Harpagophytum procumbens


Um dos episódios mais ignorados da histografia nacional é a frustrada tentativa de dobrar o cabo da Boa Esperança encetada pelo navegador português Carlos Eirós uns meses antes da façanha de Bartolomeu Dias. A esta obscuridade não será certamente alheio o episódio curioso a que está associado o insucesso dessa operação. Constava em registos, até há pouco nunca confirmados por outras fontes, que Carlos Eirós e alguns dos seus marinheiros desembarcaram umas milhas antes da referida dobra a fim de apanhar um pouco de ar que não cheirasse a peixe quando foram surpreendidos por um grupo de leões que tinha sido banido pela forças vivas da savana. Ora esse grupo de leões (que se preparava para, em desespero, incorporar o carrossel duma feira em Alicante) apresentava-se com algumas necessidades de índole hormonal e encontrou nos navegadores portugueses uma possibilidade de alívio e satisfação; e satisfizeram-se. Inesperadamente, há uns dias, foi encontrado um documento original e muitíssimo bem conservado do então cronista do reino e dos descobrimentos Aurélio Freitas Fagundes que incorporava uma bem esclarecedora entrevista com Carlos Eirós, precisamente quando este regressava ao navio já com um caminhar novo. Ei-la:

Aurélio Fagundes - Diga-me, comandante Eirós, o que achou desta sua nova experiência com os leões?

Carlos Eirós - Bem, já sabíamos que eles trabalhavam muito bem as bolas entre si, tentámos adiar a sodomização o mais que pudemos, mas na realidade acho que fomos bem sodomizados.

Aurélio Fagundes - Não acha que a estratégia foi demasiado defensiva?

Carlos Eirós - Chegámos a pensar ficar no barco, mas o Vicente já não podia mais, tinha aviado com 5 kilos de figos algarvios que a mãe lhe dera, pisámos terra firme com a convicção que tínhamos de lutar folha a folha, cato a cato, gramínea a gramínea pelo nosso terreno.

Aurélio Fagundes - Não julga, portanto, que a sodomização pudesse ter sido evitada...

Carlos Eirós - Repare, estávamos perante os leões que eram os 2ºs do ranking, os primeiros já tínhamos passado por eles no apeadeiro do Golfo da Guiné, e aí apenas o marinheiro Crispim foi desflorado, algo que até nem se importou porque quando chegar à metrópole já vai poder casar com o Semedo que ficou a decorar o hall.

Aurélio Fagundes - E qual a razão de ter mudado de estratégia quando os leões pareciam estar a perder a, digamos, concentração vascular nas extremidades?

Carlos Eirós - Nós tínhamos uma estratégia bem definida, primeiro desgastá-los na zona lombar e depois dar de frosques quando o sol se começasse a pôr. Fomos sodomizados numa altura em que já não estávamos à espera. Como se sabe somos melhor a improvisar do que a planear, fazer o planeado, confirma-se, significa pormo-nos a jeito.

Aurélio Fagundes - Chegou a pensar que ainda conseguia inverter a situação?

Carlos Eirós - Como nos ensina a natureza 'quem tem cu tem medo', mas a nossa ideia era pôr no campo toda a nossa energia e qualidade, se acabámos sodomizados há que saber reconhecer o mérito daqueles que se mostraram mais consistentes.

Aurélio Fagundes - Não acha que alguns casos de insubordinação na tribulação possam ter contribuído para esta sodomização, quando pareciam estar criadas as condições para levar as filhas do adamastor para casa?

Carlos Eirós - O grupo esteve sempre unido...com o trajecto bem definido...um dos leões chegou até a dizer: segura-me também no leme, por favor, reconhecendo o nosso valor... nós estivémos sempre unidos...

Aurélio Fagundes - ...mas não acha que um grupo muito unido é mais fácil de sodomizar..

Carlos Eirós - eu ia dizendo, os casos mediáticos são produzidos pelos cronistas do reino, à falta de notícias sobre filhos ilegítimos na corte, aqui nós estávamos focados na nossa tarefa, sabíamos que podíamos encontrar leões com falta de leoa, mas também sabíamos da nossa qualidade, e do trabalho que tínhamos vindo a fazer nos treinos com maçarocas, gargalos de super bock e azeite Galo.

Aurélio Fagundes - E o que retira desta experiência?

