Contos duma gajita



Uma vez perguntaram-lhe se era com aquela rapariga com cara de anjo que ele se ia casar. Ele riu-se encavacado - não é uma palavra muito bem esgalhada encavacado - e deve ter ficado com um olhar de miúdo que nem cabia em si de contente e orgulhoso por ter desencaminhado um anjo nem que fosse só de cara. Os anos passaram e ele soube entretanto que essa cara de anjo o achou mesmo um miúdo, se espantou por ele ser ainda um miúdo, se calhar se desiludiu de vez em quando por ele ser apenas um miúdo, e chegou a pensar que não era possível haver ainda miúdos assim e ela ter sido metida numa canja dessas. De facto, se os anjos tiverem pele, a pele deles será assim, como a dela, agora nem sei bem se lhe deves dar isto a ler, não quero que fiques encavacado outra vez, ela vai logo dizer que és parvo, claro, mas isso também faz parte, é uma espécie de bater d’asas, para se manter no ar, para se defender dos voos picados que muitas vezes tem de fazer para te segurar, mal sabe ela que tu se calhar estás é seguro demais, mas pronto, ela também não pode saber tudo, o importante é que saiba que tu, quando lhe tocas na pele, ainda cheiras o mesmo do primeiro dia, ainda sentes o mesmo veludo entrelaçado com seda que se cardaram no teu olhar, ainda te afliges com as suas lágrimas, e ainda gostas de mandar os horríveis ganchos, ou molas, ou clips, ou o que é aquela merda – isto é um conto, atenção - do cabelo pela janela fora.
Isto às vezes têm mesmo de se escrever estas coisas. Olhó caraças.



For you and I have a guardian angel

On high, with nothing to do

But to give to you and to give to me

Love forever, true



Excerto da letra de “True love” de Cole Porter. E mainada, porque às vezes com cinco de aridez e uma de lamechice, misturado com umas lágrimas mal contidas, é que se faz um coração de betão em condições. Haja uma boa espátula para barrar, claro está.

Küsschentherapie
uma sessão de parvódia em vários actos, nenhum baseado em factos, senão estes ainda podiam levar a mal.



1.Laisser faire laisser baiser

Deixavam-no estar. Ele ficava ali a falar sozinho, pensava que ainda era o padrinho, pensava que ainda era ele que mexia nos cordelinhos. Mas nós alimentávamos aquilo, íamos beijar-lhe a mão aos turnos e ele dava-nos ordens absurdas. A última que tive era para pregar um cagaço a alguém. Só por acaso é que não cumpri. Deixei estar como estava. Ele também estava doido, era muita coincidência aquilo dar certo. Mas antes beijar-lhe a mão a ele do que a outro. Tem de se beijar a mão a alguém, faz de referência, iam dizendo os mais necessitados duma explicação, há sempre gente que precisa duma razão para se consolar, não lhes chega um beijo, passam a vida a deixar-se andar mas depois não conseguem beijar à toa, afligem-se com uma bênção, atarantam-se com a aparência de servidão, pensam que ser livre é beijar quem se quer e esquecem-se que Deus é um velho maluco que se vai deixando beijar. E manda seguir. De absurdo em absurdo até os lábios ressequirem.
2. Não há fome que não dê em sobeijamento

