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The blade runner

O inconsciente é um dos melhores exemplos da famosa faca de dois gumes. Um dos lados serve para barrar o compacto amanteigado da existência, fornecendo-nos uma camada gelatinosa de ilusões, o outro fatia-nos o lombo estóico em finos e delicados carpaccios de resignação. Em qualquer dos casos deve enxaguar-se bem depois de usar e guardar sempre com a ponta obsessiva virada para baixo.

Sublimação & pevides

Tudo já foi escrito sobre o poder. Afrodisíaco, Corruptor, Fascinante, Alienante, Funcionário, Solitário, Carismático, Circunstancial. Todos já o experimentaram e experimentam, seja ele mais explícito, mais exposto, ou mais silencioso ou camuflado; seja ele magnânimo e empolgante ou, pelo contrário, mesmo decadente ou desesperado. Muitos não sabem viver sem ele, e transportam-no como um paramento, outros até se sentem incomodados quando ele se lhes depara, como que vestindo um casaco muito apertado.
Uma coisa é certa: o poder, em variadas circunstâncias, deixa as pessoas a viver em função dele, e retira delas - em simultâneo - o melhor e o pior. Poucas coisas têm essa influência nas pessoas.
Nietzsche, quando nos seus fragmentos dispersos sobre o modelo dionísico do homem completo e superado, escrevia que o «homem não sucumbia sob as contradições» e que, por isso, devia seguir o exemplo ‘grego’ de integração de todos os seus instintos, sentimentos, conhecimentos, mitos, vontades, hábitos, etc (ao invés do modelo asceta cristão que, alegadamente, produziria uma ‘moral de escravos’), olharia para o poder como uma componente directa, quase eremiticamente implícita, da Selbstuberwindung, da auto-superação, da sua construção de suposto homem verdadeiramente livre.
Hoje, verificamos que o exercício do poder é tudo menos essa epopeia romântica de Vergeistigung, Verfeinerung, Vergottlichung & Sublimierung que Nietzsche quase tornou num grande poema lírico.
O homem livre do poder, das suas miudezas e estertores, aparenta nunca poder vir a passar duma utopia antropológica, duma piedosa mitologia, dum sonho de verão.
É por isso que, quando se assiste a manifestações folclóricas, requentadas e postiças de poder, desse poder circunstancial e funcionário, desse poder forjado em massagens linfáticas da banalidade, desse poder que fornece tesão a viúvas, , parece-me muito legítimo pensar que ainda devem faltar muitas Quaresmas até chegar ao juízo final. Até lá, sublimação e pevides.

Sem esquecer as latas de abertura fácil

Depois de redescoberto o poder purificador da ganância, o mundo agarra-se a ela com unhas e dentes para não deixar fugir a sua nova estrela bode de expiação. Se os gananciosos apresentarem ainda, de bónus, uma prática regular de bons e recomendados costumes forma-se então o combinado de excelência expiatória que é a ganância com hipocrisia a cavalo. Se a este prato acrescentarmos o docinho que é a arrogância-sobranceira & sorrizinho, temos o perfeito demo-armani do século XXI. Este diabrete dos tempos modernos é um filho da puta perfumado, uma espécie de chanelbrão que nos enche a alma de um ódio praticamente cristão, e que nos resolve todos os justificados tormentos relacionados com a necessidade duma piedosa explicação para o ‘estado do mundo’. O poder terapêutico e ecológico da explícita malandrice gananciosa é um bem da humanidade, só equiparável aos raios laser, aos cacahuetes caramelizados e ao microondas.

Qui tolis peccata mundi

Dá-me uma certa raiva, mas infelizmente eu sempre tive um fraquinho por Bush. Tinha os seus pecados colados à flor da pele, como post-it’s fluorescentes. A arrogância de burgesso com alguns estudos, a religiosidade instrumental e desracionalizada, o populismo de bisonte semi-messiânico, o coração, os pulmões e o intestino ao pé da boca (onde quase que levou com o chinelo), contrição plastificada, maquiavelismo do texas, prenhe de ouvido, esponja de ódios fáceis. Vai-nos fazer alguma falta.

