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Atheism for Believers: a believer's guide to the use of atheism


De forma algo sonsa os crentes tendem (tendemos) a abordar a dúvida com métodos evasivos se bem que, a espaços, até criativos. Ora usamos a via poética, atolentinando os mistérios da criação com uma patine viscosa derivada da banhoca literária, ora serpenteamos o tema pela via do determinismo psicológico, ora despachamos a questão com um quessefodismo de ocasião, o grande amigo da consciência em particular e das entranhas em geral, diga-se. Assiste-se assim por regra a uma arrumação em cabide ou gavetão, consoante o tamanho e corte, que, com a aparência de humildade cristã, mais não passa que dum grosseiro e inevitável arquivo temporário.

Há pois lições importantes a retirar das diversas manifestações de ateísmo mais ou menos recreativo. De primeiro temos a considerar que há espaço para um momentum ateista na nossa vida, ou seja, nós precisamos de conseguir negar a existência de Deus nem que seja esporadicamente, pensar que tudo isto não passa dum broche de bactérias com fungos e, mais gás menos gás, pouco mais somos que resíduos dum peido primordial, que se foi sofisticando à base de selecções naturais de átomos, esperma, adn's e viço da guelra, qual a banca de peixe dum supermercado. Esta consideração de pendor científico na qual nos devemos embrenhar de tempos a tempos permitir-nos-á colocar a nossa fé em sentido e exigir-lhe muito respeitinho pela natureza sublime que transportamos. A experiência ateia vai revelar-nos finalmente a beleza duma existência sem sentido, uma conice sem cona, uma vida como fruição, acidente ou mera paneleirice cósmica e, de caminho, saberemos encarar os outros como eles merecem: num dia obstáculos, noutro trampolins. Esta riqueza que o ateísmo nos concede, ainda por acréscimo sabendo-a baseada num cozinhado elaborado de argumentos e desprezo por convicções alienantes, encherá a nossa alma duma mistura de orgulho e solidez que mais tarde nos fará abordar a dúvida como sendo apenas uma representação mais elaborada da verdadeira mensagem shakespeareana: quando não sabemos foder até os colhões atrapalham.

Fortalecido pela dinâmica ateia, o crente olhará para Deus de peitinho feito e perguntar-Lhe-á se quando foi daquela cena do Genesis Ele não terá pensado que o povo poderia não ir em esquemas e grupos e algum dia toparia que tudo não passava da imaginação manipuladora de uns quantos, naquela onda perichurchiliana de que nunca tantos foram enganados por tão poucos. Ao que Deus responderá: olha lá, ó meu filho badameco, mas tu julgas que estás a falar com quem? E assim, mais filho pródigo, menos filho pródigo, volta tudo ao princípio.

Por outro lado o ateísmo tem imensas potencialidades para a vida de piedade. A descrença em Seres Superiores e Transcendentes produz boas rotinas de envolvimento psíquico com badalhoquices mentais de substituição. Não falo de sexo, de forma alguma, nisso o ateísmo só traz prejuízo, pois como sabemos o pecado é um elemento catalizador, e o catolicismo de alta competição é fortemente afrodisíaco, mas quero referir-me a picuinhices como a exigência exasperante de provas, a fuga da contingência no comboio da probabilidade, ou a punheta lógica, que mais não é do que exigir a dedução das aftas à observação da cor do olho do cu. Depois de exercitar estes mecanismos próprios do intelecto ateu, o crente correrá desesperadamente para o genuflexório, qualquer jaculatória pirosa lhe saberá a Salvé Regina, e verá uma azinheira em cada candeeiro de rua mesmo sem o auxilio da uva espremida e fermentada.

Por último, uma das grandes mais valias escondidas do ateísmo é a sua milagrosa (perdoe-se-me o oxímoro) incorporação da verdade como fenómeno. Ao condescender com um real que generosamente se manifesta, o ateísmo dá à revelação um estatuto de primeira ordem nos cabeçalhos da vida experimental. O crente ao se envolver directamente com a superstição ateia acabará  por assimilar um amor à criação que lhe estaria vedado se usasse apenas o mecanismo espiritualizoide, que muitas vezes lhe põe a pobre cabecinha à razão de transubstanciações e trindades pirotécnicas. O tal momentum ateu, já acima referido, que numa primeira fase afasta Deus do real que nem uma sena de paus come um ás de copas quando circunstancialmente é trunfo, permite afinal que a alma posteriormente O reconheça quando o baralho muda de mãos, e exclame com fervor, reconhecendo a generosidade fenomenológica: afinal está tudo nas cartas.

Man lebt nicht einmal einmal

Leio os evangelhos diariamente há carradas de anos e sempre que pego nessa leitura tenho a mistura de três sensações: a) sensação epifânica : porra nunca tinha lido isto; b) sensação indianajónica: é hoje que eu vou descobrir o que nunca foi descoberto; c) sensação bulímica : fosgasse, não retive nadinha. A Bíblia é, por um lado, um livro de boa (ilusória) economia, quero eu dizer: com poucos recursos de leitura consegue devolver um conjunto robusto e diversificado de retribuições, mas, por outro lado, de má economia: pode devolver mais incógnitas e mais complexas do que aquelas que investimos. Os católicos tentam resolver de várias formas este aparente desequilíbrio, mas a mais corrente e experimentada é com uma boa almoçarada seguida duma sesta (também surtia efeito com foda) bem dada.

Acabei de cumprir apenas a primeira metade da receita (e está tudo aos gritos cá em casa devido a um problema de logística doméstica do qual eu já devidamente e em muito boa hora me auto-absolvi) e lembrei-me disto por causa do excerto do evangelho de S. Mateus que é lido hoje nas missas. Contém uma das passagens (vem quase logo a seguir ao hiper - mas não sobre - valorizado sermão da montanha) mais chispêtê-ó de todo a mensajário cristão: como resposta ao 'olho por olho dente por dentre' judeu é apresentado o 'dar a outra face' que parece vir diafanamente de rigorosamente lado nenhum. Nunca ninguém viverá o suficiente para perceber esta merda, e por mais poesia que lhe jorrem por cima, carregaremos o fardo como mulas distraídas. Penetrando no mais intimo da alma humana mesmo sem recorrer (ainda) à iluminação trágica, Jesus acabava de arrasar - antes de terem nascido - com todas as estruturas do psicologismo moderno, pedindo-nos aquilo que nem sequer se podia saber que existia, e acenando com impossíveis ao mesmo ritmo dos sorrisos nos anúncios do pingo doce. A proximidade com a fé católica põe-nos constantemente as mãos à beira do fogo. Deus sempre teve imensa lata - pode chamar-se 'o absurdo da fé' - e todos estamos destinados a flausinar pela vida com as sensações mal disfarçadas de imperfeição (nos melhores dias) e de grandes merdosos (nos restantes) . Felizmente, como o título esclarece, nem sequer vivemos uma vez. É a chamada abébia da eternidade.

O titulo é um aforismo de Karl Kraus, (um tipo que irá estar muito na moda) em Sprüche und Widerspruche, pág 177, ed Suhrkamp

A imagem é de Jheronimus Bosch, (sempre na moda) De Kruisdraging, do msk de Gent

«Se Deus está por nós, quem pode estar contra nós»

A frase do título (da Epistola de S.Paulo aos Romanos) está escrita num placar verde-garrafa instalado na A1 quase à saída de Lisboa. Deverá tratar-se de mais um apelo insinuante de alguma 'igreja evangélica', tentando vir a entrar na alma ( e se calhar bolso) do automobilista pelo flanco peri-apocalíptico, ou seja, apelando ao espírito de intocável que qualquer cristão dalguma forma transporta e qualquer pagão aspira.