Ela deitava-se no divã mas o sigmund de serviço mostrava-se distraído. Ela chamava-o bizarramente com beijinhos sonoros que o incomodavam; há mulheres chatas como passarinhos, e há homens que são mais freuds, mas também há outros que são mais froids, outros mais quentes, outros mais kants, ele há um pouco de tudo, mas raros conseguem fechar o inconsciente mal braguilhado ao arremesso de beijinhos, o divã rangia diga-se em abono da verdade, e a verdade bem que tinha de ser abonada, estava de rastos coitada, nem é bem fodida, é mais para debaixo do sofá sacudida, e ela não parava de se explicar, pronto diz-me lá o que tens para me dizer, a tua mãe batia-te em pequenina, e eu o que tenho a ver com isso, mas então depois nem te dava uns beijinhos, está bem e isso deixou-te a alma numa desgraça, e dependente dessa beijoquice paliativa, e por isso vieste aqui para o meu divã, e não paras de dar beijinhos para o ar, pronto por mim tudo bem, ponho a música mais alto, mas o sacana do mahler também nunca está quieto com o volume desta merda, gostavas de te livrar dessa dependência, porque os beijinhos até agora afinal não te levaram a lado nenhum, é porque não eram os certos, agora vou-te dar um daqueles que são autênticos saca-rolhas de inconscientes, vês, diz lá se não foi bom, não, claro que não te bato, que parvoíce, bater é coisa de mulheres, apenas queria experimentar trocar o meu inconsciente com o teu, e isso faz-se à base de beijos, os recalcamentos transmitem-se pela saliva e nem é preciso muita corrente eléctrica, sabias, são técnicas pois, sim, sim eu descobri a verdadeira livre associação: no mundo está tudo colado com cuspo, basta o calor dos corpos para lhe baralhar a viscosidade. Não, pronto, está bem, era conversa, cada um fica com o seu inconsciente, trocar por trocar, troca-se a posição no divã. No final, vais ver, ainda vão sobrar beijos. Ele há homens que até dariam boas mães.
3. Neolabialismos

Compro tudo o que estiver à venda. Pago com beijos. Nem fodo se for preciso, safo-me só com o cheiro desde que não me doam os dentes. A barba vou fazendo, gosto que se esfreguem e não se queixem, mas também é uma questão de tempo, algum dia se queixarão, alguma razão estúpida há-de aparecer, até estar feliz incomoda muitas vezes, mas porra eu até pago com beijos, sim essa coisa gira de encostar um lábio, ou melhor, os dois, infelizmente não estou em campanha, não tenho os lábios a soldo, senão até sacava uns votos, mas não beijo na boca, sou como as putas, ao que dizem, repenico nos dias de maior ansiedade, quase não toco nos dias em que preferia encostar a testa. Beijar é coisa de homens. E é sempre um acto comercial. Não há beijos grátis.
4. Kisses de identidade

Ele valorizava em demasia os beijos suspensos; pensava que o melhor beijo era aquele que nunca daria, ou aquele que nunca receberia; mas adorava quando lhe davam um beijo de que ele não estivesse à espera. Andava sempre à coca dos beijos de oportunidade, dos que ficavam por dar, dos que faziam de custo na economia do cuspo. Era com beijos assim que geria os seus ciclos, eram a sua menstrualidade. Coisas de gajos. Que vivem de negócios de ganchos e de engates, mas que nunca sangram.
Da inconstância



Às vezes apetecia que a vida fosse um vou ali e já venho. Outras vezes não.

E se isto tudo se resolvesse apenas com uns pozinhos de prelimpimpim



Leio alguns olhares compenetrados e sérios sobre a morte e o sofrimento – alheios - reflectindo mais ou menos enigmática e simbolicamente quase sobre tudo; sobre a provisoriedade, sobre andarmos sempre atrasados em relação ao que importa, deambulando sobre os medos, sobre as prisões, metaforizando a falta, a esperança, o optimismo, o pessimismo, hiperbolizando a dor, o inesperado, a vida de fronteira, arremessando ao espelho a parte desesperada da nossa condição, citando até romanos lúcidos, muitos gregos e poucos troianos, e procurando esquecer (bem ou mal) que da nossa natureza é mesmo muito também o cagar e andar. Eventualmente chorar. A morte nunca é uma lição para a vida. Só a vida é uma lição para a vida. Sermos uma tosta de pó com uma vidinha pelo meio é algo só suportável e camuflável à base de muitas citações e alguns jogos de palavras. Isto fora rezar o terço, claro está. Precisar que a carne de alguém arrefeça para constatar da precária fugacidade, está para a nossa condição como precisar de molhar o pão no ovo para saber mesmo que ele está estrelado e não escalfado. E a vida se calhar não passa dum ovo a cavalo. Aos olhos do cozinheiro, claro.
Um conto para desviar o olhar das paredes





