Nos tempos em que tudo parece omnipresente e “omninsinuante”, fui suscitado pelo mecanismo da falta.

A epifania é uma palavra que entrou na moda, mas de facto, uma ausência só se saboreia mesmo com um regresso, com uma aparição. A ausência jubila-se nesse regresso. E rejubila-se na permanência. Mas acho que estamos é com falta das ausências. Só que das certas. Despojamento a metro no novo dicionário não ilustrado, que não se acanha, e assoma e persegue: ( entradas 591 a 602 )



Posse: ausência de pobreza – Quando não se consegue jogar golf só com os buracos, acabamos obcecados em estatísticas handicapadas e sem desfrutar de cada tacada. (Agora ia dizer que “as bolas só atrapalham” mas acobardei-me)



Companhia: ausência de solidão – Quando não se consegue obter respostas sem ter feito uma única pergunta, acabamos viciados em ser olhados.



Paz: ausência de conflito – Quando se escolhe uma síntese de compromisso é porque já não se aguenta o fedor da contradição, que entretanto se descalçou, depois de ter andado apertadinha na peúga do argumento.



Água: ausência de deserto – Quando todas as esperanças se depositam no oásis, vêem-se escorpiões por todo o lado e não se aprecia a imensidão da paisagem.



Memória: ausência de esquecimento – Quando se perde tempo a decorar os menus e as receitas, não sobra nada para treinar o paladar, e a língua transforma-se apenas num chicote amestrado dos domadores de palavras.



Experiência: ausência de juventude – Olhar para o futuro com desdém, dizendo: hás-de cá vir que eu faço-te como fiz aos outros. Só que nem todos os baldes velhos com buracos dão bons regadores.



Conhecimento: ausência de ignorância – O atascamento da mente é a fatalidade de quem se acerca do mundo como quem vai a uma cantina em self-service com pré pagamento



Fazer: ausência de paciência - Ver o mundo como um formulário a preencher, revela a alma de burocrata que todos temos em nós.



Fastio: ausência de abstinência – Quando se está de barriga cheia, para além de se ter deslocado o centro de gravidade, temos muitas forças concentradas a produzir acidez, e poucas a arrumar a casa para receber bem as visitas que realmente importam



Consolo: ausência de carência – Um coração afagado é um coração afogado. Já só tem água tépida onde deveria entrar ar fresco.



Confiança: ausência de ansiedade – Quando tratamos o destino por tu, perdemos o respeito ao imprevisto e acabamos a dormir no sofá rogando pragas ao telecomando



Presença: ausência de ausência – Só a falta mostra o conteúdo.



Bem, isto agora para limpar, só mesmo com asneirada da grossa...



«No escribo por pasar el rato / sino la eternidad »

...quem me dera...



Hoje vinha aqui como se fosse apenas um ritual,

Só que apanhei o Unamuno pelo caminho



«Oh, no busqueís la letra, la que mata,/ lo que vida nos da, buscad espiritú!»



E fica-se a pensar nesta “treta”, forçosamente;

Mas o espanhol não desamparava a loja



«...Mientras la mente, livre de la losa / del pensamiento, fuente de ilusiones,/ dorme al sol en tu mano poderosa»



Pormo-nos nas mãos de alguém?

Isto não é do nosso tempo!

O futuro somos nós que o construímos, é o que todos dizem



«Ya sé lo que és lo porvenir: la espera/ tupida de ânsia, devorar las horas/ sin palardearlas, confundir auroras/ con ocasos »



Chateio-me quando desemboco nestes “equívocos” de continuidade. Bem, mas sempre aliviei o ritual. Também é algo que vale. Agora vou.



«Matar el tiempo de qualquier manera / forzando al sueño;»



No que um tipo pensa depois de ter arrumado a cozinha



Já há uns tempos – e num determinado contexto - o Portugal dos Pequeninos escreveu com brilho: «Mergulhados até ao pescoço nas desventuras da "contabilidade nacional", esquecemos que este "resto que é tudo" constitui, na verdade, o nosso verdadeiro déficit».

Inundados que estamos por uma mentalidade de “deve e haver”, sufocamos com a realidade que nunca dá conta certa, e ficamos quase sempre sem saber o que fazer aos restos. Muitas vezes sacudimos as mãos dizendo que o problema é do regime, como se isso nos desculpasse para não termos de apanhar as migalhas e pô-las no caixote do lixo. É que lixo é lixo. Quer se recicle ou não. Agora que uma conduta dá muito jeito, lá isso dá. E já que não há um ministério dos “bons costumes”, pelo menos podia haver um da boa "conduta”....

“ Salvum fac temetipsum, et nos”



Uma pergunta que o Tiago fez recentemente é uma voz a pedir o devido eco das dunas. O episódio dos dois ladrões junto a Cristo na Cruz é dos momentos mais marcantes da revelação. Agora só duas singelas doses.



1ª Dose – Deus e homem



São de facto interessantes esses momentos bíblicos em que parece ficar uma ovelha negra a “pairar no ar” - por exemplo, eu se fosse irmão do filho pródigo também teria ficado ”em brasa”... Cristo aparece muitas vezes disfarçado numa “salada” adverbial e adjectivada, mas tudo se pode substantivar “pensando” que Jesus era Deus e homem ao mesmo tempo. Esmiuçando: Jesus foi Deus para o bom ladrão quando este lhe descortinou a omnipotência camuflada na impotência, e lhe pediu que se lembrasse d’ele – foi assim prepotente, discricionário, misericordioso e magnânime. Para o outro ladrão foi apenas homem naquele momento. Jesus deve ter pensado: Cala-te meu, estão-me a doer as costas como o raio, e tu estás praí a chagar-me o juízo, como os fuinhas dos fariseus! É evidente que este outro ladrão se estava a comportar como se portaria a maior parte daqueles por quem Cristo morreu. Este “mau ladrão” confirma que para a economia da salvação era mesmo preciso que Cristo morresse; ele não aproveitou tê-lo ali à mão de semear. Como cá a rapaziada no fundo. Confirmando o trivial “se não vem na televisão é porque não existe”



2ª Dose – “ porque roubo em barca sou ladrão, e vós que roubais em uma armada, sois imperador?”



O padre António Vieira tem no “Sermão do bom ladrão” – que eu já citei aqui no blog , salvo erro – uma “peça” que deveria ser de leitura obrigatória nas tomadas de posse dos governos, se é que os ministros não deveriam mesmo jurar com a mãozinha lá posta em cima da sua lombada....

Uma das partes interessante do sermão é quando ele se põe a comparar o bom ladrão – Dimas - com um outro “ladrão rico” ( cobrador de impostos...) Zaqueu, “extrapolando” mais tarde com o “mau” ladrão. Trata-se de abordar o perdão pela via da restituição, e do “equilíbrio” entre o ladrão e o “rei” que lhe dá abrigo. Enquanto Zaqueu se “safa” restituindo o quádruplo do que tinha “aliviado” e o P. Antº Vieira faz relevar que este ainda teve de fazer algo para se salvar, pelo contrário, o bom ladrão que devia ser um pelintra, escapa-se com um simples acto de fé e entrega.

Mas então e o mau ladrão? Ah! o mau ladrão... na leitura muito especial do jesuíta – que o Tiago até bem deve conhecer - está ali precisamente a dar um recado ao poderosos que andaram a “gamar” a par dos ladrões encartados: «Se és Cristo, salva-Te a Ti mesmo e a nós». Ou seja, já que nós pequenos ladrões estamos aqui um bocado “à nora” e sem grande vontade de corrigir o que defraudámos, ao menos tu – que tens poder - obriga-nos a isso, e assim talvez nos salvemos os dois!...

Portanto: quem detém o poder tem sempre uma última oportunidade de corrigir!!! De dar o exemplo. Muitas vezes o nosso papel, mesmo estando a ser “crucificados” à sua esquerda, é lembrar-lhes isso.



«Saiba-se com que entrou cada um, o demais torne para donde saiu, e salvem-se todos» Frase que bem podia estar à entrada de muito boa comissão de ética, ou a encabeçar a declaração de rendimentos. Foi o padreco que a disse, também neste sermão. Ele há jesuítas para tudo.