Desde sempre que o cristão teve de incorporar na gestão da sua vida o problema das ‘forças do mal’, e, talvez mais rebuscado, o problema do sinal e do castigo. Nenhum católico (digo católico porque tenho dificuldade – por desconhecimento - em entender a alma protestante) poderá certamente dizer que nunca atribuiu (sentiu) algo de mal que lhe aconteceu (a ele ou ao mundo) como uma manifestação clara duma admoestação de Deus.

A manifestação da vontade de Deus na criação é um grande cabrão dum mistério. Mas ninguém se dispensa de ir dando palpites. Precisamos mesmo destes palpites para equilibrar interiormente a nossa vidinha. Ninguém – crente ou não - se consegue alimentar permanentemente de livre arbítrio; nenhum estômago aguenta.

O comunismo, as guerras mundiais, a sida, o terrorismo, a mais recente crise da ganância, as alterações climáticas, e agora, fresquinha fresquinha, a gripe porcino-global: é impossível que não perpasse de vez em quando pelas nossas santas alminhas que se tratam de sinais de Deus. (*) Estranhamente o mal exige mais causalidade que o Bem.

Faz parte da formação dum católico ir tentando equilibrar esta frágil casquinha d’ovo da nossa condição, ou seja: isolar do convívio diário o conflito entre o desígnio de Deus (a clara) e a liberdade do homem (a gema). Consegue-o a espaços; durante o sono.

Ao exigir a Deus que fique de braços cruzados depois de tanto esforço (criação, apaparicanço de povo eleito, redenção sem acompanhamento das televisões, cismas na igreja, etc etc) pede-se-lhe uma perfeição só ao alcance dos deuses menores. Ou seja, basicamente ninguém acredita que não ande aí a Sua Mãozinha. Não sabemos se anda, mas o pessoal não pára de desconfiar.

É então aqui que entra aquela noção de intocabilidade ontológica que a fé fornece. Ali a meio caminho entre o misticismo e as drogas leves, esta espiritualidade da ‘entrega nas mãos de Deus’, essa confiança no seu tripé providência-misericórdia-protecção, são marcas distintivas do catolicismo, (e cristianismo, vá) e são algo que irrita imenso quem esteja ao lado e veja em Deus apenas uma boa cabala manipulatória para deficitários de boa hormona.

Nunca terá irritado tanto como hoje a visão católica do mundo. Nós, os católicos, mais baralhados que nunca, buscamos e damos agora as respostas mais simples, num back in basics fodido de acompanhar: amai-vos, respeitai-vos, cuidai dos mais necessitados, e não vos deixeis levar pelo barco dum progresso que parece não fazer questão de ter alguém ao leme.

O cristão cola o optimismo com o pessimismo numa união verdadeiramente de facto: nenhuma espiritualidade consegue esse pleno de juntar a morte à vida, de fazer conviver o aqui com o aquém, a falha com a graça. Nada como o catolicismo consegue pôr as duas dimensões (que sto agostinho ‘inventou’) a rodarem num mesmo carrossel. Como o Par e o Ímpar a beijarem-se na roleta.

Antes um incómodo sinal de Deus na mão que dois livres arbítrios a voar.

(*) note-se, por exemplo, num post recente do ‘natureza do mal’ em que - de forma até engraçada - ele ironiza sobre as contingências higiénicas no culto religioso da Igreja, apenas um comentário se regozija com a graçola ( e é dum gajo de Penacova), o resto da sua vasta audiência acagaçou-se um pouco de se meter com o Deus da água benta, num post que até pedia mais comentários, designadamente as luvas Jodarte serem uma merda.

O Cristianismo, os bons e os maus.

[1] O cristianismo, apesar dalguma má fama paramentária e dogmática, é grande responsável pelos maiores tesouros do bom relativismo da humanidade. O património que transportamos está irreversivelmente marcado pelos valores do perdão, da misericórdia, da graça, da magnanimidade, da glória e do desprezo dos deuses, tornando assim possível a surpreendente coabitação do bem e do mal que acaba por definir e sintetizar toda a história da presença humanóide neste calhau redondo e azul à beira Sol plantado.

Apesar deste toque de midas do cristianismo, que – e independentemente dos agustinianismos mais ou menos mitigados – transforma toda a realidade numa oportunidade de salvação, de desfrute, e de glorificação de Deus, mesclando justos e pecadores que nem broa com bacalhau, Jesus deixou um rasto de deliciosas, deslumbrantes, e muitas vezes inesperadas, separações absolutas de águas.

[2] O novo Testamento está pois recheado de relatos onde, num Magistério impregnado de escândalo e oscilante senso, Jesus se chega à frente para escolher uma via, definir um caminho certo, chamar os bois pelos nomes sem pedir licença às vacas sagradas. E a chave não poucas vezes foi uma novidade absoluta para a humanidade.

(a) Para começar um dos exemplos mais marcantes, e ‘evangelicamente mediáticos’: a cena da mulher adúltera (Jo VIII); uma das verdadeiramente exaltantes sublimações da justiça pelo perdão, com a introdução dum clássico dos clássicos da alma humana: «quem de vós esteja sem pecado seja o primeiro a lançar-lhe uma pedra!», e o consequente encostar às boxes da dupla, não menos mediática, de ‘escribas & fariseus’, guardiães da lei e dos bons costumes.

(b) Outra das cenas curiosas é aquela em que Jesus, na casa de Marta e Maria, (Lc. X) duas manas, verdadeiras guest stars evangélicas, (cortei-me a chamar-lhes Ungido girls ) perante o encabristamento da primeira ( uma genuína capricórnia, certamente) ao ver-se a fazer todo o trabalhito de casa enquanto a maninha estava no paleio com o Redentor, este responde, sem espinhas: «Marta, Marta, andas inquieta e perturbada com muitas coisas; mas uma só é necessária. Maria escolheu a melhor parte». Ao arrepio de todo o bom senso, (‘Ó Maria, filha, vai lá agora dar uma mãozinha à tua irmã, enquanto eu acabo o Martini’) Jesus exprime a ideia totalitária de que a adoração a Deus é um valor em si mesmo que coloca tudo o resto num papel secundário. De facto, uma ideia difícil de incorporar, e ainda mais hoje, em dias de racionalismo e aproveitamento doentio do tempo, da vida, do megapixel e do megabit.

(c) A parábola do filho pródigo (Lc XV) tinha de ser aqui de paragem obrigatória. Apesar de totalmente incorporada no nosso imaginário, e inúmeras vezes até vivida por muitos, ela não deixa de introduzir de forma paradigmática e revolucionária o fenómeno libertador do arrependimento, algo que ficou demasiado colado ao modus operandi religioso mas que é constituinte fundamental da construção da personalidade. No entanto, arrependimento sem perdão, é como pãozinho quente da Ereira sem manteiga, só serve para cheirar, fazer hummm, e aquecer as mãos. Daí que o Cristianismo ao valorizar esta espécie de submundo da alma – que foi feita para andar fresca e viçosa a praticar desportivamente o bem e a democracia, já se sabe – veio colocar a fasquia da felicidade tão no rés-do-chão que tornou-se preciso rastejar, e se calhar arranharmo-nos um bocadinho para lá chegar.

