The Bright side of the moon #1

Wool you needle is love
9 semanas em ponto de meia
http://www.knitlist.com
needles & craft
The dark side of the wool #14

A tosquia é por conta, mas o tingimento é sempre pago à parte.
The dark side of the wool #13

A memória faz o que nós quisermos desde que lhe paguemos antecipadamente
The dark side of the wool #12

Se a verdade nos trair o único caminho é pormos a memória a render.
Fly, robin fly (*)


(*) Silver Convention - Fly, Robin, Fly
Conto dum pinga amor que desistiu de ser repuxo

Disseram-lhe que nunca seria capaz de provocar um amor arrebatador a nenhuma mulher. Esquecera-se de ler Maupassant na idade certa e agora não havia nada a fazer, nunca as conseguia surpreender depois de passados aqueles dois primeiros encontros canónicos. Todas as suas experiências se revelavam traumáticas porque era abandonado no momento mais saboroso, aquele em que a ilusão ainda está na fase ascendente e as referências são todas luminosas construções mentais baseadas em indícios devidamente debruados pela sua imaginação. Ficava sempre inconsolável nos três dias seguintes; no quarto dia dormia, no quinto pura e simplesmente não existia, no sexto comia, mas no sétimo era um homem novo, luzidio como um ovo, e voltava ao serviço com o entusiasmo dum noviço. Tinha algo de bíblica esta sua vida sentimental. Chegou a pensar que o seu coração era uma arca de noé e que estava destinado a coleccionar todas os espécimes de amores falhados por mero desinteresse. Mas não havia maneira de aparecer a pomba com o ramo de oliveira e continuava a arrastar-se naquele diluvio de rejeição. Era pessoa reflexiva - mas apenas o quanto baste, sosseguem - e por isso passou calmamente por todas as fases expiatórias que o pensamento fornece: o mal estaria nelas, nas mães delas, nos pais delas, no nariz dele, no excesso de beleza dele, na falta de beleza dele, no seu excesso de inteligência, na ausência dela, na sua demasiada concentração, na sua excessiva dispersão, abuso de confiança, fraca informação, precipitação, calculismo, sensaborona planície, arriscado abismo, tocou todos os extremos e tabelas como uma bola de bilhar bem mandada. Usou barba de três dias, de quatro, de vinte, usou ternura, usou acinte, usou a luz das velas, usou halogéneo importado, e fez de rico, fez de pobre, fez de remediado, chegou até a fazer dele mesmo, pode dizer-se que tudo fez, mas nada, nenhuma chegava à terceira vez.
Desistiu. E foi nessa desistência que encontrou consolo. O melhor lugar para estar era aquele buraco no meio do bolo; sem fatia; sem sapo para engolir, sem prenda, sem fava, sem maçã, sem cobra. Mas também nunca seria sobra.
"uma estrela cadente tracejante" ou assim

Yann Tiersen - A Secret Place
The dark side of the wool #11

Só se consegue amar a verdade depois da oportunidade nos abandonar.
The dark side of the wool #10

Por mais que a lã seja tingida nunca impedirá que a pele acabe curtida.
The dark side of the wool #9

Um tingimento deficiente só se corrige com um tingimento ainda mais escuro e profundo.
The dark side of the wool #8

Uma boa depressão também pode ser alternativa a uma vida demasiado engarrafada.
De rerum fartura

Há pouco ouvi na televisão : «sou sportinguista de gema e belenenses do coração». A chamada paixão da bola revela-nos assim inesperadamente os meandros mais recondidos do Real, que filósofos ao longo de séculos se esmifraram por catalogar, decifrar, montar e desmontar numa infindável bricolage. É pois nesta distinção entre ‘Gema’ e ‘Coração’ que radicam as grandes fracturas do Espírito e seus pontos de ligação com a Matéria.

A Matéria é una e indivisível, despolarizada ( tirando aquela invenção chamada electricidade, que, como sabemos, é apenas uma das brincadeiras da divindade) e precisa visceralmente da tensão existente entre estes dois pólos do Espírito para se libertar da grande masmorra da inércia, da atracção universal e dos pirilampos mágicos da física quântica.

A ‘Gema’ constituirá a parte do espírito responsável pelas pulsões mecânicas e de tendência repetitiva enquanto o ‘Coração’ está ligado às pulsões de registo errático e imprevisível. A Matéria, colocada desde o momento genesial no meio destas duas fontes de movimento e tremideira, oscila entre o esgazeamento e o espasmo e vai alcançando os seus melhores compromissos nos dias em que o espírito tira umas horas para ir à bola e comer uns coiratos.

Geralmente, numa primeira fase, a ‘Gema’ afeiçoa-se às partes da Matéria mais ternurentas e calmas – género pôr’s do sol e bébes a bolsar - enquanto o Coração fica com as partes do real mais turbulentas e instáveis – género lampiões em crise de identidade e digestão de leguminosas. Segue-se o momento em que a ‘Gema’ enfarinha um pouco e fica atraída por movimentos do Matéria mais entediantes – género preliminares e lord byron – e o ‘Coração’ se aproxima dela via a ligação a realidades sensorialmente amorfas – género brincos de argolas e abstraccionismo kandinskyco

Este mero vislumbre da possibilidade duma proximidade entre a ‘Gema’ e o ‘Coração’ (dá-se ali algures entre Alcântara e a Penha de França) serve de propulsor do novo movimento efervescente dos dois constituintes primários do Espírito. É a vez da ‘Gema’ se colocar novamente junto das partes mais extasiáveis da Matéria, enquanto o ‘Coração’ se encaixa em entardeceres e festinhas no cabelo. Note-se, e nem é despiciendo, foi também à conta deste mecanismo de ir e vir que se descobriram as possibilidades dos motores de explosão e o percurso migratório das andorinhas e dos espermatozoides, e será alguma irreverência da Matéria face às instruções destas madrinhas da espiritualidade o que explicará neuroses dispersas, desgostos de amor e das restantes vias urinárias .

‘Gema’ e ‘Coração’ convivem assim desde o início dos tempos neste babysitting da realidade material, fundando de forma subtil toda a representação na mente e mobilizando a evolução Metafísica desde a Essência aos Passarinhos Fritos; não fora pois a tão maltratada paixão da Bola e permaneceríamos reféns dos espartilhos de aristóteles & kant, e jamais poderíamos descobrir que umas Farturas comidas na beira dum carrocel são tanto filhas duma Gema e dum Coração como duma margarina e duma fritura.
Post patrocinado pela Hoyo de Monterrey

Um dos discursos mais enternecedores é aquele que nos informa que toda a análise Ética teria de ser feita isolada do mecanismo religioso, leia-se: como se Deus não exista – ou, género, ‘exista Ele, ou não’.