O itinerário de uma opinião



Subsídios para um case-study

Mas é só uma vez, sem exemplo



1ª etapa – O terrorismo é oficializado como a ignomínia dos tempos modernos

2ª etapa – É tido como de “bom tom” dizer que esses gajos só de “pilinha em refogado”

3ª etapa – O inefável Soares alude à possibilidade de negociar com os demónios

4ª etapa – Soares é trucidado pela opiniolite de turno e até causa um espumado mau estar nos jantares de família

5º etapa – Soares esclarece as massas, dando exemplos e matizando uma realidade que parecia um bloco de cimento

6º etapa – A opinião de Soares já só vai aparecendo numas piaditas de recurso

7ª etapa – Começam a produzir-se as primeiras insinuações enquadrando e relativizando as ideias de Soares

8ª etapa – Afloram-se os primeiros artigos teóricos fundamentando historicamente que a opinião de Soares se baseia numa visão realista e não imediatista dos factos

9ª etapa – Escorrem crónicas confirmando que a negociação é afinal a única alternativa, e que era preciso alguém com coragem para o ter dito sem rodeios

10ª etapa – Soares vem cheio de setinhas para cima nos barómetros da opinachada

(Bolas! Ainda não consegui encaixar a Scarlett nesta cegarrega...)

11ª etapa – Um putativo líder estrangeiro cita a opinião de Soares entremeada com a de Nelson Mandela. Negociar é agora o vício dos vencedores.

12ª etapa – Fica comprovado cientificamente que as opiniões de Soares são irrefutáveis à luz da razão, e louváveis à luz da fé. Aparentemente só o “farisaísmo” nos trazia cegos.

13ª etapa – Dá-se mais uma desgraça, alguém diz que tarde nos apercebemos do alcance do que Soares disse. Mme Avilez lá tem de avançar com mais uma entrevista.

14ª etapa – Soares volta a aparecer nas piadas mas já não faz de alentejano

15ª etapa - A comissão europeia institui o dia internacional da mulher bomba

( pronto, não fui capaz de continuar um raciocínio certinho)

16ª etapa – Vasco P. Valente diz que a monarquia constitucional também se construiu no diálogo com as forças subversivas do mal anarquista.

17ª etapa – Bin Laden vai ao fórum TSF

18ª etapa – Soares vai inaugurar a Tripoli o monumento ao terrorista desconhecido

19ª etapa – Sai a emissão de selos comemorativa do ano do diálogo com o terrorismo. Aparece Ana Gomes a sépia sendo osculada por um Tchetcheno

20ª etapa – El corte inglês muda o nome para “ La burka del inglês”

21ª etapa – Soares convence Scarlett a posar para a “Mulher Moderna” vestida só com uma bomba relógio à cintura.

(estava a ver que não...)

22ª etapa – Sharon admite que em tempos também andou a catrapiscar umas palestinianas

(tenho que acabar isto senão nunca mais é sábado)

23ª etapa – Soares propõe Santana Lopes para ir negociar a paz definitiva

24ª etapa – Cavaco edita a sua errata da Autobiografia. João Soares teria sido a sua grande aposta para Ministro da cultura. E afinal a D. Maria lia-lhe Saramago para adormecer.

25ª etapa – Soares diz que – no limite - Deus pode perfeitamente existir. É negociável.

26ª etapa ( para ser rápido) – Deus passa a poder existir.
Nem tudo o sara é mágico



Ouvir Saramago a dizer baboseiras em directo, dando aquele ar de que pensa coisas que mais ninguém alcança, e continuar a gostar dele como escritor, reforça a ideia de que a literatura ainda é um luxo e que o pensamento pode ser apenas uma solução de recurso da pelintragem.

Lembro-me sempre da frase de Fernando Pessoa (R.R.) que ele recolhe no início do “Ano na Morte de Ricardo Reis” : “Sábio é o que se contenta com o espectáculo do mundo”.

E fica-me agora esta dúvida de natureza estatística: haverá mais aforismos para “sábio” ou para “palerma”?

Todas as palavras podem ter a sua magia. Mas nem todas curam os males do mundo.
Não fiques rubberizado



“Onde está então o segredo?

Nos pneus, só pode estar nos pneus!

Já nos tínhamos habituado à sua evolução contínua, mas este ano parece que estamos mais no domínio da revolução.

(...)

A guerra, também nos pneus, está mais aberta do que nunca.

A Michelin vai ser obrigada a reagir, o que vai elevar ainda mais o nível.

Até onde? Onde está o limite da borracha?”




Quem escreve isto é meu amigo. É o que se chama um gajo sério. Tem o terrível defeito de só falar do que sabe. É “maluco” por carros. Mas à “conta da borracha dos pneus” “explica-nos” que o “mundo” está a rolar depressa demais por causa duma “merda” que nem é dura, nem é mole. Como a verdade. Como os factos. Como o poder.



Hoje vou-lhe telefonar e perguntar-lhe quem é que ele acha que matou mais: se “Sharon + Arafat” ou se “umas tais de contas na Suiça do tal de presidente dum tal de país que foi dum tal de Portugal”. Ele vai-me responder que pôr tudo no mesmo saco não explica nada. Que eu sou um viciado no mito da continuidade. Que baralhar só se usa nas cartas, e que eu sou evasivo porque não tenho ideias firmes sobre nada, e que me refugio num humor estéril.



Não vai dizer nada disso. Ele é meu amigo do peito. Fia-se é demais na borracha. Eu sou mais de mudanças automáticas. E travo com o pé esquerdo para poder acelerar ao mesmo tempo
Afinal fui antes ao pediatra



O sacana só falou por enigmas. E não me receitou nenhuma pomada. E disse:

“Uma cadeira de rodas não é um berçário. A paz não é uma papa cerelac. Não há guerras descartáveis. Um bom texto de posologia não substitui uma vacina. Um diagnóstico bem esgalhado não nos alivia duma picadela de injecção. Uma lambidela de cão não substitui um Benuron. Os felinos são maus para as alergias. Mas há que deixar o organismo ir criando as suas defesas”



Não percebi nada. Vou mas é para as urgências. É pena não haver revistas com miúdas giras na sala de espera . Ah...mas já não há listas de espera.

Estou com falta de termos



Detestaria ser "prior de uma freguesia" onde os canalhas também fossem vítimas e os inocentes também fossem uns bandalhos. Para já fico-me como "sacristão" de bancada

Hoje estou de trompas



Sou um leitor com muito pouca personalidade. Deixo-me levar. Por isso uso repelente para a crítica literária. Porque ainda gosto de ser levado. Não foram poucas as vezes que no passado a critica literária me estragou leituras.

Ontem fui dar de frente com um dos que a crítica me estragou a meio da leitura: “Fúria” do Salman Rushdie. Escritor de que gosto. Pronto, gosto. Pelos vistos ia na página 118 «- Suponho que estejas a ovular – disse ele, e Eleanor afastou a cara como se ele lhe tivesse batido» Bem, não sei se teria chegado a ler esta frase. Felizmente. Aquilo não é coisa que se diga a uma senhora. Um crítico literário, sim ...esse sim, tem tendência a estar sempre a ovular; precisa de estar prenhe de esperma semântico.



Mas nos dias de hoje muito boa gente vive com esta fecundação palavrosa, resultado talvez de alguma jactância precoce. Mal “preservativada”, não sei. Muitas vezes disfarçada da célebre autocomiseração estética. De efeito esgotado. «Mas eu estou a falar de quê?». « Alguém te fez mal?» Não. Mas que já me estragaram umas leituras, isso já. Falta de personalidade minha é o que é.



Na análise política passa-se um bocado o mesmo. Só que o adereço da previsibilidade ainda estraga mais a decoração. E os tempos que correm acentuaram esta previsibilidade, engalanaram-na com o rococó da ironia e puff ! vai-se a ver é tudo gesso! E porquê ? Porque nos contentamos em encontrar um caminho. Gostamos apenas de saber que estamos bem encarrilados, que paramos nos apeadeiros certos, fazemos agulha quando é preciso, e conhecemos todos os trinca-bilhetes da carreira que usamos. Abre-se de vez em quando a janelita para arejar e pouco mais.



O argumentário envidraçado do debate político permite apenas uma pescaria de espécies de aviário: as que escamam na esguelha da esquerda e as que escamam na esguelha da direita. Nem se guerreiam, apenas se guelreiam. O oxigénio é sacado do puro e estéril contraditório. E por isso estão sempre a desovar em areias muito batidas. Ah! Porra! agora é que eu percebi onde queria chegar a personagem do Rushdie. Chiça, as voltas que eu tive de dar. Afinal devia tomar mais atenção aos críticos literários. Ou ter sido ginecologista.

