fase de criação duma identidade teórica J. F. teve um opositor férreo no ex-escritor de policiais grego Seitaridis Papasogrelus, que era apologista duma teoria concorrente, a 'Happyxplainig' que defendia uma clara ascendência do mecanismo explicativo sobre a felicidade itself, menosprezando por isso a componente mitológica, ao que não era certamente alheia uma alergia a queijo feta que lhe sobreviera depois duma salada ingerida numa pizza hut em Creta quando tinha 11 anos e 3 meses. Papasogrelus tornara-se 100% carnívoriano e deixou a sua importante obra a meio quando faleceu de congestão após um entrecosto mal marinado. Não deixou seguidores.

A Explainepiness de Julien Fetucci começou a fazer furor quando foi adoptada pela jornalista lombarda Cristina Lazaroni aquando do seu artigo e investigação de fundo sobre a 'invulgar capacidade das cabeleireiras serem felizes'. Cristina descobriu que as cabeleireiras da Lombardia estruturavam a sua vida neste triângulo fetucinico: «um penteado pode ser eterno se com um espírito livre percebermos que nada é mais importante do que uma boa madeixa»; Cristina Lazaroni descortinava neste enunciado que no espírito da cabeleireira lombarda se enraizava uma matriz com: um mito de eternidade, uma estrutura libertária e um relativismo de importância, uma das combinações possíveis da 'tosta-de-julien', como ela lhe chamou.

Lazaroni e Fetucci deram uma série de conferências pelo norte de Itália e ficaram conhecidos como a dupla da tosta-matriz, ao que não seriam certamente alheios os posters de divulgação desenhados por Gomez Suazo, um hondureño radicado em Milão que ficara famoso pela sua campanha dos dossiers de argolas da Armani. (a imagem foi encontrada numa carvoaria de Nápoles, daí a fraca qualidade da imagem)


Em Julien Fetucci havia uma genuína rejeição dos tremendismos, ('a qualquer momento o mundo acaba-se') dos vulgarismos, ('nós é que só sabemos complicar tudo') e dos mesmismos ('isto anda tudo ao mesmo') e realmente acreditava que uma estrutura equilibrada e lógica de mitos devidamente relativizada era meio caminho para uma felicidade duradoira com o bónus da explicação do mundo.

A crítica mais dura a Julien era a de que ele mais não fazia do que voltar a uma fórmula já experimentada por civilizações ancestrais, com olimpos, cavernas & banhos turcos na crista da onda, ao que ele respondia sem hesitações: na busca duma felicidade explicativa há duas vias que parecem semelhantes: a via helénica que se fundamentava num circuito realidade-ilusão-realidade e a minha via que se assume sobre uma base flutuante de ilusão-quase-realidade. «Eu sou um homem dos quases», dizia frequentemente. «Os meus protões são os quases» foi precisamente o titulo do seu ultimo livro, que fez imenso sucesso na comunidade suiça de físicos e matemáticos pois explorava, no entender desses cientistas, uma formulação alternativa daquilo a que chamavam 'a nova economia do átomo', ou seja, o átomo procurava o seu equilíbrio sempre numa combinação entre a sua estrutura e a sua possibilidade, balançando entre o mito do sempre e o relativismo do nada.

Enfim, como diria o Nozolino depois de sair do barbeiro, exijo que este post não conste no historial deste blogue.

um blogue em testes de stress

«O artista independente responde perante os “acontecimentos” (Badiou) artísticos, perante a razão estética, perante os problemas intrínsecos da forma artística, perante a evolução do conceito de forma, de Aloïs Riegl e o seu Kunstwollen (vontade de formar) ou o seu Kunstschaffende Gedanke (o pensamento criativo), de Riegl à ostraniene (arrastamento perceptivo) de Shklovsky e a sua “ciência literária” tão cara às vanguardas, ou à flatness (planitude, na pintura) de Greenberg».