(e) O caso de Zaqueu é que é verdadeiramente djimaiss! (Lc XIX). Trata-se dum chefe dos publicanos de Jericó, pessoal muitíssimo bem visto e acarinhado pela judiaria por cobrar impostos para o império, e que por ser de pequena estatura se teve de esfalfar para que dessem conta dele quando passavam. Jesus, quando por fim o viu, disse: «desce depressa, pois tenho de ficar em tua casa», o que deixou perplexo e indignado o pessoal que não percebia o súbito e particular interesse naquele malandro espoliador. E é e então aqui que é decifrado o segredo para que o camelo passe pelo buraco da agulha: «Senhor, vou dar metade dos meus bens aos pobres e, se defraudei alguém em qualquer coisa, devolver-lhe-ei quatro vezes» (alô, Rendeiros de Portugal, são chamados à cabine de som); estamos perante uma lição suprema de relativismo, de empenho e de absoluta conversão, - tudo bem misturado naquele empadão que, no fundo, é cada cristão – que continua com a parábola das minas (também contada na casa de Zaqueu) e onde é enunciado o terrível: «a todo aquele que tem, dar-se-lhe-á, mas àquele que não tem, mesmo o que tem lhe será tirado», Já a figueira amaldiçoada ia levar o mesmo tratamento de choque; chama-se a isto não brincar em serviço. Fodasse, quem me dera ser budista.

(f) Mas a cena da pecadora em casa do frio e formal Simão (Lc. VII) já alivia um bocado mais o stress. Uma gajita que devia aparecer em todas as boas revistas da especialidade lembra-se de mudar de vida e não é de modas, arranca um autêntico arrependimento de 1ª divisão, regando com o seu pranto os pés de Jesus, secando-os com os seus cabelos, - sem o patrocínio de nenhuma marca de champôs, registe-se – e sacando do Redentor uma das suas mais gloriosas mensagens: «aquele a quem pouco se perdoa, pouco ama», deixando o resto dos convivas com os croquetes entalados na traqueia. Todo o Dostoievski e todo o Shakespeare estão nestas oito palavritas (tirando o nariz empinado da mme MacBeth, claro)

(g) Já quando Jesus se vê obrigado a voltar atrás perante a insistência duma gentia Cananeia, (Mt XV) (anunciando para além disso aquela verdade universal de que quando uma gaja dá para chata, é chata mesmo e o melhor é satisfazê-la rapidamente) que tem a supina lata de lhe arremessar com a teatral chantagem emocional - secção auto-humilhação: «mas os cachorrinhos comem debaixo da mesa as migalhas dos filhos», estamos perante a valorização dum arrependimento com fogo de artifício, uma espécie de ‘Maria do Céu Guerra dos arrependimentos’, demonstrando isso mesmo: na fórmula do bem e do mal só uma variável tem lugar cativo: o perdão.

[3] O perdão. O tal elixir que não existe dessa forma no gélido budismo, nem no rígido judaísmo (onde instituía que se devia perdoar 3 vezes), nem nos classissismos, ora no mais épico (Homero exalta o prazer de se rir dos inimigos), ora no mais filosófico ( Sócrates fala da cobardia de escravo quando não nos vingamos das injúrias), e que é revolucionário na mensagem Cristã, desde a ovelha tresmalhada que vale mais que um rebanho inteiro, até ao bom ladrão que é salvo ao tocar o gong. Lá está: arrependimento, misericórdia, graça, magnanimidade; o que transforma uma quimera numa história com sentido é essa grande falsa alienadora: a religião com um Deus sempre presente; e que deve ser procurada como quem procura o tal tesouro que nos trouxe o Único que pode dizer: «sei donde venho e para onde vou’.

[4] A grande indiferença religiosa do tempos modernos baseia-se essencialmente em algo muito simples: a ignorância. Quem sabe o toque de taninos do Esporão Reserva de 2003 mas nunca leu a cena das bodas de Caná, só merecia levar com o termómetro do enólogo pelo olho do cu acima. Quem escolhe, parte e reparte, os bons e os maus mas nunca leu e pensou na história da viúva que em vez de ‘dar o que lhe sobejava, privou-se do necessário, e deu tudo o que tinha’, mais valia dedicar-se a fazer branqueamento de dentes para ter um bom sorriso no dia do juízo final.

[5] & closing. Para concluir este tornedó direi apenas que a chamada mensagem cristã desfaz radicalmente alguns dos nós górdios da criação. Infelizmente sem fé tudo é analisado à luz da experiência limitada do dia a dia, das mal digeridas memórias recentes, das demasiado mastigadas memórias arcaicas, do soundbyte e da moda. A fé manipula-nos, claro, há sempre uma entrega na fé, há sempre a esperança de estarmos a elevar a nossa condição a um estado de privilegiada protecção. Contudo, a eliminação do elemento religioso na compreeensão do mundo só nos pode levar a fenómenos passageiros de consolo de consciência ou acomodamento lombar. Deus, ao homem traz horizonte, mas não traz tranquilidade.

Hardpio

Dou-me bem com a religiosidade miserável. Gosto de igrejas com gente sofrida, de pele enrugada, olhar escondido e pecados à flor da dita, apenas procurando carinho na madeira polida do genuflexório, e disponíveis para dar um bocado do seu braço por troca duma alma ainda na fase dos caboucos. Gente que dá uma na chaga e outra na cicatriz; não acredito em angústias limpas, dúvidas musicadas, teologias libertadoras, credos em cinemascope. Mas também gosto daquela pequena baba da hipocrisia, do esgar do escrúpulo, da gente que pensa conseguir lavar a alma com meia hora de cheiro a cabelos oleosos. No fundo o catolicismo adapta-se bem a gente, como eu, pouco esquisita. Gosto da parte estúpida da fé, da boca cheia de palavras de sentido e gosto duvidoso, do dogma desnecessário, da ameaça escatológica. O que seria da fé cristã se não pudéssemos pensar em Deus morto por nós na cruz enquanto desesperamos por uns bons pastéis de bacalhau. O que seria da fé sem a incompetência para perceber o mundo. O que seria da graça sem a desgraça.

Catecismo para sex-simbols


A maior obra da humanidade é a Teologia Cristã. Assim, a maior prova que um homem tem para a sua vida é saber confrontar-se com ela, a Teologia Cristã, sem se arrepiar, nem ganhar erupções cutâneas, nem se enfadar, nem abusar dos salgadinhos. No fundo, deve enfrentá-la tal como as pernas duma mulher enfrentam a descida dumas escadas rolantes avariadas: com pose vaporosa, hesitante mas vigorosa, e sabendo que o risco de se estatelar é igual ao risco de deslumbrar; a sua verdadeira prova de fogo.

Todos sabemos que Deus está presente nos ambientes mais diversos, desde a majestosa cúpula duma catedral de gótico rendilhado até à mais recôndita sala onde se façam colonoscopias sem anestesia, no entanto, estou em crer que Deus aproveitou a primeira refeição com piri-piri dum qualquer neantherdalio para se insinuar na sua alma entre os espasmos duma primeira hemorroidal assanhada; ou seja, os primórdios da Teologia Cristã fundamentam-se num ardor que o homem sente mas para o qual não encontra explicação na sua dieta mais arrojada; é o famoso e determinante binómio fundador da civilização: mistério & picante.

Desde o Pecado Original até à Santíssima Trindade, passando pela Comunhão dos Santos e pela Ressurreição dos Mortos, estamos perante algo onde nem 5.000 anos de quadros da Paula Rego e entrevistas do Lobo Antunes conseguiriam sequer chegar perto. Estamos obviamente perante o património mais valioso que o homem soube construir, e sem ajuda de quaisquer aditivos químicos, se excluirmos o cheiro a mofo dos conventos de carmelitas.