Carlos Eirós - Em primeiro lugar fomos sodomizados com dignidade, não se ouviram gemidos, um ou outro joelho esfolado mas nada que uma noite de repouso e bagaço não resolva, há que olhar em frente e puxar as calças para cima.

Aurélio Fagundes - Então e agora?

Carlos Eirós - Agora voltaremos mais fortes. Quando estes leões nos aparecerem pela frente outra vez já não daremos o cu ao manifesto com tanta facilidade, eles terão de nos agarrar pela cintura, eventualmente prender-nos a uma palmeira, e até usar mais óleo de coco.

Aurélio Fagundes - E como está o espírito do grupo?

Carlos Eirós - Há uma grande consciência do dever cumprido, ainda há pouco ouvi o cronista Mendes a afirmar que o marinheiro Geraldo se sentia «destroçado com uma tristeza inimaginável», e é de compreender , pois havia a expectativa de pudermos ter bebido um ginger ale sossegados sem que um grupo de leões nos andasse a rodear no intuito de sodomizar.

Esta peça de registo histórico do cronista Aurélio Fagundes constitui um documento de valor incalculável e levanta definitivamente o véu a um dos episódios mais obscuros da nossa história, que alimentava há séculos a imaginação popular que, como se sabe, vive impregnada de golden shares, spreads, chips, e já não há scut que aguente.

Achillea millefolium

Phil Perry era o fiel lubrificador da espada de oiro de Francis Drake. Zeloso, permitia que Sir Francis desembainhasse a famosa arma com uma velocidade aterrorizante. Foi compensado com várias terras no Sussex e muitos anos depois um descendente seu acabaria por ser o guardador de cabeleiras de Sir Robert Walpole, e inclusive, diz-se, montava-lhe as molduras dos Canalettos, o que fez com que o 1º ministro lhe oferecesse uma pequena propriedade na zona de Notingham para que ele se pudesse abastecer de madeira em condições, em vez dos ramos manhosos de figueira importados de Itália que usara nos primeiros quadros. Foi assim com naturalidade que um trisneto seu se afirmou como o fornecedor oficial de bengalas da casa real na fase de arranque dos Saxe-Coburgos, tradição essa que só foi quebrada quando John Perry, seu neto, acompanhou Chamberlain no tempo dos acordos de Munique como fornecedor de ansiolíticos em unidose. Desta insigne genealogia haveria de surgir John Perry III que se revelou um médio de ataque consistente e pouco atreito a lesões, tirando um furúnculo resistente na zona alta da coxa esquerda que haveria de lhe conferir um toque curioso na corrida, semelhante ao de uma avestruz com vaginite.

Louis Rampard fora o fornecedor de tinta permanente a Cromwell enquanto este conspirava contra Tomas More e dessa forma garantiu um posto de chefe de pigmentação na olaria principal dos arredores de Coventry. Muitos anos depois um descendente seu haveria de se salientar na guerra da Crimeia fazendo pinturas de guerra aos soldados turcos que afugentavam os russos por estas lhes fazerem lembrar a língua de Tamerlão após comer um arroz de lebre em cabidela. Não foi então de estranhar que um novo membro da casta dos Rampards chegasse a decorador de roupões de Churchill, que jamais fazia um discurso sem primeiro se aconselhar com Frank Rampard, como, por exemplo, se o motivo dos pavões não seria demasiado excessivo para acompanhar a exortação à debandada do corpo expedicionário. É já com Brejnev a fazer palavras cruzadas com Estaline que nasce Frank Rampard III, que se haveria de revelar um defesa direito de eleição, conhecido por ameaçar os defesa contrários com tatuagens de franceses e alemães a dormirem com as suas mulheres.

Sam Johnson tirara uns dias para tratar das unhas dos pés quando Ana Bolena o convida para rezar o terço às escondidas. Inicia-se assim uma carreira mística que só termina quando uma aia com a qual tinha trocado impressões espermatozais lhe garantiu sentir células em movimento numa zona do corpo anteriormente destinada à fermentação química. Dessa fecundação in coito foram-se multiplicando gerações de predestinados para a multiplicação de células pelo que não foi de estranhar que o gene Johnson aparecesse ligado ao fornecimento de graxa para cabelo a Disraeli, negócio que haveria de garantir sustento e segurança à família que agora se poderia então dedicar a procriações mais sóbrias. A distinção e pedigree que se foi instalando com o negócio de aditivos para cabelo permitiu a Ken Johnson incluir na sua lista de clientes Margaret Tatcher que usava uma laca produzida à base de caspa de juba de leoa do Zimbabué. É neste berço de gel's e amaciadores que nasce Ken Johnson III que se haveria de destacar como ponta esquerdo do Birmingam, graças a um penteado inspirado na vertente nordeste do Annapurna e a uma finta com rotação para o interior seguida de centro tenso para o segundo poste.