Depois deste texto dum tal de vidal, dum tal de 5 dias e tal, julgo que este vosso blogue, todo ele uma peça artística independente, está bom de ver, também deveria ser sujeito a um teste de stress cultural. Será que ele resistirá a uma desvalorização repentina do Kunstwollen? Como é que eu-e-o-meu-blog nos comportaríamos face a uma súbita queda do índice de Kunstschaffende Gedanke? Passaríamos a fazer citações do Tagore? E se houver uma inadimplência perante a 'razão estética', não haverá um Badiou que me dê uma mão, um bailout, ou mesmo um badioulout? Por amor de Deus, pensem bem, e ajudem-me: o que farei se por acaso me atacar uma flutuação de 'arrastamento perceptivo', e for alvo do famoso teste de Shklovsky, estarei preparado!?, ou terei de fazer uma cura de desenhos de fivelas de cintos, ou argolas para cortinados? E se se der um movimento recessivo nas minhas, tão caras, vanguardas e passarem a retaguardas? Credo, e nem quero pensar que me possa dar um ataque não previsto de flatness... ficarei incapaz de reagir, nem uns pastelinhos de Alois Riegl com molho à ostraniene me serão capazes de espevitar, arrastar-me-ei irremediavelmente na mão de qualquer mecanismo de Greenberg. É que nem quero pensar.

Larissas & Nigellas (apêndice histórico)

Larissa Lawson era o principal modelo para bustos femininos de Sergei Richard Thorvey , um pintor inglês de algum pendor naturalista, padrinho de crisma de Thomas Gainsborough e que começou a ser muito procurado como retratista desde que fizera a cozinheira de Joshua Reynolds parecer-se com uma das manicuras de Henrique VIII e que até haveria de aparecer alguns anos depois num postal do Constable a mugir uma vaquinha malhada.

As sessões de pintura de Sergei com Larissa eram momentos de enorme empatia, e as mamas de Larissa já tinham servido para modelo de quase todas as nobres do reino, que, assim, exuberantemente decoravam as paredes dos salões mais concorridos e afamados.

Sergei Thorvey era conhecido por, enquanto pintava, ir falando com os seus modelos sobre os problemas do mundo e da arte e foi assim que as mamas de Larissa acabaram por ser as ilustres testemunhas de muitas das ideias que se haveriam de tornar revolucionárias para o mundo das artes. Ficaram famosas e agora consideradas verdadeiras preciosidades, pequenas notas em papel, onde Thorvey escrevia - curiosamente em português, porque tinha aprendido a língua com uma preceptora que era originária de uma família de Gondomar - frases curtas enquadradas por poses singelas das mamas-de-Larissa. Deixo aqui uma das mais enigmáticas, que está patente numa exposição temporária do Museu de Pintelhices de Aix-les-Bains:

A história da ligação (artística, apenas) entre Larissa e Serguei ficou marcada por uma perturbação que se veio a verificar definitiva, quando numa sessão o pintor aureolou de forma excessivamente rugosa a ponta do seu (dela) mamilo, ao que esta terá reagido, «se é assim que me vê é porque nunca se dignou tocar-me», tendo levado por resposta a célebre frase: «a mão corrompe o olhar»; depois disso Larissa levantou-se, tapou-se com um trapo de linho cor de mel deixando apenas à vista 3/4 da anca esquerda, e Sergei ficou de mãos e olhos a abanar durante mais de três meses, apenas desenhando copas de pinheiros mansos, bochechas de bacalhau e maçanetas de porta.

Sergei só volta às mamas (no que ficou conhecida como a sua fase 'back to tits') no último quartel do séc XVIII quando conhece numa loja de ferragens de Southampton uma moça de nome 'Nigella Riquelme' que era filha do dono da loja, e fruto dum romance que este tinha desenvolvido numa viagem à América do sul e onde conhecera uma prima afastada da Pocahontas, uma moça de robustos dotes de sedução e que tinha o óbvio grand-nom (o oposto ao petit nom) de Porcahontas.

Recuperada a alegria de pintar, Sergei Thorvey enceta com Nigella uma revolução na forma de ver as mamas, onde cada uma tem uma forte autonomia, uma vida própria, já não estamos perante 'um par de', mas sim perante duas forças individuais, duas almas únicas, dois mundos que tanto se encontram como se desencontram, tanto se repelem como se atraem, tanto se encaixam como se desdobram. Do arranque desta fase são conhecidos muito poucos esquiços, mas deixo aqui um, recuperado duma mudança de papel de parede da casa de Sir Thorvey, em que fazia de tapa frestas, e que adquiri num alfarrabista em Silicon Valley.