O mero facto de ainda hoje lermos, embevecidos, gajos que passaram anos a fio em quartos húmidos e a comer pão escuro, e que escreveram autênticos trillers escolásticos, e nos parecerem tão convincentes a explicar a metafísica divina quanto Sócrates a vender material informático, é mais uma prova cabal de que estamos na presença da grande construção da Humanidade (logo seguida, reforço, pela perna esguia da mulher, que tanto merece estar no tecto da capela sistina, como na barra dum bordel; adiante)

Pensemos no que seria o homem sem saber da existência duma queda primordial baseada numa trincadela de curiosidade e ambição, sem saber que para além dum Pai Criador e dum Filho Redentor (antecipando em milénios a especialização do trabalho), ainda existe um Espírito Santo que inventou a voz off e as línguas de fogo, mas que ao fim e ao cabo são todos o Mesmo. Existirão simbolismos que cheguem aos calcanhares dum beijo de Judas, existirão hipocrisias mais ternurentas que as negações de S.Pedro? Existirá Musa mais encantadora que a Graça, ou motor mais forte que o Livre Arbítrio?

O que seria hoje dum ateu se não tivesse estas referências, o que seria hoje do quessefodismo militante se não existisse uma Igreja cheia de vícios e paramentos debruados a oiro, o que seria hoje da pintura abstracta se no Renascimento não tivessem passado o tempo a dar patine ao Criador, o que seria dos grupos corais sem Lutero, o que seria dos computadores portáteis se Magalhães não tivesse enfiado com o Credo pelo cú acima de várias tribos de índios, o que seria do surrealismo se Jesus não tivesse sido tentado pelo próprio diabo. O que seria da mulher se não existisse o Pecado.
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cartoon de Quino em 'Bem, Obrigado, e Você', 1982
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Só que o apelo da camomila foi mais forte (*)

A verdadeira instituição de que ainda haveremos de sentir falta é da velha-beata. Isto sim pode perfeitamente desaparecer, e não estamos a produzir substituto à altura. Se hoje os números, por exemplo, apontam para 3 mil padres para 2 milhões praticantes em Portugal, daqui a vinte anos nada sequer semelhante a isso teremos ao nível de velhas-beatas, nem mesmo recorrendo ao terço trangénico. Refira-se desde já que a ‘nova-beata’ não é uma categoria sociológica, pois apenas poderá ser caracterizada ou como uma doença psicológica (está em lista de espera na OMS atrás do heterosexual sem borbulhas nas costas), ou assistente-social-guitarrista no desemprego.

A velha-beata consistiu durante o último século aquele reduto do catolicismo que servia para canalizar todos as acusações de excessos de piedade hipócrita e zelotismo anedótico, constituindo-se assim como uma reserva oficiosa da doença religiosa, género a ejaculação precoce para a perturbação sexual masculina.

Com a extinção deste núcleo de espiritualidade meio murmurada- meio exuberante, perder-se-á assim a ultima grande felina do genuflexório, a última vertebrada do grande pântano da fé.

Este desaparecimento irá forçosamente expor aos inspectores da religiosidade responsável e limpinha modelos que até agora se viam protegidos, como, por exemplo, o policia rezador de terço, os casais que só fodem às quartas quentes, ou mesmo até os bloguistas citadores compulsivos do Abbé Pierre.

Canalizando deste modo a censura para espécimes religiosas habituadas ao sossego e à possibilidade de pecarem sem serem dignos de especial registo, a prática do desporto católico tornar-se-á uma espécie de wrestling social só ao alcance dos exemplares atléticos mais competentes na técnica do quero-que-vocês-todos-se-fodam.

Faço por isso um apelo a que se preservem as velhas-beatas, verdadeiros baluartes do vício religioso, do escrupulismo moral-científico, e criem-se bolsas de viúvos crentes, copuladores ainda saudáveis e com propensão para o arrependimento, a fim de que se mantenha a pujança apostólica desta comunidade, sem recrudescimentos de novas sindi-Câncias, ou outros santos ofícios.


(*) e assim termina um tríptico com o patrocínio da Lipton (Pingo Doce) e da Hoyo de Monterrey (casa Gérard Père et Fils)

Mas agora, tenho de confessar, já teve de marchar um hoyo de monterrey

Uma das características típicas dos nossos tempos no que diz respeito à experiência religiosa (dentro dum ‘ambiente cristão’) é que ela tem tido tendência em se polarizar em 3 extremos.

1) Os tais «espiritualoidismos», que invocam a bondade duma relação desintermediante entre o homem e Deus, fugindo (e/ou relativizando) o mais possível às tenebrosas limitações doutrinárias e paramentárias;

2) Os «congregacionismos» que procuram a eficiência duma experiência de fé comunitária, num espírito de reserva ecológica misturado com churrasquismo apostólico, capitalizando o ritual, o sorriso fraternal e o arame farpado à volta.

3) Os «racionaloidismos» motivados pela alergia ao suposto enganador e alienante lado da fé-emoção, e que afirmam a pés juntos apenas com o pensamento Lá podemos chegar asseadinhos e sem gazes.


Cada um destes vértices tem angariado bons padrinhos ideológicos, gente de fé e inteligência tocante, inclusivamente, e, no limite, todos levarão ao Deus que se revelou nas nuvens da história ali por entre a Galileia e a Judeia no meio de judeus, romanos & cia.

Mas se estes extremos ao conviverem misturados demonstram a riqueza do fenómeno cristão (se o quisermos avaliar por este prisma antropo-cultural, digamos assim) como experiência cultural e religiosa, vistos isoladamente são quase arrepiantes.

'Arrepiantes, porquê?'... Fodasse, ‘porquê’!? Então a mensagem – sinóptica e ‘dogmaticamente’ relatada - de Jesus é de tal forma rica que só uma forte paneleiragem intelectual é que pode dizer que a Deus só se pode chegar pela razão (sem se saber ao certo sequer o que é essa merda do ‘pensamento’), ou que o contacto com Ele só se deve fazer a respirar fundo com um dedo húmido enfiado no rabinho, ou com a mãozinha dada com o irmão do lado. Fodasse, pois!

Durante a vida pública de Jesus as pessoas aproximaram-se d’Ele com as mais diversas motivações, com maior ou menor entusiasmo, com maior ou menor timidez, e a algumas até teve Ele de as chamar; mas a todas se teve de revelar de forma diversa, desde dar os pés para lavar, até ir falar com as putas ou os bet&win’s da época. E nunca esqueçamos isto: a firme convicção (dos primeiros cristãos) na divindade de Jesus nunca derivaria da influência da mentalidade pagã específica duma zona/época, ou da judaica, mas sempre das certezas que gerou na particular relação com os seus discípulos.

Apenas para o coração dos homens ‘Deus’ se pode tornar Algo óbvio. Mais nenhum ‘orgão’ está apto para tamanho preparo. Mas estes níveis – saudáveis - de persuasão a ruminar no limite exigem tudo: exigem a adesão do pensamento (seja qual for o seu nível de ‘sofisticação’), do exemplo alheio (venha donde vier) e da emotividade (independentemente dos ‘temperamentalismos’). Parece que se exige agora para crente uma espécie de homem pós-renascentista mas já depois da invenção do antibiótico e do reumon-gel.

Só que desgraçadamente o homem parece que também nasceu para tentar viver ‘consoladinho’; e na sua relação com o ‘divino’ também não consegue fugir disto. Daí que o procure (ao consolo) nestas bordas de serviço completo: ou nos caprichos tricotados da lógica, ou na rodinha de amigos, ou na infusão de espíritos, pois nos extremos é que parecem estar as melhores hipóteses de sobrevivência religiosa, sem considerar os drunfos.

Mas, vá lá, por feliz desígnio divino o chamado homem normal não está feito para se fartar de si próprio.

