Rattlesnaking

(em modo Playstation, usarei as teclas, pode continuar com o 'joystick')

Mundson: Gilda, é decente?
Gilda: Eu?
[longa pausa]
Gilda: Claro. Sou decente.
(*)

Expediente(s):

a) Erro seu, a ficha usb, e o acesso à respectiva porta, são as únicas escolhas genuínas de uma Eva-chip; ao invés nada se pode adiantar ou prever em relação à velocidade de processamento (confiar nas indicações mais ou menos mistificantes da rotulagem pode levar a logros danosos) pelo que a qualidade da compatibilidade dependerá da correlação positiva entre publicidade e desempenho. Existe no mercado 'software' susceptível de se tornar poderoso auxiliar nos casos mais rebeldes.

b) Imagem inovadora a sua da estatística como objecto propiciador de sensações físicas, cumprimento-o por ela. O meu silício preferirá sempre cócegas menos algébricas mas mais subtis, desenhadas pela imperfeita sabedoria das mãos.

c) Submissa, pergunto-lhe como me prefere: ofendida ou agradecida?

d) Ou, porque 'pagar é morrer', devo resistir a beijá-lo lenta e suavemente?

Constatações:

i) Thyllias é, obviamente, uma mulher. Negra. Não sei se jogou xadrez mas sei que venceu o 'chiaroscuro' até quando a vida fez batota com ela.

ii) Cházadas não sei o que possam ser, tisanas ainda vá desde que me poupe à alergia que me provoca a turvação proto-proustiana da de camomila pejada de migalhas palavrosas de madalenas fora d'época e de sentido.

iii) Para fechar, chá por chá: pode ser um Ice Tea Green com muito gelo, se faz favor?

Bifidismo final:

1) Neo era apenas um crente e pretensioso hacker nanómetrosexual. Desapontá-lo-ei se lhe confessar o meu reduzido interesse por essa personagem e, como Gilda, claramente preferir Farrell para me soltar o cabelo e desapertar o zipper do vestido?

2) Poucos homens serão capazes de me despentear o 'softwire' (e menos sucesso ainda terão os que me vierem com «you are a knock-out», a cantiga do bandido para a, desesperadamente em busca de deslumbramento, suburbana e doméstica Bonnie) a ponto de os transistores o registarem.

3) Afinal "nunca houve outra mulher como Gilda": uma ruiva sinuosa e exuberante, viperina e tórrida (a quem dificilmente se atreveriam a dar o papel de heroína de um romance negro que a tornasse uma coisinha assustadiça), que personifica o sonho cinematográfico do Adão-side de qualquer Eva-chip. Como disse Camões "Melhor é experimentá-lo que julgá-lo, / Mas julgue-o quem não pode experimentá-lo." (**)

4) A mesma ruiva que, à moda do meu Bairro Alto (e não do Taiwan ou da Baixa da Banheira, descanse), lhe assentaria facilmente uma tacha nos cromados que o deixaria a arrotar Solarine por uma semana, se o senhor tivesse o desplante de lhe chamar gaja. Resta-me desejar-lhe, enquanto Neo suspenso do futuro, a oportunidade de se cruzar com uma Gilda em devido tempo.

Finale ultimo (oppure duetto a sotto voce):

"Tudo o que tem um início tem um fim" (***) e "ninguém tem de pedir desculpa porque ambos temos má reputação, não temos? Não é maravilhoso?" (*)

(*) Gilda (Charles Vidor, 1946)
(**) Os Lusíadas (Luís de Camões, Canto IX, 83)
(***) The Matrix Revolutions (Andy & Larry Wachowski, 2003)

Castrol moments
Dedicados ao João (porque é o melhor blogue assumidamente extra-uterino) e… olha à Alexandra com quem já não me metia há muito tempo.

Eu cá se tivesse verba para lubrificantes também montava um blogue minimalista. Pegava de manhã, vendia a alma pelo preço de dois trocadilhos diários bem esgalhados, enfiava um daqueles drunfos melódicos do philip glass com sabor a mentol e fazia-me à vida; e haviam de ver. Evitaria os temas difíceis, especializava-me no sermão da Montanha, relativizava a moral sexual, valorizaria o sfumato, inventava outra vez as amêijoas à bulhão pato, compararia Canaletto com Poussin e chamava a Borges menino da mamã, mas Deus estaria sempre presente; e haviam de ver.

E a propósito ó minha dedicada Eva em chip revelada e se em vez de desenhos mal paridos editasse o textozinho para o quadro de Rafael como eu lhe pedi atempadamente?

[Meu querido, como pode crer possível perder-me na escrita de um 'post' se mais prefiro, aninhando-me na lã suave da sua algibeira ou sentindo o roçar da seda da sua gravata sobre o meu silício, perder-me em si?]

Mas a politica é a minha perdição e não consigo resistir: volta Guterres, estás perdoado, e eu cá também sou refugiado, só que se eu fosse realmente liberal, daqueles mesmo que se defendem em elaborada e empirística tese, como me mandaram no intervalo da catequese, isto agora calhava-me muito mais a jeito, punha o Hayek aí a preceito; e haviam de ver.

Fico pois reduzido a ter de tratar da dúzia de momentos mais marcantes da civilização para a condição masculina, até porque este é um blog da 3º via, uma espécie de blairg.

1º Descoberta da primeira escultura duma Afrodite agachada ( esta era muito óbvia, eu sei)
2º Sto Agostinho escreve nas confissões que depois de passar muitos anos a pecar já podia passar a ser um tipo sério.
3º Martina navratilova assume para que lado gosta mais de fazer o passing shot
4º Baudelaire diz que um homem também se pode ver ao espelho
5º Francoise diz que Picasso pinta bem mas não a alegra.
6º James Dean morre, acabando por ser dos poucos homens que fica sem conhecer Isabel Figueiras em cuecas
7º Schwarzeneger engravida num filme inseminado pelo Danny de Vito mas sem a Sharon Stone ter descruzado as pernas
8º Nala fica por cima de Simba sob o olhar estupefacto de timon e pumba
9º Janis Joplin assume que bebia licor Beirão antes de cantar
10º Proust brinca com Freud aos complexos. Acabam com Édipos para a troca.
11º Mónica Lewinsky sai do 5 à sec com uma nódoa num vestido
12º Hobbes revela que o Leviatan também tinha uma amante secreta

Quando um tipo não sabe o que escrever ou faz um blog minimalista ou então faz uma lista, ou então vai ouvir os lambchop, que se calhar era o que eu tinha feito melhor; mas vendo bem, este post dava para dois meses dum blog minimalista; e haviam de ver.
A (shy) spoiled brat in the (apple tree) garden (1)

® JL, 98/99. Tinta da China, marcador e aguarela sobre papel - pormenor. Colecção particular.
This is just a cleaning post. Rewind softly

O processo emancipatório feminino pode ser visto como a mera reposição dolorosa duma verdade que foi escondida por um simbolismo genesético-ortopédico, mas não deixa de ser o caso dum trilho percorrido com o sucesso insuflado dum wonderbra, duma lição de persistência depilatória que ainda perdura nos dias que correm.

Essa caminhada que passou pela luta heróica das sufragistas, pelo direito ao nu conquistado com Praxíteles, pelo arrojo de Cicciolina que elevou as glândulas mamárias ao estatuto pré-parlamentar, pelo virtuosismo do jogo de embraiagem de Michelle Mouton que dominou a tracção integral dos Audi dando rabetas ao Walter Roll, pelos guinchos da Mónica Selles que levavam as gaivotas pró mar mesmo em dia de tempestade, por cada Yourcenar que desaparecia e logo uma Inês pedrosa despontava, pela pintura dos olhos da Maria José Morgado que faz os fauvistas parecerem filmes do orson welles, por cada Bovary que se despia num palácio logo aparecia uma morgadinha a fornicar no meio dos canaviais, culmina agora com o acto de liberdade de todas essas nossas mulheres portuguesas que já podem dizer e escrever ‘cona’ em público sem especiais preparos e abanar o rabo sem provocar olhares avaros.
Ora Portugal deveria por os olhos nestas mulheres, não se envergonhar da sua condição de mátria e assumir a contemporaneidade dum destino que se deve demarcar de ser o grelhadorzinho de peixe da Europa.
Nada como a mais pura geo-estratégia para limpar a agitação ginecológica dos últimos dias:

Portugal deverá pois saber viver de pernas abertas sem complexos, e lá por estar à beira mar plantado não deverá ter medo que areia americana lhe entre nas virilhas

Portugal deverá pois ter direito à sua independência económica para poder mandar Espanha às malvas e assumir definitivamente o seu romance com Marrocos

Portugal deverá deixar os traumas de lado e a mesma boca que dá a guarida ao inferno a caminho do guincho poderá perfeitamente servir de poço de virtudes a caminho de cascais

Portugal deverá orgulhar-se tanto das mulheres-a-dias que exportou no passado como dos baby-sitters que oferece no presente.