A populaça tem dificuldade em reagir contra um poder ineficiente ou negligente. Os mais letrados e esclarecidos dissertam sobre a crise de representatividade. Os mais rústicos enfabulam sobre o “fodido e mal pago”. Hoje o novo dicionário não ilustrado coloca-se estrategicamente na encruzilhada da cidadania ( ou julgavam que eu andava aqui a brincar aos blogues) e elenca as hipóteses de reacção: ( entradas 581 a 590)



Manifestações de rua – Pôr a expressão corporal ao serviço do bem estar público, sem ter de pagar mensalidade no health club, mas sabendo que mostrar o rabo continua a ser a única garantia de sucesso.



Abaixo-assinados – Rabisco gostoso porque não produz um débito de conta automático. Infelizmente a eficiência não está subordinada à beleza do hieróglifo



Usar T´shirts obscenas – Como o algodão não engana há quem crie muitas expectativas na estampagem. Os corantes em saldo podem fazer com que eficácia das mensagens debote ridiculamente com a lavagem dos dias



Fazer partidos “nova-qualquercoisa” – Um símbolo e uma sigla dão sempre mais dignidade ao papel timbrado. A eficiência está dependente do nº de envelopes que recebe o tesoureiro.



Fazer “buzinões” – Forma popular de atenuar o deficit democrático reforçando a educação musical das hostes sem abusar no subsídio. A desgraça é se a buzina começa a soar a chocalho.



Escrever tratados de ciência política – Depois de saturados das palavras cruzadas, sempre podemos usar os mesmos nomes mas todos na horizontal. A eficiência está no número de buracos negros que se consiga evitar, o risco encontra-se, como de costume, nas maçadoras virgulas, e nos rebuscados tempos verbais.



Escrever autobiografias – Todos temos o direito à nossa história picante. A sonhar que demitimos “à tripa forra”, que alimentámos uma clientela esbugalhada, que servimos a crueldade de forma fria e vinagrada. A verdade é um acidente entre coincidências desgovernadas.



Escrever cartas ao MarceloRSousa – Se uma bala não tem o alvo a jeito, ao menos que faça um ricochete em condições.



“Cagar e andar” – Apesar de não ser expressão dum irrepreensível canonismo e erudição, consegue refletir dois actos que efectuados em separado dão bastante alívio, mas se efectuados em simultâneo provocarão situações bem desagradáveis. A eficiência desta atitude está dependente do que se come regularmente e da força nas pernas.



Entrevistar-se a si próprio – É a revolta serena do intimismo. Nós, connosco, rebolando-nos na areia e sem abrir a boca para não arranhar a língua. Cuspir deverá ser sempre o último recurso.



E mais uma vez resisti à entrada óbvia de “ ter um blog”.
Soares não se fica pelas palavras vãs. E eu não consigo resistir a isto. Pus-me “à coca” e fui outra vez apanhar uma chamadita...



Soares & Bin and Mia



Soares – Bin ...és tu rapaz?

Bin Laden – É pá como é que arranjaste o meu número de telefone

Soares – Sabes que eu nunca deixo cair um amigo, e por isso tenho rapaziada conhecida por todo o lado...

Bin – Tu és danado pá. É bom ouvir uma voz meiga e compreensiva

Soares – Não te estiques. Esta conversa amanhã vem de certeza na TVI. Felizmente tu não precisas muito de disfarçar a voz porque já falas mal como a merda.

Bin – Então mas a que devo a honra da chamada

Soares – É pá, eu queria saber que problemas é que eu tu tens tido, para andares assim tão enervado.

BIn – Isto tudo começou quando eu reparei que o meu pai andava a explorar os palestinianos na empresas de construção civil lá na Arábia Saudita..

Soares – Então mas vocês não tinham ucranianos ?

Bin – É pá nessa altura os ucranianos não acartavam tijolo

Soares – Ah pois... e eu nessa altura também andava a comer croissants no Pigalle.

Bin – É um sítio jeitoso, mas é perigoso porque tem muito carteirista

Soares – Vamos ao que interessa. Tu tens que ver é se atinas, porque já se me estão a esgotar os disparates

Bin – A luta contra o imperialismo capitalista e judeu não pode ter tréguas.

Soares – Mas ouve lá, os americanos não são todos como o Bush...por exemplo aquele rapaz o Clinton era bom moço...

Bin – Houve quem gostasse sim senhor ...não tinha o mundo todo de joelhos mas..

Soares – Ordinarices não é bem o teu estilo, mas estás a ver, alivia um bocadinho! Já estás mais relaxado?

Bin – Isto quando a tua senhora estava à frente da Cruz Vermelha é que eu andava mais calmo

Soares – Eu bem calculava! Sabes que foi aquele sacanita amigo do Rumsfeld que lhe fez a cama!!

Bin – Quem o Bush!?

Soares – Não porra, o Portas. Um penteadinho que já foi jornalista, e agora é um tumor

Bin – Olha lá, tu és subversivo nas palavras que usas

Soares – Pois sou. Só que não há psicanalista que tenha divã onde eu caiba, e a minha Maria disse-me para eu ir dizendo uns disparates por fora, para ver se depois me conseguia aguentar em casa.

Bin – Eu às minhas miúdas não lhes dou essa confiança.

Soares – Mas isto aqui na Europa é diferente, um gajo não manda nada. Elas fazem de nós gato sapato.

Bin – Enfia-lhes uns rockets pela...

Soares – Lá estás tu! Não se pode resolver tudo assim pá. Há que saber empaliar ! Assinam-se uns acordos, sacam-se umas massas, organizam-se umas eleições...

Bin – Calma. De eleições percebo eu!

Soares – Eu não consigo entender-me contido. Vou-te passar o Mia Couto...

...

Mia – 'Tá Meu, sufocas de alma ou atormentas de corpo ?

Bin – Hã...

Mia – Olha que quem mais fura menos anda rente

Bin – Hã...

Mia – Quem se afoga por gosto não amansa a guelra

Bin – Hã...

Mia – Não é por muito desaguar que um rio mija mais longe

Bin – Olha lá pá, és algum bombista suicida em crise de identidade?

Mia – Desventrado o ser fica revelado o plasma

Bin – É pá, eu estou farto de vos dizer que o dinamite não é para mascar!!

Mia – Mastigando a vida esofagamos a eternidade

Bin – Isso é terrorismo verbal meu sacana. Não foi isso que combinámos!

Mia – No palavrejar espinoteiam-se os cascos duma alma mal engaranhada

Bin – Estou a perder o controle a isto. Tu andas ao serviço de quem, pá?

Mia – Eu sou berbigão numa maresia sem corrente, sou ...

Bin – Tu estás mas é a armar-te em carapau de corrida, passa-me o Marito sff

...

Soares – Então não te deste bem com o Mia ?

Bin – Porra, o Alcorão comparado com o que esse gajo diz parece um livro para crianças!

Soares – Vês, tu tens de encontrar na magia da palavra o consolo para o teu coração

Bin – Ele há gajos que quando vão para velhos se convertem, querem ficar de consciência tranquila, entregam-se serenamente às mãos misericordiosas do criador, mas tu...

Soares – Mas eu não me podia dar ao luxo de comer com os padres...mandei a minha mulher à frente para me substituir. Eu escolhi imolar-me num fogo de irracionalidade, deixando-me levar pelas labaredas dos ideais da fraternidade

Bin – F......, passa-me o Mia

...

Mia – O regresso é um voltamento do excesso, eis-me no sobejar das estrofes

Bin – Olha lá pá como é que tu fazes essas merdas desatinadas com as palavras

Mia – A minha pólvora é esmagada com as pétalas secas que fogem ao orvalhar do enraivamento

Bin –É pá o Mário Crespo que vos ature. Eu agora vou ler a última Hola que chegou aqui às praias do Dubai. A porra do gel do cabelo é que já se está a derreter!