David Mooney um devoto pastor anglicano de Leeds ficou afamado por ter ajudado John Knox a ler a Bíblia sem a ajuda do dedinho a acompanhar as linhas. Como reconhecimento, Knox recomendou Mooney a Elisabeth I que lhe destinou a orientação da catequese aos filhos ilegítimos das aias. Sempre cioso das suas obrigações David foi granjeando admiração e naturalmente foi ganhando influência obtendo, inclusivamente, algum ascendente moral sobre cozinheiras, pajens e floristas. Quando lhe nasceu a primeira filha, Louise, que aparentava ser filha duma coluna de som, teve de socorrer-se dessa influência para a conseguir casar com Jeremy, fatiador-ajudante de bacon da casa de York, um rapaz sem apelido e que aceitou a marca dos Mooney com gratidão, ao que não era alheio ter menos três dedos na mão esquerda, e uma marreca com o feitio do golfo da Biscaia. É no seio dessa união de interesses, polvilhada aqui e acolá por um carinho mútuo, que nasce Wayne Mooney que se viria a revelar um desbastador de buxo de altíssima qualidade, que chegou a esculpir três pilas num jardim de Elton John em apenas uma hora, e que viria a ser o avô de Wayne Mooney III, um médio-distribuidor de jogo que rapidamente se tornou célebre pelas desmarcações para as costas dos adversários, mantendo sempre um ar sereno de como se estivesse apenas a procurar joaninhas junto à bandeirola de canto.

É assim nesta linha de tradição que se forjou o quadrado mais célebre da selecção inglesa, Mooney, Johnson, Rampard e Perry, forjados naquela mistura de celtas, bretões, normandos e saxões, que lhes comunicava uma combinação impar de dinamismo e força, de raiva e cérebro, de sangue e suor, de joelho e sovaco. Olhavam para trás e antes de verem um fora de jogo ou uma ocupação de espaço vazio viam sempre um passado ancestral rico, iluminado com fio e pavio, povoado de honra, glória, pescoços tombados, potências e impotências várias, e uma ou outra tripa a esvoaçar. O que o futebol tem para ensinar à História é que se deve transportar sempre de forma muito controlada o que vai entre as pernas.

Origanum majorana

Dona Dolores tinha um negócio seguro a crochetar adereços para os paneleiros veraneantes de Sitges quando foi obrigada a socorrer o neto, Xavi Ermengol, que tinha sido dispensado dos juniores do Barcelona e que voltara a viver na mandriagem, sacando dinheiro às turistas, e proxenetanto um pouco aqui e acolá.

Numa tarde em que dona Dolores dava um belo sermão a Xavi enquanto bordava dois pequenos naperons para o enxoval de Lola e Marisa, este reparou que a forma de fluir do fio entre agulhas praticado pela sua avó poderia ser revelador duma nova forma de fazer deslocar o jogo na faixa central. Movido por um movimento inspirativo dirigiu-se imediatamente para o centro de estágios, onde se apresentou como detentor duma táctica revolucionária que se aplicaria tanto ao esquema do losango, como ao esquema dos dois pivôs defensivos em vai-vem, como no próprio esquema do tudo en revuelto.

Sergi Alonso, que tinha sido seu treinador dos juvenis, desde os tempos em que ouvira Cruift a dizer que o mais importante numa táctica era ter os olhos bem abertos e as pernas bem fechadas, que não presenciara uma dissertação tão luminosa e ainda para mais vinda dum rapazolas que ainda no dia anterior lhe tinha arranjado duas dominicanas para brincar às enfermeiras.

