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Camões perdeu o emprego

Como sabemos, Gonçalo M Tavares desde o dia da 1ª comunhão escreve um livro por fim-de-semana. Com a profusão de fins-de-semana prolongados e pontes não seria de estranhar que nalgum destes acabasse mesmo por escrever uma versão pessoal dos Lusíadas; o que veio a acontecer e dar à estampa recentemente sob o título de 'viagem à índia' tendo recebido mais encómios que os muffins da nigella lawson.

Face ao inesperado, o Irritipsilon, suplemento literário do Purgatório, - que se dedica a acompanhar a evolução das obras dos seus residentes - resolveu entrevistar Camões no sentido de obter algumas reacções sobre este inesperado acontecimento literário ocorrido na crosta terrestre.

Luis Vaz encontrava-se na sauna a ouvir um disco dos tindersticks e a preparar uma versão pessoal de 'o crime e castigo' para frades beneditinos com um herói chamado Ismael Karenine e entitulado 'as velhas da taprobana'.

Irritipsilon - Sr Camões, diga-nos, quais são as suas primeiras impressões da viagem à índia do gonçalo m tavares, e da colagem que é feita aos seus lusíadas?

Sr Camões - oh, infantes, primeiro atravessai mares a nado / fazei só c'uma mão a letra de um fado / tapai um dos olhos com uma casca de figo / e depois, sim, vinde falar comigo

Irritipsilon - Sinto-o um pouco acossado, até há pouco era intocável, e agora vêm...

Sr Camões - nunca da ira retirei favores/ sempre o destino me foi trabalhoso / e não andei a sulcar o mar e a desbravá-lo/ para agora me virem chatear com um qualquer de gonçalo

Irritisilon - Dizem os especialistas da crosta que se trata de um novo monumento literário que irá perdurar pelos séculos...

Sr Camões - oh, instrumento da triste história universal do aproveitamento / ruína do sangue de viriato / fica aqui o meu lamento: / quando esgotada a lebre é entronizado o gato

Irritipsilon - Mas não pensa que esta renovação da epopeia num estilo semi-existencialista poderá ser benéfica, até pela curiosa originalidade, para as letras portuguesas?

Sr Camões - revolvo a memória da minha mágoa / ditosa a flama que tudo arde / mas quando se confunde o fogo com a água / até o ulisses se pode amancebar com o sartre

Irritipsilon - Mas não acha que a alma desencantada do português moderno também merecia a sua nova tragédia?

Sr Camões - a alma é um animal que não repousa/ mais honesto não há nessa insaciedade/ por isso o tal tavares fica a meio da cousa / quando diz que a literatura não tem ciúmes da realidade.

Irritipsilon - Mas não acha que Gonçalo M Tavares veio destapar um compasso novo para o ritmo interior da escrita em português?

Sr Camões - vocês, das revistas literárias / quando o açúcar açambarcado vos falta / põem-se a lamber as canas várias / à procura d'adoçante q'agrade à malta

Irritipsilon - Mas isto da literatura não será um eterno jogo entre a ilusão e a desilusão? entre a descoberta e o encobrimento?

(lembro aqui que a semi-pena a que Camões ficou sujeito nos seus 3.270 anos de purgatório foi a de ter de fazer 15 piscinas diárias levando numa mão um exemplar da saga do gilgamesh ilustrada por Eládio Simões um cunhado do fernão mendes pinto que era o desenhador de motivos campestres para os cortinados dos palácios da corte de castela)

Sr Camões - oh, que espirradelas de fontana sem piazza / não sabeis perguntar algo que não me irrite / ainda vos enfiava pelo cu um soneto em brasa / não tivesse no ombro a porra duma tendinite

Irritipsilon - Acha então que os críticos da crosta estão a levar o Tavares ao colo?

Sr Camões - acho que se cansaram das coisas que se percebem / levados que foram pela voracidade do enigma e do pretexto / e como já não é pela métrica que os versos se medem/ até a épica dum tavares faz do lobo antunes um antónio aleixo

Irritipsilon - Mas não considera que quando Tavares escreve no que-antes-era-seu-e-agora-também-é-dele canto IX : «Ela quer, Bloom hesita. Os dois avançam, a coisa faz-se», acaba por inventar a 'foda ontológica'?

Sr Camões - perca-se, enfim, já tudo o que esperei / um par de nádegas virou musa / um bobo sem piada tornou-se rei / as mamas já não pertencem a quem as usa

Irritipsilon - Não acredita, portanto, na renovação do ideal romântico, sob as vestes duma saga de desencantos intermitentes?

