Gordas pra casa



Aparentemente acossadas pela pressão de tanta mulher magra e bonita, algumas forças vivas da moda feminina dedicam-se agora a explorar criativamente o terreno das mulheres gordas e estriadas. Tentando aproximar-se duma tal de mulher média, apresentam-nos espécimes-para-desfilar robustas mas, como se não bastasse, também disformes, de pele irregular, desproporcionadas, como que assinalando, num cristianismo-de-passerelle, que a mulher média é badocha mas também é filha de Deus. E mais, julgando que a mulher badocha ao ver outras badochas a fazer de modelos, sentir-se-á mais consolada e correrá que nem louca a comprar orgulhosamente merdas que lhe deixem o corpo disforme em exibição.
Uma coisa será diversificar os cânones de beleza, ir habituando o olhar do consumidor a outros padrões de beleza, outra coisa bem diferente é expor mulheres disformes e feias como que banalizando a beleza do corpo, num miserabilismo a cheirar a misericórdia requentada.
Fazer da desproporção arte é uma coisa, fazer dela um palhaçada de moda aproxima-se duma nova modalidade de circo. O homem-bala virou gorda-de-passerelle.
As mulheres que forem nessa conversa são burras e merecem ficar mais badochas e com casca de laranja para sempre.

Outonoscopias



‘Folhas mortas, finados & marmelos’ Contra ‘Cheiro a relva, velas acesas & chás’

Aquilo a que geralmente chamamos natureza humana caracteriza-se (bastante) pela insatisfação e contentamentos selectivos (tolstoi diz doutra forma, já se sabe). Nas zonas de transição ficamos um pouco perdidos, e em geral tendemos a tomar partido por estados de alma de ocasião, mais ou menos justificados pelas deusas da patologia.

O Outono é um dos momentos de transição em que tendemos também a aproveitar para fazer um statement estético, algo apenas ao alcance de almas sensíveis, mas em todo o caso julgo que qualquer animal provido de epiderme tem direito pelo menos a exprimir-se, desde que não o faça, claro, revelando outonos privados de terceiros, pois quem não quer ser saraiva não lhe veste a pele.

Ora dois seres tuitamente sensíveis e delicados sintetizaram (se bem que reprimindo certamente a exibição de emoções sensoriais mais fortes por mero pudor ou humildade) o seu olhar outonal mostrando as várias faces do esplendor e decadência equinociais. 

Se Braque ou Picasso quisessem cubificar o Outono, iriam de certeza inspirar-se naquela luta de contrários que epigrafa este post, Picasso poderia mesmo ir mais longe e fazer uma guernica-das-quatro-estações, entrelaçando marmelos e velas de pavio curto com folhagens acastanhadas espojadas sobre relvas licenciadas em húmido encanto, num ataque de arcimboldismo. 

Mas na verdade sinto-me incapaz de acrescentar valor, património, poupança ou riqueza a tais iconografias e presto singelamente tributo ao Outono, seja ele do nosso contentamento ou descontentamento, antes que venha o inverno de Steinbeck ou doutro cabrón y nos joda.

Nova Gileanização



Um país que quase se dividiu por causa dum facto que se quis libertar do seu pesado c, e que se empolgou neuroticamente com um que-se-foda em penaltis, acabou finalmente por libertar-se dialética e terapeuticamente com um chuta-caralho.
Ora, tendo partido nós, desde logo, sabendo que a língua era a pátria, primeiro, inchados de piedosos escrúpulos quisemos fazer da ortografia uma madrinha de guerra e agora acabamos a descobrir que é num caralho debruado a foda-se que torneamos outra vez o Bojador.
Se já se dizia que no Norte caralho era vírgula, a partir de hoje que-se-foda é travessão em todo o país e reticência na academia de letras.
Como se usa o conceito de ‘mulher resolvida’ para aquela que aparentemente já sabe lidar com as suas arremenstruaçõezinhas, e transforma os complexos em meros berloques de verão, julgo que nos podemos doravante considerar também uma nação resolvida porque vernaculizamos com um tipo de classe que nem o Rei Sol quando soltava bufas em Versailles.