Recuperada a sua posição de médio interior esquerdo na equipa de reservas, rapidamente Xavi começou a dar nas vistas com o seu colega de losango, precisamente Andres Ramos, um ex-ciclista de circo, com o qual combinava séries mínimas de 300 passes sucessivos em esquema carrossel sem sair dum raio de 10 metros e que só paravam depois dos jogadores adversários terem dito 20 vezes «cabrones-hijos-de-puta-chupamos-aquí».

Depois de duas equipas adversárias terem sido apanhadas por um surto de torcicolos, Xavi e Andres, juntamente com Jesus Torres, (conhecido por afastar os defesas com uma simulação de anca que tinha aprendido com Marcia Soler num cabaret em Valência) foram incorporados na equipa principal onde se encontraram com Joan Hernandez, um esquerdino irrequieto que já de si também gostava de fazer crochet aos defesas laterais com a sua famosa 'finta-caranguejo', e não fora o estrabismo assim adquirido teria logrado fazer a campanha dos desodorizantes Rexona em roll-on sem alcool.

Foi assim com naturalidade que, em conjunto com Gerard Navas, iniciaram o movimento futebolístico que ficou conhecido como o 'método correntinha'. A inclusão de Gerard neste processo do pós-modernismo-táctico não é alheia ao facto de Gerard desde pequeno ter ajudado a sua avó, uma mulher rija de Gijon (não dizer muito depressa por favor), a fazer tranças de cebola que depois vendia num mercado em San Sebastian com o avô, o sr Gustav, um acordeonista amador de Segóvia, homem de poucas falas mas de assobio e álgebras fáceis.

O 'método correntinha' aliado às entradas dos laterais pelas faixas utilizando a 'variante rococó' tornou o futebol espanhol uma autêntica tapeçaria chinesa e foi rapidamente incorporado como o método oficial da selecção nacional, substituindo a anterior táctica da 'fúria espanhola' que afinal nunca tinha passado duma invencível armada com os pintelhinhos tremelicando aos lábios virginais da deusa Tamisa.

Durante as pausas dos estágios, Xavi, Gerard, Joan & sus muchachos, treinavam afincadamente pelerines com as famosas agulhas 4.0 da Clover, e antes de adormecer faziam sempre dois ou três jogos mikado aproveitando as KnitPro Symphonie Wood, sendo que quem perdesse estava obrigado a fazer dois passes de ruptura nos primeiros 15 minutos do desafio seguinte. Ficaram inclusivamente célebres os pequenos cachecóis de Jaime Pujol, um neófito dentro do 'movimento correntinha' mas que rapidamente começou a fazer parte do núcleo duro pois tinha qualidades ímpares na ocupação dos espaços vazios, algo que provavelmente tinha herdado da sua avó Carmen Gutierres que trabalhara durante a guerra civil em Saragoça, na esquina da calle de Santa cruz com a calle de Viena, a vender churros envenenados a republicanos; olé.

Quinteto Lebensraum


Radimir Purovic tinha acabado de enviar uma bola ao poste, - leia-se à esquina da rua Pasterova com a Rua Deligradska - quando a sua mãe Maria Svinic o chamou para jantar. Radimir fingiu não ouvir, fez mais duas sessões de fintas a Raslo Simic que estava convalescente duma tuberculose, e quando chegou a casa levou com dois scuds de cotovelo que o deixaram de cama 15 dias. Recuperado da acção pedago-agressiva da progenitora, Radimir fugiu de casa, perto do centro de Belgrado, e apanhou a boleia dum furgão Bedford que o fez chegar alguns dias depois aos arredores de Stuttgard onde acabou por se salientar como médio interior direito no grupo desportivo duma empresa que fazia fresas para os pistons da mercedes.

Bruno Smolareck era ajudante de uma padaria em Legnica quando foi convidado por Hector Pinevski para se apresentar nos treinos do Dresden FC, que procurava um rapaz bom de mãos para substituir o seu guarda redes que fora apanhado na piscina com a filha de Zbigniev Lahm, precisamente o preparador físico do Dresden FC e que tinha reservado para a sua filha um lugar no grupo de franciscanas que dava assistência na Versoksunskirche. Avisado que doravante devia guardar as suas mãos e restantes apêndices do tronco para funções ligadas com a modalidade, Bruno incorporou a equipa, tendo porfiado e arrecadado.