Ora hoje é um dia litúrgico marcado pelo mais precioso dos absurdos, celebra-se o Espírito Santo, uma das pessoas daquele parnaso teológico chamado Trindade de Deus. Essa espécie de António Damásio da divindade, fórmula mágica que Deus arranjou para salvar da heresia todos os imanentistas com bom feitio, e dar uma réstia de esperança aos cépticos encartados é, sem margem para dúvidas, um dos elos poéticos desta caldeirada que se dá pelo nome da Criação.

Sabendo que o homem se haveria de enredar nesse novelo moral chamado ‘O bem, o mal e o assim assim’, Deus tinha de encontrar uma terceira via que continuamente fosse pondo água na fervura que são as relações entre Pai e Filho, e que todo o santo dia se emaranha pelas paredes da alma de qualquer crente- fora aqueles momentos em que fuma um charuto em condições como é o caso.

O Espírito Santo é uma espécie do Deus Moral-free, existe para nos iluminar, esclarecer, ir dando umas abébias, e permitir que vivamos num karma oficioso, que nem budistas mas sem medo de ter piolhos no cabelo.

O silogismo definitivo e resumido é este: o pecado é um instrumento do perdão, o perdão é um instrumento de Deus, logo só há pecado se existir Deus, logo só há bem e mal se existir Deus; sem Deus isto é um interminável assim assim, filho de rasuras em Contratos Sociais e birras de Leviatans. Sem Deus, não há um único raciocínio ético que não possa ser desmontado com outro equivalente, toda a Ética será uma mera gestão de culpas e não agressões, com mais ou menos castigo, estará entre o capote a sacudir-se e a máxima rentabilização dos direitos de autor.

O cristianismo – querendo aqui significar apenas a ‘revelação religiosa’ feita por Cristo – funda , de facto, uma nova relação do homem com Deus, e deixa-o mais livre para se relacionar com Ele e com o mundo. Se nos afastarmos da condicionante histórica ( o médio oriente, os judeus, o paganismo, o império romano, etc), constataremos facilmente que a sua grande novidade é esta: Deus está dentro de cada um de nós e entranha-nos por essa fórmula mitigadamente cartesiana: penso, logo sou filho de Deus. O Espirito Santo, deliciosamente colocado num olimpo poético-exegético, demonstra que a moral é filha do casamento entre a fé e o pensamento. E também me dá boas indicações de que o novo disco dos The National é, de facto e imanentemente, bastante bom.
Socialismo nos tempos sem cólera


Quando veio a tal revolução dos cravos, alguns mais avisados – na altura também chamados de fascistas - sabiam que se haveria de pagar um preço. Nesse cabaz da democracia estariam os novos armandos varas, as felgueiradas, as quarteiras, as argoladas pinho & lino, sa, os condes Andeiro da 3ª geração, os financiamentos obscuros dos partidos, o eduquês, a parlamentarite, a demagogia em vez do desaforo, a desvergonha em vez da sobranceria, o elitismo bacoco em vez do bolorento, os dedos em riste e os institutos para a prevenção rodoviária. Teríamos uma adaptação lenta, dolorosa - mas sempre atenuada com a boa desculpa «ainda somos uma democracia recente» - alimentaríamos incompetentes com o nosso voto, vasculharíamos dicionários à procura de significados alternativos para ‘representatividade’, e os neo-jacobinismos teriam direito a andar de mão dada com os manás em forma de igreja. Ora o que acho é que não estariam à espera de, nesse mesmo país, e alguns anos depois dum desenhador de piadas ter alegremente posto o Papa com um preservativo no nariz, um gajo qualquer tivesse um processo disciplinar por causa duma piada privada em torno dum soberanete socialista - que, de facto, terminou um curso universitário às três pancadas e adornou currículos - a quem o povo pôs a render numa esquina da história.
showoff
The dark side of the wool #7

E um dia a ovelha, cansada da tosquia, reparou que afinal a sua lã era toda tingimento.
chalassoterapia


Esta coisa de ainda nem termos conseguido chegar a 12 candidatos para uma câmara falida e dos professores andarem a contar anedotas sobre o Nosso Querido e Virtuoso Primeiro tem-nos desviado do verdadeiro tema que importaria no momento: Isabel Figueira foi trocada por Cláudia Vieira nas campanhas da Triumph. E tal merece uma análise tão detalhada quanto aprofundada.

Aparentemente tudo poderia ser apenas resultado do enlace matrimonial (e sequencial multiplicação celular) que Isabel estabeleceu com o ex-jogador do FCP César Peixoto. Convenhamos que coabitar e partilhar canalizações, estores e ácaros com alguém que tem tanto de ‘César’ como de ‘Peixoto’ poderá efectivamente criar nervoso miudinho e crises de posicionamento civilizacional em qualquer mulher que seja hormonalmente activa e selectiva, e assim lhe prejudicar irremediavelmente as formas e a tonalidade da pele; mas, por outro lado, Figueira ficaria sempre a perder para com outra moça que apresentasse um nome de Rainha, mesmo que seja apenas do Reino das Ameixas e que, para além disso, tenha ainda um rabo visto por uma quantidade inferior de mirones. Quanto ao apelido biválvico de Cláudia, ele faz, como sabemos, uma parte importante do imaginário nacional: um povo que sempre quis ultrapassar a fase de mexilhão, mas apenas o alcança metaforicamente.

Poderia parecer que eu estava a perder tempo com uma frivolidade e ainda para mais a aproveitar-me do efeito fácil de graçolas que envolvam o estatuto curvilíneo e erótico da anatomia feminina, que, isso sim está por esclarecer, não se sabe se deverá mais à selecção natural se ao intelligent design. Mas não. As campanhas da Triumph são um indicador sintético e conclusivo sobre o estado da sociedade portuguesa.

Ora em plena fase da tanga e da reduzida vida para além deficit, o país precisava duma Isabel Figueira; de alguém que transportava uma árvore amaldiçoada no nome, mas que conseguia, à base de pose, e da rentabilização da falta de chicha, recuperar o ânimo e mesmo convencer-nos que esse estado underwearico porque passávamos era uma bênção. O basbaque anestesiante fazia parte integrante do quadro sociológico.