Sr Camões - o futuro quanto mais me paga mais me deve /por muito bom haxixe que se fume / por muito que seja o frio a derreter a neve/ quem não me engana é esse cabrão do Bloom

Irritipsilon - Safa, o senhor camões não aguenta mesmo o sucesso dos outros... pensa mesmo que consigo tinha acabado a tragico-maritimice portuguesa? fizeram-lhe algum mal?

Sr Camões - não pode mal haver para comigo / de que eu já não me possa bem livrar /se esses tavares esfregarem bem no umbigo / verão que ainda têm muito estafilococos para tirar

Irritipsilon - Credo! Olhe se o Shakespeare também tivesse ficado assim depois da Enid Blyton!? ...Então e o Dante depois do Corto Maltese!?

Sr Camões - enquanto o tempo o claro dia torna escuro / a vida vai pedindo às palavras para ocuparem o espaço / mas como elas vão continuando a erguer o seu muro / aconselho ao tavares mais umas garrafitas de bagaço

Irritipsilon - No final do livro GMTavares diz que «a ingenuidade é irrecuperável», pensa que este livro é no fim de contas um lusíadas para realistas preguiçosos?

Sr Camões - dei-vos uma realidade em decassílabo como benção / mas vós desdenhosos chamais-lhe epopeia pelos mares/ agora, quando me vierem pedir letras para o festival da canção / dir-vos-ei mas é para irem ter com o tavares.

(e assim termina o tríptico adventício a propos de gmt)

viegas perdeu o emprego

Já estava praticamente em paz com a minha consciência, e inclusive com um bom negócio já apalavrado com o inconsciente, depois da alarvidade do post anterior, quando sou desamparadamente confrontado com uma entrevista que o Gonçalo M Tavares deu ao pravda da united colors of blogotton. Vacilei. De vez em quando fico infectado com este vacilo.

Como qualquer sportinguista sabe vive-se no nosso clube, seguindo o país, um momento de grande glória sob o triunvirato sergio-costinha-bettencurte. Julgo, pois, que é o momento certo de darmos mais um exemplo a todos e enriquecermos o discurso da 'entrevista-em-futebolês', introduzindo no seu seio o perfume do literaturês, ou seja, aquele incenso inebriante que emana das entrevistas a escritores e que se poderia também resumir em futebolês pelo: ocupar o espaço do entre-linhas. As entrevistas as escritores são das melhores coisas que não servem para nada do mundo - bem acima das pinturas do vasarely ou das vassouras dos kits lareira - e são uma oportunidade única que um treinador lagarto não pode nem deve desperdiçar quando precisa de dirigir a atenção para tudo menos para o que se passa no campo.


E foi assim que o júri do prémio Goncourt se lembrou arrancar com a nova categoria de prémio para a 'melhor entrevista a treinador estrangeiro', ao que Paulo Sérgio se devia candidatar aproveitando para usar algumas passagens com que GM Tavares abrilhantou a supracitada entrevista; passo a exemplificar.

Prémio Goncourt - Diga-nos, Paulo Sérgio, acha que as suas tácticas são determinantes para o jogo?

Paulo Sérgio - Tal como GMT disse «gosto muito da ideia de que cada forma diferente de escrita marca logo o conteúdo do que escrevemos», eu também gosto muito de considerar que são as minhas tácticas que determinam a merda de jogos que temos feito; eu estou para o bom futebol tal como certos romances estão para a arquitectura de interiores. Estou a pensar inicir uma nova estratégia de jogo a que chamarei 'Bairro Barbosa'.

P. G. - Sim...então, diga-nos, por exemplo, que instruções tinha dado ao seu jogador Vucevic para este se ter posto com fintinhas junto à bandeirola de canto quando podiam perfeitamente ter tentado ganhar àquela equipa do miúdo rouco, que até tinha menos um matreco e jogava com uma maçâ podre?

P.S. Bem, eu tinha dito ao Vucevic que, tal como ao GMT, «o que me atrai não é tanto o obstáculo é mais a ideia do cantinho escuro», ou seja, ele que procurasse os lugares do campo onde fosse feliz que assim as coisas bonitas e importantes haveriam de aparecer...

P. G. Sim...mas...não apareceram!?...

P.G. - Repare, eu e os meus jogadores somos como o GmT: «o que eu quero é ir iluminando partes do mundo que não conhecia», e todos nós sabemos que a zona da bandeirola de canto é ainda um grande mistério para o mundo do futebol.