Gosto de lugares comuns, repito-me. São os que dão melhor guarida. Sabendo que o meu pai nunca lerá isto. Nem os meus filhos. E sem saber se o novo dicionário não ilustrado “as aceita”, aqui estão umas entradas para o dia do pai. Uma coisa ligeirinha, a roçar a psicolite, mas sentida. São as “águas dum pai” rebentadas online: (para variar já cheguei aqui atrasado às comemorações)



Pai soletrado – É um “ai” com um “p” no início para dar mais peso



Pai facto – Puro acto de fé, corroborado pelas parecenças físicas e pelos dislates de carácter



Pai espaço – Acusado de ausente, mas que se pode sentir dispensado quando está presente



Pai poema – Renegado das rimas, foragido das metáforas e esquecido das grandes epopeias do coração



Pai cash & carry – Algo que convém ter sempre à mão



Pai polícia – Afastado das investigações mais estimulantes, ficou colocado nas rondas de circunstância



Pai ladrão – O que rouba a liberdade quando ela parecia ser mas precisa



Pai mãe – O que precisa de sentir a pele dos filhos



Pai pai – O que sente os filhos na pele (e espero que a mãe também não leia isto...)



Pai absurdo – O que cega no amor



Pai num molho de brócolos – O que se tempera com as lágrimas dos filhos



Pai espantalho – O que nem lhe põem umas caganitas em cima



Pai actor – O que apenas decora as falas, e que está sempre à espera que desça o pano para poder ir para a boémia



Pai feltro – O que aconchega mas pode deixar pêlo para sacudir.



Pai lãzinha – O que aconchega mas pode deixar borboto.



Pai contador de histórias – Aquele que a maior marca que deixa é uma cova na beira do colchão.



Pai moral – Catecismo com pernas (gravata opcional)



Pai cavaliteiro – O que dá o ombro como quem dá a alma



Pai metafísico – O que se limita a ser



Pai astrofísico – O que consegue ver em cada filho um constante big bang



Pai realizado – O que se contenta em fazer sequelas dum imaginário sucesso de bilheteira



Pai seca – O que ouve: «Sim já ouvi», «sim já sei», «sim já vou», «sim não me esqueço», «sim hum sim hum hum»



Pai adorado – O que ouve: «Sim adoro-te»
“Filosofia Crucificada”



Eu adoro ser maçador e falar sobre os assuntos quando eles até parecem que já enjoam. Tomo Nausefe como uma grávida por causa dos aviões e por isso estou defendido. A reaparição do “holocausto terrorista” junto ao “dueto sem cordas” do judaísmo e da paixão de Cristo voltou a trazer-me à memória uma pessoa muito singular. Edith Stein. Ou se quisermos, Sta Teresa Benedita da Cruz, canonizada por João Paulo II em 98.

Não vou atascar isto de misticismos (a sua conversão está intimamente ligada à leitura de Sta Teresa), nem de interpretações judaico-cristãs (apesar dela poder representar, como já li algures, o mais “problemático” judeu depois de S. Paulo de Tarso), nem de variações sobre o seu passado de filósofa fenomenologista (foi discípula de Husserl, como muitos saberão)

Edith morre em Auschwitz quando estaria a escrever um livro num mosteiro carmelita holandês: “ A ciência da Cruz”. E aqui paro porque já estou a abusar da “piridoxina” e da “diciclomina” (fui ver à caixa estejam descansados...).

- «Nunca consegues manter um discurso coerente, sem a bengala das piaditas»

- «Deixa-me em paz. Se não percebes o que digo, limita-te a estar calado»


A vida de Edith deixa muitas mensagens pouco óbvias. Vivem entrelaçadas, parecem não ser do nosso tempo, e mais ainda, nem sequer estão impregnadas daqueles modelos de santidade que vêm no catálogo. Revelou-se uma mulher que foi ao mais fundo das coisas e que depois se entregou a um “heróico” despojamento intelectual. Associou ao seu martírio de sangue um “martírio de inteligência”. Depois de ter escrito que “pensar já não era uma actividade meramente racional, mas sim a activação de todas as forças da alma”, e que “a essência desta era estar aberta para dentro”, descobre que «só Deus é capaz de acolher a entrega plena duma pessoa». E silencia-se.

- «És muito esquisito»

- «Nem queiras saber»

(bem isto são só as falas que oiço entre o Scar e o Simba no vídeo do “Rei Leão”)


Edith Stein não se pode dizer que tenha tido uma vida de grande sofrimento. Talvez tenha passado pela provação de ser acusada pela família de que, enquanto o povo judeu já era massacrado, ela se ia refugiar num convento, mas de resto viveu embrenhada dos seus pensamentos e estudos, e até parece que foi dispensada das tarefas mais comezinhas do convento. Dizia inclusivamente que para o renascimento espiritual era apenas necessária a «capacidade passiva de acolhimento que reside no fundo da estrutura da pessoa». Continuava fora do catálogo dos altares.



A ligação de Edith aos “tempos de casino” em que vivemos chegou-me mais clara quando relembrei e reli a homilia de João Paulo II aquando da sua canonização: “Nada é mais eloquente que a Cruz que se quer silenciar!”. It’s the point! “Ficou” Padroeira da Europa. Judia. Prussiana. Convertida a uma religião que se revolve interna e eternamente entre a tolerância e a intransigência, mas saída da riqueza do seu judaísmo natal. Convertida no seio de uma filosofia que apontava no sentido das coisas afastando o espírito dum idealismo cepticista. Morre aos braços dum terrorismo de estado, pela sua condição, que não tinha renegado mas que teria sublimado, como uma Ester pobre e impotente (como parece gostava de se chamar). Apanhada no silêncio dum Carmelo. «Anda, Rosa vamos dar a vida pelo nosso povo»- teria dito à irmã antes de receber o bafo de morte.

Bafo esse soprado por um terrorista de bigode, que se estivéssemos à espera do diálogo, bem podíamos ter esperado sentados.



Eu não tenho mesmo muito jeito para isto. Mas às vezes é mais forte que eu.

O título deste post é adaptado dum livro de Joachim Bouflet sobre Edith. Livro esse que não li.
O povo sufragante parece que se move por motivos secretos, num ritual abafado e obscuro. Hoje o Novo dicionário não ilustrado mostra o que de facto faz mover o povo, quem lhe serve de acólito ao juízo, quem lhe emprenha o discernimento. Uma dúzia de entraduchas entre o nº569 e o 580, ziguezagueando sobre o que faz levar as pessoas a decidir da sua vida.



Ideais – Cozinhado mal amanhado de conjunções verbais que no desrespeito pelo sujeito glorificam o predicado. As vírgulas acabam por atrapalhar muito porque obrigam a pausas para pensar. (tal como aqui no dicionário)



Sexto sentido – Quinta-essência do ocultismo fenomenologista, vagamente encontrado entre o olfacto e o cheiro, a meio caminho do odor, e que pode virar expectoração com o tempo



“Eu tenho um dedinho que adivinha” – Na falta de orifícios bem lubrificados, os apêndices manipulares acabam por se ver com funções para as quais não estavam preparados. Cuspir na pontinha pode ajudar quando a unha está a produzir demasiada electricidade estática.



O vizinho – Quando a verdade mora ao lado é sempre possível que possa vir acompanhada dum raminho de salsa em bónus



Um palavreado doce e amanteigado – Abanico que se revela mortal quando produz um formigueiro na nuca, mas que é mero adoçante quando só acompanha o café e afasta as moscas de turno.



Mitos – Rapaziada que construiu a sua imagem dentro duma salada virtual de sucessos, temperada pelo azeite dos media e pelo vinagre dos ódios de estimação. A cebola da vaidade garante a flatulência opcional.



Para onde se está virado – A noção de espaço é um drama da nossa condição, mas poucos serão os que gostam de dar o lombo e suas extremidades ao inimigo. A perspectiva é uma descoberta do baixo renascimento e pode perfeitamente estar ultrapassada. Picasso explica o resto.



Sexo – Quando os ardores humidificam as partes baixas, a evaporação entra-se-nos pelos miolos, e enquanto não espirramos parece que à nossa volta só há gás de nervos a indicar-nos o caminho.



O dinheiro – Quando o vento da fortuna é a brisa mais acolhedora, só temos de nos acautelar para não entrar areia nem para os olhos, nem para as virilhas. É que senão ainda o estoiramos todo com pingos e pomadinhas.



O medo – Designação erudita do vulgar cagaço. Causa rimas de belo efeito, e preenche o vazio dos inquéritos de rua fora da época do natal.



Ódio – Quando uma víscera se arvora em matéria-prima do cogitário, não há talha dourada que disfarce a rusticidade da sacristia, nem paramento que alivie os horrores da liturgia.