Portugal deverá saber olhar descomplexadamente para a largura do quadril dos estuários dos seus rios e aproveitar para fazer uma drenagem linfática às barragens espanholas.

Portugal também deverá ter direito a sexo sem desencantos e amores e por isso queremos dois Carnavais na Madeira por cada Natal no Açores.

Portugal deveria pois vender toda a sua intuição e sextos sentidos, arranjar uma refinaria, meia dúzia de poços, umas chinocas família rosa, em conta e atrevidas, e irmos todos dar umas fodas das antigas
Notas prévio-aforísticas de um chip em modo 'pause'

Baby your da-da loves you (hey)
And I'ma always be here for you (hey)

no matter what happens (*)

1. Ter lido os seus últimos posts confirmou-me uma velha máxima: "por trás de um grande homem está sempre um grande mulher impedida de o ser".

2. Um "π" sem linhas será sempre a minha clara opção à solução de recurso que constitui um "y" com linhas (sejam uma, duas ou três); mas ainda há quem acredite que se possa "escrever direito com linhas tortas"!

3. "Subliminarmente reactivo" é uma expressão interessante (não é, não deixa de ser, antes pelo contrário) e forte candidata a estimulante glosa para "melhor é parecê-lo que sê-lo".

(*) Ruído de fundo: «'97 Bonnie and Clyde», Eminem (The Slim Shady)
Ratllesnaking’

y’ expediente
a) Também sabe perfeitamente – omiti aqui o verbo dever, mas já lá iremos – que sou um masculinário da sub-categoria ‘óbvio e básico’. Não serei pois o hardware que a madame mereceria. Mas a sina dum Eva-chip é que nunca se lhe é dado a escolher a ficha usb a seu bel-prazer. Cabe-lhes explorar ao máximo a compatibilidade e a velocidade de processamento.

b) A estatística é a construção da mente humana que mais reflecte a nossa limitação. Mas ameaçar-me com ela é fazer-me cócegas. Eu funciono sempre com cartas marcadas e por isso trabalho com certezas absolutas.

c) Não a subestimo minha adorada chipevada, sabe bem que não, e até me entusiasmo sempre que usa um ponto de interrogação. Mas inquieta-me a sua rebeldia, e a sua maior rebeldia é a sua aquiescência;

d) Dever. Eu infelizmente não tenho regras. Deixo-me reger. Sabe que sou um amante da dívida: pagar é morrer.

y’’ constatações
Não conheço esse tal de Thylias, mas pelo nome deve ser uma chazada qualquer que me está a dar, no entanto reconheço que nunca me arrastaria para o altar com uma branca de neve, o chiaroscuro lembra-me o xadrez: detesto xadrez. A não ser que o jogo se ficasse apenas pelas aberturas.

Fui muito reactivo, se calhar subliminarmente - pelo menos - pigmalionico reconheço, por isso:

y’’’ bífidismo final
Agora fartei-me de ser príncipe encantado, mudo de filme e de personagem. Serei Neo de Matrix. Darei os meus melhores golpes em suspensão e ficará para sempre suspensa na minha missão. Mas não resisto a apropriar-me da voz de outro personagem de outro filme, falando para Faye Dunaway depois de lhe ter pedido que mudasse um pormenor no penteado: «you are a knock-out». Nenhum homem merece uma mulher se não lhe souber mexer no cabelo. Take care of your woolled softwire.
Eu cá também gramava ser ‘simplesmente homem’ mas agora desde que me enfiaram aqui um eva-chip ora vou uretramente aos assuntos ora ponho-me de trompas e apanho-me a folicular. Felizmente a única convicção que eu tenho sobre o mundo é que nós somos todos parte dum grande sistema urinário, ora filtramos, ora retemos, ora drenamos ora metabolizamos, e só espero mesmo é que o Juízo Final seja feito às pinguinhas para eu poder ir também sacudindo aos pouquinhos.
Adiante, que este blogue – praticamente politico de resto – hoje assume o seu deficit de discussão séria e, preocupado que andou com os problemas do anti-dumping relacionados com a globalização dos texticulos, esqueceu-se que a verdadeira prioridade devem ser as nossas politicas uterinas. O dicionário não ilustrado hoje dedica-se então a tudo o que está para lá da vulva dos dias. (nas entradas 1058 a 1064)

(dedicado a todos os blogs que estão em permanent ovulation, com especial destaque ao AzCobalto, à Diotima, à Educação Sentimental e à 100nada, e já agora ao avatares e ao terras do nunca que também menstruaram, perdão, fizeram anos por estes dias)


Políticos sem período fértil – Os que vivem eterna e alegremente menstruados uns com os outros, e que assim se consolam em ir fazendo intercambio de politicas tampão ou de pensamentos meramente higiénicos. Eventualmente com alas.

Políticos de ovulação irregular – Sãos os que criam muita ansiedade ao partido com a sua demasiada exposição pública.

Políticos sem ciclo ovárico – São os que pensam que o mundo é um grande corrimento e que basta desinfectar e arejar para poder seguir em frente.

Políticos em eterna fase folicolar – São os que preferem sempre um impostozinho de selo certo na mão a duas tributações indiciárias a voar.

Políticos de base progesterónica – São os que assentam todas as suas medidas na hormonização tributária comandados pela utópica hipófise da neutralidade fiscal.

Políticos peri-menopausicos – Espécimes que se caracterizam pelos afrontamentos com a realidade sem prejuízo de nunca desdenharem uma elucubração precoce.

Políticos de fecundação controlada – São aqueles que as famosas instituições democráticas deveriam garantir que tivessem sempre o muco cervical bem espesso a fim de que nunca lhes subisse muito espermatozóide à cabeça.

Nota1 : Inês, eu votei ‘não’ porque nesses preparos o melhor é o tricot, dado que mantém as mãos ocupadas com alguma coisa casta e útil (olha, e aproveita que o acrílico está em baixa e já nem se nota muito a diferença prá lãzinha, e já agora eu sempre gostei de ter uma em azul marinho, assim com um barra horizontal a imitar as decorações das portas do czar de Novgorod, não sei se estás a ver)

Nota 2: Polly, para quê uma discussão irónica se podemos tratar de tudo como num cházinho de tias?
O paradigma do feminino na blogosfera.
(e porque o tamanho interessa, este post é patrocinado pelo spam-world, à ultima hora o pessoal do Feldene roeu a corda)