No entanto, a relação com Nigella Riquelme era bastante mais tumultuosa do que com Larissa Lawson, o sangue que lhe fervilhava nas veias tornava-a mais impaciente com os resultados que via nas telas de Serguei, - um mamilo a apontar para o rodapé e o outro para o relógio de cuco - o que foi criando no seu espírito uma sensação crescente de frustração, incompreensão e desânimo, levando-o a abandonar a pintura e, face ao seu temperamento de pendor reservado, a dedicar-se à poesia memorialista, tendo Nigella montado um restaurante nos arredores do actual Soho, onde hoje duas amigas vendem risotto al fungi para fora, e rinzada al pesto para dentro.

Larissas & Nigellas (adenda tintorettico-táctica)

Um homem a babar-se, derreter-se vá, por um bom par de mamas deve ser encarado pela humanidade em geral com toda a complacência, raro seria o contrário, tal como estranho seria encontrar uma mulher que não se descontrolasse numa sapataria, ou um miúdo a fazer palavras cruzadas no tóizarases, ou um leão alheado duma manada de gazelas, ou mesmo um tigre de sumatra distraído num churrasco de indianos nas margens do ganjes. Ou seja, encontrar um homem que desdenhe um rabo, que não se recline perante umas belas pernas, é muito, muito!, mais aceitável do que uma indiferença perante um decente par de mamas, reparem que nem sequer digo um enorme par de mamas, ou mesmo um fantástico par de mamas, ou até um praxitélico par de mamas, e muito menos um divino par de mamas, refiro-me a um qualquer exemplar que cumpra mínimos de feitio e compostura, e que se mostre agradecido e orgulhoso de si. Estamos perante um tema que não devia apresentar grande controvérsia, nem motivar especiais agravos, quanto muito uma ou outra levezinha e clássica apreciação 'deve haver aí muita fominha escondida'. Um olhar pode ser ordinário, uma pose pode ser obscena, um palavreado pode ser de mau gosto, um gesto pode ser um barril de brejeirice, um comportamento pode ser imoral, mas um honesto par de mamas, na vasta maioria das circunstâncias, é uma manifestação de grandeza da nossa mamifericidade, uma exibição categórica da luxo e glória que foi o 6º dia do Genesis. A natureza também deve prestar alguma vassalagem à cultura.

Larissa & Nigella

Blog que é blogue não pode passar ao lado dos mamataclismos da saison. São obviamente duas revelações marcantes para a baba masculina. Hesito na preferência. Uma parece que chupa os dedos banhados de chocolates ou maioneses, outra não estou completamente informado sobre o que chupa, - e a minha imaginação é muito pobrezinha - mas algo fará nesse domínio, não me parecem lábios para se desperdiçar com falhas de unhas. São ambas verdadeiras supporters, no sentido anatómico do termo, mas apenas uma revela sê-lo no seu âmbito desportivo, eventualmente a outra talvez faça uma ou outra manobra mais arriscada com a massa para os rissóis. Ambas têm um olhar que emite inequívocos sinais de ordinária, e lasciva vá, lambuzice, mas, meu Deus, que vale um olhar perante a concorrência de um belo par de glândulas revestidas de proteína e gordura. Se umas embalam um telemóvel e se outras inspiram um refogado que mais pode a humanidade pedir às selecções naturais e aos big bangues. Verdadeiras inspirações para uma Europa recessionária são estes exemplares de barroca pujança de hormonas e gulas diversas, trazendo o luxuriante excesso para um patamar de dignidade, e confinando a sobriedade para a ASAE, o FMI, e restantes congregações. Faltam-nos é Bronzinos & Tintorettos para dar conta de tanto pecado e perdemos tempo com os Nozolinos de tanta virtude. Troco dois mandamentos a voar por uma bem-aventurança na mão. E que o manto da infinita compreensão do Altíssimo caia sobre mim.

