Windianápolis


Who has seen the wind?
Neither I nor you:
But when the leaves hang trembling,
The wind is passing through.

Who has seen the wind?
Neither you nor I:
But when the trees bow down their heads,
The wind is passing by.

Christina Rossetti, in «Who Has Seen the Wind?», The Complete Poems (Penguin Classics, 1993, p. 143)

Ó da Guarda


Face às várias espirais e cornucópias do momento (recessiva, depressiva e sodomitiva) o Reino dos Céus teve de reavaliar a sua ancestral estratégia para os Anjos da Guarda. Foi assim devidamente empossada pelos Arcanjos Miguel e Gabriel uma Comissão para a Análise do Papel do Anjo da Guarda Durante o Resgaste e elaborado o respectivo livro branco.
Deste documento irei destacar alguns excertos das conclusões que, dalguma forma, poderão dar uma iluminação a todos nós, designadamente no nosso posicionamento face ao oculto, o desconhecido, e a todos os modelos econométricos em geral, com ou sem projecção arenoso-ocular.

 « (...) Esta Comissão teve o cuidado de escrutinar os conteúdos programáticos vigentes desde as aparições em Fátima, por forma a calibrar o modelo de Anjo da Guarda de Portugal face aos novos dados, quer sejam eles o grau de desprezo pelo transcendente,  quer o nível oscilante de penetração do cagaço cósmico nas consciências mais materialistas, quer mesmo o facto de já não existirem azinheiras suficientes para a quantidade de contribuintes que sonham com a pastorícia mística ou outras (...)

(...) A existência dum único modelo de simulação de Anjos da Guarda para Portugal revela-se ineficiente pois  parece haver uma movimento axífugo nas ânsias mais elementares da alma portuguesa que apresenta uma notória pendularidade entre: vontade de espetar um ferro em brasa pelo cú de todo e qualquer governante e assimilado, ou pura e simplesmente desprezá-los e viver cada um sua vidinha como se nem sequer o medina carreira existisse. (...)

(...) O cluster dos Anjos da Guarda tem vindo a perder peso junto do Grande Senado do Criador em detrimento dos sectores dos Santos Protectores, das Senhoras das Ladeiras, do Imaculado Chip do Tablet, e até inclusive, nos últimos tempos, para a própria Fundação dos Beatos Graxistas (...)

(...) Um Anjo da Guarda em ambiente de austeridade & saque orçamental pode assumir diversas formas de posicionamento: a) neutralidade orçamental: o Anjo não influencia o comportamento fiscal do seu protegido e apenas o ajuda a suportar o fardo da colecta; b) racionalidade orçamental: o Anjo dá indicações ao respectivo penitente para qual catacumba fiscal se deve pirar face a cada imposto específico; c) ilusionismo orçamental: o Anjo com o seu diáfano manto cobre o pecador e garante-lhe uma invisibilidade fiscal de cartola (...)

(...) O Anjo da Guarda de Portugal deve providenciar a adesão ao pecado único. Assim, um português só deve considerar que está em pecado por única falta fiscal, podendo dar-se o cúmulo penitencial logo após a primeira multa de estacionamento não paga (...)

(...) Para que um país como Portugal se possa defender devidamente de: secas, reality shows, coligações politicas em fase de broche assistido, politólogos, rotundas múltiplas e todo um rodízio de Altas Autoridades , o Anjo da Guarda deverá fazer a geminação com um buda em faiança para o que der e vier (...)

(...) Os Anjos da Guarda de todos e quaiquer países deverão ter um representante nos modelos econométricos que estejam a ser utilizados nos respectivos ministérios das finanças e bancos centrais; estes seus avatares estatísticos, para além de terem de apresentar um relatório discriminado por cada movimento brusco que seja detectado nas derivadas das equações, deverão imediatamente provocar um curto circuito nos postos de transformação do ministério (...)

(...) Sempre que estejam a ponto de ser introduzidas medidas parvas, quer por imposição de troikas, de casais de holdings em swing fiscal, ou mesmo de grupos de sueca, quer mesmo por simples imbecilidade endógena, o Anjo da Guarda deve providenciar um fenómeno de natureza tsunâmica que, para além de colocar vários ministros isolados em cima dum telhado de Alfama, de caminho enfie o crespo numa fresta da muralha fernandina ou definitivamente a entrevistar baratas na dispensa do capitólio. (...)»

Não houve outro modelo como o Rebelo


Durante mais de 20 anos Rebelo Alves foi mexilhão de 1ª na costa de Peniche. Chegado ao momento de decidir qual seria o seu legado à Bibalvidade escolheu entregar-se às ciências sociais; foi inclusive mais longe, apresentou-se logo na Academia e endereçou-lhes o convite: experimentem-me desde já. Os cientistas sociais esfregaram as mãos de contentes face ao inesperado brinde e pediram a Rebelo Alves para comparecer todas as terças num tuperware em tons branco esperma com tampa verde ranho. 