Tivemos Bush & a ganância wallstreetica como satanazes de turno, mas agora cada paróquia vai ter de começar a seleccionar novos demónios; a baba e o ranho poderão entrar em conflito de interesses, a malvadez pode pulverizar-se, mas até Jesus aviou com uma vara de porcos endemoninhados pela ribanceira abaixo, com grande aparato, antes de ir tratar dos exorcismos mais calmos.

Mas só a verdade é revolucionária, já se sabe.

Antoni Tapiés

Os únicos homens verdadeiramente invejados pelos seus pares – leia-se, os outros homens - são os que têm sucesso com as mulheres. Aquele je ne sait quoi que transforma um simples macho num – inexplicável - objecto de desejo da fêmea será sempre o maior murro no estômago do orgulho dos outros machos que não estimulam tal gulosa reacção. Regra geral o macho comum resigna-se, («não sei o que é que aquele gajo tem que as gajas ficam todas pelo beicinho») pois este superlativo e genuíno tipo de inveja masculina – o mais entranhado e corrosivo - só é passível de ser gerido na discrição semi-complexada do silêncio e na mais falsa indiferença. Nenhum homem de bolbo raquidiano saudável e anatomicamente equilibrado é capaz de assumir à boca cheia esse atroz sentimento de inferioridade: «o que é que aquele cabrão tem que eu não tenha», é uma expressão que, neste caso, não pode passar sequer da zona da baixa laringe. Dinheiro, poder, talento, nada disso produz mais cobiça que a capacidade de seduzir e atrair as mulheres. Mesmo que depois não se soubesse o que fazer com elas.

O medo intermédio

Cedo o homem começou a torcer o nariz aos deuses que a sua imaginação concomitantemente forjara. O medo e a sua prima incerteza começaram a ser variáveis com muitos matizes, e as explicações decorativas sobre o funcionamento do mundo foram aparecendo a bom ritmo; inventou-se o cepticismo, o optimismo e a vaselina. A dado momento foi necessário introduzir na equação o, tão sofisticado quanto básico, problema da finalidade. Depois de algumas noites mais mal dormidas e de outras tantas fodas mal dadas o homem concluiu que a dita finalidade não lhe ajudava de forma conclusiva à equação, mas atribuiu-lhe, pelo sim pelo não, um papel contabilisticamente honroso, se bem que fora do balanço. Ficou então destinado que apenas sobreviveriam às crises e aos malogros da espécie: o grupo dos compulsivamente progressistas e de credulidade infinita, - que em geral atraía os espécimes com aparência de maior generosidade - e o grupo dos estruturalmente conservadores e de desconfiança olimpica, -que em geral atraía os de aparência mais inteligente; no meio pululariam gerações e gerações dos chamados indivíduos intermédios, que de tão fodidinhos que vivem o mais que podem aspirar é a que a ignorância e a sonolência os proteja. E assim o medo passou de variável fundadora da civilização a regra distintiva de civilidade e boas maneiras.

Não nos afastemos da fotografia tipo passe

O homem cedo descobriu que tinha de fazer pela vida. Mas imediatamente se deu também conta de que os problemas iam surgindo tanto de dentro como de fora. Com progressiva estranheza constatou que os problemas que se originavam no seu interior eram mais perturbadores que as adversidades externas. Cada vez mais incomodado consigo mesmo foi alimentando crescentes fantasias de si próprio - na arte, na ciência, na religião, na família, no espelho. O resultado está à vista: não temos tendência a ficar bem em fotografia nenhuma, focamos mal e trememos constantemente com o tripé. Somos a prova viva de que entre um torneado lombo renascentista e uma repugnante víscera baconiana vai a distância duma pincelada mal dada. É absolutamente ilógico e bacoco pensar que não há Alguém a tomar conta da gente.