O patrão – Malvado que possui a verdade, mas que se faz pagar por ela antecipadamente e raramente tem troco. Segui-lo acaba por ser a garantia duma semana à inglesa, muitas vezes duma vida à francesa, e – agora mais raramente – dum padrinho à espanhola.
“Toni convidado para suceder a Jesus”

Título dum jornal referindo-se à possibilidade de mudança de treinador do V.Guimarães



A possibilidade de ser “Toni” é um estigma que pode perseguir qualquer mortal que tenha por nome António. Eu dissimulo muito, é verdade, mas por acaso chamo-me mesmo António. Tenho pois essa espada apontada à frágil imagem que incorporo, adocico e avalizo. Mas ai de quem!

Ora quando leio que um Toni pode substituir Jesus, há algo que “s’alevanta” na alma, e que me faz repensar toda a existência! Essa mera possibilidade de um Toni vir a representar a perpetuação da imagem redentora do Filho do carpinteiro deixa-me num êxtase semiótico sem paralelo. Muitos foram os nomes escolhidos, mas poucos os eleitos! Poder ser Toni é então hoje uma honra que se me encavalita e acocora de agradecimento. Todos os outros nomes que se ponham na bicha. Nunca uma corruptela virou mito. Nunca um diminutivo chegou tão próximo da divindade.



Confesso que não sei como é que este empolgante tema se enquadra nos dias de encruzilhada que vivemos. Confesso que nem sei porque é que perdi tempo a escrever estas inutilidades. Confesso que me estou a borrifar para o nome que me chamem (desde que não seja Toni, claro). Mas também confesso que não me estou a recordar de nenhuma poesia espanhola de relevo, de nenhuma explicação sobre a geometria política do terrorismo, de nenhum artolas para citar; hoje as perguntas vão ficar solteiras e os melros recolhidos no seu ninho.



Resta-me pois ser toni, e esperar pela minha vez de trotar quando os outros se cansarem das cortesias.

Só que eu apenas gosto de rodeo, nunca monto a sério. Assim estou sempre preparado para cair. Qual Toni.

«Bem aventurados os pobres de espírito». Mas não abusem dessa ventura, claro.



Ora se ninguém goza comigo, eu tenho de fazer pela vida.

Somos de seres de condição sequestrada, mas de espírito livre.

Siga a marinha.



Guterres y Zapatero, at the phone



Guti – É pá, tu nem sabes na alhada em que te meteste

Zapa – Eu se calhar vou mas é dizer já que isto está um pântano

Guti – Não, primeiro vê se há aí alguma pintura rupestre no meio duma barragem em construção, e isso entretém logo para dois meses.

Zapa – Olha disseram-me que para mostrar que não sou nada um líder fraco, o melhor é meter portagens nas auto-estradas todas

Guti – Ó filho, o povo agora quer é relaxar um bocado, não vês que estavam todos cansados de tanto frenesim. Manda a tropa para casa. Dá-lhes uma sopinha quentinha, uns cobertores de lã e conta-lhes aquelas histórias para crianças. O povo está muito carente. Aproveita.

Zapa – Mas olha que aqui o pessoal é um bocado bruto, não é como vocês.

Guti – Amansar o povo é a nossa vocação, pá!

Zapa – Só que isto aqui está um molho de brócolos!

Guti – Vocês aí não usam aquele esquema do tabu?

Zapa – Aqui o pessoal é pouco dado a bruxarias.

Guti – Não é isso. Finges que tudo está a ser tratado mas que não podes dizer nada!

Zapa – Então mas foi assim que o Rajoy se lixou?

Guti – Não! Tabu é uma coisa sagrada. Esconder é que é coisa de aldrabões.

Zapa – Ah então por isso é que vocês vão fazendo umas “danças com autobiografias” à volta da fogueira, depois uns “assistentes” vão dando uns gritinhos esquisitos, e no fim sangram uma galinha numa entrevista em directo.

Guti – Tu és espanhol mas não és parvo! Aqui o pessoal como não tem princesas, por isso temos de nos entreter uns aos outros!

Zapa - Estamos aqui com esta conversa de chacha e o assunto é sério...

Guti – Pois é, e tu ainda tens outro problema: não podes demitir ninguém porque ainda nem sequer começaste a nomear

Zapa – Ena pá ! Nem me tinha lembrado disso. Aqui agora já andam sete cães a um osso.

Guti – Belo osso que tu tens aí, sim senhora. O mais que eu te posso fazer é dispensar-te o Melícias.

Zapa – É pá, aqui os socialistas não podem ter amigos padres!

Guti – Então mas essa coisa da guerra civil já foi há que tempo!? Vocês aí levam tudo a peito, chiça.

Zapa – Olha lá, e tu o que é que vais fazer à tua vida?

Guti – Bem, ando indeciso...vocês não precisarão aí de...

Zapa – Calma, nós não estamos tão desesperados assim!

Guti – Vocês são um povo com deficit de diálogo, estão sufocados pelo drama das autonomias, vivem reféns do terrorismo internacional, enfeudaram-se à política do betão do ventríloquo de bigodinho, precisam de alguém que tenha uma visão transversal do mundo....

Zapa – É pá qual foi a desgraça que tiveram aí antes de te elegerem?

Guti – Repara, nós os portugueses somos um povo que sabe o que quer, age sempre de consciência livre e determinada, e não se deixa manobrar pelos obscuros jogos da política internacional

Zapa – O que é que estás a insinuar?

Guti – Eu só queria dizer que no nosso caso foi Nossa Senhora que me beijou na fronte, e mandou o Cavaco dar três voltas ao santuário de joelhos por causa do sofrimento que causou ao nosso povo

Zapa – E...

Guti – E agora o gajo já está outra vez na capelinha das Aparições e eu estou a coçar...a testa.

Zapa – É pá cala-te com isso, que eu estou mesmo à nora. E se agora começam a dizer que eu sou o primeiro líder eleito por sufrágio condicionado pelo terrorismo?

Guti – Andaste a beber cava marada. Começa a gastar o graveto que isso passa-te rápido.

Zapa – Olha que o Bush já me disse que se eu mandar vir os soldados, os gajos fazem boicote ao torrão de Alicante

Guti – Esse gajo é um piquinhas. Diz-lhe que os soldados vêm pró casamento do príncipe e que depois apanharam salmonelas no banquete.

Zapa – Isto aqui não é Marrocos pá!

Guti – Bem se tu dizes...

Gosto de mulheres de sorrisos esquisitos. Daqueles que parece que estão sempre a gozar connosco. De lábio “entaramelado”. Misturas da René Zellweger com a Frances Mc Dormand (se um tipo não vai avançando com os nomes dumas actrizes, ainda o tomam por tosco). São sorrisos um bocadinho ordinários, claro. Um bocadinho provocadores, claro. Um bocadinho negligé, claro. Um bocadinho distantes, claro. Mas são feios os sorrisos perfeitos. São feios os sorrisos que não deixam dúvidas. São feios os sorrisos puros. Mas isto é tudo treta. Verdade verdadinha é que o mundo olha para nós com o sorriso de uma mulher. Hoje o novo dicionário não ilustrado só pede ao mundo: “me saca um carinho vai”. ( entradas 558 a 568)



Sorriso assustado – Quando o mundo se espanta com o que fazem com ele, mas como não tem capacidade de reagir, encosta-se à fatalidade de não poder mudar de órbita quando lhe apetece. Desforra-se trocando sistematicamente a tonalidade do batôn ao pôr-do-sol.



Sorriso arregalado – Quando o mundo se delicia com o que fazem dele, mas está sempre à espera de mais, ou porque se tornou insaciável ou porque se habituou a um nível de vida dos diabos. Geralmente vêm acompanhados de um pestanejar suave que nos faz tombar a cabeça.



Sorriso terno – Quando o mundo nos quer acariciar, e nós muitas vezes andamos distraídos comendo apenas fruta da época e a queixarmo-nos da azia.



Sorriso desconfiado – Quando o mundo topa que temos a sonda a catrapiscar outra, e nós dizemos-lhe que só andamos a ver se descobrimos se ela tem água.



Sorriso traiçoeiro – Quando o mundo finge que nos acolhe e afaga, mas depois vem-se a saber que dorme elipticamente com uma corte de satélites invejosos que se usam mutuamente a seu bel-prazer



Sorriso pungente – Quando o mundo nos suplica para tomarmos conta dele porque já não tem mais ninguém em quem confiar, nem ninguém para lhe preparar o banho de espuma.