Malva parviflora

Pernamoah Ryan depois de ter falhado o penalty recolheu-se em oração tentando perceber qual a razão que fez os deuses abandonarem o grande povo africano mesmo que fosse frente à nação que enverga o azul celeste nas camisolas.

Como se dessa ligação ao divino apenas lhe resultasse incompreensão e mesmo revolta decidiu pôr-se nas mãos do grande mago dos falhanços, o penaltopsiquiatra Jeremy Lakerberg, um dinamarquês que tinha ficado famoso por ajudar jogadores de futebol (aquela modalidade temporariamente praticada por alguns jogadores do sporting) a superarem a grande fasquia do fracasso, fosse ele motivado por uma barra, um chuto na relva, na atmosfera, uma hipermetropia súbita, um complexo de édiposte, ou mesmo por uma paragem de digestão no momento do remate.

Jeremy Lakerberg tinha desenvolvido em 1995 uma famosa caracteriologia dos falhanços - o seu primeiro paciente fora Roberto Baggio depois do falhanço no mundial de 94 (já com o seu famoso rabicho de cavalo) - na qual de destacavam 4 tipos: o 'artolas', o 'meiguinho', o 'rinoceronte' e, finalmente, o 'simplesmente estúpido'. Mas quando P. Ryan lhe aparece no seu consultório em Lyon, o Dr. Lakerberg compreende imediatamente estar na presença dum caso especial. Ryan balbuciava algo de incompreensível - regra geral os pacientes diziam 3 vezes 'foda-se' antes de conseguirem construir a 1ª frase, mas Mr. Pernamoah parecia pertencer a uma galáxia diferente: fazia sentir todo o mundo culpado pelo seu falhanço.

Se 'o artolas' se caracterizava por má organização dos estímulos de confiança, se 'o meiguinho' pontificava por má organização da relação de confronto com os guarda-redes, se 'o rinoceronte' revelava uma má definição das suas energias, e se 'o simplesmente estúpido', como o nome indica, era simplesmente estúpido (Jeremy chegou a pensar catalogar este tipo como 'postiguite' mas recuou por pressões do pomar de maçãs de alvalade), Pernamoah Ryan revelava um abrangência de sintomas tão fascinante quanto inquietante e inqualificável. O mais parecido que Dr Lakerberg tinha observado era Gaspar Kubrick, o extremo esquerdo dum clube checo que falhara sete penalties sucessivos contra um guarda-redes gay do Sri-lanka e que estava convencido que este era uma encarnação de satanás, mesmo falando um bocadinho à sopinha de massa dizendo: «eu sou apenas um guáda gaydes».

Nas sessões que se seguiram à inaugural, P. Ryan apresentou-se alheado, chegando a dizer que via constantemente uma barra em tudo que o rodeava, inclusive quando fazia o seu chichizito, o que, forçosamente, o levava a baixar o jacto e atirar directamente para as calças. Depois de, assim, ter estampado de cornucópias amareladas todo o seu guarda roupa Pernamoah recolheu-se a uma cama barbitúrica que o fez parecer um chefe de tribo em transe, sonhando com Suarez, com o el Loco, com Oscar Cardoso, com a Srª de Guadalupe, e com Louise Gyenoah, uma miúda que também já tinha encostado a um poste mas por boas e alavancadas razões.

Ora o famoso penaltopsiquiatra Dr. Lakerberg já estava praticamente convencido que Ryan afinal se tratava do caso dum 'meiguinho' reprimido, quando este se apresentou no consultório afirmando: eu fiquei com a compulsão da barra, agora sou incapaz de rematar sem estar a apontar para a barra, é mais forte que eu, muitas vezes levanto-me de noite e vou brincar com um rolo de papel higiénico de folha dupla (até lhe chamo o javardulani) contra o varão do duche. Falhar já não é o meu problema, quando marco golo é que fico sem dormir 3 noites. Desde que Lakerberg tinha tratado do síndrome do losango em alvalade (os jogadores da lagartada sonhavam com Paulo Bento a obrigá-los a sessões de atravessar a 2ª circular com papagaios de papel) que não via nada tão estranho. O penalty é um momento de sublimação, um momento de transformação de complexos, é, como ele dizia nas suas sessões: «uma dobradiça de pandora», um auxiliar para ajudar a espreitar o nosso interior mais matreiro e obscuro; por isso, falhar um penalty decisivo e na última jogada dum desafio era um climax do penaltopsiquismo que não podia ser compatível com oscilações ou incongruências de diagnóstico.

