Maria,
(sim, agora dirijo-me directamente a si, e em serpentina, para não me poder agarrar)

Nos primórdios da psicanálise Freud escrevia que a «consciência de hamlet (outra vez este gajo) é a sua sensação inconsciente de culpa». Inaugurava-se assim aos poucos aquilo que G. Steiner chamaria de «metáforas controladoras», referindo-se aos mitos em oposição às «metáforas paralelas do pecado» que seriam estruturantes para as visões teológicas.

Ora a ‘confissão’ nasce essencialmente no seio dum processo reconciliatório, longe de ‘sensações inconscientes’ sejam elas do que forem, e antes a responder aos apelos de união com Deus que sentem as almas que dalguma forma o reconhecem.
A ‘forma’ actual do sacramento até é tardia – trazida para a europa ocidental por missionários irlandeses, julgo – mas não desvirtua o essencial da religião, ou religiosidade se quisermos adverbiar a conversa, que é ligar e converter (a par da dimensão vocacional).

O mecanismo/método/doutrina/literatura/mitologia/encenação/ freudiana é bem esgalhado mas baseia-se essencialmente na dimensão comercial da alma: todos temos uma consciência à venda, e todos queremos ser nós mesmos a comprá-la.

E agora vou abusar dos efeitos redutor e associativo e sacudidor que tantos fernicoques lhe causam: a palavra do ‘histérico’ é ‘consumida’ na psicanálise – e se calhar na vida - como o esgar duma insatisfação, a palavra do penitente é consumida na confissão como a fonte de energia do perdão. Mas o perdão não é uma ‘metáfora paralela do pecado’, é antes um «cogit peccatorem omnia libenter sufferre» (o latim está na moda).

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