E tudinho drugs free, juro (*)

Um Credo não esgota uma fé, uma teologia não esgota um Deus, uma tábua da lei não esgota uma moral. É este o maior buraco no estômago que o Cristianismo deixa para cada pessoa resolver na sua alma. Daí que a pedra de toque da espiritualidade cristã seja a natureza e a riqueza do diálogo íntimo do homem com Deus.

Os ‘novos’ mercantilismos folclórico-espiritualistas descendem de facto deste património ‘cultural’ do Cristianismo: pôs o homem a falar com Deus como seu ‘semelhante’, como que entregue à intermediação ‘psicológica’, em forte concorrência com a intermediação institucional.

O maior risco do excesso de espiritualização da ‘experiência religiosa’ está precisamente em menosprezar o facto de o ‘Mistério de Deus’ se ter querido revelar duma forma histórica, (inclusivamente banal, salve-se a expressão) e altamente apelativa para a razão, a dúvida e os mecanismos angustiantes da fé.

A transformação progressiva do movimento da reforma protestante numa espécie de world-music-evangélico acabou por ajudar a cavar um fosso naquilo que poderia ter sido o enriquecimento espiritual do homem, ou seja: opôs uma leitura doutrinária, ora mobilizadora, ora orientadora, como incompatível com o discurso interior duma alma ‘suspensa’ pela presença de Deus na sua simplicidade.

O ponto de chegada é, muitas vezes, a própria encruzilhada da nossa condição: queremos ‘fugir’ da tal fé que se esgote num credo, do Deus que se esgote numa teologia, da moral que se esgote numa tábua da lei; mas teremos sempre medo desse abismo.
(*) nem, inclusive, ingestão de 'gafanhotos e mel silvestre'

Paróquia de Penacova, ano da graça de 2038

Reverenda Gracinda acaba de ser nomeada priora da paróquia de Penacova. Não só foi a primeira mulher portuguesa a ser consagrada com o sacramento da Ordem, como inclusivamente é a primeira a ser casada, neste caso com um moço chamado Inocêncio, que é dono duma rede de talhos que vai da Lousã a Oliveira do Hospital, e que, dizem, ajoelha melhor que duas carmelitas depois de quinze dias de jejum rigoroso.

Transcrevo aqui o seu primeiro sermão-convívio com os paroquianos.

«Queridos paroquianos, hoje é um dia muito importante para a Igreja em geral e para o baixo Mondego em particular, pois é nas suas franjas que o Senhor veio colocar a graça da sua generosidade. Eu, mais o meu Inocêncio, que também reza por todos vós, mas que hoje não pode estar aqui presente pois foi a um matadouro em Arganil escolher 10 bezerros numa promoção da febre aftosa, quero ser a primeira e mais humilde serva desta terra bendita, e inclusivamente já me fiz sócia do clube de vídeo.»

«Dona Priora, saiba de antemão que nós não temos preconceitos, e sabemos muito bem que Deus Nosso Senhor sofreu e morreu por todos nós e que se não escolheu apóstolas é porque não calhou, ou na altura não tinha verba para aqueles pensos mini-tanga que dão menos nas vistas.»

«Queridos, a abertura de espírito e a humildade de coração são o primeiro caminho para deixarmos o amor de Deus Nosso Senhor inundar a nossa alma. Penso que em conjunto poderemos fazer grandes obras aqui na margem deste bom rio, o nosso Jordão das Beiras, incluindo uma ou outra churrascada que o meu Inocêncio, já me prometeu, há-de fazer um bom desconto nas entremeadas.»

«Senhora dona Priora, temos ouvido dizer que se calhar não é verdade que as mulheres tenham saído duma costela do Adão, e noutro dia um senhor daqueles do bloco de esquerda até disse que já havia provas que isto foram uns macacos que se deram melhor com a acidez da bolota no estômago e que acabaram por conseguir evoluir para as bilis com pernas em que nos transformámos. Então, mas se não foi da costela foi donde?»

«Queridos, ainda noutro dia o meu Inocêncio me disse: ‘Tu pareces saída duma costela de charoleza, tal a fibra que tens, mulher, qualquer dia ainda chegas a Bispa e eu abro um talho em Coimbra’. Estão a ver, os homens falam muito em sentido figurado, se tivessem sido as mulheres a escrever as Sagradas Escrituras isto já estava tudo em pratos limpos, nem era preciso um Pentateuco, bastava um Triteuco e um arrozinho de manteiga e tinha-se arrumado logo a coisa.»

«ó Senhora Priora, isso é que é falar, então se calhar este ano é que compramos umas cortinas e um sino novo para a igreja, não?»

«Meus queridos irmãos, calhará bem até porque, tenho de vos anunciar, transporto a graça de Deus no meu ventre, e um novo paroquiano verá a luz reflectida do Mondego antes do novo Equinócio.»

«Ó que bênção, Priora! seremos a primeira paróquia com sacristia a cheirar a pó de talco em vez de incenso!»

«Ainda bem que ficastes felizes, o meu Inocêncio é que anda irritadiço porque diz que começou a ter uns sonhos em que lhe aparece o Anjo Gabriel ao lado do gerente do BES, e ele depois acorda-me com suores frios; peço-vos para serem compreensivos com ele, e se puderem comprem-lhe as espetadas de lombo de vitela que ele alivia.»

«Este ano no Natal teremos um presépio vivo! No barragem da Aguieira fará a lampreia a desova, mas a graça de Deus escolheu Penacova!»

«Será comungando desta felicidade que já convidei a Chicco a patrocinar os andores para a próxima Semana Santa; inclusivamente já tratei que pudessem ser articulados e coubessem na bagageira de qualquer carro, e ainda dá para os alugarmos à paróquia do Lorvão na Pascoela; seremos uma paróquia de referência.»

«Mas patroa, perdão, Priora, não acha que pode ser novidade a mais?... o rebanho também se alimenta das pequenas rotinas…»

«Meus queridos irmãos, tendes de abrir o coração aos desafios da fé, eu quero que olheis para o exemplo do meu Inocêncio, ele antes de começar a vender lombo de porco recheado com pasta de pinhão também achava que isso era muito arrojado, mas agora já nem quer outra coisa, e até já vem mais tarde para casa e diz-me que ficou a moer o pinhão.»

«Mas priora, quereis dizer-nos que a fé é como um pinhão que temos de ir moendo para rechear a nossa vida?»

«Ó irmãos, bênção das bênçãos, claras do meu molotoff, farinha da minha patanisca, juntos ainda faremos uma carta apostólica à base de torta de laranja, e o Domingo de Ramos será celebrado com nabiça para que não se desperdice nada para o caldo verde.»

Intermezzo Técnico

Um dos ateus da corrente hemorroidal (*), D. Dennett, numa entrevista que deu ao Der Spiegel há uns anos, entre outras iluminações haloageneirou estas (**):

«É preciso que se entenda que o papel de Deus foi diminuindo no decorrer dos anos. Primeiramente tínhamos Deus, como você disse, fazendo Adão e todas as criaturas com as próprias mãos, arrancando a costela de Adão e fazendo Eva a partir dessa costela. A seguir trocamos esse Deus pelo Deus que coloca a evolução em movimento. E depois dizemos que nem sequer precisamos deste Deus -o decretador da lei -, já que se levarmos as ideias da cosmologia a sério, concluímos que existem outros locais, e outras leis, e que a vida surge onde pode surgir. Então, agora não temos mais o Deus criador descobridor de leis, nem o Deus decretador de leis, mas apenas o Deus mestre-de-cerimónias. E quando Deus é o mestre-de-cerimónias e, na verdade, não desempenha mais papel algum no universo, ele ficou diminuído, e não interfere mais de forma alguma»

Esta alteração do papel de Deus que nos é revelada por Dennet, numa espécie de história das religiões em formado de chewing gum, acaba por ser, inadvertidamente, bem esgalhada. O circuito turístico criador-evolucionador-decretador teria esgotado face à concorrência dos paradisíacos cruzeiros caos-plasma-bactéria-carninha e agora as igrejas, supostas companhias de saltimbancos treinadas em efeitos especiais e alegorias, teriam recauchutado o seu Patrocinador principal por forma a incluí-lo no espectáculo como ‘mestre-de-cerimónias’.

