O conto dos achocolatamentos desviantes
Sonhava-se o Ferrero roché a viver embrulhado num papel dourado, sendo fantasia por fora e doce avelanado e crocante por dentro, com baronesas a suspirarem afrontadamente por ele, mordomos a transportarem-no numa bandeja, qual andor de prazer, e vivendo resguardado numa caixa climatizada de raiz de nogueira lacada e forrada a cetim, fazendo duma travessinha Cantão o seu boudoir; tanto servia para se derreter aos poucos como para ser trincado aos repelões, e mostrava-se irrecuperavelmente sensível aos caprichos da translação do planeta e da camada de ozono.
Por outro lado o Mon chéri sentia-se um turbilhão de cereja por dentro, sentia que tinha poros a menos e demasiada ternura emulsionada para sair, era um magma de sensibilidade reprimida, imaginava-se pólen e queria ir abanar pralinadamente o seu cacau ao vento, não valorizava a companhia sedutora das trufas e estremecia deslumbrada e inesperadamente com a presença do pau de canela.
Sentiam-se ambos progressivamente orgulhosos dentro duma minoria gastronómica mas olhados de soslaio pelos toblerones, e acabavam sempre por se enfeitar demasiado entre laçotes, coloridos chamativos e frases de italianismo exacerbado, achando que a prateleira que mais lhes servia era a da mercearia fina, eles que nada ficariam a dever aos verdadeiros patés aux herbes, ao fois gras, inchados agora dum novo direito logístico que se chamaria ‘liberdade de escolha cacauzal’.
Mas sentiam-se sempre discriminados pelo grande Esterculiácio (esta é dedicada a especialistas em botânica), por não ter permitido que da junção das suas sofisticadas polpas germinassem novos Smarties às cores; a natureza era-lhes afinal tão madrasta como a sociedade, a hermafroditização das mutações ainda não era possível por decreto e restava-lhes assim conseguirem adoptar Ovos Kinder para poderem brincar às gamas completas, e em nada serem inferiores ao bombomfóbico marron glacé.
Mas um dia apareceu-lhe uma castanha pilada e disse-lhes: vocês pensam que tudo saiu duma grande mousse de chocolate e que cada um terá o direito a escolher como quer adocicar ou fermentar a sua cozedura, como pralinar ou enrijar, mas olhem, eu também quis fugir a ser assada e agora não passo duma iguaria de que todos fogem porque no fundo só sirvo para estragar os dentes.
O direito à diferença não passará afinal dum enfeite no cabaz das promoções.
Sonhava-se o Ferrero roché a viver embrulhado num papel dourado, sendo fantasia por fora e doce avelanado e crocante por dentro, com baronesas a suspirarem afrontadamente por ele, mordomos a transportarem-no numa bandeja, qual andor de prazer, e vivendo resguardado numa caixa climatizada de raiz de nogueira lacada e forrada a cetim, fazendo duma travessinha Cantão o seu boudoir; tanto servia para se derreter aos poucos como para ser trincado aos repelões, e mostrava-se irrecuperavelmente sensível aos caprichos da translação do planeta e da camada de ozono.
Por outro lado o Mon chéri sentia-se um turbilhão de cereja por dentro, sentia que tinha poros a menos e demasiada ternura emulsionada para sair, era um magma de sensibilidade reprimida, imaginava-se pólen e queria ir abanar pralinadamente o seu cacau ao vento, não valorizava a companhia sedutora das trufas e estremecia deslumbrada e inesperadamente com a presença do pau de canela.
Sentiam-se ambos progressivamente orgulhosos dentro duma minoria gastronómica mas olhados de soslaio pelos toblerones, e acabavam sempre por se enfeitar demasiado entre laçotes, coloridos chamativos e frases de italianismo exacerbado, achando que a prateleira que mais lhes servia era a da mercearia fina, eles que nada ficariam a dever aos verdadeiros patés aux herbes, ao fois gras, inchados agora dum novo direito logístico que se chamaria ‘liberdade de escolha cacauzal’.
Mas sentiam-se sempre discriminados pelo grande Esterculiácio (esta é dedicada a especialistas em botânica), por não ter permitido que da junção das suas sofisticadas polpas germinassem novos Smarties às cores; a natureza era-lhes afinal tão madrasta como a sociedade, a hermafroditização das mutações ainda não era possível por decreto e restava-lhes assim conseguirem adoptar Ovos Kinder para poderem brincar às gamas completas, e em nada serem inferiores ao bombomfóbico marron glacé.
Mas um dia apareceu-lhe uma castanha pilada e disse-lhes: vocês pensam que tudo saiu duma grande mousse de chocolate e que cada um terá o direito a escolher como quer adocicar ou fermentar a sua cozedura, como pralinar ou enrijar, mas olhem, eu também quis fugir a ser assada e agora não passo duma iguaria de que todos fogem porque no fundo só sirvo para estragar os dentes.
O direito à diferença não passará afinal dum enfeite no cabaz das promoções.
Sem comentários:
Enviar um comentário