P. G. - Vejo que aborda o jogo duma forma muito pessoal...

P.S. - Eu sou muito gmtavaresiano na forma de ler o jogo, como ele diria: «instintivamente , quando recebo uma 'jogada', é como se me movimentasse em redor dessa jogada', olhando para a parte de baixo dos passes, das desmarcações, como se pudéssemos levantar a saia dos dribles». Os bons treinadores estão sempre a desbravar a intimidade do jogo mas sem o macular, «eu não quero impor-me ao 'jogo', tento sempre colocar-me na posição de receber aquilo que ele me quer dar»

P.G. - Será por isso que uma ou outra vez alguns treinadores estão de cócoras no banco a olhar para o campo?

P.S. - «O Wittgenstein tem uma frase que considero muito bonita em que diz que quando quer mudar de teoria muda o corpo de posição. Isto faz muito sentido». E, como diria gmt, (não sei se já me referi a ele) treinar «não é mais do que contar uma história, que é a história de uma ideia».

PG - Acha que o seu treino, as suas tácticas, são mais histórias ou mais ideias?

PS -«Esta divisão entre histórias e ideias é uma divisão incorrecta». Eu «sou claramente do mundo das ligações», vejo o futebol como um processo, uma constante criação, «a pessoa vai avançando, avançando e a certa altura está num sítio diferente. Está naquilo.» O jogo é uma sequência de aquilos e os problemas que nos vão confrontando são precisamente os calcanhares d'aquilos.

PG - E então, sr Paulo Sérgio, como consegue equilibrar o jogo que salta tantas vezes de aquilos para aqueloutros duma forma tão vertiginosa?

PS - Bem, como diria GmTavares (julgo até que já falei dele) «estamos num mundo em que a questão do actual e do importante se joga minuto a minuto» e a minha fórmula é sempre esta, eu abordo o jogo como se ele já tivesse acabado, volto a GmT: «eu trabalho em diferido»

PG - Será então essa a razão pela qual esta época contratou 35 defesas centrais para depois continuar a jogar outra vez com os mesmos que já tinham provado ser uma bela trampa?

PS - Escalonar uma equipa é uma tarefa muito delicada e é preciso estabelecer critérios, «porque pode estar tudo numa confusão total, podemos estar mergulhados em elementos distintos, uns que atiram para um lado e outros para outro; quando começamos a organizar isso por ordem alfabética, a coisa ganha logo uma ordem, uma mágica». Eu acredito na mágica da ordem alfabética para definir uma equipa titular, e esta mágica irá impor-se, tenho a certeza.

PG - Mas terá de concordar que até agora não se viu nada de jeito...

PS. - Muitas vezes o processo da vitória e do sucesso é «um processo em que aquilo que nos parecia claro e evidente se torna mais escuro, mais obscuro». Ser vitorioso é ser paradoxal.

PG - Mas não há aí uma negação do heroísmo tão próprio da magia do jogo, do desporto?

PS - «Isto segue a estrutura da epopeia, logo desde a tempestade, no início». A magia precisa que primeiro se instale a perturbação, a desordem, é dessa combinação, sequência mesmo, que resultará o sucesso, como diria gmt (que, julgo, já referenciei há pouco): «nós precisamos das duas coisas, não te esqueças, cuidado, aqui há um perigo, mas ao mesmo tempo também acho que o encantamento é fundamental».

PG - Então vê os seus jogadores quase como personagens?...

PS - Claro. Por exemplo, Vucevic «é uma personagem que sabe muito claramente que é uma personagem, ali não há qualquer tentativa de parecer real». Por outro lado, se repararem bem, o Matias Fernandez (um jogador que foi contratado através do Facebook), joga como se levasse o santo graal na mão...

PG. - Acha que isso dará resultado?...

PS. - Posso-lhe assegurar que se GmT disse que «quase podemos organizar o mundo a partir do que as pessoas levam na mão» eu penso o mesmo em relação ao jogo, por exemplo, o Postiga nunca larga o seu cubo rubik e muitas vezes tem de rematar logo porque tem de tratar dele dado que as peças encravam muito com o uso e com a humidade da relva.

PG. - Se nos pode satisfazer a curiosidade... o que é que o João Pereira traz no seu regaço?

PS. - O João Pereira é um caso à parte porque é um rapaz que não consegue estar parado e eu , tal como o GMT (não sei se ouviram falar dele), «tenho muito medo das pessoas que não sabem lidar com o tédio», por isso como é importante tê-lo sempre em actividade, não vá arrear em alguém, ponho-lhe sempre na mão um pacote de cajus para ele ir roendo.

PG. - Julgamos entender... Identifica algum momento que tenha sido o seu primeiro grande entusiasmo táctico?