Tinham-se encontrado primeiro num sonho, que pena ele não dar grande valor aos sonhos, e por isso tinha-se desperdiçado uma ocasião das que não faz um ladrão. E ela até vinha com um ar matreiro, sacudindo franjas, desviando olhares, mas não conseguindo disfarçar um certo arrebatamento, fingindo distanciamento, não, ela não conseguia, era mais forte do que o peito lhe pedia, e o peito duma mulher é danado, porque não foi feito para esconder, merecias outro soutien dizia-lhe ele, algo que te segurasse mesmo, mas eu não sou desses, ele não era dos que queria – ou será “conseguia” - guardar as mulheres só para ele; elas ao princípio até gostavam disso, mas depois fugiam-lhe todas, definitivamente, por isso é que ele não acreditava nessa merda dos sonhos, elas aí sim andavam amestradas, nunca lhe faltavam; ele pediu-me para ver se eu podia dar a volta à coisa e eu decidi dar-lhe uma mão, este no fundo é um conto filantrópico, vou dar a mão a um amigo, ó menos aqui vais encontrar uma miúda que te queira, faz de conta que ela agora te sorria, não deves desperdiçar uma aberta nesses lábios, tens de arriscar, pede-lhe a mão, fica a olhar para ela, não, não lhe toques logo, tanta sofreguidão para quê, repara, ela não se vai embora, eu estou a controlar a coisa, não sejas brusco, essa mania de tratar mal as mulheres é só literária, não te deixes levar por essas tretas, faz-lhe mesmo uma festa, encosta-lhe a tua cara, borracha na borracha, não desperdices palavras, repara ela nem fala, ela é das que não perde tempo a falar para as paredes, as mulheres que escrevem nas paredes vivem com escritos no coração, só sobrevivem porque ainda há corações de aluguer, daqueles, sim, daqueles colados com cuspo que parecem de tabique, mas ela não é dessas, pois, eu não te ia arranjar uma dessas, confia, eu vou-te arranjar uma miúda, daquelas, das que não precisam de escrever à toa, das que fazem uma trança, ou duas, das que sopram na franja, das que arrebitam um nariz, das que te piscam um olho, das que deixam que lhes mexas no cabelo, e assim, será no meio dos teus dedos que deslizarão os seus segredos, para nunca se perderem na rugosa e palavrosa epiderme do betão, seja na foz, seja no bolhão.

Pouco mais de meia dúzia de não-há-nadas-como-realmentes pré-eleitorais, nas entradas nºos 933 a 941 do dicionário não ilustrado. Até porque o futuro está nas nossas mãos, mas o sacana alojou-se na zona das calosidades.



Vagas de fundo – Semelhantes às ondinhas no cabelo; acentuam-se passando com a escova da ilusão e fixam-se com o gel demagógico. Alisam enxaguando bem numa mixórdia ácida.



Acções concertadas – Tendo-se perdido o ensejo de fazer a boa acção, e dado que já não há velhas para atravessar a rua, entretemo-nos a fazer torneados nas bengalas por consertar.



Visão reformista – É uma das mais bem esgalhadas miopias liberais, geralmente vem acompanhada com o estigmatismo conservador, sempre de muito belo efeito – estilo noronha da costa - fora as vezes em que afinal se descobre, por debaixo dos óculos escuros, que eram todos estrábicos e nem sabiam piscar o olho.



Ideia para o país – Situação grave e limite, quando ocorre é sinal que o país já lá não vai apenas com a realidade.



Carga doutrinária – Hipótese alternativa depois de esgotada a hipótese da carga de cavalaria. Acaba por se poupar nos arreios.



Orientação estratégica – É a que disfarça melhor uma política paraplégica



Políticos coerentes –São os que, aconteça o que acontecer, nunca os cortam rentes, e deixam sempre uma aresta para limar.



Linha de continuidade – É a que serve de meta aos carapaus de corrida



Medidas consistentes – São as que ao serem misturadas na argamassa dão logo automaticamente o efeito de papel de parede.