Pernamoah Ryan acabou por descobrir que padecia duma barrofilia, e depois de dois meses de tratamentos bem sucedidos numa clínica para obsessões com corrimões, cancelas, alteres & varões (estas sessões eram muito procuradas inclusive por penetras) decidiu mudar de vida e hoje é jardineiro no pomar de alvalade onde recolhe nêsperas ligeiramente tocadas e vende-as para equipas à procura de salada de frutas.

Francis Bb Kaliferus (1929-2016)

Quando em 1979 Francis Blackbird Kaliferus decidiu finalmente arrancar com a sua teoria da incerteza ninguém lhe deu especial importância. Tratava-se dum raciocínio que nem parecia possuir o músculo esmagador da corrente nem a força libertária da contracorrente, ou seja, era, resumindo, um não-alinhadismo de aspecto frágil, rudimentar e muitas vezes soundbytico e circularmente contraditório. Francis dizia, em síntese, que havia uma grande dose de incerteza nas incertezas e que portanto o melhor era dar o certo como certo. Quando confrontado com a clássica questão de 'como reconhecer uma certeza' , respondia com a sua frase célebre: 'quando começarem a ter pena de nós estaremos à beira dela'. Algumas vezes rotulado de paniquista (leia-se um 'optimista do pânico') ou outras vezes, jocosamente, de 'melro-das-lamentações', Francis nunca desarmou da sua teoria em que ia debicando o confronto entre a certeza e a incerteza, abordando a realidade como quem bebe coca-cola tirando-lhe primeiro o gás.

Numa conferência que proferiu em Colónia no ano de 1992, Francis enfrentou a assistência do centro de congressos da Koelnmesse com a seguinte ideia chave: 'dêem-me uma incerteza em condições e eu dar-vos-ei uma previsibilidade'; ou seja, a chave de toda a certeza era ela basear-se num conjunto instável de medos em relação a ela, uma alienação aprés-la-lettre, «a-certar é mijar dentro do pânico» era a sua frase de ruptura filosófica, que introduzia conceitos como 'a-certar' (conjunto de acções que visam fazer confluir todas as energias num conceito semi auto-referencial-semi-aleatório), 'mijar dentro de' (expressão que, mesmo com algumas cotações brejeiras, queria significar alívio dirigido como forma de criação) e 'pânico' (que, no quadro analítico de FBbK representava a sublimação do 'húmus da certeza').

 Foi inclusivamente descoberto há poucos meses um documento (desenho-nota) no museu do neo-realismo, que se pensava ser uma mensagem de Saramago a uma das personagens que lhe teria inspirado o romance 'Levantado do chão' mas que se veio a confirmar fazer parte das notas de Francis Kaliferus nessa célebre comunicação de Colónia, onde era realçada a base do seu pensamento.


Ficou também famosa a controvérsia entre Francis BbK e Cecil von Kastrafiore (um austríaco de ascendência italiana, que defendia a teoria 'suspensiva da história', uma espécie de ultra-circularismo) que foi levada ao rubro quando à afirmação de Kastrafiore em Berlim (Março de 1995) «em cada momento vive-se o momento anterior, a história está sempre parada», Francis responde desde Alhos Vedros (onde tinha uma moradia com um jardim de laranjeiras e duas cerejeiras e passava todas as Páscoas): «a certeza é uma incerteza que se apaixonou por nós». Nota curiosa é que Francis e Cecil acabaram grandes amigos e escreveram em conjunto o opúsculo intitulado 'Creches & crashs' onde pretendiam definir uma linha de previsibilidade entre as primeiras sopinhas de letras e a tendência para a bandalheira desregulacionista neoliberal.