PS. - No jogo «gosto de coisas completamente opostas»... por exemplo, tal como GMT, entendo que «a grande velocidade é muito violenta», mas ao mesmo tempo o 'tédio também é perigoso', por isso tento incutir aos meus jogadores o encantamento da zona da bandeirola de canto ou do circulo central, e nos dias mais luminosos digo-lhes para irem uma ou outra vez à meia lua da área. Aos 18 anos vi os vídeos de todos os toques de calcanhar de Roberto Baggio, hoje não sei se seria capaz.

PG. - Acha então que se pode pensar no jogo como um lugar caótico, cheio de micronarrativas?

PS. - É engraçado: «parece-me que as pessoas ou são muito do e ou são muito do ou». « Eu 'vejo sempre vários jogos ao mesmo tempo'».

PG. - É por isso que os seus jogos estão sempre em diálogo com outros jogos?

PS. - É evidente que toda a tradição cultural está presente, não se pode pensar num Polga sem ignorar que já existiu um Hugo, nem se pode pensar num Saleiro ignorando que já existiu um Purovic, não se pode pensar que começámos logo a perder com o paços de ferreira sem esquecer que perdemos uma final da taça uefa em casa depois de estar a ganhar ao intervalo. 'Qualquer jogo que se jogue é sempre uma ousadia', como diria o nosso GmTavares, de quem julgo já falei aqui à atrasado.

(é evidente que esta potencial - e claramente precursora - entrevista de paulo sérgio para ser bem compreendida teria de ser acompanhada da leitura da entrevista de gMtavares à tal revista Ler (trechos entre aspas), mas como esta não foi incluída no pacote proposto para a campanha do banco alimentar, lamento o incómodo)

e descansem pois ainda não viram os meus desenhos no ibrushes

Considerando que a análise política e a análise económica estão destinadas ao fiasco, sobram apenas duas análises decentes ao homem moderno, e inclusivamente ao clássico: a análise literária e a análise religiosa. Repare-se antes de mais nos termos, não se tratam de 'comentários', nem 'críticas', são mesmo 'análises', ou seja, para melhor compreensão do vasto auditório: a análise é uma crítica mas já com as devidas e desproporcionadas ambições dialécticas de síntese, de, se quisermos ir mais longe (e , meu Deus, quem não quer ir mais longe) de sublimação, de - mais longe ainda - criação; e, Santíssima, (Deus já tinha sido invocado há pouco e praticamente em vão) quem não quer ser criador, nem que seja de galinhas!

Hoje tratarei de analisar em conjunto os fenómenos 'Gonçalo M Tavares' e 'preservativo', ou melhor, expondo-os em conjunto, designaria esta análise por: 'Santo António perdeu o emprego'. Reformulo apenas para efeitos didácticos: Gonçalo M Tavares (do qual o seu último livro premiado à francesa é bom exemplo) está para o soit disant «fenómeno da literatura em português» como o preservativo está para a não menos soit disant «ética sexual católica». Poderia dizer-se que é uma análise sem futuro pois só lê quem quer e só fode quem quer; falso. Irão compreender-me, prometo.

Experimentem acompanhar-me. Ao lermos GMT estamos a entrar num universo misterioso que deveria ser preservado: o universo da impotência literária, ou seja, entramos num grande ovário de paredes polidas onde apenas chocalha um liquido amniótico chamado 'vocês-nunca-poderão-acompanhar-este-paleio-porque-o-meu-espermatozoide-era-turbo'. O universo literário de GMT funciona assim como uma grande menopausa, não precisamos de nos prevenir de nada; diria até mais, basta ler utilizando o método-das-temperaturas: se estivermos com febre aquilo desliza muito melhor. Por outro lado, a tendência processual (ou o processo tendente, como se queira) para a reformulação moral ( 'reformulação' é o termo canónico para relativização, sublinhe-se) do uso de um método anti-concepcional artificial (está em curso a criação da Alta Autoridade para a definição de naturalidades e artificialidades) equiparando-o a uma mera abstinência (e não há nada mais artificial que uma abstinência técnica, alerto para o facto) é efectivamente também o método literário específico utilizado por GMT: quando se pensa que uma razoável ideia ficcional, poética, lírica, está pronta para germinar naturalmente, choca repentinamente com uma barreira aborrachada de nonsense que a deixa ali a chapinhar com outras produzindo um conjunto leitoso de nhanha literóide que se transformará, se for devidamente acondicionada, em direitos de autor alguns meses depois. É, então, um processo que merece ser acarinhado, até mesmo subsidiado, se bem que isso agora já não seria tão bem visto, depois da interrupção voluntária do cheque-bébé.

Permita-se-me então rapidamente a síntese: A melhor forma que a ética cristã tem de abordar o grande mistério da concepção é fazer ver aos seus fieis que sto antónio pode ter o emprego em perigo quando foder se tornar um mero acontecimento meta-literário.