Bom natal
Ternura & carinho. Hoje coloquei como missão natalícia recuperar a reputação destas duas palavras.
O decadentismo ético de teor existencialista que assola a espécie e a faz carregar cada vez mais um pessimismo irónico-expiatório (topem-me só a categoria deste intróito, que me isenta praticamente de mais quaisquer outras erudições) teve, entre muitos outros efeitos perversos, este de relegar para as caixas negras do discurso intimista-amoroso ou do discurso de registo humorístico-sarcástico estas duas palavras de tanto conteúdo e riqueza, diria mais: preciosidades de corpo e de alma.
Aparentemente as suas terminações indiciariam dois opostos estéticos: o ‘ura’ e o ‘inho’ - fazendo lembrar o anúncio antigo das canetas BIC : ‘ BIC laranja da escrita fina, BIC cristal da escrita normal’. No entanto estamos na presença de dois vectores duma mesma força que poderão funcionar como autênticos acumuladores de energia para usar naqueles momentos em que até o timbre da voz do alheio nos incomoda. (pessoal de Boliqueime incluído, claro)
Através da sua desagradável terminação, a ‘ternura’ acaba por ir buscar aos parentes afastados ‘cozedura’ e ‘assadura’ a gourmetização que necessita para a sua real função, acabando por não dar grande espaço de manobra a uma prima afastada, a ‘candura’, que geralmente se apresenta num registo sonsiolítico. No entanto, é com as primas minimalistas ’fura’ e ‘dura’ (esta sempre com o atractivo especial de ter dois sentidos) que alcança toda a sua pujança mais sensual, e porque não dizê-lo: filha de toda a erecta carnalidade. Neste capítulo ‘car-inho’ tem outras potencialidades, inclusive apresenta mesmo originais sinergias osculo-anatómico-cinéticas com alguns movimentos (do mesmo nível das sinergias demonstradas pelo peitinho delicado dos jogadores do Benfica que começa como se sabe na zona do umbigo e só termina na falangeta)
O movimento tremelicante da língua nos ‘r’ é também diferente nas duas palavras; como sabemos, quando o movimento da língua nos ‘r’ se expande para o céu-da-boca - tal como sempre acontece quando vem seguido de um ‘n’ - em ‘ternura’ realiza-se um dos mais procurados êxtases de todo o complexo peri-labial, o que, diga-se de passagem, esta palavra bem merece, pois muitas vezes vem associada – injustamente - a êxtases de segunda categoria, os chamados rodriguinhos, na vida real. Em ‘carinho’, temos de reconhecer, a língua apaneleira-se um pouco no ‘r’ , mas também não se justificará fazer uma prótese dentária para corrigir este fenómeno, tudo se pode resolver com o recurso a um dos típicos comportamentos discursivos de emergência, o famoso ‘falar à bebé’ obliterando simbolicamente a referida letra e assim a coisa safa-se.
Há no entanto um tema, que chega quase a ser uma temática nos seus melhores dias, que eu deixo para o fim, mas que deverá ser tomado em especial atenção, e que tem a ver com a tendência de exagerada substantivação personificante destes dois termos. E é aqui que se pode jogar toda a subversão paralisante (acabado em ‘ante’ também havia a palavra ‘secante’ mas agora tirando este post não estou a ver nada para a aproveitar) . A perda do grau de abstracção intrínseco a estas duas palavras (e eu agora fui trocar de roupa porque os meus poros já não aguentaram tanta pressão semântica) faz com que elas frequentemente percam a carga puramente romântica e sensorial e se envolvam numa corporalidade de registo ontológico, que se revela em todo o seu explendor (com ‘x’ claro) com a utilização das palavras em análise (‘carinho’ ou ‘ternura’) ao interpelar uma pessoa. Isso sim é o arrepio dos arrepios.
Olha, perdi-me.
Ternura & carinho. Hoje coloquei como missão natalícia recuperar a reputação destas duas palavras.