Foi em boa hora que Frankisev Vrbata foi visto a roubar Herr Shuster que estava de visita turística a Plzen. Constatada a sua capacidade de se esquivar às forças de segurança checas, imediatamente foi contratado por Victor Schumann, olheiro do Fulda FC, que ia na sua terceira terrina de cerveja mas que até à quinta ainda conseguia pregar rasteiras, e que não hesitou em convencê-lo a optar por uma carreira de estremo esquerdo, através da qual poderia passar a festejar abanando as redes alemãs em vez de se lamentar roendo as grades checas.

Heirich Twardowski tinha iniciado a sua primeira semana como policia sinaleiro precisamente no cruzamento da Bogurodzici com a Kaszubska em pleno centro de Szczecin. Eram duas da tarde duma tarde chuvosa de Maio quando Thomas Haufmann, treinador adjunto dos juniores do Hamburgo, se distrai precisamente nesse cruzamento quando, ao seu lado, pára o renault clio de Martina Sirineva, acabadinha de fazer uns caracóis novos no salão de cabeleireiro de Zumira Kirkeva, uma Bielorussa estabelecida em Szczecin desde que Jaruselski prometera uma permanente (sem coloração) no Natal a cada polaca que descolasse mais de 200 cartazes do Solidariedade numa semana. Ora, quando Marina se lembrou de fazer o movimento vidalsasson, Herr Haufmaum foi acometido de reminiscências penosas duma namorada dinamarquesa que o tinha trocado no verão anterior por um electricista ucraniano e, não fora o movimento expedito e profissional de Heirich Twardowski a fazer virar o sentido do trânsito, hoje, o produto da combustão de Thomas Haufmann estaria a fazer depósito num vasilhame de grés de dupla cozedura. Ainda mal refeito do susto, Thomas ficou a apreciar a mestria de Twardowski a distribuir o trânsito pelas artérias venosas de Szczecin, qual autêntico Beckenbauer da Bogurodzici com a Kaszubska. Tal a impressão, que esperou o fim do turno de Heirich para o convidar de imediato a fazer provas como médio pivot do Hamburgo, equipa que jogava um futebol demasiado directo o que já lhe tinha feito perder o patrocínio dos aspiradores da Bosch e assim obrigado a vender duas promessas do ataque ao Borussia de Munchengladbach que garantira o patrocínio das batedeiras Moulinex à conta dum ponta direita especialista a fazer picadinho de defesas laterais com rins de pau santo.

Mesut Kutur Westermmann parecia um predestinado para tudo menos para defesa central. A mãe era fiadora em Izmir antes de ter emigrado para Munich onde acabou a bordar toalhas para a Oktoberfest, e o pai , com os dedos em forma de estrelas do mar, era ajudante de relojoaria em Zurich, especializado a contar dentes em rodas cremalheiras. Ou seja, duas pessoas delicadas acabaram por parir um mamífero de 1,95 m, possuidor de uma força de pernas que em movimento de swing mostravam tenacidades superiores a 5000 kn por cm2 , e que se não fossem as potentes influências da providência que lhe colocaram no caminho Per Wiese, acabaria a abastecer as prateleiras everesticas da secção de lacticínios do Lidl da Shleisheimer Strasse. Estava Herr Wiese de passagem por Munique quando lhe apeteceu um leitinho achocolatado. Ora este apresentava-se na zona de influência de Mesut que se apressou em lhe propor uma promoção de 6 pacotinhos pelo preço de 4 com oferta de 20 pontos no cartão família e, como se não bastasse a simpatia, ofereceu todo o seu corpulento dorso quando a prateleira começou a dar de si e a prestar vassalagem a newton. Perante tal demonstração de coragem, colocação e resistência Pier Wiese não pode perder a ocasião para aconselhar Mesut Westermann ao seu primo Friedrich Grass que procurava um armário para a defesa do Bayern.

E foi assim que a Bundesliga a certa altura viu coincidirem os alemães Radimir Purovic, Bruno Smolareck, Frankisev Vrbata, Heirich Twardowski e Mesut Kutur Westermmann, como estrelas dos respectivos clubes, e que, com toda a naturalidade, acabaram por construir o núcleo duro da selecção, - sem necessidade de anexações de territórios, nem de acordos de munique - e dominar o futebol germânico com a estrutura cristalina que aportavam à tática da equipa, mesmo que tivessem alguma dificuldade de comunicar entre si; ficou inclusivamente célebre uma troca de galhardetes durante o treino dum estágio no Piamonte : «Twardowski não te esqueças das compensações, senão o Kutur perde a noção do Vrbata em relação à desmarcação do Smolareck para as entrelinhas», ao que o primeiro respondeu, «eu quero é que o Smolareck vá Vrbatar no Kutur». Diálogo este que, como sabemos, não ficou indiferente ao galês de Versalhes Nicolas Analka, perdão Anelka.