Hoje não. Hoje somos um povo esclarecido, moderno, tecnológico, ciente das suas capacidades, e que, perante as adversidades da globalização, do aquecimento global, e dos certificados rasurados, não claudica. Cláudia é pois a nossa imagem. Escultural, robusta, com uma sinuosidade alicerçada em medidas estruturadas e reformistas. Não será uma Cardinale, mas Isabel também não era uma Pantoja. Hoje, tal como a mulher portuguesa já venceu o estigma do gordinho e baixinho, já pode interromper a gravidez como uma menina culta, crescida e asseada, já pode ser uma heroína do triatlo, contar anedotas porcas e ler a anais nin sem que lhe chamem cicciolina, Cláudia representa esta nova libertação: desistimos de ser bonitos, basta-nos estar convencidos.
Com tempo vamos ao tremoço

É evidente que Deus não existe. Primeiro, porque o conceito de existência é algo estafadíssimo e extraordinariamente aborrecido, segundo, porque não é tributável ao ser incompatível com a condição de sujeito passivo, e, terceiros, existir é coisa para pobres de espírito. Dizer-se que é ‘puro ser’, ‘puro acto’, serão meros expedientes metafísicos que, desde filósofos mais desempoeirados a floristas brejeiras, já desmontaram até à exaustão às respectivas freguesias. Por outro lado, Deus, como mera construção da nossa mente, é um conceito bastante atraente e mesmo empolgante se estivermos com a adrenalina no ponto certo, e a bexiga sem atrapalhar. Naquele processo de passagem do homo faber para o homo sapiens acho que nos faltou um bocadinho de calma, dá ideia que saltámos do ferro fundido para os banhos turcos sem ter pelado o rabo todo. Ou, se quisermos, podíamos ter passado de Aristóteles para Kant sem ter passado por S. Tomás de Aquino. Justificar a presença de Deus na nossa vida e no mundo, muitas vezes, é querer explicar o valor duma meloa começando pela inexplicável presença das pevides. Mas Deus, para se levar bem, precisa, de facto, dumas cervejitas. Nunca nos esqueçamos que o primeiro milagre canónico está intimamente ligado a uma fermentação.
The dark side of the wool #6

Ser incompreendido produz alguma frustração, mas compreenderem-nos também pode ser uma canseira.
Conto do gajo que escrevia contos mas contos mesmo dos bons

Ele estava indeciso se tinha sido a frase «foda-se, que escreves bem como o caralho» que o tinha feito nascer para a escrita, ou se tinha sido mesmo aquela aposta com o gajo da bomba de gasolina em como foderia a miúda da papelaria muito antes dele conseguir escrever um conto que fosse, mesmo daqueles em que a palavra cona aparece três vezes antes da palavra conspiscuamente, ou mesmo excentricidade ou promiscuo. Mas aparentemente a vocação da escrita tinha-lhe sido mesmo revelada durante aquilo que posteriormente ele haveria de apelidar como acto de tendências sexuais, mas de consequências sociológicas. A paternidade incógnita conferira-lhe um conhecimento da natureza humana que apenas tinha experimentado de forma superficial aquando da relação passageira com uma enfermeira geriátrica que o chamava de «minha jugular assanhada» e lhe pedia mordidelas em locais que eram desconhecidos até aos mais experientes e dedicados crentes e contorcionistas de religiões orientais praticadas em zonas de rarefacção de oxigénio. Poderá mesmo dizer-se que era um escritor que tinha brotado daquela mistura explosiva de luxúria, convicções, escrúpulos e uma circuncisão praticada de forma efusiva. O seu primeiro enredo veio inspirado obviamente do seu primeiro coito reprimido. Qualquer ficcionista que se preze é filho duma vulva que se lhe fechou sem especais cumprimentos nem remorsos. O sucesso sexual por si só apenas produz estivadores e gestores de empresas, a escrita fluente e teledirigida precisa como do pão para a boca duma foda mal dada, ou duma cona completamente desencontrada, não chega um «para isso tinha ficado em casa», não, um «para isso tinha ficado em casa» apenas produz paneleiros e outros amantes da bricolage. A amizade que estabelecera com gente das ciências experimentais afastara-o felizmente das grandes questões da humanidade, e permitira-lhe o feliz encontro com uma bioquímica que tinha feito fortuna a gamar átomos de carbono às moléculas de glicerol e a traficá-los com uma nutricionista em Ayamonte. Fizeram uma sociedade para trazer confiança sexual a portadores de rabos flácidos, tendo ele obtido experiências de estrangulamento pelas vias posteriores, que acabaram por lhe render dois best sellers e três enxertos de porrada. Era uma vida saciada a conduzir uma escrita periorgásmica, género realismo mágico mas com mais corrimento. Descreveu mentruações que pareciam excursões pelo Nilo, ganhou um prémio em Nova Deli pela melhor desfloração em plena selva tropical, e a Ski news entrevistava-o de cada vez que metaforizava com a boca do inferno ou as paisagens da Anatólia. Chegou a descrever sentimentos no dia em que lhe morreu um cão, mas rapidamente lhe começaram a aparecer triângulos invertidos nas entrelinhas. Foi avô aos quarenta sem ter conhecido o discreto sabor da mão ginecológica, mas só conseguiu escrever o seu primeiro livro infantil à quarta tentativa, e, mesmo assim, o capuchinho vermelho acabou a fugir à pressa pela porta das traseiras.
All & But (*)


Apresento-me aqui na obrigação de escrever algo sobre os lagartos, mas acabo de ler que vinte e três lotes de Halibut foram retirados do mercado. Hesito. Ou falo de Miguel Veloso, ou falo da maravilha da Grunenthal. O meu coração e a minha virilha entram em súbita competição para ver qual fala mais alto. Vai ficando inclusivamente mais distante o grande texto canónico que hei-de escrever sobre Helena Roseta, e que será certamente um momento everéstico deste blog. Deus me dê saúde, como diria o nosso Santana Lopes, ou rigorosamente a não perder como diz o nosso Mário Crespo, ou Deus me dê rigorosamente uma saúde que eu nunca perca, diriam os dois a atrapalhar-se um a outro se tal se proporcionasse, o nem me parece difícil, dado que a mizé nogueira pinto já não pode ir à sic notícias porque os novos óculos que usa desmaiam muito no acrílico do estúdio cor de pintelho embebido em viochene. Voltemos à pomada: eu gostava de declarar que um halibut, mesmo em ligeiro estado de decomposição, é um bálsamo para qualquer tecido carente. Está para a pele como o Sebastião da Gama está para os desgostos de amor, ou como o ‘foda-se’ em formato interjeição está para um gajo a quem a suposta mulher que ama lhe tenha posto um belo par de cornos com enfeite, acordeão a acompanhar e tudo. Ou seja, a Grunenthal é uma espécie de academia de Alcochete para a assadura intersticial: é de lá que saem as maravilhas que rejuvenescem os tecidos e que podem pôr plateias inteiras (coxias incluídas) embasbacadas com a sedozidade das nossas zonas circumpélvicas. E é por estas e por outras que daqui a uns tempos o Beckenbauer será conhecido como o Miguel Veloso da Baviera. Um tipo que foi banhado com esta graça de ser lagarto, no fundo, se não se especializa em pomadas acaba a esfoliar a paciência a tudo e todos. Mas.
(*) possibilidade de slogan de campanha para uma nova imagem de Portugal como aquele país em que tudo é possivel, mas desde cada um traga a respectiva pomadinha consigo.
Correntezinhas – take 2

Secção de meme’s

Supostamente colocado numa ligação perversa pela Zazie ( e o Timshel ainda aproveitou para dar um encostozinho), mas devidamente enquadrado num diáfano ambiente de badalhocofilia, sou levado a deixar aqui o tal de ‘gene cultural’, nome artístico de calinada, certamente.