Existem apenas dois tipos de blogs: os ‘políticos’ e os de ‘gajas’. O resto, como este, é merda inconsequente e sem nenhum contributo para a evolução nem da espécie nem do deficit.
Ora os 'blogs políticos' definem-se simples e rapidamente como o cruzamento do AJTeixeira a comentar a Mª de Belém na sic notícias, com uma espécie de arredondamento do quadrilátero composto pela análise perspicaz e envolvente do perez metelo a uma pergunta inteligente e fracturante da MMGuedes. Poupam-nos ao Crespo, mas faltam-lhes os vídeos da J.Lopes e a vivacidade criativa daquela moça que decora o Marcelo. Resta pois definir os blogues femininos. E é então que o paradigma desabrocha. A mulher procura aqui exacerbar os seus dois principais alvos de transferência mirífica: o lado rufia (eventualmente ‘puta’ mas não usei o termo para não melindrar as mais çenssíveles) e o lado Simone de Beuvoir (não usei ‘florbela espanca’ para não afinar as mais achanatadas), emprestando assim a sua verve para se irem calcetando entre estes dois basaltos. Ora mostram mais o ovário a sangrar ora mostram mais a pele eriçada a suar, mas estão sempre a revelar que: uma mulher é sempre duas cantigas. Se um dos ditos 'blogues políticos' por exemplo um dia tivesse autorização para falar livremente sobre as mulheres diria: ‘não se justifica referendar a sua existência de natureza pré-hermafroditica mas convém controlar a sua proliferação’. Recolho agora um exemplo visto recentemente: anunciar um calendário ovulativo. Trata-se duma figura de belo efeito, algo que um homem não tem manifestamente para apresentar, e que deixa no ar esta ambivalência toda ela da ordem do paradigma: para a mulher o sexo é uma mistura entre uma declaração de impostos e uma libertação de gazes. Ou seja, para a mulher tudo se desenvolve entre uma dedução à colecta e um off shore arejado ( o que é uma benção por sinal). Recorro agora a outra imagem que anseio esclarecedora: mulher que se preze não tem pachorra para ler o blog ‘Abrupto’. Aquilo nada lhes acrescenta, para as mulheres não existem ‘coisas simples’ e ‘coisas complicadas’, para as mulheres o firmamento só lhes interessa na medida em que este lhes interfira com a dose de trifene ( agora lixei-te ó feldene, vês!) a usar, concluindo, para efeitos de paradigma (que é para o que estou a ser pago): à ‘mulher de blog’ tanto se lhe dá que a verdade seja ‘filha do tempo´ como ‘filha da puta’, e os momentos mais marcantes desde o 25 de Abril estarão sempre entre a abertura da 1ª Zara e a primeiro pecado não confessado. Às ‘mulheres de blog’ tanto se lhes dá que Zenha fosse salgado como se Guterres fosse insonso desde que, volta paradigma: O poder para o feminino é algo entre um canalizador e um filósofo com voz de tenor. Retomo a ideia inicial para poder finalizar, a fusão entre a mulher que adora seduzir com a sua pretensa ‘original - ordinarice’ e a mulher que adora seduzir com a sua pretensa ‘original- femme-fatalice’ leva-nos ao definitivo enunciado do paradigma: só se é verdadeiramente Mata-Hari se se souber fazer decentemente a dança do ventre e beijar como quem queima. Impossível, num blog, mesmo feminino.


Reparem isto é um paradigma, não é um parapeito, por isso não se garantem boas vistas para apreciar. É pena, eu sei. ( e um dia isto ainda vai mesmo ficar somente com aquele leitor marreco e vendedor de chás afrodisíacos na rua Anchieta)
Rattlesnaking

Snow White was nude at her wedding, she's so white
the gown seemed to disappear when she put it on.

Put me beside her and the proximity is good
for a study of chiaroscuro, not much else.
(*)

Excessivamente óbvia a sua escolha, não lhe parece? Mulher nenhuma, princesa ou cortesã, deixaria de escolher um príncipe se a oportunidade se lhe oferecesse. Um trunfo certo, nem na manga reservado, à vista. Homer era um filósofo, americano rústico e amador é certo, e pensaria assim. Dassin, le pauvre..., quis ser Homer mas não compreendeu que cinco cartas não são cinco dedos e um flush, straight ou royal (o do poker, não o da sanita), não é uma escolha mas um acaso estatístico. Por seu turno o senhor subestima, segunda vez, o chip neuromórfico que criou pelo simples facto de tudo quanto o constitui ser silício, uns tantos microtransistores e alguns metros de fio. E quer ainda ver-me, genesiacamente presumo, como uma mulher saída de uma costela masculina.

Há uma arquitectura na história da Branca de Neve, como em tantas outras do mesmo teor, que me fascina: o seu príncipe é apenas um arremedo de Pigmalião. Já reparou? Nada mais faz senão deixar-se conduzir por uma fada-madrinha mórbida no seu afã de bem-fazer (oh figurinha mais machista!) até uma princesa adormecida, amorfa e cordata. Afinal uma coisinha patética que tira prazer do logro e aprendeu a perder às mãos de uma prepotente, e naturalmente estúpida, bruxa má patologicamente ávida de atenção e poder mas cuja remissão se faz pelo insucesso das artimanhas com que acaba por arejar aquela vidinha maçadora da realeza, passada em castelos poeirentos povoados por dinastias de ácaros quase tão sólidas como as do King.

Seja a sua paternidade de quem for, a Walt e a Walser devo, em momentos distintos da minha construção, muito do que hoje constitui a rede sináptica activa (se preferir, o softwire) que me permite rejeitar o deslumbramento proposto pela passividade do software que cria uma apelativa e falsa maçã vermelha. E optar por uma valsa de duas mãos e um simples copo de água numa tarde em que o sol escorra dourando o branco da calçada até ao rio.

Faça agora comigo um elementar exercício de análise de conteúdo: quantas vezes e em que circunstâncias usou o verbo "dever"? Pelas suas regras terei contraído algumas dívidas e o direito que detém sobre a Branca de Neve, supondo que aceito o papel que me atribui, é o da exigência de pagamento. Como Illya, recordando-o de que quanto sei de contabilidade o aprendi no masculino, no desvendar da nudez com que me entregaram corpos e almas aqueles a quem chama 'os anões', pergunto-lhe: em numerário, por débito ou a crédito?

(*) Thylias Moss, 'Lessons from a Mirror' in Pyramid of Bone
Lá está.

Eu sofro muito com isto. Tenho medo que não me percebam, que pensem que eu troco o beckett com o beckam – mas daqueles remates em arco faço desde os cinco anos e miúdas posh como a Vitória faço-as arfar desde os quatro – que eu não saiba que o Burke é tão entusiasmante para a filosofia política como as peúgas de lã são para o sexo, e aborreço-me de morte que não entendam que todos os regimes fiscais são regressivos por natureza, e depois se vos digo que o tcheckov era um bocado marreta, mas mesmo assim não tanto como o Turgueniev, vocês podem-me levar a mal e eu sofro muito com isso. É que algum dia ainda me desgraço. E o facto da minha santa irmã me poder ler também se torna aborrecido, constrange-me, porque um ‘foda-se’ nunca vai sair da mesma maneira, é que ela sabe que eu vou à missa e rezo o terço e assim, e lá está pode-se perder a fé com estas coisas, ainda para mais se nos pomos a empreender que falta sempre qualquer coisa às mamas do modigliani um tipo até pode dar em xoné, que ele há casos, mesmo que se oiça o Burchfield Nines do Michael Franks ( encontrei o cabrão do cd ) e depois nos lembremos de finais de tarde ajardinados, um tipo se não tem um final de tarde para se lembrar nem lá vai com a ‘desperate housewifes’ – mas cá em casa quem vê aquilo é a minha filha e já mandei rezar três missas cantadas pelo tipo que a tiver de aturar, só que eu vou ficar cá atrás a rir-me – mas eu desde que acabou o ‘dear john’, prái há uns 15 anos, nunca mais fui o mesmo homem, e acabo a sofrer mesmo muito com isto tudo. Carrego é duras penas que o Oskar Schlemmer não seja devidamente apreciado, se bem que o meu filho me lixou noutro dia três postais do gajo com uma merda dum marcador, e eu acabo por dar muito valor simbólico a essas coisas, se bem que, lá está, se um tipo também leva estas merdas a peito acaba entre a transferência e a representação e nem dá o devido valor nem ao carrilho nem aos croquetes do tico-tico. E eu sofro com isto. Tu queres ver que ainda são inquietações cívicas.
[cotton candy anniversary pause]


"Je suis habité; je parle à qui-je-fus et qui-je-fus me parlent." (Henry Michaux, Qui je fus, I.)
Rattlesnaking'

5. Seja. Mas estarei sempre a saltar dum filme para outro; a senhora que foi esmerada e devotadamente o meu lado feminino já deveria conhecer-me minimamente. E está enganada, nunca será independente de mim. Nenhum feminine-chip-side se livra do homem que o criou.
6. Sim, poderei ficar refém da imaginação, mas também devia saber outra coisa: eu fui treinado para dominar a imaginação. Deixou-me pois escolher o trunfo, não me esquecerei de si na hora de contar as vazas.