Francis Bb Kaliferus gostava de dizer que queria fazer - ou retornar a - um Bretton Woods filosófico, ou seja a uma explicação da realidade com a incerteza-padrão. Para Mr BlackBird, como era conhecido na comunidade filosófica dos sanatórios do Caramulo, haveria que criar uma base de referência para a incerteza no mundo por forma a que as certezas aí se pudessem fundamentar e inclusivamente germinar. Tornou-se um clássico o seu exemplo neoclássico (coisas que acontecem) do 'terceiro incluído': se num ambiente onde se digladiam dois especuladores for introduzido um elemento conservador e desenvolvimentista, este ficará como especulador único e os outros dois como meros resíduos de incerteza, anulados na sua hooligânica coligação. A humanidade, segundo FBbK, incapaz de resolver os problemas da incerteza moral sem a ajuda de fogueiras ou gazes tóxicos, foi incorporando uma certa certeza tecnológica (um 'terceiro incluído') que se apossou das mais-valias até se transformar ela própria na sierra madre da volativismo. Não se tratava dum reflexo do mero progressivismo iluminista, como alguns lhe vieram a chamar, mas sim no tal «a-certar o passo» da teoria de Bbkaliferus. «O ser humano é essencialmente um picuinhas» foi das suas últimas frases lapidares.

Golden Cherne

A assembleia geral da Lota de Peniche reuniu-se para decidir sobre a venda do stock estratégico de lula a uma empresa espanhola que pretende reforçar a sua posição no mercado das argolinhas de calamares.

Presidente - Desejo a todos os presentes uma boa assembleia. Depois de lida a ordem de trabalhos, têm já a palavra os accionistas com robalo-share, os primeiros inscritos.

Accionistas com Robalo Share - Exmos senhores, queríamos chamar a atenção para que as nossas acções são as únicas que valem alguma coisa quando o pessoal começar a ficar enjoado de presunto, por isso quando a assembleia já estiver numa fase de encher chouriço teremos uma palavra a dizer, para já...

Presidente - ...para já, para já, excedeu o seu tempo, robalo-share, passo agora a palavra ao representante do accionista com gelatina-share.

Accionista com Gelatina Share - eu adapto-me bem a qualquer decisão desde que não me chocalhem muito e, regra geral, faço minorias de bloqueio com os possuidores de salada-de-frutas-share que me deram uma procuração de voto, principalmente para me opor aos detentores de colestrol-share que são incapazes de impor medidas para acabar com as gorduras nas nossas empresas.

Presidente - Julgo que deixou bem clara a sua posição, embora um pouco fora do contexto, e passo agora a palavra ao representante das chapa-de-zinco-share.

Accionista com Chapa-de-zinco Share - Antes de tudo o resto quero deixar aqui a minha declaração de voto: estou absolutamente contra a instalação de mais bancas em acrílico pois têm descaracterizado o património dos nossos accionistas, inclusivamente vai para três anos que gastamos o dinheiro todo dos dividendos da faina a pôr silicone nas fissuras em vez de continuarmos a apostar no pingo de solda...

Presidente - Vou deixar a sua questão em suspenso para depois das votações finais e passo já a palavra a outro nosso accionista, o fundo de pensões dos pescadores da foz do Arelho e possuidor de uma 'delicias-do-mar-share'. Recordo que o ponto único da ordem de trabalhos desta Assembleia é a 'votação da proposta do nosso accionista com Salada-de-polvo-share: vender todo o stock de lulas para os espanhóis fazerem tiras de calamares'.

Accionista Delicias-do-mar Share - Muito obrigado pela oportunidade, tanto mais que chegámos recentemente a este grupo pela via do parqueamento de acções do accionista com gambas-al-ajillo-share. A minha posição é simples: só devemos vender o nosso stock de lulas para as tiras de calamares espanholas se em contrapartida nos for permitido pelas autoridades acrescentar mais óleo de figado de bacalhau no portfólio.

Presidente - Esta assembleia, como saberá, não está em condições de prestar tais garantias, dou assim a palavra ao representante da associação de pequenos accionistas com 'bivalves-share'

Accionista com Bivalves Share - Sentimos o mar a bater na rocha, sabemos que quando chegar a hora seremos engolidos pelo grande arrastão dos possuidores das paelha-share. Se o nosso stock estratégico de lulas for vendido, queremos vender também a nossa resrva de mexilhão, não queremos ficar à sorte do que fizerem os detentores do arroz-à-valenciana-share.