Mas, no entanto, ainda constato duas coisas: a primeira, é que o novo de ‘mestre-de-cerimónias’ se mostra muito competente porque tem estado bastante bem a escolher para bobos intergalácticos estes novos ateus da fistula ardente; a segunda, é que espiritualmente o conceito de ‘mestre-de-cerimónias’ é igualmente bastante mais rico, aliciante e fecundo do que o de Criador e Legislador-Mor. Inclusivamente vejo com deleite Deus a delegar numa dupla de Anjos-Protões essa maçada da criação, e numa tríade de Anjos-Betinhos essa coisa da lei natural e outras doira-pívias afins, por forma a dedicar-se em exclusividade a orientar e embelezar as almas dos seus dilectos filhos, por forma a que estejam devidamente ataviadas para o juízo final, onde os afaga fistulas poderão fazer de tocadores de pandeireta.


(*) os que dizem as coisas com aquele ar de satisfação de quem tem no rabinho um saco de água morninha para amansar a fistula.

(**) vou mais ou menos transcrever o texto que apanhei num site brasileiro há uns tempos mas que já não sei qual é
Gotham City

Viver com hipóteses é uma óptima alternativa num mundo onde se tem de pôr em constante coabitação uma inteligência humana de tendência aglutinadora e assertiva, com uma condição que apela inexoravelmente à suspeita de um desconhecido.

No entanto, ‘viver com o desconhecido’ comporta riscos e, por isso, há que fazer apelo a todas as faculdades humanas: as sensoriais (por exemplo, quando não se vê pode-se cheirar, ouvir melhor, apalpar a trepidação, etc – esta era para o ‘exemplo do carro’, dos comentários do Ludwig), a capacidade de amar, a imaginação, a confiança, o espírito crítico, entre muitas outras.

Ao homem não parece que lhe seja exigido que prove ter uma razão para existir, o próprio esmiuçar do ‘sentido para a vida’, do qual a religião reivindica os direitos de imagem, no limite, é prescindível. Aparentemente a vida fez-se para se consumir e não para se explicar.

A mensagem Cristã, ela mesmo, é uma mensagem de caminho, de chamamento, a grande novidade nem é tanto a existência de Deus, é a forma como Ele se relaciona connosco. Há, de facto, no âmago do cristianismo até um certo desligamento da verdade, (apesar de expressões fortes como «eu sou o caminho, a verdade e a vida») daquele sentido desportivo da verdade enquanto fasquia. É o tal sapo cristão: ‘razão de ser’ muito colada à salvação que é, em certa medida, uma ‘razão de morrer’.

Eu até entendo o esforço de tentar viver sem Deus. É quase uma generosidade limite. Mas, depois, vai-se a ver, é antes uma limitação à generosidade, pois só com Deus é que se pode falar do outro; sem Ele, a individualidade é uma quimera.

Deus tornar-se-á um conceito prático, a certa altura, sim, mas como é mais prático amar um filho se o queremos criar, ou não ser dos lagartos se queremos passar um fim de semana sossegado, mas, depois, o mecanismo da fé – que é preciso conhecer, e com método, saliente-se - transforma-O no grande roubo da nossa vida. E ao ladrão não lhe faz falta nenhuma saber álgebra quando tem o saque à sua frente: quer tudo. Daí que, é verdade, a fé promove a tendência de secar tudo à volta.

Mas os Evangelhos relatam também o exemplo fantástico da relutância em acreditar, da incredulidade, da duplicidade entre o medo e o fascínio que as mensagens mais radicais provocam na natureza humana.

A experiência religiosa a par da experiência do conhecimento é uma riqueza da nossa condição e um património da Criação. Até Deus quis experimentar.
Mas a pêra rocha pode ter razões para se queixar.

Julgo que uma das minhas ‘vocações’ perdidas deve ser a de diletante teológico. Algo ali entre a devoção mística aldrabada e a heresia descomprometida, e que consiste em falar sobre a natureza de Deus sem ter a mais pequena preocupação em acertar. Mas como, e à semelhança de 99,9% dos degredados filhos de Eva, tive de arranjar algo mais decente para me sustentar, acabo por exercer esta ‘vocação’ de forma intermitente, sendo, por assim dizer, um teolabarista em regime de precariedade pois não consigo nenhum vinculo duradoiro com qualquer dogma com credenciais, sendo certo, contudo, que a precariedade é uma condição bem ajustada no que diz respeito ao conhecimento, se não mesmo à convivência, com Deus.

O abstraccionismo teológico (tal como alguma literatura, as pinturas do mestres flamengos, os pistachos do lidl, e acompanhar os filhos a andar de patins em linha) é, antes de mais, uma verdadeira vacina contra o vão deslumbramento que as coisas do mundo nos podem causar, mas, creio, a sua via ortodoxa apenas constitui um instrumento de congregação apostólica e nunca, em última análise, de salvação. No entanto, a Igreja católica soube construir, naquele instável equilíbrio que será certamente a sua dupla condição de Corpo Místico de Cristo e de Instituição de Poder, um património doutrinário, que, a par de manter a consciência de qualquer católico permanentemente à brocha, dá-lhe (dá-me) a convicção – real ou não, saberemos mais tarde – de que tudo acontece por e com o amor de Deus.

O grande erro em que, por exemplo, foi evoluindo a reforma protestante, constituiu em ter desvalorizado a riqueza ficcional e simbólica da Mensagem Revelada e ter caído na esparrela de transformar a palavra de Deus numa espécie de mistura do Corão com os Estatutos da Associação de Socorros a Náufragos, como se o tecto da Capela Sistina pudesse ser substituído por um sombrero às riscas com versículos de S.Paulo aos Coríntios na franjinha.

Assim, se tomarmos como ponto assente que Deus se quis revelar da forma tão sui generis como o fez, e sem estar condicionado pela agenda mediática…

(se a sic notícias fizesse uma sondagem, género: ‘se você fosse Deus e não estivesse com azia como escolheria revelar-se?’… julgo que mais de 80% das pessoas diria que chamaria o Santana lopes e o punha a dar beijinhos na boca à Ferreira leite)

… o passo seguinte será considerarmos que a floresta de imaginativas verdades que nos é proposta em torno da Entidade de Deus deverá ser cientificamente honrada, acreditando pelo menos nalgumas delas; ou seja, … há, no mínimo, uma plausibilidade estatística de que, por exemplo, entre a transubstanciação, a Imaculada Conceição, o livre arbítrio, a ressurreição da carne, o purgatório, o pecado original, a graça sacramental da unção dos doentes, etc, 50% delas estejam correctas. (Fala alguém que até já recebeu a extrema unção, registe-se).

Julgo, à laia de primeira síntese teolabarista, que devemos, portanto, ter três atitudes razoáveis perante aquelas ‘verdades de fé’ das quais até possamos sentir menos necessidade para a nossa vida concreta do que como saber em que cores se dá a cisão do núcleo do átomo do volfrâmio, ou mesmo porque é que uns tupperwares azuis jeitosos que eu tinha lá em casa não se podiam levar ao cabrão do microondas:

A primeira é o clássico tríptico teológico: (1) Deus podia dispô-lo assim; (2) apeteceu-lhe; (3) fez assim.