Gostava de salientar que:

1. a apropriação de frases oriundas de civilizações clássicas de pendor amaneirado, e que, ainda para mais, sobreviviam graças à escravatura, à estatuária desnudada e que prescindiam de cós nas calças, nunca permitirá a pureza de espírito que deve impregnar a profusão de todo e qualquer gâmeta sapiencial.

2. quanto à difusão de ideias inspiradas na grande noite escolástica - mesmo que esforçadamente decoradas pelo photoshop do cocanha, que lhes retira o verdete, o musgo e o mofo, sem ter sequer de lavar escadas nem esfregar com palha d’aço – julgo que jamais permitiriam ao bípede homo-ciber-bronco libertar-se verdadeiramente do soft-aristotelismo que ainda hoje o atrofia.

3. Reforma, Iluminismo e Romantismo são, como Freud e Wittgenstein descobriram, meros aproveitamentos estéticos de lapsus linguae’s, e por isso seria deselegante e enganoso para a clientela encomendar-lhes quaisquer normas de conduta ou de digestão fácil. (mesmo que o La Bruière tenha dito que 'o escravo só tem um senhor enquanto o ambicioso tem tantos senhores quantos aqueles que lhe são úteis' - mas acho que este gajo o único tema que lhe passou ao lado foi o efeito do creme barral nas estrias pós parto)

4. o modernismo e os seus pós (desde o existencialismo à coca, passando pelo tom waits) foram sodomizados pelo tempo e triturados pela CNN, pelo que só se lhes aproveitam a pintura abstracta, os antibióticos e o microondas.


Ora assim sendo, e tomando ainda em consideração que a Deus a discricionaridade e ao homem o compromisso, recomendo a tese desnaftalinista: mais vale transportarmos um ou outro buraquito de traça, que tresandarmos a imunidade.
O que é que tchekov tem e shakespeare não tem

A certa altura a actriz diz:«... eu imaginava que as pessoas de cabelo claro me eram hostis, enquanto que as de cabelo escuro me eram friamente indiferentes.», mas o texto (traduzido) diz que hostis seriam as de cabelo escuro e indiferentes as de cabelo claro. É um ‘engano’ curioso - ou foi uma correcção da tradução, ou foi uma traição do inconsciente da actriz - mas que nada tem a ver com a mensagem final de Nina Zarechnaia, a grande mensagem da alma russa: «o que é importante é conseguir aguentar».
Desmaker corner

A mulher e a ciência


Quando Deus no seu Insondável Ser pensou a mulher, tal como se pode comprovar desde o Gilgamesh até às crónicas da Inês Pedrosa, passando pelas flores-que-não-eram-de-cheiro do Pentateuco, quis criar um ser de intuição e sistemas urinários bastante sensíveis e sofisticados.

Esta enorme capacidade da mulher, que escapa a toda a epistemologia, em se servir do pensamento como outrora se serviu da costela, da serpente, e da maçã, e hoje da saia de racha, são uma marca do género. Ficaram talhadas para chegarem à verdade sem a maçada e o desconforto da comprovação concomitante, da dedução iterativa, da confrontação de teses contrárias, e o conceito de probabilidade afigura-se-lhes mesmo como algo de meramente romântico. Vem daqui o verdadeiro fascínio que as mulheres possuem pelos cientistas da experimentação, da elocubração, da inferência, principalmente daqueles que com um paleio enleante, mas certo e criteriosamente pejado duma tal de fundamentação, conseguem validar aquelas verdades que elas alcançam por pura e fulminante intuição, nessa espécie de misticismo de kitchnete . São exemplos blogosféricos desta paixão, os 'recentes' da f. Câncio pelo rapaz da biologia inventada, ou os da Bomba pelo Freud, ou mesmo da Rititi pelo António Banderas.

Ora, como todos sabemos, a mulher é, em paralelo, a grande mestre da generalização, possui a inigualável mestria em pressentir equinócios floridos à mera presença duma andorinha a gaguejar chilreios, em vislumbrar Junos entre cirros desenhados a algodão doce. Parecia assim um ser talhado (já é a segunda vez, o que indica a minha visão de Deus como Supremo marceneiro) para gerir a economia do conhecimento científico, mas a sua congénita dificuldade abstraccionista impele-a para o reino desse refogado que é a intuição feminina, o verdadeiro ‘je ne sais quoi’ das ciências do conhecimento.

Este verdadeiro fascínio das mulheres por cientistas, por homens que conseguem agarrar-se a um método sistemático que nem um colete de forças para confirmar aquilo que a elas se lhe corre das entranhas para a epiderme que nem uma espécie de linfa sagrado, será um fenómeno historicamente intermitente. Nos dias que correm a mulher sente-se dona de verdades muito delas, coisas que o falocentrismo terá obscurecido ao longo de séculos e que agora elas trarão ao de cima com a naturalidade e a exuberância dum abade de priscos que durante anos foi pudim flan. Ora o que é que este homem das ciências, este neoneantherdal estruturalista, tem que a seduza desta forma peri-orgásmica?

Eu penso que é a parte decorativa do homem das ciências; esses tipos que transformam toda a verdade num preliminar deixando antever climaxes cósmicos, esses verdadeiros laliques do pensamento, quando encaixam na vitrine que a mulher vem construindo à base daquele sentido que vem a seguir ao quinto, põem-na num estado de excitação que só se compara com o do arroz de grelos quando chega perto dos pasteis de bacalhau. A mulher precisa que as suas verdadezinhas sejam apascentadas por homens que se concentrem a descobrir porque têm pêlos a saírem-lhes das orelhas. Steiner escreveu que há uma ‘intimidade determinante entre a morte e a poesia’ e que esta ‘espia sempre a morte com o ciúme de amante’, pois eu acho que as mulheres espiam a verdade com o ciúme das amantes, ou seja, só a podem ver nas mãos daqueles homens que verdadeiramente nunca lhe podem tocar, os cientistas.
inocência e perversidade (ou vice-versa)


Franz von Stuck (1910). Dissonanz. Óleo s/ madeira, 76,7 x 70 cm. München: Villa Stuck