Cassia angustifolia

Maxi Hernandez nascera num berço miscigenado de mãe argentina e pai austríaco. O preceito obstetrício dera-se em Montevideu, quando o casal por ali tentava assentar, e essa marca haveria de conferir ao rebento atributos teleológicos. Um fisiotroponomologista uruguaio ( técnica para descobrir que profissão devemos seguir a partir das feições que apresentamos antes da puberdade) preconizara-lhe uma carreira desportiva, e a família tudo fez para garantir que Maxi seguia os desígnios que a ciência fisiotroponomológica lhe apontava, «a bolachinha no queixinho e o nariz ligeiramente virado a oeste, não me deixam quaisquer dúvidas que será um defesa direito de excepção, Herr Krauss». Dois anos passados com a sua avó mexicana fizeram-no debutar no Chivas Guadalajara, aprendendo com ela a rezar dois Glórias antes de cada jogo e uma ladainha de santos de língua espanhola ao intervalo, pelo que era o sempre o último a sair do balneário, miscigenando-se também aqui superstição com devoção, e garantindo-lhe a eterna alcunha de 'el ermitaño'. O facto de ser um defesa de betão, um confluir da robustez alpina com a fantasia asteca, foi-lhe conferindo destaque e competência entre aqueles que as podem transformar - ao destaque e à competência - em fama e proveito, e, quando chegou a altura, (a vida é uma sucessão de 'momentos' que podem dar em 'situações' e que depois se podem tornar 'alturas') decidiu ajudar a nação Uruguaia a tentar alcançar o seu terceiro título mundial, deixando Mamã e Papá ligeiramente descoroçoados, mas devidamente compensados na infusão de bênçãos que significava aquele destino cientificamente traçado.

Na selecção uruguaia o pendor devocional de Maxi - que ainda se reforçou quando a sua avó mexicana exalou as últimas preces - era visto com mais estranheza do que pelas terras mexicanas, mas com a constatação dos extremos esquerdos adversários a esbarrarem sucessiva e atordoadamente no seu complexo fisiomorfológico, muitos se foram convertendo àquela entrega despojada de Maxi Hernandez nas mãos da Divina e Soberana Vontade. A quem chamou mais à atenção foi ao seu companheiro de então no flanco esquerdo, Diego Suarez, que experimentou passar a entrar com o joelho esquerdo genuflectido no campo e um olhar piedoso para o alto da bancada Sul, mas o melhor que conseguiu foi duas operações à rótula bem sucedidas, e um abandono precoce da modalidade sob uma salva de «grande maricón's». Lançar preces ao céu tem o seus quês, para além, claro, dos seus efezierres.

No entanto, mais sucesso popular foram fazendo outras manifestações - apresentando um certo pendor paganizante - de entrega das sortes dos jogos nas mãos dum qualquer outro supremo desconhecido, como aquela que tornou conhecido o trinco Sebastian Perez que quando entrava em campo corria até à bandeirola e cheirava o sovaco esquerdo, tendo posteriormente esclarecido numa flash interview que se tratava de aproveitar a energia cósmica que emanava da bandeirola de campo e fazê-la fluir pelo seu tórax.