A segunda será de mera dignidade: Deus não se poderia dar ao luxo de que os mistérios da criação viessem a ser ultrapassados por um jogo da playstation da 3ª geração

E a terceira é puramente utilitarista: Deus, sabendo da mente imaginativa que o homem haveria de desenvolver, tinha de arranjar uma manta teológica rica para que não nos distraíssemos totalmente com o arraiolosado fenomenológico da criação.

(Mas, se, por exemplo, a Zazie descobrir um baixo-relevo com umas freiras a serem sodomizadas por um papa-formigas albino nalguma abadia normanda, aí sim, todo o corpo doutrinal em que assenta a minha fé correrá o risco de desabar como um castelo de cartas, dois de copas incluído, e poderei ter de me dedicar a tempo inteiro a ganhar dinheiro com posições curtas em futuros com fundos de sub-prime)


No entanto, ao haver um novo post dentro desta dinâmica teolabarista procurarei responder à sempre pertinente dúvida: quando é que foder pode ser pecado.
Poesia

Deus, duas ou três luas novas antes do big bang, (antes deste sofisticado fenómeno pirotécnico era sempre lua nova) terá logo suspeitado que a rapaziada iria alimentar alguma tendência para complicar as coisas. Ainda houve ali uns momentos de vai-não vai, com a cena do Abraão, mas o tipo já estava velho e, ainda para mais sem nenhuma mulher tesa por perto, não foi capaz de pedir justificações, explicações, nem sequer varinar um bocado com Deus, perdendo-se assim uma oportunidade soberana para deixar esta cena toda mais esclarecida e simplificada. Depois é o que se tem visto, atraídos por uma merda chamada gravidade, vivemos agarradinhos a uma massa de ferro e silício e galileicamente às voltas duma bavaroise plasmosa, distraindo-nos com a realidade, que a uns dá para fazer poemas, a outros dá para foder tudo, a outros dá para fazer puzzles, e outros até desconfiam que ela exista mesmo. Ou seja, isto ficou mais em aberto do que a defesa do Sporting com o Gladstone, e deixou o semáforo verde para as duas maravilhas da criação: a curiosidade e a ânsia de poder.

Montaigne enquadrou anatomicamente bem esta cegada do poder quando nos avisou que no trono mais alto do mundo continuamos a estar sentados no nosso cu, mas a sofisticada curiosidade humana nunca teve um tratamento literário semelhante, pois, tirando os relativismos espiritualistas, - mais ou menos piedosos - ninguém se atreve decentemente a menosprezar as bondades do conhecimento, do estudo, da investigação, no fundo, da bolha da sabedoria.

O pensamento especulativo, esse inquestionável talento humanóide a par do uso de chinelos, aparece assim como um misto de missão e de fatalidade, que o famoso eterno retorno em versão soft se encarrega de colocar no devido lugar, mas que não logra, por pudor certamente, nem a promover alternativa, nem a justificar.

Então, por muito que custe às academias, foi novamente o cristianismo, na Pessoa que lhe deu o nome, a ter de vir dar um ar de estrutural dignidade a esta coisa de rentabilizar o circuito neuronal juntamente com o uso do polegar opositor. Se atentarmos bem, é da cirúrgica combinação da ‘parábola do trigo e do joio’ com a ‘parábola dos talentos’ que radica uma das melhores contribuições epistemológicas para a justificação da ciência e do conhecimento como as formas adequadas de complicarmos tudo, mas com norma, método, critério e até uma moral suavezinha, de bónus.

Assim, a 'Parábola dos talentos' diz-nos que é um crime de lesa humanidade não pormos a render as nossas capacidades, (que podem incluir, como sabemos, desde montar prateleiras do ikea, até desconfiar que a velocidade da luz foi sempre constante, passando por ganhar $ 2,6 Billion em futuros das subprime - como ganhou um tal de John Paulson só em fee’s (é um record, hem !!!) de hedge funds, que apostaram no crash do mortgage credit desde meados de 2006) enquanto que, por sua vez, a 'Parábola do trigo e do joio' diz que não nos devemos precipitar a cortar logo o joio (leia-se o ‘erro’) pela raiz, porque podemos correr o risco de o trigo (leia-se a ‘verdade’) vir também atrás. Temos pois de deixar a asneira medrar devidamente e, quando já tiver bem espigadota e seca, chamar os inquisidores, pois gente de boas intenções e danada por fazer fogueiras é o que nunca faltará.


Prevista e constatada a humana vertigem para a complicação, a Santíssima Trindade, assim, achou por bem dar-lhe uma certa dignidade e sustentação; é essa, aliás, a principal razão pela qual se inventaram as cuecas.

Vulgatas & Pentateucas

Tirando s. joão baptista o novo testamento não apresenta personagens com biografias que possam ombrear com os grandes figurões do antigo testamento. Aqui quase todos poderiam ser capa de revista, mas ali praticamente tudo se passa entre enjeitados e mal afamados, gente que sem Jesus não se destacaria sequer num livro do êxodo em banda desenhada. O cristianismo é por isso desde o início pensado para desbiografados e não cumpre os requisitos mínimos para interessar personalidades cravejadas pela singularidade e pelo deslumbramento, e muito menos pela brilho da razão iluminada, tirando o seu parabolismo literário de belíssima serventia para salões de chá ou de wisqui. Sendo igualmente mais sóbrio em sentimentologia e grandes caminhadas, o novo testamento pouco inspirou sequer as ciências mais dadas ao coração, seja na sua vertente mais vascular, seja na mais colorida, mas, por outro lado, especializou-se a descrever as irracionalidades dum carpinteiro-protoanarquista-armado-em-Deus-que nem daria para chefe do banco alimentar, pois, despudoradamente, até disse que aos «pobres sempre os tereis convosco» quando Maria lhe despejava pelos pés uma fortuna em nardo puro, arrepiando o traidor Judas, que ficaria a representar, doravante, todos os fiéis representantes das religiões do bom senso.

Vulgatas & Pentateucas, sa

O Antigo Testamento tem tendência a ser bastante sobrevalorizado, tanto literária como teologicamente, mas, definitivamente, nunca conseguiu, de forma genuína e estável, nem aproximar ninguém decentemente de Deus nem, muito menos, engatar uma miúda – em condições. Regra geral um cristão gosta do Antigo Testamento depois de ter cometido um pecado de venial intensidade à luz do catecismo e simultaneamente tem pouca pachorra e vocabulário para o confessar a intermediários vestidos de saiote comprido e sibiladores de consoantes. Ou seja, o Antigo Testamento é uma espécie de reserva ecológica para cristãos com problemas de articulações nos joelhos e pila curiosa. No entanto, quero relevá-lo aqui nesta singular instância, esse seu papel de refúgio teológico deve ser bem preservado, pois nenhuma alma saudável aguenta uma fé que não possua uns escapes oficiais de consciência. Jesus disse que «não veio trazer a paz», e, já se sabe, como diz o povo, em tempo de guerra qualquer buraco pode ser trincheira. Talvez ainda volte a este entusiasmante tema.
Já passava das seis e ainda não tinha desafiado nenhuma lei do bom senso

O primeiro grande teste que Deus colocou ao homem foi de natureza vegetariana, tentando-o com uma maçã que, mesmo não sendo reineta, simbolizava o orgulho do homem em querer ser como Deus; já o segundo grande teste conhecido é bastante mais proteínico, quando Abraão é posto à prova ao lhe ser exigido o sacrifício do próprio filho, que tanto batido de esperma lhe tinha custado, inaugurando o combate civilizacional entre consciência e dever. O terceiro teste foi relativamente mais esotérico-epistemológico, quando um anjo aparece a N. Senhora e a informa que está de esperanças dum rapazola sem pai biológico, inaugurando oficialmente o confronto entre evidência e razão, e o quarto foi de natureza literária quando Lutero é posto à prova para ver se conseguia conviver com o lado metafórico da religião e da vida, antecipando Borges, Beckett e o padre Melícias. Desde aí que a humanidade tem sido poupada a grandes decisões e por isso tem afrouxado com pecados de média estirpe, como sejam umas gajas nuas e umas baforadas com Ziclon. Pondo de lado a hipótese teórica de que o Criador tenha desistido de nós, sou levado a crer que apenas entrou num ciclo mais contemplativo, também tem direito a gozar o prato, e que mais tarde ou mais cedo nos será colocada alguma situação mais melindrosa. Se for relacionada com o papel dos fluidos não-newtonianos na ejaculação precoce, ou com a ementa para o banquete do juízo final, adianto já que as minhas preferências vão para os pastéis de bacalhau com arroz de tomate malandrinho.