O decadentismo ético de teor existencialista que assola a espécie e a faz carregar cada vez mais um pessimismo irónico-expiatório (topem-me só a categoria deste intróito, que me isenta praticamente de mais quaisquer outras erudições) teve, entre muitos outros efeitos perversos, este de relegar para as caixas negras do discurso intimista-amoroso ou do discurso de registo humorístico-sarcástico estas duas palavras de tanto conteúdo e riqueza, diria mais: preciosidades de corpo e de alma.
Aparentemente as suas terminações indiciariam dois opostos estéticos: o ‘ura’ e o ‘inho’ - fazendo lembrar o anúncio antigo das canetas BIC : ‘ BIC laranja da escrita fina, BIC cristal da escrita normal’. No entanto estamos na presença de dois vectores duma mesma força que poderão funcionar como autênticos acumuladores de energia para usar naqueles momentos em que até o timbre da voz do alheio nos incomoda. (pessoal de Boliqueime incluído, claro)
Através da sua desagradável terminação, a ‘ternura’ acaba por ir buscar aos parentes afastados ‘cozedura’ e ‘assadura’ a gourmetização que necessita para a sua real função, acabando por não dar grande espaço de manobra a uma prima afastada, a ‘candura’, que geralmente se apresenta num registo sonsiolítico. No entanto, é com as primas minimalistas ’fura’ e ‘dura’ (esta sempre com o atractivo especial de ter dois sentidos) que alcança toda a sua pujança mais sensual, e porque não dizê-lo: filha de toda a erecta carnalidade. Neste capítulo ‘car-inho’ tem outras potencialidades, inclusive apresenta mesmo originais sinergias osculo-anatómico-cinéticas com alguns movimentos (do mesmo nível das sinergias demonstradas pelo peitinho delicado dos jogadores do Benfica que começa como se sabe na zona do umbigo e só termina na falangeta)
O movimento tremelicante da língua nos ‘r’ é também diferente nas duas palavras; como sabemos, quando o movimento da língua nos ‘r’ se expande para o céu-da-boca - tal como sempre acontece quando vem seguido de um ‘n’ - em ‘ternura’ realiza-se um dos mais procurados êxtases de todo o complexo peri-labial, o que, diga-se de passagem, esta palavra bem merece, pois muitas vezes vem associada – injustamente - a êxtases de segunda categoria, os chamados rodriguinhos, na vida real. Em ‘carinho’, temos de reconhecer, a língua apaneleira-se um pouco no ‘r’ , mas também não se justificará fazer uma prótese dentária para corrigir este fenómeno, tudo se pode resolver com o recurso a um dos típicos comportamentos discursivos de emergência, o famoso ‘falar à bebé’ obliterando simbolicamente a referida letra e assim a coisa safa-se.
Há no entanto um tema, que chega quase a ser uma temática nos seus melhores dias, que eu deixo para o fim, mas que deverá ser tomado em especial atenção, e que tem a ver com a tendência de exagerada substantivação personificante destes dois termos. E é aqui que se pode jogar toda a subversão paralisante (acabado em ‘ante’ também havia a palavra ‘secante’ mas agora tirando este post não estou a ver nada para a aproveitar) . A perda do grau de abstracção intrínseco a estas duas palavras (e eu agora fui trocar de roupa porque os meus poros já não aguentaram tanta pressão semântica) faz com que elas frequentemente percam a carga puramente romântica e sensorial e se envolvam numa corporalidade de registo ontológico, que se revela em todo o seu explendor (com ‘x’ claro) com a utilização das palavras em análise (‘carinho’ ou ‘ternura’) ao interpelar uma pessoa. Isso sim é o arrepio dos arrepios.
Olha, perdi-me.
E no fundo isto tudo era para dizer que estas palavras deverão ser usadas sem espartilhos retóricos, nem subdogmas gramaticais, nem half-enconanços fonéticos. O menino Jesus ‘nas palhinhas deitado’ é obviamente uma ternura, e uma miúda gosta mais duma festa carinhosa na franja do que dum gajo chamado Bob Dylan a grasnar-lhe no intervalo das madeixas e entre duas snifadelas de incenso. E já nem falo de beijos à francesa, claro. God is everywhere, livros do Saramago e esculturas do Rodin incluídos, e eu cá se fosse ao fisco congelava primeiro os devedores antes de lhes ir aos bens.
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