Como usualmente nos tempos livres dos estágios, Maxi Hernandez ia com o seu amigo e defesa central Nicolas Cáceres passear pelas ramblas de Montevideo e foi assim, num desses percursos, que um dia aproveitou para lhe dizer que estava a pensar fundar a União-dos-Jogadores-da-Ladaínha e que pensava contar com Nicolas para ser o outro dinamizador. E dessa forma se criaram no seio da selecção dois grupos de canalização mistico-energética e que viviam harmoniosamente: os 'ladaínhas' e os 'bandeirolas'; cada um procurava fazer confluir (acho que já vou em dois ou três confluires) para toda a equipa as forças e os talentos para a vitória, e envergavam as respectivas tshirts alusivas debaixo dos equipamentos, que orgulhosamente mostravam na celebração dos golos. O treinador, um Chileno chamado Mauricio Orellana, um ex-marxista columbófilo, com uma excursão de serralheiros à Roménia e um concurso de pesca na Bulgária no currículo, sabia muito bem que toda a vida era forjada entre alienações e complexos, (tinha até um autógrafo de Lacan que confundira com um extremo esquerdo do St Etiènne) e que o processo histórico passava por conturbados determinismos, incluindo futuros que já não são o que eram, deixou-se levar pela onda, afinal o verdadeiro ópio do jogador eram a nandrolona, e uma ou outra dominicana que fazia pela vida nos arredores dos estágios. Maurício revelou-se até um perito em expedientes supersticiocizantes e trazia sempre para o banco de suplentes um frasquinho d'agadoizó do estuário do rio da prata, devidamente benzida pelo padre Marco Ponce, - um fanático do Colo Colo - aliás tudo o que sabia de futebol devera-se a ele que, inclusive, o ensinara a rematar em folha seca no Domingo de Ramos de 1956.

Fora assim graças ao filho e neto de mexicanas piedosas e dum austríaco musculado fugido do anchluss que se dera o renascimento, se não mesmo a criação, da espiritualidade-de-cacifo naquele santuário que são os balneários de futebol, verdadeiras fontes de mitologias pre-barthesianas; não era pois de estranhar ver todo o grupo com Maxi Hernandez, Martin Muslera (um nº 10 que tinha pegado de estaca na posição, substituindo Gonzalo Rivera que se tinha afastado por motivos religiosos - pois tinha preferido a Argentina onde privilegiavam no balneário a devoção aos números especiais da playboy) e Nicolas Cáceres, entre muitos outros, a entrarem em campo de mãos dadas e a fazerem um ângulo de 77 graus com o pescoço, assumido por todos que era o melhor ângulo para receber as energias cósmicas, viessem elas do Sublime Éden se do Grande Zénite das Bandeirolas.

Cordia encalyculata

Rafik Bouazza Mansour, quando era ponta-de-lança júnior do ES Sétif da Argélia, ficou famoso, ainda com 16 anos, por ter feito um golo em trivela de joelho, da zona do bico da área, ao guarda redes do ASO Clef (um ex-ladrilhador recém convertido ao misticismo islâmico depois de ter falado com maomé pelo el twitter). Em virtude do fenómeno mediático que desencadeou tal jogada de fino origami, Rafik foi assediado por um olheiro francês (dentro dos limites do código penal napoleónico, do corão e do Manual Deontológico dos Olheiros do Loire) a integrar as escolas de futebol do Nantes, tendo-se aí destacado pelos seus dribles curtos seguidos de pique e assentamento de defesa, o que lhe originou a alcunha carinhosa de 'al jamboni'. A sua experiência pelas terras francesas, alimentado a generosas doses de pato fumado e brié, resultou-lhe numa combinação de velocidade, virtuosismo, envergadura física e energia de vencedor que o fazia entrar nos relvados como se que cada jogo se tratasse duma eliminatória das guerras púnicas, um campo de batalhas do caralho, perdão cartago.

Não foi assim de estranhar que um abonado clube inglês se interessasse pelo seu concurso, concretizando-se a transferência após uma época que estava a ser pontificada por impasses e mesmo alguns embaraços, incluindo a gravidez duma namorada de origem tunisina que se tinha apaixonado pela sua finta jambonette e pelo seu peugeot cabriolet.

Rafik Bouazza abraçou a experiência britânica como se de um novo renascimento mourisco se tratasse. Aceitou chuvas, nevoeiros e rosbifes com uma resignação de berbere à sombra e construiu uma carreira sólida, apenas com uma média de 3,7 filho-da-puta-dum-cabron e 2,5 motherfuckers por jogo, na primeira época, o que constituiu um record inédito para um rookie não oriundo da commonwealth e sem o cabelo pintado no pantone de fábio coentrão.

Não constituiu assim qualquer surpresa ter sido chamado à selecção do seu país, para pouco tempo depois ser titular indiscutível e isto, registe-se, sem pertencer a nenhum lobi, nem gay, nem opus-alá, nem bilderborga, nem mesmo da respeitada e influente Confraria dos Amigos da Barbicha Pingada, pois Rafik tinha-se apaixonado pelo cabelo penteado com gel depois de ter visto uma fotografia de Mário Conde numa revista dum dentista de Múrcia.