Deus é o pretexto. O essencial é o paleio.

Descubro num post recente do blog dragoscópio uma epopeia de verve em torno da estafadíssima apologia, devidamente desinfectada com água indignada, do porquê ir alimentar umas almas famintas para longe quando a vizinha deixa queimar o arroz manteiga.

As melhores pessoas a falar de Deus são de facto, geralmente, as que usam a capa agnóstica, ou ateia ou apenas mesmo quessefodista, e isto porque Deus com eles, sem a preocupação comissionista, aparece esteticamente trabalhado, quase como as cuecas num catálogo da redoute, entre o atoalhado e a malha piquê, ou seja, Deus, estando ou não em promoção, ajuda bastante a vender outros produtos e arranja-se sempre algo para combinar com ele, o que, é bom de ver, até ajuda qualquer crente com um mínimo de perspicácia a compor uma boa e piedosa toillete. Antecipadamente grato.

Mas, desgraçadamente, para estas almas que se alimentam de coerências a granel e bondades avulsas, o cristianismo transforma-se no potente exaustor duma novel sala de fumo e suga-lhes o equilíbrio até à beata. Ou seja, a incredulidade, venha ela sacristida de maior ou menor ironia, não consegue conviver com peregrinas ideias como gratuitidade, magnanimidade, ou a arrepiantemente discricionária misericórdia, para já não falar das clássicas liberdade e terço seguido de bitoque com ovo.

Ora a manta de terna indignação onde é vertido o referido tropicadilho ignora, por exemplo, que é absolutamente intrínseca ao cristianismo essa convivência entre ideias aparentemente contraditórias e que só encontram o merecido consolo na santa canjinha da fé e do amor a Deus, ou seja, a distância que separa o dar a outra face ao vim trazer a guerra e não a paz, é a mesma que separa o honra pai e mãe do deixa pai e mãe e ala que se faz tarde. Não há escala, nem fita métrica, nem sénecas nem epicuros que aguentem isto.

O apostolado (muitas vezes com os seus floreados coreográficos de amor-sem-fronteiras) é absolutamente radical na mensagem cristã, e esse radicalismo significa precisa e simultaneamente que é raiz e que é de extremos. A alma de um cristão constrói-se nessa ruptura entre o que lhe é próximo: uma fé como conforto, e o que lhe é distante: uma fé como desafio, e, por isso, os primórdios (mais ou menos meta-iconográficos) do cristianismo tanto têm pastorinhos, como herodes, putas, sábios, leões, cobardes, gajos que ficaram a envernizar catacumbas e gajos que puseram sebo nas canelas e foram moer a carola aos adoradores de rosmaninho ou aos sorvedores de sangue de galinhas chocas.

É do mais piamente louvável essa preocupação com os que estão perto, mas – também - está na carne da fé cristã esse procurar vertiginoso da grelha nos que estão longe.

E, vendo bem, o dragopost até podia não ter nada a ver com isto, nem eu vi sequer a notícia do padreco all & off road. Mas não há nada como brincar aos pretextos.

Se bem que também houve uma reedição da Karen Dalton

Não sei se, como remata Pulido Valente na sua crónica mais badalada desde a outra em que explicou cientificamente o fenómeno de Fátima pela sua proximidade à estação de comboios do Entroncamento, o Papa terá previsto para a Igreja uma era de clandestinidade, o que eu sei, isso sim, é que a Igreja tem uma missão de universalidade, sem a qual tudo o resto corre o risco de se parecer a circo sem leão nem apóstolo.

Um dos momentos chave da construção do ‘cânone’ ocidental, whateveritmines, viveu-se com a Reforma Protestante e a Contra Reforma. E continuará a ser da análise do que aconteceu nessa altura que se devem ir procurar as primeiras pistas para o estudo da evolução da Igreja e do seu papel no mundo, a par do esforço individual de cada um em entender e amar a Deus.

A Igreja Católica é, pondo de lado a retórica exegética, essencialmente um Corpo vocacional: procura congregar as almas em torno dum chamamento de Deus. No dia em que um católico pense que tem uma fé exclusiva, tipo cartão de pontos, e não fique danado com as revisitações da arca de Noé, o melhor é ir cantar espirituais negros para uma garagem calvinista da Bobadela.
Guilty question

Qualquer crente em Deus que se preze gostaria de receber uma confidência do Criador, de forma a ficarem assim, como quem não quer a coisa, com um segredinho só dos dois. Claro que, de forma simpática e reverente, todos começaríamos por perguntar algo do mais ortodoxamente teológico para criar ambiente, género, porquê um povo eleito no meio do deserto se já havia muito boa gente à beira mar, porquê uma Santíssima Trindade quando já se sabia que um tenderia a ficar marginalizado, porquê um livre arbítrio a voar se podíamos ter uma predestinação na mão, porquê um casal de pombinhos, uma maçã e uma serpente, se podíamos ter descendido duma tribo de belas amazonas especializadas na selecção natural; enfim, teríamos de nos mostrar primeiro interessados com a política editorial do Criador, mas sabendo que o que nos interessava realmente era aquela zona dos classificados mais picantes, o suplemento de fim-de-semana, ou seja, teologicamente falando: o que é que o Criador andou a fazer no sétimo dia.

Julgo que no âmbito desta infinita temática de ‘o que realmente nos intriga’ assumem bastante mais relevo as questões hormonais e bastante menos as questões sociais, ou seja, dilacera-nos mais o desequilíbrio entre a capacidade e a disponibilidade orgásmica, do que propriamente a clivagem entre ricos e pobres, e muito menos o leviatanismo do estado. A exploração resultante da famosa luta de classes não aparece com grande ranking na tabela de sofrimentos, e perde face a desgostos amorosos e impotências várias.

Por isso, se considerarmos que as questões básicas do ’porque Te revelaste a uns de uma maneira e a outros de outras? ‘, ou do ‘porque deixaste cá a Igreja a fazer – às vezes - tanto de mulher a dias como de porteira?’, ou mesmo do ‘porque é que a fátinha felgueiras e o armando vara são tão filhos de Deus como o padre borga ou madre teresa’, são questões aborrecidas, pois, por maioria de razão, o Criador também teve direito aos seus caprichos, e, inclusivamente, todos podemos ter um dia menos bom, ficaremos então concentrados naquilo que realmente importa a um crente ( a religião é o que há de mais pragmático ao alcance da nossa natureza, depois do microondas) : o ‘como poderemos, levando uma vida de caças-bombardeiros a saltar entre porta-aviões, no dia certo, ser uma responsável companhia de last minute booking?’, rematando, dado que o Criador não será de muitas palavras, com um simples ‘porquê assim, fodasse?’. Ele saberá o que nós queremos dizer.