Presidente - Passo então a palavra aos accionistas com arroz-à-valenciana-share.

Accionistas com Arroz-à-valenciana Share - Queríamos deixar claro que todos os interesses minoritários serão respeitados, ainda agora acabámos de celebrar um acordo parassocial com os accionistas detentores de miolo-de-berbigão-share em que nos comprometemos a fornecer 1000 pimento-morrone-share da nossa Holding por cada kg de lulas que seja vendido para fazer rodelas de calamares.

Presidente - Passo a palavra ao nosso accionista de referência, e detentor da sardinha-enlatada-share.

Accionista com Sardinha enlatada Share - Penso que temos de levar em consideração que nos estão a oferecer pelo stock de lula um valor praticamente igual ao que vale toda a nossa reserva de bacalhau seco e demolhado e, no caso de não aceitarmos, qualquer dia teremos de vender as nossas reservas de peixe-espada ao preço do safio. Por outro lado está quase a entrar em vigor o acordo da Lota de Basileia III que nos vai reduzir a percentagem máxima a incluir de óleo vegetal por lata e podemos vir a precisar de fundos para reforçar a nossa base estratégica de petinga.

Presidente - O próximo inscrito para falar é o representante dos accionistas com mercúrio-share.

Accionista com Mercúrio share - Sinto que tenho uma posição ética a vincar. As lulas que forem vendidas estão subavaliadas. Os nossos auditores encontraram varias reservas de metais pesados que podem perfeitamente elevar o goodwill da lula em mais 20%.

Presidente - Agradecia que esses relatórios fossem postos à disposição dos restantes accionistas e passo já a palavra aos possuidores de maria-vai-com-as-outras-share.

Accionista com Maria-vai-com-as-outras share - Queria dizer que gosto muito de receber dividendos e mais-valias com vocês, e sobre este assunto apoio todos sem excepção incluindo aqueles que não apoio de maneira nenhuma.

Presidente - Chegou à mesa uma proposta de ultima hora do accionista com Baleia-azul-share...

Accionista com Baleia-azul-share - Vinha aqui informar o seguinte aos meus colegas accionistas: estou disposto a comprar todo o stock de lulas por mais 50% do que foi proposto pelo accionista com rodelinhas-de-calamares-share, e pago a pronto com douradinhos.

Gold Share the Quinas

queridos concidadãos, e concidadãs,

dado que acabamos por coincidadar pelo infortúnio do destino, da sorte, e de outras imprevidências divinas, não posso deixar de deixar de deixar de deixar de vos dizer que estou solidário com todo o bom povo português, e inclusivamente comigo próprio; o momento não é para nos afastarmos e isolarmos, temos de nos unir, partilhar o oiro que é este sol que nos benze diariamente, esta areia que paramenta as nossas praias, daí esta partilha doirada, esta golden share, que agora tanto se fala e que todos & todas confundem com maldade e despotismo, quando mais não é que, precisamente, darmos todos (& todas) a mão em torno dum ideal doirado de harmonia e partilha, de concidadania, fazer mesmo com a nossa grei uma concidadamania do quilate, no fundo, como dizem os ingleses, nossos aliados de sempre, gold share the quinas! O país que transporta as chagas de Cristo na bandeira, os canhões no hino, e o lacão no governo, tem de saber viver em missão, tem de saber solidarizar-se aos mais fracos, por exemplo, neste momento o nosso Soqueiróscrates vive um momento difícil, um homem que resistiu a um ataque cerrado ao seu canudo, que resistiu a um ataque feroz aos seus desenhos de vivendas que fez com tanto esmero e poupança de tinta da china, que resistiu aos escândalos dum retail park no deserto, que resistiu a um ataque à suas amizades sinceras com armandos e figos, para já não falar da famosa caça ao homem por um mike jagger com saias, e agora vemo-lo sucumbir à mãos duma boa acção, que ainda por cima é uma acção doirada, dum verdadeiro escuteiro, como é possível tanta ingratidão com um homem que andou a fazer jogging connosco vai para mais de 5 anos, sem uma sincope, sem uma dorzinha de burro, um achaque que fosse, um homem que até deixou de fumar por nós, que vendeu computadores por nós, que deu uma tenda ao kadafi por nós, que levou os paneleiros à conservatória por nós, e que inclusivamente está a pensar emigrar por nós também. Eu cá, pelo sim pelo não, vou tentar guardar uma madeixa do homem.