Os seus tempos livres no estágios eram passados a jogar super-mário-wii com Hassan Gezzal e Karim Halliche, mas não enjeitava um ping-pong com Nadir Chaouchi desde que este não usasse a tshirt com a fotografia de Beyonce que o desconcentrava no departamento da virilidade. Fora de questão estava jogar à bisca com Karim Belhad que concomitantemente arrotava a hortelã, principalmente se antes tivesse treinado livres directos com barreira. O seu massagista preferido era Yazid Ziani, também conhecido a norte do Atlas como o Anibal-da-falangeta, e todas as noites viam juntos (cada um no seu maple) episódios avulsos da Guerra das Estrelas escolhidos à sorte com umas rifas verdes feitas com o papel dos rebuçados de mentol que Hantar Saifi, o secretário técnico da selecção, distribuía depois do jantar.

Rafik tinha alguma dificuldade em adormecer durante os estágios da selecção, - um espécie de stress pré-traumático dizia o psicólogo da selecção, um zambiano especializado numa técnica que consistia em esfregar areias do kalahari na zona lombar - e frequentemente utilizava dois expedientes: ou pensava num golo que tinha marcado ao Portsmouth em que - supostamente - tinha rodopiado sobre o guarda redes sem sequer ter tocado na bola, ou então pensava num drible que fizera no Boxing day a Rio Ferdinand depois de ainda ter tido tempo de revirar os olhos a uma espectadora parecida com a actriz que fazia de miss Marple. Se ainda assim não conseguia entregar os seus vários níveis de consciência aos cuidados do orfeu encefálico, usava um método que lhe fora ensinado pelo preparador físico dos tempos de júnior no Nantes: ir recitando os nomes dos comandantes cristãos da batalha de Lepanto: João de Áustria, Sebastião Veniero, Andrea Doria, Marco António Colonna, Barbarigo, Alvaro de Bazán, sendo que normalmente já roncava antes de dizer o nome todo de Juan Ponce de León.

No entanto o ambiente dos estágios era tranquilo e pouco perturbado por insignificâncias relacionadas com os grandes tumultos da civilização, desde conflitos norte-sul a catástrofes nas finanças públicas, e as grandes preocupações acabavam por surgir em redor das pequenas invejas; Karim Halliche acabara por ser escolhido para rosto da campanha das cuecas Dolce & Gabbana em detrimento de Nadir Chaouchi que se tivera de contentar com a dos novos aperitivos Matutano light. Karim ainda só tivera uma pequena experiência em Inglaterra com as promoções dos saldos de inverno de pijamas do C&A, mas desestabilizara-se um pouco, isso sim, quando soube que a nova namorada de Salim Facunda, uma odalisca turca, aparecera num placard da yoplait em Southampton, sendo que Salim pouco mais sabia fazer do que despachar bolas pela linha lateral. Rafik perguntava-se frequentemente onde estava o olhar de Alá quando era preciso reparar estas injustiças. Nem toda a iniquidade está no chouriço, pensava Rafik com as suas caneleiras enquanto Hassan Guezzal rejubilava ao receber a noticia do primeiro dentinho do seu filho, e ir-lhe-ia dedicar o seu próximo golo, «só se os guarda-redes adversários andarem a xanax», resmoneou de si para si Yassoup Khadra, um interior direito que era conhecido pelo mau feitio e pelas tatuagens de crustáceos.

Karim respirava optimismo e tinha praticamente tratada a sua transferência para o Málaga, para junto da sua noiva, a hispano-marroquina Sofia Khazar, uma loira kerastaseana que chegara a ser prometida dum campeão olímpico de basquetebol, mas que dele se desgostara por não aguentar muito bem os sapatos de saltos altos. Karim, esse sim, garantia-lhe um amor solene e permanente sem ela precisar de tirar as chanatas desde que lhe preparasse sempre um arroz de gambas depois dos jogos e nunca, mas nunca, sequer focasse o olhar em Mohamed Abhad, o grande sex-symbol e ponta esquerda da selecção quando esta se apresenta em 4x3x3 ou falso ponta-de-lança quando está em 4x2x2, e cabeça de cartaz da nova campanha dos lombinhos de pescada da Pescanova.