Misererenobispatia

Após a descoberta do pecado (Gen, 3, 6-7, por exemplo) rapidamente se formaram duas correntes: a fatalista e a oportunista; do pecado apenas poderiam então advir duas trágicas – e cómicas – consequências práticas: ou estávamos lixados porque ele nos transportava para uma condição de eternos condenados mendigando avulsamente perdão e remissão, ou lixados estávamos porque era na luta insana contra a tentação e a queda onde deveríamos encontrar a finalidade ad-hoc para a nossa vida; em comum a ambas: a distinta condição merdosa. Ora o homem ainda em estado primitivamente esclarecido e habituado às agruras da mãe natureza e respectivas pintelhices, ora inundação-ora seca, libertou-se deste espartilho criando regras criteriosamente definidas e ditadas no essencial pela fome, tesão e cagaço. Quando se deu conta de que apenas a primeira tinha uma solução duradoira e estável, doirou a pílula criando aquilo a que mais tarde se veio a chamar de cultura. Mas quando o pecado se viu rodeado por essa coisa enfarinhada, enrolou-se e tomou o caminho óbvio: frigideira. Ainda não saímos dessa fase: fritos; em panadinho.

E com este post inicia-se oficialmente a época misantrópica

O homem moderno é a pior construção do homem moderno. É um animal preso a debilidades psicológicas, desgostos de amor, manipulações mediáticas, procuras de identidade e adolescências. Foi incapaz de se realizar apenas com as fragilidades cósmicas do frio, do vento, e da chuva, incapaz de se limitar a procriar, alimentar-se e aquecer-se, incapaz de se satisfazer com mitos simples e duradoiros encontrados na mãe natureza; numa palavra: incapaz. Quis refinar o amor, fodeu-se; quis refinar a liberdade, fodeu-se; quis refinar a religião, fodeu-se; quis refinar o bem-estar, fodeu-se; quis refinar a consciência, fodeu-se. O homem moderno agora tem de crescer, tem de amar, tem de realizar-se, tem de respeitar a liberdade dos outros, tem de gerir os seus sonhos e as suas privações, tem então de fazer milhares e milhares de merdas sem saber ao certo o que significam, nem para o que servem. O homem tornou-se numa filigrana mais pesada que uma bigorna. Já não precisamos de precipícios para nos despenharmos.

Boas práticas & Equilíbrio sistémico

Penso que se conseguíssemos encontrar e condenar alguém que fosse banqueiro-pedófilo-presidente-de-clube-de-futebol-autarca arrumávamos os assuntos todos duma só penada e com menos despesa e maçada. Em Portugal a malandragem nunca leva a coisa completamente a sério e mantém sempre na sua vida zonas nebulosa, legal e irritantemente saudáveis, nichos de honestidade e bons costumes que em nada os dignificam, nem à nação que maternalmente os alberga. Inclusivamente a nova moda de branqueamemto de dentes, transformou, de forma obscena, os crimes de colarinho branco em crimes de canino branco. Não dignifica, repito. Depois de Pablo Escobar é muito mais difícil ser malandro. Todos me parecem escanzelados, todos me parecem de ejaculação rápida, todos me parecem maus de boca e, não raras vezes, já nos surgem com problemas cardio-vasculares. Ora quem não nasce com mãos de cozinheiro deveria ter mãos de justiceiro, e qualquer cidadão de tendências exemplares que se preze deveria, pelo menos uma vez na vida, e para além de plantar uma árvore e dar um pum num elevador, sacar a confissão pública dum malandro, eventualmente coadjuvado pela Judite, mas a de Sousa, se estiver bem penteada. Cumpre por isso encontrarmos um malandro global, de dentes devidamente amarelados, ainda sem vocalizações cavernosas e de preferência fatos C&A dois números acima. Evitemos gente séria e educada porque demoram mais tempo a desossar.
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