Luna Park

«A metáfora satisfaz-nos precisamente porque nela averiguamos uma coincidência entre duas coisas mais funda e decisiva que quaisquer semelhanças.» Ortega Y Gasset, in Prólogo ao livro El pasajero de J. Moreno Villa
conto dos amores que nunca darão pulitzers

Suplício e Felicidade tinham-se conhecido entre dois croissants recheados. Ela escolhera de morango, mostrando frescura e juventude, e ele optara por caramelo, dando a entender luxúria e insaciedade. Mas como nunca sequer tinham pronunciado tamanhas palavras mantiveram o chamado engate de olhar, aquele que está a meio caminho entre o platonismo da caverna e o atrevimento da caserna. A primeira tarde juntos passaram ali em Linda-a-Pastora, numa pastelaria especializada em mil folhas que não deixavam a marca do enfarinhado nos beiços. Falaram dos primeiros tempos de Fátima Lopes, do Rodrigues Guedes de Carvalho, de uma música de Eugénia Melo e Castro que tinham por coincidência ouvido no corredor das toalhitas húmidas do Feira Nova, e riram-se a bom rir do Alberto João Jardim, «aquilo é que é um homem», chegou ela a dizer, «é ele e o Pinto da Costa», concluíram já quase de mão dada quando descobriram que os avós eram do pé de Freamunde. Ele andava a montar roupeiros e rodapés num empreendimento novo na Abuxarda e foi aí que marcaram o segundo encontro. Ela era manicura e pedicura ao domicílio com clientes que iam da Quinta da Bicuda até Almoçageme. «Coitadinha, já nem deves poder das costas» disse ele com uma ternura genuína dos homens que vivem das artes da madeira. «Tu deve ser bem pior por causa de teres de andar agachado» desabafou ela, como troca sincera de preocupações. [Só quem sua a trabalhar pode ser verdadeiramente sincero. Corpo que não saiba a sal no fim do dia é um corpo hipócrita]. O café da Abuxarda era moderno e ainda cheirava ao estuque – se bem que ao princípio parecia baunilha – não tinha propriamente especialidades mas a coca cola tinha bom aspecto, até porque serviam com gelo; «como em Espanha» disse ele, que tinha montado um aparthotel em Huelva. Já os uniam bastantes coisas, mas quando descobriram que ambos gostavam de leitão e fanecas fritas pareceu-lhes a prova definitiva de que estavam feitos um para o outro. Agora só lhes faltava um beijo na praia. Tinham ouvido dizer que um verdadeiro amor só se selava à beira mar, e num sítio onde as águas se revoltavam junto às rochas só com o calcário desenhado por testemunha.
Gangliosaxões

Isto é que se diz na campanha eleitoral duma das mais antigas e maduras democracias do mundo, com daqueles parlamentos que fiscalizam mesmo, círculos uninominais, justiça descomplicada e eficiente, separação de poderes, tradição de pluralismo, respeito pela autoridade e pela liberdade individual, boa formação cívica...:


Eu vou ajudar-vos a encontrar a Madeleine”, Gordon Brown
Bloco consistente

A aparente iniciativa legislativa ( sonante, a frase) do Bloco de Esquerda para passar a ser permitida a concessão do divórcio apenas a pedido de um dos cônjuges parece-me uma consequência absolutamente lógica da autorização dada à mulher para abortar apenas por iniciativa dela e sem necessidade de qualquer justificação. Nem sei do que estão à espera para liberalizar as ordens de despejo.
Correntezinhas – take one

A MC que me perdoe mas eu não consigo identificar-me com essa panóplia toda de coisas sofisticadas. Não tenho pinta de alquimista, sou um ser básico ao qual estão vedadas quaisquer identificações panantropologicas, e tenho mais horror a analogias que à minha vizinha do terceiro esquerdo, que ainda hoje me deitou um olhar – eu, na minha inocência interpretei de lascivo - no elevador que me deixou com suores frios. E nem boa é; apesar de; conforme.


um sonho – nem queira saber; basicamente todos os meses ou assassino um amigo, ou despeço um empregado com uma ninhada de filhos, ou drogo um concorrente. De tal forma que todos os meus sonhos estão copyrightados e os direitos foram doados à associação mundial de psicanálise e à caritas internacional. Só de pensar que podia ser metaforicamente um sonho até preferia ir directo para a cadeira do dentista.

uma forma geométrica – essa nem tem discussão: a ser alguma queria ser aquelas maçãs rainetas cortadas ao meio que aparecem de forma dispersa na obra do Aleshinsky. A fase dos rabos Botticelianos deixei aos doze anos e a do queixo arredondado da Dora Maar aos quinze.

uma cor – não troco nenhuma cor da natureza por aqueles quadros mortiços do Morandi. ( à excepção da camisola dos lagartos, mas aí já estamos a entrar em domínio do religioso e, como se sabe, um fiel cumpridor não deve gozar com a iconografia paramentária) Uma garrafa do Luso pintada por esse gajo valia mais que uma dúzia de Fontanas de Trevi a decorarem a capela Sistina ( vá onze, pronto)

um som – oscilo entre aquele dos calhaus a rolarem na maré vazia, com as oscilações half-guinchadas dos Talking Heads em ‘Once in a lifetime’ e todo o cabrão (sorry) do Charlie Parker. ( isto tirando os sustenidos de meter dó das entrevistas do Mário Crespo, claro)

Um aroma – confesso que acho a palavra aroma um pouco apanascada. Serei certamente um aromofóbico. Contudo a sua sugestão de pão de lenha nem está mal, até porque a última vez que comprei um desses ali saídinho dum forno ribatejano quem mo embrulhou até parecia a miúda da galp ( o que não deixa de ser contraditório). Chiça que assim até eu tinha ido para padeiro.

Queira perdoar a minha ausência em conceitos tão efervescentes como ‘desejo’, ‘sentimento’, ‘emoção’, e ‘sentimento’ porque a última vez que tive disso a parteira disse-me para tirar dali a mão; sou um caso clínico de recalcamento e insatisfação desde então.