Sorriso assustador – Quando o mundo nos quer levar a fazer o que nós ainda nem sequer cogitamos, e se o suspeitássemos até preferíamos viver montados num cometa a comer só omeletes de cebola.



Sorriso indiferente – Quando, façamos o que fizermos, o mundo passa bem sem nós, e se lhe apetecer até muda a cor do cabelo sem avisar



Sorriso escondido – Quando o mundo se esconde no penteado dos dias, que assim vão passando despercebidos sob uma franja comprida de ilusões.



Sorriso matreiro – Quando o mundo sabe que nos vai enganar nas compras e desfruta da nossa ingenuidade peregrina



Sorriso de “piscar d’ olho “ – Ambiguidade das ambiguidades. A pálpebra do mundo nem sempre segue os instintos do coração dos homens.

“Paixão, Paixão

Não vais fugir de mim

Serás paixão até ao fim”
H. do M.



Confesso que desconhecia a existência de tantos cristólogos, tantos historiadores de fim-se-semana, tantos escriturólogos, tantos religiólogos, tantos sofrimentologistas,

tantos padres

tantos rabinos

tantos cinametófilos, tantos espeleologistas de catacumbas, tantos escafandristas de almas, tantos semitofílicos, tantas visões descomprometidas, tantos especialistas em aramaico

tantas almas sensíveis

tantas almas racionais

tantos descodificadores de fundamentalismos, tantos charadistas da palavra bíblica, tantas vocações para prato de balança, tantos reformadores da apologética

tantos indiferentes,

tantos arrepiados

tantos sacrificiolíticos, tantos marceneiros de evangelhos, tantos benzedores da simbologia cristã, tantos tarólogos da crucifixão e tantas “expressões porreiras” que eu desperdicei com esta orgia compulsiva de parvoíce. E confesso, eu até desconhecia que existisse tanta gente, mesmo só gente.

Cruzes. Ainda bem que eu comprei outra enfardadeira automática (mas agora comprei uma vertical que é mais maneirinha e mais em conta)



Isto bexiga apertada é bexiga controlada . E bexiga aliviada é bexiga desvairada. Um canal qualquer deve ligar este “saco d’água” à porra da “esponja cerebral”. Bolas, para que é que eu me fui levantar do sofá.

Só que “basic psychology is one of my routines” como diz o “exterminador implacável”, ou julgavam que eu estava a ver o quê?

Lição da nespereira.



Li noutro dia de forma “emparabolizada” um texto essencial. Mostra como a vida é um percurso de fronteira, de hesitação, de camuflagem e de precipitação. Lembra-me que o homem é um eterno contrabandista, que gosta de roçar-se entre territórios fugidios e de desenhar contornos com linhas imaginárias de transgressão.

Mas eu detesto pássaros. Detesto bateres de asa constantes. Detesto peitos em quilha. Detesto boquinhas afiadas. E gosto de negociatas de rua. Fugazes. Entre seres «malhados» e dissimulados. E gosto de minutos que valem uma vida inteira. Só que nunca “vi-vi” nenhum. Mas eu tenho apenas um olhar acessório. E viver é um olhar duplicado.

Cabrões



Mas esses cabrões que fizeram isto, a esta hora estarão a fazer o quê?

- será que também vêem televisão

- será que também levam os filhos à escola

- será que também lavam os dentes

- será que também lhes dói a barriga



Mas a mãe desses cabrões também abriu as pernas para eles saírem?

- será que era esperma o que se desmultiplicou em tamanho monstro

- será que era útero o que se distraiu em tamanha guarida

- será que era parteira o que sacou tamanho saco de morte

- será que era berço o que embalou tamanha fronha de horror



Mas esses cabrões que fizeram isto, a esta hora estarão a fazer o quê?

- será que os filhos deles vêem desenhos animados

- será que as filhas deles também têm namorados parvos

- será que também mastigam para comer

- será que a água que bebem também é líquida



Mas que falta de soluções leva um cabrão a tamanha falta de perguntas?

- será que não podiam apenas rasgar as declarações de impostos

- será que não lhes bastava mijarem num carro da polícia

- será que não lhes chegava cuspirem na cara dum príncipe

- será que não se consolavam apenas insultando a mãe de Deus



Mas que paternalismos ideológicos é que esses cabrões servem ?

- será que servem um ódio estratégico sem sequer terem tempo para odiar

- será que servem um furúnculo disfarçado de ideal

- será que servem o dinheiro disfarçado de raiva

- será que servem uma face que apenas se alimenta da escuridão



Ou será que são gente que apenas foi andando. Sem parar.



E ainda escandaliza e ofende o sangue espirrado e derramado por Cristo em trabalhos de redenção.

Relativizar é sobreviver. Aprendemos. Relativizar é morrer. Aprendemos outra vez. Relativizar será outra vez sobreviver. Não aprendemos afinal. O mal também é incompreensível. Mas existe. Relativamente escondido. Numa absoluta inevitabilidade? Detesto perguntas.
G. Steiner escreveu que a “esperança é a gramática”. De facto, por muito que nos custe, o ser humano precisa da condicional para se definir. A nossa esperança está mas é em apanhar os “ses” correctos.

O condicionário


Se não fossem as palavras eu preferia ser musgo

Se fosse musgo preferia ser artificial para não apodrecer

Se não fosse o anonimato eu apodrecia noutro

Se me repito é porque me acredito

Se eu me levar a sério sou bem levado

Se eu não fosse maçador maçava-me de verdade

Se Deus não for mesmo misericordioso eu bem posso “ tirar o cavalinho da chuva”

Se o mandamento de “Não invocar o nome de Deus em vão” é para levar à letra eu “estou feito num oito”.

Se fosse comida gostava de ser aperitivo para nunca saciar

Se eu gostasse de problemas detestava soluções

Se há gajos porreiros porque é que eu não posso ser um deles

Se eu não fosse inseguro conseguia viver pendurado

Se eu quisesse leitores deixava-me destas merdas e contava umas piadas

Se eu roesse as unhas hoje já não tinha mãos

Se estar em todo o lado é não estar em parte alguma, eu gostava de poder viver intermitente

Se eu acreditasse em tudo o que escrevo explodia

E como eu gostava de poder dizer como Montaigne que «A maior parte dos espíritos precisa de matéria de fora para se desentorpecer e exercitar; o meu dela antes precisa para se acalmar e repousar (...) pois o seu principal e mais laborioso estudo é o de si mesmo»
Somos seres de condição condicionada. Temos tendência a fugir do comboio fantasma da simplicidade. E acabamos o dia estragando o marfim a lamber algodão doce.

Quem tem medo de sentimentos fortes acaba muitas vezes encolhido no tupperware da conveniência, que muitas vezes ainda está enfiado no saco térmico do palavreado.

O novo dicionário não ilustrado leva hoje a alma humana outra vez a engomar antes do beberete. (entradas 548 a 557)



Agradecer - Estado de alma negligentemente mastigado pela convenção, mas sempre delicada e deliciosamente digerido pelo coração



Desculpar – A ruga que pode ser temporariamente disfarçada pelo vapor da sobranceria, só sai verdadeiramente quando os tecidos da alma são elásticos e em todos os sentidos.



Pedir desculpa – Situação em que o batalhão ou morre na praia do fingimento, ou passa pelas linhas do inimigo deixando-o impotente e boquiaberto.



Despedir-se – Acto de quem tem medo de estar presente e de quem tem coragem de estar ausente.



Oferecer – Acto que fica mal vincado quando é passado a ferro pela ambiguidade, mas que se liberta nos borrifos da sinceridade.



Receber – Situação inesperadamente dolorosa que só se explica pelo medo de que agradar possa ser anestesiante para quem agrada.



Desconfiar – Refúgio de incompetentes que sempre acocorados de medo acabam também enchendo o coração de varizes



Confiar – Luxo de alma campeã, que despreza o campeonato das 2ªs intenções



Descobrir – Quando se encontra alguém que nos leva a dobrar o Bojador, e que nos ameniza o cabo das tormentas



Perder – O puro acto condicionado. É que a posse é a madrinha de todos os vícios.

Olha, que se lixe



Ô femme dangereuse, ô séduisants climats!

Adorerai-je aussi ta neige et vos frimas,

Et saurai-je tirer de l’implacable hiver

Des plaisirs plus aigus que la glace et le fer?



