"Passando-lhes pelo estrado"

2. Anatomo-fisiologia da cerviz
Comecemos por uma lateralidade procurando criar ambiente, pois até um texto técnico precisa dum ambiente descontraído para ser bem recebido; detenho-me por isso no pescoço da mulher, que é aparentemente uma atracção logo aos primeiros acordes das hormonas, que só se aguentam calmas quando os sustenidos estão embebidos em bemol. Mas desmistifiquemos sem demora: tirando o caso quase zoológico de Celine Dion, o pescoço duma mulher é um dos grandes equívocos do erotismo; e fica já arrumado o postulado: nem todo o arrepio é uma descarga hormonal. A mulher utiliza esta ilusão de que no pescoço se situa uma espécie de aleph do prazer para ir ganhando tempo, para dar a entender ao homem que tem pontos sensíveis afastados do centro de gravidade. Ora um ponto sensível que esteja longe do epicentro não passa duma figura a dar serventia à retórica poética, dum entreposto manhoso, dum posto de muda de montada, duma senha de racionamento que nos cria a ilusão de que estamos no caminho das especiarias lá porque tresanda a perfume fino. Os vários estudos de campo realizados ao longo da última década revelaram respostas bem elucidativas, do género "elas levam-nos à certa com aquela conversa do pescoço" ou então "muitas vezes depois nem se passa daquela merda". Por isso de pescoço estamos conversados: é um mero fait-divers que a mulher usa para tentar alimentar a imagem de animal sensual que foi parido à socapa por divindades gregas com excesso de esperma a cheirar a hortelã-pimenta.

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