( esta foi só para dedicar à Alexandra da seta despedida, para ver se ela desenjoa um bocadinho daquelas frases do tipo que escreve nas paredes do Porto; não resisti...)
Fuck up comedy

Discurso dum político compenetrado



Custa-me muito ver-vos de pernas abertas, parecendo que não há quem vos queira, dais sinal dum povo meio rameira, meio prenhe, em todo o caso (esta expressão é de muito bom tom nos discursos) sempre dependente duma compenetrada atenção, sempre dependente do esforço dos orgãos democráticos garbosos, firmes e generosos, e eu estou aqui para dizer presente, podem contar comigo, sou boa gente, venha por trás ou me apresente pela frente. Tendes de depositar confiança no futuro, é bem verdade que se não comerdes o pão todo ele pode ficar duro, mas pensai no valor da firmeza, garantirá que não vos perdereis pelas vielas da tristeza, e não embarcareis numa vida flácida com toda a certeza, ela manter-vos-á compenetrados na vossa missão, e não precisareis de andar a passar de mão em mão. Mas sinto-vos uma nação algo frígida, sem conseguir retirar prazer de nada que lhe façam, nem duma brincadeira, nem duma desgraça, também não podem ser assim, tendes de vos envolver, lembrem-se, a gente está aqui para vos foder. Poderei não fazer uma coligação pré-nupcial, mas tudo se resolverá na comunhão de adquiridos, ficareis sempre bem fodidos, seja qual for o acordo final. Reparem, está na natureza deste coito as espécies serem protegidas, a vegetação é escolhida a dedo, haverá sempre algures um caçador compenetrado, e quem o habita será sempre um coitado, não adianta fugir para nenhum lado, o acto é para ser consumado, está escrito: eu serei frigideira e tu serás frito. Eu sei que sonhas em ser povo eleito, e eu até te garantia a noiva e o leito, mas tu tens de te mostrar interessado, não podes viver alheado, deixando tudo à mercê do leiteiro, ele deixa-te apeado e fica escondido no roupeiro, contigo a fazer cara de parvo, para o que estavas guardado, não estivesse eu compenetrado e te devolvesse a honra e posto o caldinho morno e ficarias eternamente corno. Mas não, eu estarei aqui, compenetrado e firme, poderei não dar sempre a segurança dum dedo em riste, mas nunca poderás dizer fodeste-me e partiste. Terás orgulho em mim e dirás à tua mãezinha: ele cumpriu, pariu e não fugiu, e eu direi: tu é que foste a minha nação compenetrada, bastou-nos o amor e uma cabana, mas nunca votem no outro sacana, eu sou coisa muito mais fina, reparem só na marca da vaselina.
O discurso dum Outono decadente das mulheres que já não há

Vai assim, de vez em quando com uma cadência abrasileirada porque agora acho que só esses gajos é que escrevem bem



Alô, eu sou miss Maple, serei almofadada, serei reclinada, serei de doçura injectada ou de mola aconchegada, secarei o seu suor, serei a doida que você quiser, ou melhor, serei a mulher que você me fizer; serei boneca, darei foda me vez de queca, farei rima quando estiver por cima, sonharás com Baco e faremos de cacho se me puseres debaixo, e se plantar de lado você até ficará arrepiado, ou de olho arregalado, e quando tiver de rolar erudição, eu sacarei da minha cabecinha abençoada e te darei uma tesão danada, e até inventarei gritinhos em latim, verás que nunca ninguém estremeceu assim; serei nulidade para você dar em sumidade, e até serei casta se isso te fizer ganhar na canasta, mostrarei que sou a mulher que te ama e todos terão inveja da tua cama, mostraremos ao mundo que somos o casalinho da nova arca de Noé, e eu serei o espelho borboleta do teu psiché. Nem o meu veneno te será fatal, com ele até farás uma canja sem igual, só te darei bom fluído, e sorverás da concha, sem ruído, pois basta-me uma pequena lisonja para fazer de tapete de lã, de teu penacho, ou de irmã. Puta nem pensar, nada me terás de pagar, só eu te deverei, esse ouro de lei que foi o teu corpo de rei, onde eu me entalei, como princesa, para sempre presa, de entre-pernas tesa e sempre posta a mesa. E quando te disser que não, é porque estarei esquecida da tua mão, mas voltarei rápido, vencida, despida, sem ferida, sem pressa, mesmo calculando que o meu saber a ti não te interessa; Alô, eu sou miss Maple, é quase nome de detective, mas você se sentirá como o melhor homem com quem já estive, como um criminoso descoberto, mas sempre livre.
Contos do ele ainda há homens assim