Baudelaire, “Ciel Brouillé”.
Muitas textos - manhosos ou não - sucumbem àquela expressão “ um bocadinho datado...». O novo dicionário não ilustrado terá de passar por essa provação e hoje escolheu para mote o novo slogan da coligação “ Força Portugal “. Reconheço que me servi de “inspiração” num post do Barnabé. (mas como já escrevi aqui muitas vezes também não dou para esse peditório da originalidade)

Temos de dar uma última chance ao modelo administrativo-político da organização dos governos. Honra seja feita a Guterres que ainda quis dar um cheirinho de graça à coisa. Mas o pântano era mais forte. Agora todos os ministérios terão de se adaptar às novas mensagens mediáticas.

Hoje uma versão ligeirinha de fim-de-semana. Para compensar não haver o fandango da remodelação, fica aqui um corridinho com outro tipo de inutilidades. ( entradas 538 a 547)



Ministério do Ambiente – Deverá ser o verdadeiro motor da limpeza de vícios. Infelizmente o processo passa por filtragens e outras maçadas. Para a “Fossa Portugal” deverá ser o lema de todas purificações.



Ministério do Trabalho – Onde se deverá erradicar a tendência pouco virtuosa de nos encostarmos todos uns aos outros. Dar o corpinho ao manifesto será o objectivo do lema : Na “Fussanga Portugal”.



Ministério da Saúde – Somos todos muito doentinhos. Não aguentamos nada, e não há orçamento que resista a tanta “mariquice”. Andarmos com o pinguito no nariz nunca fez mal a ninguém, por isso o novo lema do ministério deverá ser “Funga Portugal



Ministério dos Transportes – Andamos sempre muito depressa. Chegamos ao fim das estradas num instante com estas velocidades excessivas. “Afrouxa Portugal” é a medida certa para podermos desfrutar do alcatrão em condições.



Ministério da Finanças – Aprender que muito se pode amanhar com uma boa cosmética facial. Limpa a “ Fuça Portugal” e depois logo se vê debaixo dos sovacos, conforme isto for cheirando. Para quê gastar logo tanta água.



Ministério da Economia – O produto de marca nacional é o novo must da saison. Descoberta a nova pólvora que encaixa em todo o cartucho, só se espera que lá fora não se veja escrito: “Fujam é de Portugal



Ministro da Justiça – Desde que o busto da república passou a ser a D. Mizé Morgado (só espero que não lhe ponham tanta sombra nas pálpebras) o único lema plausível é: para a “Forca Portugal”. Temos de mostrar o que é uma justiça exemplar.



Ministério da Defesa – No dia em que os coronéis forem mais que os magalas e não houver pessoal para desfilar nas paradas, não haverá outra maneira senão reclamar: Para a “Forma Portugal



Ministério dos Negócios Estrangeiros – Isto de nos termos de dar bem e agradar a todos obriga-nos a andar numa “ Fona Portugal”. Pelos menos façam-se cobrar bem pelos passaportes falsos, pois devem ser imensos os que se desunham para ser portugueses.



Ministério da Educação – Como parece que vamos de reforma em reforma até à analfabetizacão final, resta-nos fazer colecções com os cromos do que já fomos: A “Fóssil Portugal”. Bem, pelo menos que sejam autocolantes para não termos de cuspir no Camões.

Fantasia para dois sargentos e um tanque da roupa



Passaram já umas boas semanas sobre a onda laudatória em relação a uma “livro/literatura” que pretensamente seria uma lufada de ar fresco resgatadora da épica ironia nacional.



Ele era descobridor de caracteres, decifrador de tiques, desenganador de frágeis e ocos mitos, esparramando as debilidades do burgo.

Ele era revolucionário no discurso, rasgador da narrativa convencional, destilada na ordem dos novos “paradigmas romanescos”.

Ele era palavras recuperadas ao ritmo da formiga trabalhadora, verbo sempre fracturante e inimagináveis rotinas semânticas.



Desavergonhada e orgulhosa dos subsídios recebidos, tornou-se até a escrita funcionária mais chique. E a que melhor era lambida pela corte.



Frágil e passageiro consolo o que se baseia no artificialismo das meras técnicas de discurso diferentes, que são tão criativas como um molho de grelos num cocktail de camarão.

Frágil e passageiro consolo o que se baseia num passeio de palavras, como quem leva o caniche a mijar numa esquina diferente todos os dias e pensa que está a descobrir o mundo.

Frágil e passageiro consolo o que não vê que a mera ironia, mesmo atascada de sátira envernizada, não passa dum berbequim descartável refém das buchas de turno.



Quando as personagens trocam piropos com o leitor, ou se entretêm a prometer fama ao escritor, o livro passa a ser um bacanal “apanascado”.



Se um livro deu muito trabalho a fazer, tanto pior para quem o escreveu.

O trabalho não é para ser respeitado. É para ser explorado, pago e eventualmente repetido.



Mas não, não escrevi este texto só para dizer mal à toa, e encher de inúteis bits o servidor da blogger. Escrevi isto porque acho pena que nos deixemos ( todos ) levar pela ilusão do artifício laborioso e imaginativo que nos desfoca da intimidade do mundo e da nobreza da alma humana, trocando-os por um pires de tremoços armado em salmão fumado do Petrossian.



«Para vocês os Gogol nascem como cogumelos» como dizia Bielinsky a Nekrassov, quando este lhe apresentou o primeiro livro de Dostoievski ( “O pobre homem”). Só que aqui a história era outra.



Ah...e também quem não sabe aguentar uma piadita, na Torre de Babel punham-no a dormir no quarto dos fundos, e na arca de Noé só não lhe fariam parelha com o papa-formigas porque o estômago não aguentaria muito ácido.



Pronto, já passou. Siga a marinha. Até porque o número de leitores destas peçonhentas águas-mal-furtadas irá reduzir drasticamente a partir d’agora. Se é que isso ainda é algebricamente possível.
O Ben-Hur reciclado



A dialéctica da esquerda e da direita será sempre das melhores invenções do homem moderno. É penetrante como o laser e entranhante como o plástico em pré-injecção. Às vezes também um bocadinho robotizada é certo, mas a previsibilidade é igualmente a garantia do efeito.

Quando há uns dias me referi ao religare entre “esquerda vaidosa” e “direita reprimida” – que gerou perplexidades e difíceis digestões – queria dizer que a ligação entre estes dois “extremos” se constrói no “inconsciente” individual ( se um dia se provar que isso não existe eu devolvo o sinal em dobro). Todo a esquerda recalca ideias de direita, e toda a direita procura metonímias dos ideais de esquerda.

No entanto, este confronto parece que maça muito os espíritos mais sensíveis. E eu sou homem de arranjar soluções, não me arrasto na esterilidade. Proponho assim que a grande clivagem se vá situar num trapézio diferente e, aproveitando para matar mais um “coelho com a mesma calinada”, vou igualmente resolver o velho dilema entre os políticos “populistas” e os políticos “cientistas”.



Todos os políticos racionais e responsáveis, que vivem na ansiedade de nos deslindar a realidade, e que tanto sofrem por ver o povo palmilhando os caminhos traçados por homens de pouco escrúpulo e farta verborreia devem ter a seguinte oportunidade: Arranjar uma muleta de políticos populistas que possam ser por si instrumentalizados, e assim pô-los a babar as suas ideias e visões como bons instrumentos de sopro. Cada mestre em ciência política deveria ter agregado a si um autarca, um líder duma distrital, um participante em debates e um parlamentar inflamado. Seriam as quadrigas dos tempos modernos. Não mais as ideias vazias recheariam o discurso político. O relinchar populista seria agora guiado pela rédea do pensamento coerente. O olhar ignaro da populaça concentrar-se-ia nas ideias certas cavalgadas pelas donzelas de serviço.



Por outro lado, os políticos populistas, aqueles de quem as pessoas gostam, que delapidam corações, que sabem as boas anedotas, ou que estão inchados da chamada obra feita, também deveriam ter a oportunidade de se socorrer de cochichadores diplomados, de homens de saber farto, e de conciência serva dos bons valores. Cada popularucho-sufragado teria agregado a si um tradutor de clássicos gregos, um filósofo existencialista, um padre levemente progressista e um sociólogo weberiano. Teríamos uma quadriga também atrevida mas com um trote de epifania, discreto de aspecto, e recheado do melaço ideológico. Não mais o relinchar intelectual se abafaria num discurso de rédea parada, hermética e charadista. Os pavões agora exibiriam a sua cauda deslumbrante em forma de eminência parda.