‘flor’, ‘fruto’, ‘doce’, ‘árvore’, ‘jardim’ e outros que tais, então é que não faço mesmo a mínima ideia do que significam, por isso a leio quase epifanicamente e, de castigo por esta minha incompetência, se calhar até merecia levar com dois boffs e três mertons aí no seu estimado estabelecimento, porque, já se sabe, lagarto que vive à míngua nunca se lhe deve puxar pela língua.
Evolução natural, selecção das espécies, intelligent design e outras maravilhas nos galápagos do mediterrâneo

Há um pouco mais de 10 anos encontrávamos (por exemplo) esta meia dúzia no primeiro governo de Cavaco…

Álvaro Barreto
Leonor Beleza
Mário Raposo
Miguel Cadilhe
Mira Amaral
Eurico de Melo


…mas nos finais de Cavaco já poderíamos encontrar disto…

Carlos Borrego
Falcão e Cunha
Arlindo de Carvalho
António Duarte Silva
Marques Mendes
Braga de Macedo

… nos princípios de Sócrates, temos disto…

Manuel Pinho
Alberto Costa
Nunes Correia
Vieira da Silva
Severiano Teixeira
Isabel Pires de Lima

… então… agora é só fazer as contas para a remodelação.
The dark side of the wool #5

Sendo o sofrimento uma condição necessária, desgraçadamente descobre-se que não é suficiente
Neonicotinacinismo

Fruto do capitalismo opressor e globalizante, do liberalismo intersticial, da decadência da natureza humana em geral e das forças obscuras do mercado em particular, o Estado Ocidental foi perdendo a capacidade de ser o motor das sociedades. Vão cada vez mais longe os neokeynezianismos e os socialdemocracismos, e por isso só lhe vai restando gerir a regulamentação apaneleirada ou o lobbysmo despudorado.

A nova via de recuperação do prestígio e da capacidade impulsionadora perdida do Estado é rigorosamente e apenas o proibicionismo. Proibir de forma estudada, criteriosa e sistemática por forma a que a sociedade, ao se ter de adaptar , vá tendo de se reorganizar, investir, tornar-se eficiente a driblar as proibições, e imaginativa a criar novas necessidades de prevaricação ou potencial desvio. Como o pecado é um dos motores da alma, a proibição deverá ser o motor das sociedades modernas.

Este exemplo actual da proibição de fumar parece-me paradigmático como medida acertada e adaptada aos novos dias que vive o Estado nas sociedades adormecidas. Falamos dum hábito de tendência compulsiva e massiva, com bastantes interesses envolvidos directa e indirectamente, e com bastantes hipóteses de ter de ser compensado com praticas alternativas diversificadas. Ou seja, exigirá não só a imensos agentes colaterais (restaurantes, hotéis, por exemplo) a terem de investir e adaptar-se, criando emprego e inovação por essa via, como abrirá a outros agentes novos (ex: empresas de chupa chupas e de calmantes) mais oportunidades de negócio, novamente com mais emprego directo e indirecto (as empresas de publicidade já estavam a ficar à nora). Proibir permitirá ao Estado incutir investimento estruturante e transversal na economia sem ter de gastar um chavo em despesa pública tirando meia dúzia de diários da republica ( os políticos são custo fixo)

A regulamentaçãozinha já tem feito algum trabalho neste sentido, mas tem sempre aquela carga negativa dum certo burocratismo associado; o proibicionismo não, é uma coisa viril, saída do cerne do conhecimento da natureza humana, justificada pela força dum iluminismo latente cruzado com um reformismo propulsor, e proporciona uma autoridade redobrada ao Estado, que, assim, até acaba alcançando o pleno: zela pela nossa débil condição pós diluviana e existencialista e ainda impulsiona a economia, não a deixando apenas ao sabor dos interesses erráticos e caprichosos do mercado, da concorrência e do lucro, filhos de Satan e Hollywood, as we all know.
E o que eu me esforço para ser um ‘crente badalhoco’

Antes de mais segue uma resenha gamada de várias tiradas duma deliciosa troca de comentários em sede de caixa dos respectivos no ‘Cocanha’, entre Zazie e Francisco Burnay

«Mas eu gosto de ateus que percebem que o realismo é uma pobreza de espírito»

«Já morreram demasiados velhos sem ver o mar para eu pensar que tenho tempo.»


«creio que os crentes preferem o desafio de um ateu que de um crente sem problema religioso»

«Um ateu militante precisa de ter muito mais espiritualidade que uma crença mansa»

«esse estádio semi-animal sem precisar de racionalização e domesticação, para aperfeiçoamento da alma, nunca durou muito como doutrina»

«O "semi-cristianismo", desde que culturalmente fundamentado, não é badalhoco. O panteísmo pensado também não é badalhoco (um panteísta conta como cristão-fraco? Isso é pertinente para as estatísticas).

«No dia em que deixassem de andar à boleia à custa do cristianismo e ficassem em pé de igualdade laica com tudo o resto, eram submersos pela macumba africana»


O conceito de ‘crença badalhoca’ é óptimo. Os espécimes do ramo católico apostólico romano como eu, que alimentam o sonho de viver eternamente ali no triângulo ‘filho pródigo – bom ladrão – samaritana’ ( eu a este junto-lhe a minha maior ansiedade particular: que música haverei de trautear na bicha para a comunhão – agora ando numa fase claramente shins-lullabylica) sempre tiveram como maior ambição conciliar a ortodoxia que os enquadra, com a irreverência que os anima, na busca do pecado perdido, na vertigem da reconciliação mais anabolizante. Qualquer católico que se preze deve olhar para a doutrina como uma das maravilhas da humanidade, e, por isso, como qualquer tipo que passe os dias a correr entre um taj mahal, uma torre eiffel e uma mesquita azul, no fim do dia quer é alguém que lhe massaje os pézinhos com a pomadinha mais etilizante do universo. Se há gajo que está mais do que convencido da enorme badalhoquice que é a fé é o católico, pois sabe bem que ela se construiu, e constrói, também no meio das suas mais recondidas limitações, asneiras e subterfúgicas hipocrisias e escrúpulos. Quem acredita deve ao máximo fugir de tentar entender porque acredita pois, na melhor das hipóteses, encontrará uma catequista boa como o milho. Uma fé clean só serve para anúncios do Fairy.
Passos do consselho

Sócrates sempre se mostrou de elevadíssimo calibre a escolher candidatos. No desejo de não ser cilindrado por Cavaco meteu os pés pelas mãos com Soares; mas como o povo já tinha incorporado a vitória de Cavaco, o assunto passou. Nas ultimas autárquicas em Lisboa deixou Carrilho ir-se afundando tanto que nem deu tempo para encalhar; mas como Carrilho conseguiu açambarcar toda a responsabilidade da asneira, o assunto passou. No seu curriculum acampam duas sui generis vitórias eleitorais: a que Sampaio lhe proporcionou numa bandeja a ele próprio, e a do aborto porque conseguiu colocar a consciência nacional como candidata ao ‘gólgota de modernidade’.