Numa primeira abordagem, um grupo de empíricos recreativos injectou em Rebelo uma pensão de reforma com molho de estragão e mandou-o três meses para ser cheirado pelos clientes do vila joya. Depois de ter sido exercido o contraditório com um par de ameijoas gémeas em bulhão pato, a modelação concluiu que a curva de interferência do dente de alho apresentava uma derivada superior ao esperado quando o rácio do coentro entrava na sua maturidade específica e convencional. Tirada a conclusão de que o mexilhão estava pronto para a vinagrada foi entregue a dois economistas especializados em resgates de coentrada em dó sustenido. Posto o nosso Rebelo numa caçarola untada em manteiga de Azeitão rapidamente apresentou fungos ao primeiro contacto com a gordura; o modelo começa a explodir de alegria, confirmara-se a adaptação do mexilhão à carência e tratava-se agora de juntar berbigões e cadelinhas esfregando-lhes com o exemplo mexilhânico nas trombas. Não se encontrando tromba nos ditos bibalves foi definido pelo modelo que onde não há tromba há crescimento sustentado. Entusiasmada a academia, passou a entsuiasmada num salto de co-variância, e  foi decretada a estabilidade do mexilhão em ambiente de salmoura controlada, mas onde em vez do sal poderia ser usada urina de toiro lidado em praça.

Agora celebridade de laboratório, o nosso mexilhão Rebelo passou a ser presente mensalmente à análise da grande reunião dos Conselheiros da Mexilhânia. Entre ais e uis académicos os conselheiros começaram por avisar de que não se podia temperar assim o mexilhão-modelo como se ele fosse ânus para toda a sodomia, haveria que deixar repousar o lombo do bibalve de vez em quando. Foi então decidido em reunião plenária que Rebelo Alves teria direito a passar 2 dias por mês num viveiro de berbigonas podendo aí extravasar-se au naturel. No caso de passar o exame periódico da Alta Autoridade para a Molhagem do Pão, poderia até praticar livremente o ostrassismo, que consistia em se encavalitar num par de ostras livres de econometria.

Depois de 3 anos entre molhangas estatísticas Rebelo achou que tinha chegado o momento de adornar alguém que o merecesse, e entregou as suas conchas a um ourives da Cedofeita, que as envolveu em folha de oiro e despachou para o pescoço de uma baronesa do gás transcaucasiano, alérgica a abcissas mas boa consoladora de chouriças.

Disfunção réptil


O lagarto Rodrigo atacou o Outono com um empenho inesperado. Tomado de subtilezas meditou sobre a desilusão que trazem todos os calores e solicitou uma transfusão. Pagou um suplemento por um lote de sangue brioso e com plaquetas já filtradas pelas mais altas literaturas, passou o recobro sobre uma folha de acácia semi-ressequida e foi visitado por duas lesmas em serviço social e uma sanguessuga em serviço de acompanhante de luxo. Libertou-se da mão violenta de Dom TSUão, inscreveu-se numa expedição a Kathmandu e mandou-os levar no.

Devotadamente mamiferizado comia filetes de peixe e arrozes vários, e viciou-se em cabidela às sextas. Sonhava com a revolução permanente, a defenestração de secretários de estado, a desfloração de deputadas loiras e a imolação de presidentes de câmara sem capachinho. Já perdera a segunda guerra mundial não queria agora perder a terceira. Alistou-se na legião dos Conas, comprou um blusão de cabedal azul petróleo e alugou uma mauser que já tinha disparado duas vezes em el Alamein. Lia kafka às terças e ouvia bob dylan às quintas; todos os dias um bocadinho da vida de Churchill depois do jantar, sublinhando sempre as reprimendas de Clementina.

Tentando tirar partido da sua nova incandescência interior abraçou amores que antes lhe estavam vedados mas foi sempre atraiçoado pelo seu remanescente sorriso, que o colocava na categoria dos malandros com perfídia e sem emenda.

Especializou-se então em eminência parda e foi trabalhar para um ministro sem pasta. Era alguém que já tinha passado por muitos buracos e frestas e que já tinha olhado para o mundo de perfil sem nunca ter necessitado de o enfrentar pela boca. Manteve a língua afiada e uma cauda infinitamente reciclável. Chegou a ser amado pelos corredores do poder, e apenas cometia pequenas traições a seguir ao lanche e antes do despacho de diplomas controversos.

Numa tarde de Março, com o primeiro sol a plantar-se nos muros caiados de fresco, o  hemograma começou a dar parte de fraco e pediu uma licença sem vencimento. Internou-se numa clínica para répteis regressivos, imediatamente copulou com a enfermeira de banco e foi inscrito num programa de modelos empíricos para lagartos com a tsuão em dia.

Retransfusionado com uma mistura de sangue de colibri reformado com galinha choca foi colocado em regime de observação durante três meses, com administração diária de 2 subsídios mínimos de neutrófilos. Após este período foi considerado apto para servir como modelo para duas oficinas de faiança tradicional em Condeixa.