A luta política concentrar-se-ia nas corridas entre os dois tipos de quadrigas. O povo estaria mais satisfeito porque tudo já tinha sido pensado para as corridinhas do fim-de-semana. Nada seria estéril. Toda a poeira levantada seria aproveitada para as construções na areia, e já não daria conjuntivites aos escandalizados e puros de turno

Daquele gajo que ganha notoriedade à conta do subtítulo deste blog:

«Olhando para o meu rebanho e vendo as minhas ideias,
Ou olhando para as minhas ideias e vendo o meu rebanho,
E sorrindo vagamente como quem não compreende o que se diz
E quer fingir que compreende.»
FP

A ideia de que os que detêm o poder «não podendo fazer o que queriam, fingiram querer o que podiam» com que Montaigne termina o seu ensaio “De la liberté de conscience” ( apesar do dito, segundo parece, não ser original dele ), leva-me para este conceito do fingimento de peito feito. O fingimento é um conceito rico, muito bem explorado no “estudo” das relações amorosas, mas não é para aqui que ele hoje me leva (aliás o Avatares nessa área não dá muita margem de manobra – é praticamente o Mourinho da eros-táctica) ver nota (1)
Hoje analisarei a eficácia do fingimento no exercício do poder. Ponho a conclusão logo no início que é para os que se especializaram a só ler posts curtos ainda apanharem qualquer coisa: Fingir já atrapalha um bocado.

Agora a seca.
O político só o é porque sabe fingir. Isto é o básico. Toda a gente concorda. E quanto mais aguenta mais se safa. Também elementar. É uma espécie de campeonato de “apneia da verdade”. Mas agora vem a fatalidade: Os que melhor fingem acabam corroídos pelo remorso, nunca chegam a descomprimir em condições quando chegam à tona, e a consciência vai coagular mais tarde ou mais cedo. Mas isto é apenas uma teoria. Nunca aconteceu.

O que sim aconteceu é que a percepção do fingimento por parte da gentalha miúda tem vindo a evoluir. E o esforço do dissimular tem vindo a afrouxar. Podemos chegar ao caricato de descortinar fingimento, onde o desgraçado do político-sufragado já apenas tentava agradar à mulher e aos filhos que estavam em casa “a ver o programa”. «Ó filho tu antes não eras assim» é uma frase que pode transtornar qualquer político quando chega a casa no fim do turno. Mas as mulheres dos políticos não lêem Pessoa, porque senão saberiam que o melhor para ele seria mesmo ir «repousar, alheio, do “seu” fingimento orgânico».

O marketing político vive também nesta encruzilhada. Vende o mesmo produto há muito tempo, vai trocando o embrulho, mas já lhe vão faltando ideias para o papel de fantasia. Os exemplos do slogan da coligação e dos cartazes do PS (aqueles com o Guterres encafuado num canto – acho que estão a mudar...) mostram que já nem compensa gastar dinheiro para manter as aparências. O povo começa a nem merecer que o enganem bem. Fingir começa a dar demasiado trabalho. O poder está possuído por um desprezo de imagem que só nos desrespeita. Queremos ser enganados mas com estilo. Queremos de facto que se esforcem em fingir que acreditam no que estão a fazer.

Fingir é trabalho de artesão. De quem molda os factos como o barro. Por amor de Deus não se percam nessas chinesices de plástico. Mantenham a dignidade, o mundo não é um tornedó, mas também escusam de o apresentar em forma de happy meal. O povo sabe que não tem acesso a uma verdade triunfante, mas pelo menos tem direito a uma mentira decente, bem amanhada e bem embrulhada.
Mas eu percebo, fingir já atrapalha um bocado quando é preciso fingir que se compreende o que se diz. E é bem mais difícil «fingir sem fingimento» como dizia “o do costume”.

Nota (1) O Dicionário do Diabo será eventualmente o Camacho, porque passa o tempo a olhar para a bancada. Não resisti, pronto.

E como borla, dado que não fiz nenhuma piadola com o Avelino de Canavesses ( volta Fátinha estás perdoada...) deixo mais esta:
«Pátria, quem te feriu e envenenou?
Quem, com suave e maligno fingimento
Teu coração suposto sossegou
Com abundante e inútil alimento? »


...mas este gajo também era um bocado pirrónico....
Dá-me a impressão que Deus é daqueles que não brinca em serviço. Mas também, diga-se de passagem, estou a vê-lo a dizer ao Abraão: « É pá naquela brincadeira com o teu miúdo e com o cordeiro, acho que fomos um bocadinho longe demais, e agora a coisa está a fugir-nos ao controlo...»

Tal como nos mercados financeiros que funcionam por antecipação, a Paixão este ano também andou cedo de mais a servir várias “causas” sem que o Cruxificado se tenha pronunciado. O novo dicionário não ilustrado temendo que na semana santa deste ano já se esteja a tratar dos santos populares decidiu avançar. Não sem antes se permitir ao arrojo – com um ligeiro “piquinho” a snobismo - de informar que quem até agora ainda não se pasmou a ouvir a Stabat Mater do Pergolesi ainda só viveu por aproximação.

( Entradas- pisando o risco da pura sinuosidade - 527 a 537)



Culpa – Milagre envergonhado da liberdade. Solteira – como se sabe – mas muito usada às escondidas. Em qualquer bordel perto (dentro ?) de si. ( e de mim claro, ok, tá bem)



Sofrimento – Condição necessária mas desgraçadamente não suficiente. Buraco negro nos silogismos da moda.



Expiação – A lavagem purificadora voltou a ser a tisana dos dias. Mas as esfregadelas devem ser só à superfície que é para não arranhar muito fundo. Onde não chegariam as pomadas para peles com “casca de laranja”.



Cruz – Um entroncamento de “fatalidades”, desenhada por profecias que não respeitaram prioridades, mas que também muitas vezes é evitado pelos engarrafamentos de “domingueiros” que só se sabem queixar dos buracos.



Perdão –Oportunidade dada ao jogador batoteiro, de fingir que a marca das cartas, afinal era o resultado de se ter esquecido delas no bolso das calças que foram na máquina de lavar roupa.



Remissão – Um sumiço que se dá ao veneno quando parecia que ele já estava a surfar pelas veias acima aproveitando a corrente dos dias. Quem não chegou a sentir o tal aperto no peito pode ficar a pensar que o mal era só uma picadela de melga.



Remição – Quando agora as malas com o nosso resgate trazem as notas marcadas de “egoísmo”, os novos raptores não se importam, e lá as vão contando ao som das valquírias; mas nós vamos roendo as unhas para ver se eles desistem de contar antes que comece a aparecer o papel de jornal.



Salvação – Conceito fornecido originalmente na sua forma hermética, mas com tendência para ficar lasso com o uso, e desenxabido no contacto com o ar dos dias. A conservação exige um esforço contínuo de refrigeração, que nem sempre se consegue porque as cuvettes já estão cheias de preconceitos



Escândalo – Quando a pedra estava no sapato apenas a incomodar o pessoal ia-se safando; evitava-se que ela saltasse para a nossa frente, e que acabássemos por tropeçar deixando à vista as partes baixas. Ver o que não se pensava possível é sinal de que a alma está a pedir reforma. Há por isso que ir “poupando” enquanto nos banhamos na indiferença.



Arrependimento – Quando a nobreza se apodera dum coração plebeu, há muitos escudeiros de turno que ficam incomodados, mas são tão valentes que acabam a usar a espada como varinha mágica para fazer batidos de fruta seca.



Abandono – O verdadeiro sentimento limite. Não há filosofia nem poesia que lhe dêem vazão. Quando nem nós nos acompanhamos a nós próprios, as grandes explicações sabem a fel, e o consolo só pode vir de onde menos se espera.





( Algumas destas palavras até já tiveram um ”tratamento” em entradas anteriores, mas as palavras também se vão lavando nas banheiras da ocasião; Se incomodar é só destapar o ralo. Se ficar sabonete por tirar não há problema porque com o tempo a pele absorve)



Mas também... «Quis est homo qui non fleret Matri Christi si videret in tanto supplicio»?



É pá porra tenho mesmo que ir desopilar um bocadinho....