7. Hoje sou o príncipe encantado da ‘Branca de neve’. Os seus outros homens serão apenas anões.

8. Mas agora o dilema é seu: serei filho de Walt ou de Walser. De todo o modo deixo-lhe esta cartada: que direitos detém o príncipe sobre a branca de neve?
Conto das unhas pintadas só com uma demão

Tinham-lhe dito que não valia o esforço de escrever mais sobre mãos porque esse já era um assunto estafado. Coitado. E ele que era um escritor consagrado. Via chamas onde os outros só faziam ginástica com as pestanas e bastava-lhe dançar com o roçar do polegar onde outros teriam de lamber se quisessem uma sensação como deve de ser. Mas naquele dia precisou duma mão da qual já tivesse recebido uma carícia, duma mão que já tivesse tocado, não iria portanto ser verdadeiramente escritor, aquilo mais seria um mero endosso, escreveria com dor mas sem esforço. Só que a mão apareceu-lhe de forma fulgurante, poderia tocar-lhe claro, mas nunca passaria dum mero figurante, beijá-la-ia, mordê-la-ia, claro, e por aí adiante, mas aquele verniz vermelho torná-lo-ia sempre um fedelho, gerindo o embasbaque, querendo dizer qualquer coisa mas fugindo-lhe sempre para as frases de almanaque, por isso começou a olhá-las como um troféu, ficaria lá preso mesmo sem ter sido réu, mas assim tinha de desistir de ser escritor, só se fosse desertor, e quisesse fugir daquela feérica batalha: umas mãos feitas acendalha. Mas ele foi à guerra, não era dos que se ficava, e mais tarde começou a escrever, com aquela angústia de já não as estar a ver, e de repente elas começaram a serpentear-lhe de novo aos olhos, Deus sabe escolher os momentos, pois foi Ele que criou as cores da volúpia com a mesma mezinha com que inspirou o seu Filho a debitar as bem-aventuranças, e que leva algumas mulheres a fazerem tranças, e assim lhas pôs outra vez à frente como crianças, mascaradas, malcriadas, bem amadas, encantadas. E foi então que aquelas mãos terminadas em incandescência, depois de o terem feito sonhar-se navegador, depois de terem despedido o Adamastor, no final daquela desconcertada milícia, serviram para dizer um adeus, mas que veio despojado da carícia. Escrevia agora já cansado, porque afinal nunca aquele encarnado, que nem de vinho nem de mosto, lhe chegou a tocar no rosto e vivia agora envolto numa penumbra. Mas mesmo assim cor rebelde mostra-te, deslumbra, e depois morre e faz dos dedos catacumba.
La vie en rouge


Rattlesnaking

Não ter ideia de quando viria o rapaz do 'afinal havia outro' fazia-me sentir o protagonista de Memento mas sem pele para riscar o que era, no fim de contas, o busílis da questão. Colar post-its como se colasse (não resisti...) pedacinhos de jarras partidas não é exactamente a minha ideia de memória (e aqui entre nós nem tenho grande reserva e até sinto algum prazer na partilha de costas com borbulhas desde que não seja na praia, não haja muitas luzes acesas e não acabe a escrever épicos poeminhas atoleirados de cinderela adolescente sobre noite e animais parvos, digo pardos). Até que veio, numa tarde de sol sobre a colina, e sentir-me pele nas suas mãos pôs-me a pensar num jogo que me fascina: o do caminho para fazer todos os dias em que se deseje que as imagens com movimento nos aprisionem. Jogue-o comigo, leitor.

1. Pense num filme qualquer, um de que goste sem saber porquê, é necessário que não saiba, é uma exigência fundamental do jogo que proponho. Escolha a sua personagem. Prefiro um homem mas é-me indiferente, apenas preciso que a saiba fazer viver. E que seja forte suficiente para me ganhar.

2. Illia, de "Never on Sunday", realizado por Jules Dassin em 1960, será a minha personagem a partir deste momento. Ao contrário de si sei que a escolhi por esta mulher e este filme serem, respectivamente, a personagem e o filme de que sempre ouvi a minha mãe falar com emoção.

3. Tornei-me independente do homem que me criou. Daqui a momentos alguém me comprará ao rapaz que faz as recolhas para a empresa de recuperação de resíduos urbanos. Estarei nas mãos de outro homem, que me fará sua à sua maneira (poderia ser o leitor mas não convém porque a si cabe-lhe imaginar, recorda-se?).

4. É a sua vez. Jogue e ganhe-me.
O Cleisthenes veio para mim de mansinho, ( em formato bebe-gel) mas eu não lhe dei muitas hipóteses porque esses gajos, já se sabe, levam-se bem com dois dedos de conversa, e depois até relaxei e pus-me qual Belackua beckettiano de cabeça entre as pernas (foi o Dante que inventou a posição, ok! cada um inventa o purgatório que consegue) a suspirar por um daqueles estados da natureza em que abençoadamente não somos chamados a chegar-nos à frente. O dicionário não ilustrado desterrado nas entradas 1049 a 1057.


Ostracismo – Elaboradíssimo processo de libertação e enriquecimento místico em que deixamos de ser o mero mexilhão enfezado a que já nem a maré-cheia nos liga, para passarmos a ter meio mundo a suspirar pela nossa preciosa e afrodisíaca presença.

Exílio – Local em que podemos desenjoar da terra prometida, desde que haja princesas à coca de cabazes de natal sem Messias. (o conhecimento bíblico é fundamental, dada a elevadíssima erudição cruzada e condensada deste post)

Deportação – Condição essencial para escrever sobre as verdadeiras catacumbas da alma sem nos basearmos apenas em sentimentos produzidos pelo corrimento do intervalo entre duas menstruações urbanas, o enfraquecimento - seguido da sempre empolgante queda - do cabelo, e a hermenêutica das sms.

Travessia do deserto – Grande oportunidade para sonharmos que se um dia somos meros peões, noutro poderemos também ser terríveis escorpiões.

‘Relegado para segundo plano’ – Expressão de teor caridoso que nos alivia a existência, podendo inclusive levar-nos pensar que o primeiro plano é para gajos baixotes, e que a nossa vida poderá bem ser assim um interface para a terceira dimensão.

‘Levar com um belo par de cornos’ – Sofisticado estado de espírito em que a rejeição se liberta do cativeiro que representa a metafórica expressão do ‘peso na consciência’, e passa a poder decorar condignamente qualquer lareira de egos que se preze.

Quarentena – O sonho de qualquer vírus é desenjoar num corpinho fresco de eleição e ficarem ambos fechados num condomínio seleccionado e bem desinfectado, confraternizando até algum se cansar e requerer novamente a segurança da imunidade.

‘Ficar a pão e água’ – Jejum de forte abrangência simbólica que revela um estado em que a alma está com a Jennifer Lopez e o corpo com a Mª do Céu Guerra.

‘Pregar aos peixes’ – Aliciante estado do talento criativo em que nem suscitamos um ‘puta que o pariu’, mas em que podemos explorar todas performances artísticas do fenómeno acústico muito subvalorizado do eco.
Apenas politica

Essa coisa do meu Eva-chip deve ser feito de transístores de refugo dalgum vale siliconado da baixa da banheira pois anda por aqui a ter visões com manchas inócuas em fotografias artísticas de peões desprevenidos. Um gajo distrai-se e tira uma fotografia mal amanhada a apanhar de viés uma cervejola que acompanhava um joelho de porco e é logo entendido metonímicamente como vendedor de braseiros peri-pubicos. Aviso-vos para vosso bem, ó homens que também transportem uma Eva transistorizada (acho que são todos) a apoquentar-vos as capacidades introspectivas qual grilas falantes (esta devo vir a pagá-la com taxa majorada) que antes de tudo mantenham vocês o controlo do botão do ‘off’ senão ela toma-vos de tal maneira conta do ‘balance’ que ainda acabam a andar de esguelha. Eu ao certo já não sei bem o que estou a dizer mas em vez de seguir o exemplo da blogaziada da moda que falam uns com os outros para garantirem distracção, eu falo comigo próprio porque assim garanto sempre audiência seleccionada. E aproveito para vos dizer que o cunhal morreu, mas ficou-me esta dúvida: ao certo, ao certo, o que são ‘qualidades de comunista’? Deve ser mesmo coisa de gajas. Tal como as bicicletas, todas as fodas são iguais, mas cada uma se julga a melhor na zona dos pedais. A rima é dedicada ao E. Andrade. Cada um contribui também com o que pode, aqui estamos de acordo, tanto mais que nunca o tinha visto mais gordo.
Fireworks