Agora parecia uma situação simples e boa para demonstrar que era pelo menos uma amostra de estadista periférico semi-populista: escolher um candidato forte e bom para Lisboa, viesse donde viesse. Mas não, já não há gajos decentes, fortes e competentes que se queiram meter nisto. Agora é mesmo o tempo dos medíocres. Dos que têm como missão para a vida: passar pelos intervalos dos pingos sem se molhar muito.
A César o que é de César, ao intestino grosso o que é do intestino grosso

Uma das mais caprichosas questões em torno do chamado comportamento humano é saber se ele é mais condicionado pelos aspectos culturais, se pelo zodíaco, se pelo intestino grosso ou se pela visão apocalíptica da mãe a travar intimidades com o pai.

A questão religiosa e a questão política coabitam nesta interpelação (interpelar é sempre um verbo que se deve usar de tempos a tempos pelo seu imediato efeito de empolgamento espiritual anexo) duma forma arrepiantemente promíscua.

Reparemos, o homem político preocupa-se em saber se deve ou não transferir para terceiros, os direitos que assume lhe tenham sido atribuídos e consagrados pelo mero facto de respirar, fornicar em múltiplas posições, ficar com comida entre os dentes, e saber a tabuada de cor. Quanto ao homem religioso, a sua maior preocupação situa-se em saber se deve deixar entrar mais ou menos intermediários na sua relação com o Criador, ou, no caso dum não crente, se deve apostar mais no afastamento das micoses existenciais pela via da raspagem individual ou se deve usar mais pomada já testada noutros interstícios.


Apesar de ser tentado a pensar que o intestino grosso tem um papel predominante nestas fracturantes questões, e que não devemos menosprezar o papel de relaxante muscular e anti flatulente dum bom Zodíaco…

[por exemplo, um caranguejo com o cólon irritado acreditará sempre num Deus castigador e muito exigente, um capricórnio com azia jamais permitirá entregar ao Estado a organização dos tuperwares na cozinha e o horário da ida à conduta do lixo, ou um aquário com vesícula sensível verá sempre Deus e o Estado como entraves para a sua autonomia]

…. temo que Freud e Durkheim tenham estado bastante perto da verdade, (apesar de não pensar que baste ser careca e de barba para descobrir o sentido da vida) ou seja, tudo se resolve nas movimentações que ocorrem no chamado inconsciente cultural, essa mistura de mioleira com suor, que coloca o ser humano a meio caminho entre uma livre associação do criador e uma dialéctica histórica.

Assim sendo, julgo que poderei sucintamente concluir que: o homem relaciona-se com Deus baseado no seu equilíbrio pessoal entre a figura do papá e da mamã, e o homem político relaciona-se com o Estado sob influência da porrada que deu ou levou dos irmãos.

Na verdade, a única e real incompatibilidade que a nossa natureza apresenta é entre a propensão para digestões e cartas astrais difíceis e a crença na tendência do mercado para o equilíbrio e o cumprimento de desígnios com alguma transcendência.

Iguais perante a lei e únicos face a Deus é o pensamento mais luxuoso que um homem pode ter. O resto é apenas desenrascar e sobreviver.

The dark side of the wool #4

A indiferença liberta-nos, o subjectivismo acalma-nos, mas apenas uma boa paranóia nos estrutura convenientemente

The dark side of the wool #3


Mais saudável que um preconceito só mesmo uma obsessão
Homo classicus ibericus
JL, 1991, «Delicadinhos #1». Alpargatas en aceite, 15 x 10 cm. Lisboa, colecção particular.
Luna Park

Todos descobrem, mais cedo ou mais tarde, que a felicidade perfeita não é possível, mas poucos se detêm na consideração oposta de que o mesmo acontece com a infelicidade imperfeita. Os momentos que se opõem à realização de um e outro estados-limite são da mesma natureza: derivam da nossa condição humana, que é inimiga de qualquer infinitude. Primo Levi in «Se questo è un uomo»
Dancing days

O que o aborto uniu, o tabaco parece estar a separar.
Ao som dos Ash
William Blake Richmond (1885). Orpheus returning from the Shades. Óleo s/ tela, 185.5 x 115.5 cm. London: Royal Academy of Arts.
Realmente o que eu gostava de ser era líder para-lamentar

(até porque todos temos um pouco de telmos correias dentro de nós)

Existe de facto aquela hipótese mesmo muito má. Má para todos: gregos, troianos, piedosos e escabrosos, Deus existiria, sim existiria, mas era mau como as cobras. Seres dados à crença e seres dados à dúvida, seres dados à prece e seres dados à auto-suficiência, seres dados à revelação e seres dados à negação, atenção: todos bem fodidos estariam. É uma hipótese que se tem de considerar; reparemos, o bem foi inventado, como sabemos, pela madre teresa, e ela foi-se, morreu. A coisa não era estável.

[e podia não ter morrido, reparem, não é possível provar que todos morremos – sim, quem pode provar que todos morremos? Eu, pessoal e estatisticamente, até conheço mais gente que não morreu do que gente que morreu, e o que nos diz que não haja aí um gajo que seja um eterno trintão, que viva de campo de refugiados em campo de refugiados, especializando-se em corredores humanitários, sem identidade fixa, que nem o guterres o conheça e até seja primo afastado da Lucy, tenha andado com o Abraão ao colo, feito palavras cruzadas com o Herodes e coleccionado cromos com o Tarmelão, sim, a matemática já provou há muito tempo a existência das tendências para infinito, inclusivamente o Acontece e o TV Rural estiveram lá quase ]

Mas um Deus assim berucha seria um desconsolo para muita gente. O incréu, coitado, reparem, ver-se-ia entalado por todos os lados, até porque seria o mais fortemente penalizado: primeiro, tinha andado enganado a vida toda e a fazer figura de urso esperto –pior que urso burro, note-se - e agora, certamente, um Deus desse calibre não lhe iria perdoar tamanha afronta, os estúpidos nem tinham percebido que a malandrice é a rainha da dissimulação. E os coitados dos crentes, que tinham andado a santa via crucis entre os arrepios de pecado e os suspiros de arrependimento, alguns até revirando os olhos em momentos de maior arrebatamento, fariam aquela figura de quem comprou uma merda qualquer por um balúrdio na véspera de começarem os saldos.

Até já estou a ver o juízo final. Requintado: bonzinhos e velhacos todos lado a lado. E deus a iniciar a oração de sapiência: «Pessoal, lembram-se do Estado? Fui eu que inventei. Lembram-se daquela coisa duma pilinha em vertigem epistemológica para travar conhecimento com um pipi que nem estava para aí virado? Fui eu que inventei. Lembram-se do hemorroidal, da afta, da hérnia discal e do furúnculo na virilha? Fui eu que inventei. Lembram-se dos genes holandricos? Fui eu que inventei. Lembram-se daquela velha que fodeu o dedinho da branca de neve? Fui eu que inventei. Lembram-se do pisca pisca do Miranda Calha? Fui eu que inventei. Lembram-se de que os putos não nasciam logo a saber andar de bicicleta? Fui eu que inventei. Lembram-se daquela coisa dos explorados e exploradores, forcados e rabejadores? Fui eu que inventei. Lembram-se daquela de 5 de areia e uma cimento, duas de sufrágio e uma de parlamento? Fui que eu inventei, de tanto rir já nem me aguento. O fatalistas da neura andaram lá perto, mas faltou-lhes o crème de la crème: não perceberem que eu impedi à partida que pudessem coabitar nas vossas carolinhas de dromedários de bossa deslocada o conceitos de deus e o de malandrice!»