Citrus aurantiu

Ao contrário do que se pensa a expressão 'laranja mecânica' não foi inspirada no título do filme de Kubrick para retratar o tipo de futebol que a selecção holandesa praticava na época de Cruiff, mas sim num quadro do discípulo de Giuseppe Archimboldo, Mauro Kanati, um florentino que se haveria de radicar em Brugges depois duma paixoneta pela pintora de socas Linda Chulederck. Kanati reformulara um pouco o artifício de Archimboldo, e fazia com que fruta e leguminosas várias se parecessem com máquinas infernais, tendo ficado muito conhecido o quadro em que um abacate produzia anoraks para a chuva e que fez com que Salvador Dali apanhasse um pneumonia corria o ano de mil 9 & trintei7.

Foi curiosamente um descendente de Mauro e Linda, o flamengo Frank Brandkervurst, que pintava naturezas moribundas (um tipo de natureza que não está completamente morta pois sopra ainda um ventinho) à porta duma oficina de sapateiro em Apeeldom, que descobriu no sótão um quadro de Mauro em que uma laranja se autodescascava quando era tocada no cucuruto e posteriormente os gomos iam jogando à rabia entre si com os caroços da laranja entretanto stripteasada. Intrigado com o conceito, ainda acabou de pintar duas nozes encavalitadas numa pinha que por sua vez já passava pelas brasas encostada a uma papaia, foi de seguida experimentar fazer toques de calcanhar com o seu primo Aldo Resenbrink que era especializado a pintar aves canoras de bico azulado. Os dois davam-se tão bem que se lembraram de convidar Perm Van der Pelvis, que se tornara um mestre a desenhar narizes de velhos em asilos, e em conjunto constituíram o tridente ofensivo do Alkvert Zimaart, um clube que tinha sido fundado em 1000 seiscentos e 20toito para acolher órfãos de pintores de troncos de árvores de folha caduca. Tendo sido observados durante um treino por Kaspar Van der Brocsh, um ex-pintor de golas de casacos de soldados estropiados em batalhas ao serviço dos exércitos de Carlos V, que tinha deixado de pintar porque um dia lhe caíra no pé uma lata de 20 litros de amarelo ocre, foram rapidamente convidados para pintar o casamento da bela e vistosa Susana Rembrondruck com Mark Van der Luck e para, de caminho, abrilhantarem o copo de água com séries de toques com o joelho e o peito sem deixar cair no chão enquanto os noivos não parassem a linguadela da praxe. Sendo que o padrinho da noiva era o extremo esquerdo do FC Calemard, este rapidamente os integrou na equipa, onde substituíram um outro tridente constituído por 4 (na Holanda os tridentes têm 4 porque um pode sempre ficar submerso) pintores de búzios e alforrecas, motivos que já tinham entrado em saturação entre a massa associativa composta essencialmente por salsicheiros de Eindhoven.

Associados a um artista que se tinha dedicado a pintar espermatozóides de vietnamitas, acabaram por se notabilizar como o quarteto de Utrecht, cidade em que tinham pintado vários motivos decorativos para a sua feira de enchidos de 2mili2, onde fizera furor o painel com um paio, uma morcela e um fatiado de pata negra da autoria de Leonel van der Robbest, um extremo-direito que, soube-se depois, era o tipo que pintava todos os encarnados do Bacon, Francis.
Daí a fazerem parte do núcleo da selecção foi um pulinho e no dia da sua - deles - primeira internacionalização, sobre o comando do treinador Lind Van der GoldenSheren, que se tinha notabilizado por pintar notas de xelins em cima de ovos de avestruz durante o período que passava no banco de suplentes, acabaram a festejar com 3 norueguesas que, dizia-se, eram boas fornecedoras de material para os pincéis.