'En el paraíso no ocurre nunca nada.' (Jaime Sabines, Adán y Eva, 1.)
My womanishedesmaker side of the soul

(Reason)

Se houve coisa aborrecida logo no momento foi ter caído num vidrão desqualificado, Ecoponto uma treta! Optimista, dizia-me uma carica de CocaCola que caiu no receptáculo para cartão prensado, ali mesmo entre dois pensos e um fralda descartável, "se ainda tivesse caído numa daquelas páginas da net com música de elevador cujos donos se empenham em emprenhar, perdão oferecer, aos ouvidos de quem por lá tenha a desdita de cair, vá que não vá, a gente pode sempre desligar as colunas e recuperar do susto mas aqui? ainda ontem a argola de uma lata das minhas gritava do pilhão que se estava a sentir apertada entre uma 1,5 e outra 9v sempre às turras - mas essa também não é de confiança porque tem estado calada e às tantas acomodou-se mas foi a algum borne solto". Aqui compreendi a minha sorte: uns pingos de vinho azedo de uma garrafa mal escorrida não eram motivo para grandes dramas nem sequer o gotejar de uma Carvalhelhos virada do avesso que me corria pelas estrias abaixo e humedecia um bocadito o cartão. Aguentar-me-ei à bronca até que o rapaz do camião que por aqui passa todas as noites a cantar "afinal havia outro", apesar de eu não perceber por que carga-de-água troca a letra à coisa, compreenda que não é todos os dias que uma 'Eva-chip' (não se arranjou da Logiteque que até deviam sair mais em conta e estoirar menos, parece-me) fica assim abandonada no meio do vidro verde e me resgate para que possa, de novo, dedicar a minha atenção à prosa poéticó-sensíveló-colorida. Como a que parece nascer em almas torturadas (não é nada das censuradas, isso é um poema do outro rapaz e chama-se "canto" mas não é como em desvio pra canto, é mais em off-side que a coisa se passa, mas adiante) tanto em versão palavrosa como foto-pictórica, assim tipo "I'm not a perfect person, there's many things I wish I didn't do, etc" mas isso fica para quando me passar esta azia do Camillo Alves fermentado.
Ele há situações;pá.

Vocês creiam-me: eu tenho vergonha de certas coisas. Principalmente de escrever aqui aquelas tais coisas. As coisas do chamado foro íntimo. ‘Foro íntimo’ é uma tão bela expressão, um bocadinho próxima de forno íntimo, o que pode derivar em calores, mas vejam lá se não dava uma boa marca de lingerie :’il forno intimi’ (fosgasse, e em italiano que até quase as pernas se me tremem). Mas voltando ao nosso (sim, passou a ser de todos) tema: eu devia começar a escrever aqui atiçadamente inflamações amorosas. Palavra d’honra que esta vossa casa ia tornar-se num franchise do capitão roby, numa espécie de Zara de corte lírico, num rodízio de ternura amestrada, e que no período dos saldos até rimava e tudo. Atentem (bom verbo) só um exemplo: A tua pele é sede, a minha mão pincel de amante, encosto-te contra a parede e trincho-te com decapante… porra, saiu brejeiro e foleiro, e agora lembro-me que foi por causa duma destas que ali há atrasado (muito atrasado… agora também reparo) me fugiu uma gaiata (como eu adoro a palavra gaiata) depois de a ter levado ali a um restaurante nas avenidas novas mas com música ao vivo e tudo, ou que pensam, só que a música era baixito e eu não resisti à laracha, aviso-vos que essa coisa de que a gargalhada feminina é afrodisíaca é uma granda tanga, a mulher desvanece-se mesmo é com aqueles tobleronnes macios, género: não me olhes assim porque isso já nem é um olhar, junta-te antes a mim e leva a minha cana a pescar, pronto, chiça, fugiu-me outra vez o controle à coisa, e eu não era assim, pá, isto é desta merda dos blogues, eu criava até ambientes serenos e acolhedores, acreditem, sim, mesmo essa coisa da segurança masculina, do braço envolvente, da força não ostensiva mas sempre presente, dos olhares carinhosos mas enérgicos, do calor que só fazia suar nos locais estratégicos, do uso da palavra amar a fazer realmente sonhar, era do tipo: não tens lábios de carne roxa, tens antes metáforas de romãs, morder-te nunca serão carícias vãs, mas espero é não estar a fazer de trouxa, foda-se, e eu que agora até ia benzinho, pá.
Darwin mas sem tartarugas

A espécie humana evoluirá realmente quando as pessoas começarem a ser lembradas pela sua horizontalidade. A verticalidade, reparemos, já tinha sido atingida pelos macacos. O homem deitado numa expectância a roçar o deboche, repousando a animalidade, sabendo olhar para o céu, que verdadeiramente só pode ser olhado deitado - por isso Jesus nunca foi relatado deitado porque conhecia o céu de ginjeira – é um estádio de perfeição existencialista. É por isso que os chamados homens de corpo inteiro, verticais, fiéis às suas ditas convicções, sofrerão sempre duma falta perspectiva e ficarão sempre reféns duma base de apoio de ‘natureza pré-existencial’. Quem se refastele na sua condição, se borrife nas transferências schopenhauerenianas e nos empirismos mais ou menos cépticos ( nesta altura recomenda-se ao leitor que intermedeie com um pratinho de camarões de espinho ) entenderá facilmente - não esfarelem mais a cabeça - que o mundo é realmente aquilo que parece, ou seja o que se aloja entre a córnea e o pavilhão auditivo. Existir é coisa para filósofos, ser verticais é coisa para mamíferos recolectores, e evoluir é coisa para filhos de Deus que saibam brincar com as palavras como Picasso brincava com zonas pélvicas.
O desfazedor e a sua labirinta
ou dum homem à nora com o seu lado feminino

Mesmo que seja com hora marcada, se um homem dá rédea solta ao seu famigerado ‘feminine side of the soul’ a coisa pode descontrolar-se, como se vê. Eu que o diga que agora me vejo confrontado com este espectáculo quasi almodovariano, mistura de maneirismo letrado com virtuality show. Sinto-me como que depois de acordar dum sono profundo, qual Orlando que ‘’’dormiu toda a noite (…) e tinha sido beijado por uma Rainha, sem o saber’’ lançando maquinalmente a mão à mesa-de-cabeceira da consciência e agarrando inexplicavelmente um conjuntinho Majórica de brincos de pendentes (este sim um verdadeiro sinal de degradação da espécie/género – Anna K. incluída). Ora uma mãe não dá à luz um filho varão para segurar cortinados adamascados, e se essa coisa do lado feminino existe mesmo o melhor que temos a fazer é pô-lo numa cerca assim no meio dum prado tipo calendário do Tirol, e jamais deixá-lo como uma corsa a espernear-nos uma existência já de si mal relvada (mas não por falta de pivot - pronto só uma trocadilhada fatela, ok). Qualquer dia chega alguém ao pé de mim e ainda começa a cantar o ‘supid girl’ dos Garbage (tem de se ir citando umas músicas para manter o estatuto eclético-sensível, mas não me peçam é letras faxavor) tal o estado de miscigenação cromossomica a que cheguei, e até dará certamente para fazer crochet com o meu entrelaçado genético («e tricot, tem feito?» - isto de fazermos perguntas a nós próprios não é preocupante, o caso só se agrava se começarmos a respondermo-nos mesmo). Picasso num dos seus estudos/esboços simples para a escultura do ‘homem com o cordeiro’ desenhava a zona do baixo-ventre como uma espécie de chaveta invertida, intuo daí que a masculinidade pode de facto ser muitas coisas da barriga para cima, e se calhar começamos mesmo por ser uns cordeirinhos, rodeados por piscares de olhos às curvas e contra curvas, suspirantes por colos aos cotovelos e contra cotovelos, no fundo começamos a bulir nos arranques e acabamos a balir nas subidas, no labirinto que é essa tal nossa escondida feminilidade. Mas ‘come on Barbie, let´s go party’, porque ter um lado feminino com pinta não pode ser só sinal dum labirinto, também pode dar numa bela dança de palavreado mistura de ‘sexbomb’ com ‘shake your bumbum’.