[Mistura de consternação e de pânico nas hostes. («eu tenho os certificados em dia, eu tenho os certificados em dia!...», ouvia-se duma vozinha arranhada de fundo, «cala-te ó bacharel sem carácter, não vês que estamos fodidos» ouvia-se também, mas vindo de meio metro abaixo) De resto, nem um bichanar. Darwin coçava-se, Rasputine catava pulgas, Catarina de Sena tinha afrontamentos e o Robespierre tentava atenuar um torcicolo que não o largava. Meia dúzia de anjos iam gozando o pratinho e fumando uns charros.]

Mas deus ainda não tinha terminado, «....Lembram-se dos filmes do Carpenter? Fui eu que inventei. Lembram-se do socialismo? Foi um chip que mandei fazer na china. Lembram-se do dedo em riste do paulo portas e da segolene? Isso foi o s.pedro que inventou num dia em que o mandei ver se chovia. Lembram-se do haxe? Era o que eu andava a fumar no dia do big bang.... Lembram-se de deus? Fui eu que inventei.»


[A coisa estava a ficar mesmo preta: Deus acabara de informar que era ele próprio que se tinha inventado! Freud e Platão chegaram a tentar pedir desculpa ao resto do pessoal por não se terem lembrado desse esquema, o bom do Wittgenstein ainda lá foi tentando desanuviar o ambiente dizendo que aquilo era só paleio, mas o Miguel Angelo já só fazia bandas desenhadas dos Simpsons, e o Kant e o Descartes coçavam as partes.]

Mas Deus começava a ficar com pena. Talvez tivesse sido malandrice em excesso para com os portadores dum genoma tão frágil, tão susceptível, e que até tinham escrito coisas tão bonitas sobre Ele. Que criaturas deliciosas no fundo até tinha criado. Aquecêramos o planeta ( agora o Alecsandro falhou um de baliza aberta, atenção, eu agora posso descontrolar-me um bocado ) o que o tornava mais aconchegado, os Oasis até «You're gonna be the one that saves me» tinham cantado, o Manuel Pinho já tinha sido ministro, o Murillo tinha pintado 300 bambinos e 400 madonnas, enfim... poucos Deuses teriam conseguido uma coisa assim. Começou a ficar com orgulho dos seus meninos, arrependeu-se de ter deixado a natureza tão caprichosa – para isso teriam bastado as filhas de Eva – , e, como a coisa estava ficar feia, deu a palavra ao Telmo Correia. E acabou a bola.
Ao som de Gluck
Odilon Redon (ca 1903). Orphée. Pastel, 69 x 56 cm. Cleveland: The Cleveland Museum of Art.
hermit age


The dark side of the wool #2

O pessimismo, tirando produzir tipos doentios, parece-me uma boa alternativa ao optimismo.
The dark side of the wool

O optimista, tirando o optimismo, parece-me um tipo saudável.
Portugal – modo de usar

Quando Le Pen foi à segunda volta das presidenciais há 5 anos uma das imagens que correu o mundo foi o tipo a rir-se alarvemente enquanto agarrava num presunto. Lembro-me da fotografia mas não me lembro do seu enquadramento e hoje é ela que me leva a este meu intermitente ABarreto side of the soul. Portugal é um país que não pode ser consumido por inteiro mas deve ser apreciado em fatias fininhas cortadas a preceito. Temos um problema, sim temos: como não nos podemos dar ao luxo de consumi-lo rapidamente para que não seque, temos de aguentar a delicada peça por muitos anos aberta e a tentar que ela não se nos fique na boca a saber a grandes descobridores oceânicos que acabaram medíocres nadadores salvadores de banheira. Voltemos ao presunto.

Primeiro há que prendê-lo à tábua. Portugal tem muita tendência para nos fugir, ora escorrega para o quinto império ou cai na marroquinação, ou seja, convém mantê-lo estável naquela clássica posição perikamasutriana: o cu pode estar virado para a lua, mas os pés devem estar bem assentes chão. Mas bem pago.

Segundo, seguir a nervura. Seremos sempre um país sinuoso. Mas a sinuosidade tem tendência para a circularidade. (já estafei o nietzsche no post anterior senão aqui caia que nem ginja o ‘eterno retorno’) Ou seja, a farripa rende mais que a fatia grande porque esta pode ficar enrolada no céu da boca e não dá para chupar o sal em condições, e, já se sabe: «o teu sal são as lágrimas de Portugal»

Terceira, não fumá-lo demasiado. Portugal deve mais à perspectiva que ao sfumato. Se Leonardo fosse português (por vezes o espermatozoide tem razões que o útero desconhece, diria Pascal se fosse ginecologista) a Gioconda sairia enquadrada num pôr do sol na Arrábida com uma sardinhada de fundo, e aqui só uma boa perspectiva o safava pois o povo acharia que o sfumato era uma merda qualquer que vinha duma churrascaria esconsa na Luisa Todi.

Quarto, a gordura enquanto não ganhar ranço é sinal de prosperidade. Só a esquerda é que pode dar escapatória a Portugal. Isto é uma evidência da geopolitica: quem vem de baixo ( do lado da mão do presunto, nesta nossa analogia) à direita temos os espanhóis e à esquerda temos o mar. Ora escolhendo entre o pina moura e a trafaria, um gajo normal desvia-se para esquerda e apanha a gordura mais saudável porque, na média, o porco português não usou desodorizante. (os porcos espanhóis antes usavam Agua Brava o que lhes dava aquele sabor inconfundível e por isso conseguiram criar o grande cluster da pata negra)

Quinto, e último, nunca se deve comer o presunto sem acompanhamento. Aí está, parece que termino com uma aparente contradição. Portugal seria um país que só se consumiria decentemente se não aprofundássemos grandes comparações. Mas, se repararmos bem, o romantismo filosófico alemão revela-nos e justifica-nos a grandeza da portucalidade no seu esplendor: Tudo o que se encontra fora foi-lhe transmitido por nós próprios, o ‘não eu é totalmente determinado pelo eu’. O bom presunto vem de fora, mas apenas nós o sabemos cortar e dar-lhe o conveniente acompanhamento.

E agora façam de conta que eu não escrevi nada.