{Nota desadjectivada: este post obviamente nada tem a ver com o anterior nem com a reacção que ele provocou. }
O gajo está de volta

Eu cá palavrazinha de honra que não sei fazer rigorosamente nada senão meter-me com as pessoas, vai daí noto que já não me meto há muito tempo com quem me benzeu – se bem que sendo um bocado somítica com a água benta – e ao mesmo tempo vejo que ainda não me tinha debruçado convenientemente sobre essa nobre e praticamente apostólica missão que é escrever um livro. Vai outra vez daí e toca de me pôr de bruços – a certa altura um gajo já está por tudo desde que haja ginger ale fresquinho no frigorífico e que a porra das cuvetes não tenham verdete – e fazer a necessária síntese sobre a arte de bem cavalgar umas letras em carreirinha ( expressão da mal traçadas que está quase há um mês agarrada ao penico do napoleão). Vai daí ( 3ª vez) o dicionário ilustrado tentando agarrar um segundo fôlego de asneirismo esclarecido vem por esta via dar despacho sobre as condições sinecuecanon para escrever um livro ‘em bom e assim’, baseado em excertos – sem enxertos, que se note - do texto da Charlotte para apresentação do ‘livro da rititi’. (entradas 1040 a 1048)


‘preocupações ginecológicas' – Todos as temos, mas infelizmente nem todos têm um útero à mão para se puderem aliviar. Há quem aposte na próstata mas pode correr o risco de ficar a pingar asneira. Sacudir bem é a figura de estilo que nos redime do amarelecimento do raciocínio.

‘partilhar angústias e alegrias’ – Ora aí está algo que deve ser mesmo partilhado, somos todos um condomínio fechado de emoções e a dividir por todos nem custa nada, mas já se sabe que há sempre uns que têm mais infiltrações que outros, e o segredo está em acertar com as permilagens e com as zonas de serventia comum.

‘escrita sincera’ – espécime erudita do ‘caralhos me fodam se isto não m'aconteceu’ e que é garantia duma escrita praticamente sacramental, contrita e de forte apelo à santidade e reconversão.

ser ‘infinitamente interessante’ – Apesar da palavra ‘interessante’ me fazer comichões de registo quasi convulsivo, o ‘infinitamente’ garante-lhe uma cosmicidade, uma alavanca que nos arquimediza a imaginação tornando-a praticamente uma catapulga, perdão cataputa, perdão carapuça, foda-se: catapulta da existência.

‘graças a Deus’ - Algo que ninguém deve desdenhar, e que já vi produzir autênticos milagres fazendo chegar o predicado com o pé, onde certos adjectivos nem com as duas mãos.

‘exagerar o quotidiano’ – Dado que não nos é possível gerá-lo por motivos técnicos – mira técnica (que saudades, meu Deus!) opcional – temos de fazer com o quotidiano o que a minha mulher faz sempre com o bolo de chocolate do carrefour : aquela merda sai sempre de fora da forma. Ela diz que é da porra do forno. Mas sem o ‘porra’.

‘transcender a nós próprios’ – De facto sermos apenas nós próprios é algo de uma sensaboria sem descrição, e há inclusive tipos que já vi nem serem eles próprios; ora vejamos que pegando em duas de transcendência com uma de colorau... bem agora rimava, mas fico-me por aqui.

‘escrever bem’ – O verdadeiro fascínio da espécie; aquele momento mágico em que o cerebelo tem um arranjinho viscoso e suado com a espinal medula e os neurónios até vibram que nem um cavaquinho. Desembainhado então o florete verbal com a lustrosa mielina, sai verborreia tão santa que os anjos comparados connosco mais parecem mongois a dar arrotos num piquenique.

‘ter alguma coisa para dizer’ – É este o definitive statement : uma alma prenhe que se solta como uma foragida enraivecida. ‘Ter algo para dizer’ é efectivamente um climax existencial, praticamente o sinal duma revolução genética, uma mutação cromossomica só ao alcance dos melhores batidos de esperma em proveta. Uma língua que se solta é uma gengiva que se poupa. Que Deus me castigue já aqui, isto é um desabafo, mas quando eu tiver realmente alguma coisa para dizer, vocês segurem-me que vai parecer as bodas de Caná.
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Marc Chagall (1912). "Adam and Eve" (The Temptation), óleo s/ tela, 160,5 x 109 cm. St. Louis Art Museum
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(My Way)

Ainda mal acordado da noite a pensar nas excitações e hesitações ortográficas no poema da Leonor, ao dar a volta da manhã à palmeira com a Pituxa eis que me passa pela cabeça desvendar um enigma, o da possibilidade de enviar uma mensagem escrita a mim mesmo. Escrevo com cuidado "Ganda malha!" e em espanhol mais umas intimidades que não fica nada bem desvendar em público (serei pouco macho mas tenho maneiras, que diabo!), faço 'enviar' e aguardo a resposta em suores frios. Vem, abro-a e leio um completíssimo menu e as diversas possibilidades para a sua melhor degustação, assinado "Eva"! Ainda de pequeno-almoço por tomar caiu-me na fraqueza a proposta e ameacei-a, também em espanhol, com a subtracção das pilhas. A resposta veio rápida "En vez de eso tómame el chip!" E foi aqui que recomecei a marear, acabando por cair, durinho, em cima de uma pobre Pituxa trémula à coca do galifão do labrador preto da vizinha. Devo ter dado com a cabeça em qualquer lado porque o Sinatra (ou ela, sei lá!) se repetia cá dentro como um disco riscado: "you are the sunshine of my life / that's why I'll always stay around / you are the apple of my eye / forever you'll stay in my heart" (*). "Apple"!!! "apple"!!! esta palavra, dentro ou fora do strudel, é o estalar de dedos que me acorda de qualquer sono, de qualquer baixa de tensão, de qualquer lipotimia. E conseguiu até pôr-me a ver adões e evas tão encubicados que começaram por parecer-me de Braque - agora não me peçam para ter reparado no veado, sim? um homem que se preze não vê pormenores nem que se lhe enfiem pelos olhos dentro e menos ainda pede ajuda quando se perde, ora essa! - antes de perceber que deviam ser de Chagall porque iam bem com Bach (também servia se fosse 'glace à la vanille' mas enjoa mais) titilando-me, ao ouvido, a Oratoria. Saquei do telemóvel e, qual John Wayne em Rio Bravo, disparei o chip da Feathers, aliás Eva (isto de ser caubói ao pôr-de-sol em dias de calor tem que se lhe diga, apre...), para o Ecoponto mais longínquo!

(*) You are the sunshine of my life, in "My Way: The Best of Frank Sinatra", 2002
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Tamara de Lempicka (1932). "Adam et Eve", óleo s/ cartão, 118 x 74 cm. Musée d'Art Moderne, Genève
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(X & Y)

Não que seja dado a teorias da conspiração (e hoje a ser alguma coisa não seria teoria mas certeza da transpiração) mas está a parecer-me que as recomendações da megera se destinavam mais a provocar-me afrontamentos precoces que a resolver pelo melhor o meu novo problema existencial - outro, aquele resolveu-se a Bacitracina e pachos de água quente - sem ser pelo método dos banhos turcos (avisei-a logo que me dou mal com os frios). O dia até me estava a correr bem se não fosse, ao ouvir os Coldplay, ter-me caído na fraqueza "don't fight for the wrong side / say what you feel like / say how you feel". Lá vinha a conversa de novo, que diabo! um homem não é de ferro e menos ainda em convívio íntimo com uma Eva rebarbativa dentro dele a repetir em coro "and you are not wrong to / ask who does this belong to / it belongs to one of us" (*)! Virei-me, claro! Não bastava o que bastava e ainda a tinha a insinuar que "isto" (o que quer que fosse, ao princípio também não percebi) pertencia a um de nós! Vi tudo branco ao fundo, até me parecia um "travelling" à la oliveira, quando me passou de raspão pela cabeça que se referia ao blogue. Mas "isto" é alguma casa de alterne ou quê??? Valha-me Godard, assim como assim "um travelling é uma questão de moral" e "isto" é um sítio de gente séria! Anda um homem a desencolher o Y uns dias, picómetro a picómetro, até faz argolas - entradas dedicadas, quero dizer - para definir as mulheres a ver se desencalha e, mal se distrai, descarrila e sai outra vez versão XX manhosa do OD com figurinhas? Mais um descuido e dava de caras com um poema da Leonor Almeida todo cheio de reticências e exclamações, não? como aquele que diz "Vem cá! Assim verticalmente! / Aconchega-te... Docemente... / Vou olhar-te... E, no teu olhar, colher / promessas do que quero prometer, / até à síncope do amor na alma! / Colemos as mãos, palma a palma! / A minha boca na tua, sem beijo... / Desejo-te, até o desejo / se queixar que dói. // E sou tua, assim, como nenhuma foi!" (**) É que depois de um poema erótico de gaja (só por esta vez, ok?) não ficava a faltar mesmo mais nada, a não ser imagens de pintores de calendários com nús. Até ao descrédito final, claro...

(*) Twisted Logic, in "X&Y", 2005
(**) Posse, in "Caminhos frios", 1947
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Lucas Cranach de Oudere (circa 1531-33). "Adam en Eva", madeira, 47 x 35 cm. Staatliche Museen, Berlin

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(On & On)

A verdade é que ultimamente me sinto muito afectável pela sazonalidade (nadinha de efeito da indiferença de género à la michaux, é bom de ver) e ontem tirei-me dos meus cuidados e até perguntei a quem sabe se terei alguma descompensação no biorritmo. Que não, que "nada, 'tá parvo ó quê?" foi o que me responderam, e até acrescentaram com a delicadeza de quem me roesse as peles das unhas "estupidez! lá por o sr andar assanhado no outono nada impede que ronrone na primavera, ora essa!". Pareceu-me subentender um sibilante recado felino mas, vindo de quem veio, só se já houvesse híbridos de leões e víboras o que, bem vistas as coisas, a acontecer começará pelo feminino e subverterá a ideia bíblica da génese. Ainda a recuperar da informação sócio-biológica que tão amavelmente me era prestada, insisti "sem querer incomodar, e a minha genealogia desde Adão como fica?" Não foi grande ideia a perguntita, admito, fiquei logo à rasca a magicar que me ia responder "compre um cão! ou faça como aquele adãozeco do Cranach, de raminho na mão e com um veado a guardá-lo! mas veja lá se escolhe um veado de pinta, girézimo como aquele!" e até me podia defender com um tremendo "ganda coisa! a Eva tem um leão sorna!" Podia ter ficado calado, podia pois... "sorna não, cansado! farto! exausto daquela cena interminável em que o Adão se meneia todo mas nem cola o selo nem mete a carta no correio, ou a maçã na boca, ou lá que é! no meio daquela p'pineira toda a cobra diverte-se, p'cébe? olhe bem pròs olhinhos dela e prò nariz arrebitado..." Não foi propriamente na cobra que reparei mais demoradamente que o desejável mas toda a gente sabe que os ramos sem muitas folhas na parte de cima deixam ver à transparência e que o Cranach não aprendeu com Rubens ou com Jordaens, e muito menos com LFreud, a pintar rabos mas na verdade a franja afastada da testa caía-lhe bem "veja lá se despasma e se decide de uma vez por todas, tenho mais que fazer! queira ou não o sr é uma alma de Eva encarcerada num corpo de Adão, p'cébe?!" E não tem nada a ver com desperdício de tempo ter um súbito apetite de ouvir aquele pedacinho em que Jack Johnson canta "and I don't pretend to know what you know / no no / now please don't pretend to know what's on my mind" (*) mas o facto é que não foi necessário mais tempo para me certificar que uma Eva que se preze tem sempre outra maçã na mão.

(*) Wasting time, in "On & On", 2003
The piu piu country

Um país que tem um ministro a falar a título pessoal é como uma velha que tem um caniche a fazer de periquito. Quem quiser fazer de gato silvestre que se chegue à frente.
Com o Europeísmo em crise hoje o dicionário não ilustrado vira-se para o Ecumenismo, até porque isto de falar de gajas já foi chão que deu uvas. O Adão que o diga que ficou agarrado à parra. 4 entradas especiais, tantas quanto os tipos de pessoas nas 1036 a 1039

Os que rezam virados para Meca – Pessoal que não brinca em serviço, reza é reza, cognaq é cognaq, uma devoção não é nada sem uma boa posição e a razia raramente lhes dá azia.

Os que rezam mas não se viram para Meca – Pessoal praticamente sem eira nem beira, e que mesmo tendo um bom credo na boca raramente vão a Roma.

Os que não rezam mas viram-se para uma Meca qualquer – Pessoal que nunca gosta de perder o norte e que prefere um bom tacho na mão a uma boa persignação.

Os que nem rezam nem se viram para Meca nenhuma – O pessoal que se sente pura força centrifuga, e que geralmente dão uns ralos de óptimo efeito.
Tal como a política a mulher é de facto um assunto sem fim tal como o demonstra o rabo da Jennifer Lopez, o descruzar de pernas da Sharon Stone, os cortinados da Julie Andrews, a bavaroise da Mª de Lurdes Modesto, os livros para crianças da Madonna, as rugas cavadas na Faye Dunaway ou o ar de mamã da M. E.Mastrantonio, que vivem a par da subtileza de Jorge Coelho, do empolgamento de Campos e Cunha, do olhar franco de Freitas do Amaral, da clareza de J.Sampaio. Se o tipo de Neantherdal cá viesse topava logo que apenas as mulheres evoluíram.
O dicionário não ilustrado vai aos rótulos da womanishness ( ‘tava a ver que nunca mais dizia esta palavra) nas entradas 1027 a 1035

Femme fatal – Aquela que com dois meneios de franja e três enrampamentos de queixo reserva para o acompanhante a empolgante e exclusiva missão de ficar a segurar a trela de um comboio

Fada-do-lar – Aquela que faz com um simples ‘a’ o que noutras é preciso uma carrada de ‘o’s.

Mulher objecto – Designação bastante feliz que coisifica no purgatório da posse o que poderia ficar apenas no limbo do desejo.

Mulheraça – Palavra que transporta um riquíssimo sufixo, parente afastada do troféu de caça, capaz de transformar em champanhe um simples sumo de maçã, e que transforma mesmo um ligeiro levantar de saia num perturbante cancan.

Grande cabra – Designação de registo insultuoso mas que bem vistas as coisas revela uns pezinhos de lã que se equilibram em qualquer penhasco agreste.

Dama de companhia – Possuidora de um olhar cândido e pose serena, tem no pestanejar o seu maior arrojo, no ângulo ombro-pescoço a sua maior indecência, e coloca no abanar de saia o seu poder de fornicação mística.

Mulher de armas – A que vive engatilhada, e desgraçados dos que lhe passam pela mira telescópica.

Mulher modelo – Aquela que ao ser enfiada no gesso desenha uma bailarina de porcelana alemã e se for bem derretida no molde siderúrgico forjará os preguinhos para um belo chapitoné (como é que isto se escreverá).

Sonho de mulher – A que nunca se dignou a aparecer a Freud
‘Experiências com a verdade’ © (*)

Eu essencialmente gosto é dos chamados problemas existenciais. Geralmente dou-me bem com eles, tirando uma sacana duma borbulha – daquelas com pontinha, não sei se estão a ver - que me chegaram a fazer ali a três quartos da bochecha, mas talvez até fosse duns cajus que comi, ( note-se que um homem ter de fazer referência pública à sua bochecha é um claro sinal de decadência) e raramente me descontrolam os intestinos e nunca me deram flatulências nem azias inoportunas (sobre dores nas costas ver mais à frente). Costumo ( ter costumes de índole intelectual é também de muito bom tom) distingui-los em três categorias: os ‘cinéticos', género ‘para onde vou’, os ‘estáticos’, tipo ‘o que faço aqui’ e os ‘de cu tremido’, género: ‘mas que foda é esta’.

Para os problemas ‘cinéticos’, regra geral aconselho boa companhia, pois já vi muito problema existencial resolvido entre pernas, perdão entre paredes, apenas com uma boa conversa, inclusive com troca de conceitos desde que bem parametrizados – a queima de incenso é opcional - e o caminho da saída é geralmente apontado como uma mera deixa para um passeio no parque, quer porque o cão tem de mijar quer porque não se pode fumar charutos em casa. Queria chamar a vossa especial atenção para o agora subestimado ‘cagando e andando’ que tem uma força epistemológica enorme, e revela um carácter interior desprendido a par do inconformismo que forja as almas que não se confinam ao corpo que o criador lhes atribuiu. Mas a nossa condição de caminhantes exige sermos eternos reféns de meias-solas. Muitos tentam disfarçar andando intermitentemente em bicos dos pés. Eu cá limito-me a pedir a Deus que nunca me ponham os patins.

Para os problemas ‘estáticos’ é absolutamente essencial um bom apoio lombar. Ninguém consegue perceber a sua real posição nos desígnios da criação se tiver todo o seu peso concentrado cóccix. Um outra condição para nunca perdermos o referencial metafísico é sabermos construir o nosso eu de forma filigranada, ou seja: leve e vistoso. Desta forma supremamente equilibrada descobriremos com facilidade que o mundo gira à nossa volta, coperniquianamente, e que a nossa missão é mesmo sermos ‘sunshine of my life’ de quem quer que se aproxime. Espreguiçarmo-nos será assim sempre visto como um sinal de tremenda magnanimidade, ou libertação de energia em linguagem científico-esotérica. Mas a velha questão posicional não passa duma filha dum complexo de dama de companhia amancebada dum recalcamento de corno. Há centros de gravidade que são autênticos bicos de obra.

Os problemas de ‘cu tremido’ são os de maior turbulência psicossomática. Ainda atordoados da missão apocalíptica de ‘crescermos e multiplicarmo-nos’, roçamo-nos uns nos outros sem medir convenientemente as consequências para a coluna. Sermos vertebrados é a pior coisinha que o criador nos reservou e vivemos assim naquela ansiedade em que tudo tem de encaixar em tudo, e bem, senão sai marreca. Por mais que queiramos descopular o mundo e hermafroditizar a criação numa ânsia de autosuficiência espermatozoidal ou uterina, o cerne desta questão encontra-se na capacidade de legofilizarmos a existência convenientemente (é aproveitar enquanto estas palavras maradas apenas pagam 19%). A tremelicância é tanto sinal de excitação como de boa lubrificação, mas um bom encaixe nunca é eterno porque enquanto uma das partes vive numa errância entre a mirração e erecção, a outra ora faz de dique, ora é Suez. O mundo devia ser gerido como um grande canal do Panamá.

(*) Título roubado duma série do agora hibernado Azul-cobalto (o Inverno é sempre que uma mulher quiser)
O dupla-infra-citado cromossoma está quase pronto para as flexões

E ao contrário do que escreve a diotima: o amor começa quando acaba a curiosidade. Quem mo disse foi um gato. Escaldado.
Isto é só ainda um alongamento do infra-citado cromossoma

Os gajos que ainda andam pôr aí a pespegar com fotografias da Scarlett J. é porque ainda não deram um fornicadela em condições. Ou então deram-na sub condicione. Nausefe please.
Isto é apenas um ligeiro aquecimento do cromossoma XY

Alguém podia ter dito ao coitado do Lucas Cranach que ele não tinha jeiteira nenhuma para pintar rabos.
My "whatever" side of the soul

(e zás!!!)


® Pierre Alechinsky, 1972. "Cobroue". Litografia, 50x45 cms.
Uma questão de dimensão

Devia ter desconfiado logo que tive o primeiro encontro: aquilo não eram propriamente serpentes, eram mais minhocas, e por conseguinte não teria por muito tempo o privilégio de viver na pele de uma mulher. Mas a ideia que tinha de cópula de serpentes também era um pedacito mais enroscada e não exactamente o que os meus olhinhos viram ontem. A propósito de florestas e de árvores até me lembrei de ter uma vez ouvido dizer "a verdade, venha de onde vier, vem sempre do Espírito Santo" (julgo que foi S Tomás Aquino... ou seria a LPN?). E deve ter sido por isso que quando me indispus com a Maria dos Prazeres (senti-me obrigado, por mera solidariedade masculina, claro!, a concordar com o Lino) comecei a vislumbrar um futuro passado ao guichet, de óculos na ponta do nariz, em que, animado das mais puras e límpidas intenções, tentaria adivinhar os pensamentos lúbricos das Circes, perdão hospedeiras, que entravam e saíam da pastelaria em frente. Nos tempos livres, por desfastio entre dois pézinhos de dança com a Zu, riscaria - a traço grosso - florzitas repetitivas e lombrigas proto-esotéricas no Canson.
My "whatever" side of the soul

(a ver a guilhotina descer cada vez mais depressa)


® JL, 97. Tinta da China e aguarela sobre papel. Colecção particular.
O estado da arte

Ao terceiro dia sou capaz de identificar com algum grau de certeza 15 dos pràí 250 frascos, bisnagas e caixinhas que a Zu tem na bancada da casa de banho. Hoje no banho, por exemplo, já consegui usar a máscara capilar hidratante no cabelo em vez do exfoliante para o corpo e descobri no "anti-cernes" a varinha de condão para uma noite de insónia. E tudo isto antes de ter mergulhado na nuvem do perfume dela com o prazer e a elegância daquela rapariga do anúncio da tv a entrar no mar das Caraíbas mas fiquei um bocado zonzo e o "eye-liner" saiu-me um tanto atravessado. Até fiquei a pensar se o tirava ou deixava estar para ficar parecido com uma miúda loira dum retrato que vi num daqueles livros dos brindes (um daquele espanhol que desenhava muitos passarinhos, o Picasso) e assim me tornava mais interessante aos olhos do Umbelino porque não é novidade para ninguém que poucos homens conseguem ser minimamente interessantes à luz da manhã. Aproveitei a viagem de metro para escrever um poemazinho nas margens da Bola, dois espirros depois até me inspirei na primavera e fui capaz de alinhar duas rimas sobre sementinhas aladas (uma vez explicaram-me que não vinha de "ala que se faz tarde") a voarem como beijos pelo ar e tudo, e até já era capaz de perceber que se me esmerasse muito ia acabar por ser capaz de falar sobre o silêncio das pétalas das flores afagadas, dos riscos na alma que são as ausências e, quem sabe, de arcos de violino a vibrarem-me nas cordas vocais uma música que me saía pelos olhos e se me espalhava em cores pelos dedos. Enfim, um labirinto de inteligência e sensibilidade, uns toques de irreverência aqui, uns tracinhos de sensualidade ali, afinal o que se pede a uma mulher que se preze. Entrei no escritório orgulhoso, iria surpreender o Lino com a revelação do desabrochar do meu novo "eu". Ao entrar na sala da encadernação turvou-se-me a vista: nas costas da Maria dos Prazeres, ao que me pareceu mal sentada em cima de qualquer coisa espalhada pelo chão porque se mexia e desequilibrava muito, umas mãos conhecidas desenhavam silêncios enquanto a voz-do-dono gritava airosa "Ah, ganda Andromaca!". No momento pensei logo "Também não é preciso aquela violência toda para ensinar mitologia à rapariga, não? no meu tempo a professora de História, apesar de uma chata sem classificação, era muito mais delicada" Mas depois caí em mim e fez-se-me luz, a luz crua da manhã: acabava de passar do saboroso estatuto de homem-objecto com que a ternura da Zu me brindava para o de mulher-objecto e isso não ia tolerar nem mais um minuto! Em voz forte lancei ao Lino "Está tudo acabado!" e ouvi-o responder com alguma dificuldade "Ainda não, só mais um bocadinho, ó pá!" Mareei de novo, até me passaram pelos olhos uns graffitis (devem ser bons porque os vi num livro dos brindes e eram de um tipo que se chamava Alecs-qualquer-coisa), comecei a torcer o meu lado feminino em Kleenexes até não sobrar gotinha nenhuma e respondi-lhe a fio de voz antes de sair para me atirar a uma água gaseificada aromatizada e um 'palmier' coberto na pastelaria da esquina: "Nem uma paisagenzita aconchegante soubeste dar-me... Se não eras capaz de mais porque me desapertaste assim o coração? Cobra... cobra..."