E logo tinha de ser também um bom homem. Não lhe bastava ser um gajo inteligente, não,

tinha logo que ser prendado,

tinha logo que ser um achado,

tinha logo que ser um daqueles que põem o coração duma mulher

à beira duma merda dum ataque qualquer. Diga ele o que disser, será sempre bem ouvido, será sempre um querido, um cheio de graça, que mesmo bem agarrado nunca faz de carraça.

E o sacana,

ainda para mais,

nem precisa dos jornais

para se saber que é bom na cama.

Mas ele tinha mesmo de ser um pessoa cheia de doçura, nem que lhe batam muito nunca fura; é o que custa em demasia, ver aquele género de alma fria, mas que aquece até que doa, e sempre na boa, dono de tudo, um sonho de ego, prolixo e mudo, visionário e cego.

E mais o cheirinho da humildade

de quem nunca falta à verdade,

mas que, vendo bem, até poderia mentir

que ela acabaria por se vir; isto porque ele era tão bom homem, e depois tão animado, fazia tudo parecer tão variado, com ele nada era um marasmo, por isso todo o fornicanço garantia um orgasmo, e não havia nada que o maçasse, Deus o guardasse.

Porque isto, homens assim

são os que elas precisam, mas com calma,

para bordarem felicidades sem fim

desde a púbis até à alma
Discurso dum político dissoluto

A dra girassol obrigou a que eu me pronunciasse sobre a situação política porque senão este blog começava a transformar-se num bibelot.



Eu bem sei que isto talvez se resolvesse dissolvendo apenas a assembleia, mas vou antes decidir-me, após a devida auscultação das forças da nação - gente com saber a rodos - a dissolver-vos a vós todos: tenho notado que passais já demasiado tempo à deriva; bem podiam andar apenas à toa, ou mesmo numa fona, mas não, quiseram logo pôr-se desenfreadamente à tona, ( e isto até rimava tão tão bem com um orgão genital que eu cá sei) e isso eu não posso admitir-filhos do pecado, enteados da vaidade, dissolver-vos-ei por atacado e em conformidade- verão que não estou a fingir; o máximo que vos posso conceder, e fica assim encerrado o assunto, é que me saciarão definitivamente a sede, e nunca fareis de depósito no fundo, nem ficarão agarrados à parede. Sereis pelo menos poupados ao degradante estatuto de borra, não ficareis entalados na fossa, e por isso se andarem borrados a responsabilidade será toda vossa, ora porra. Mas povo do meu coração, vós sedes solúveis até ao último grão, fora essa a condição que eu tinha colocado de antemão, para vos governar neste pedaço encantado à beira mar plantado, mas regado às mijinhas, ó minhas ricas filhinhas. E não há razão para alarme, eu mexerei com muito cuidado, e como a solução estará morna, vão ver que o caldo não se entorna, nem sobrará nenhum bocado estragado. É claro que garanto para vosso governo um bom líquido interino, já experimentei em tempos o tal de uterino, mas um sacana dum liberal a mais uma beata epidoral provocaram uma crise ectópica e uma infecção no siso, e eu já não tenho mais placenta para isso. Alimento-me da vossa baixa granulometria, de terem sempre uma mão quente e outra fria, de oscilarem entre o bidé e a pia e de não distinguirem a noite do dia. Sereis pois mais felizes dissolvidos, acreditai em mim, a solução ser-vos-á boa conselheira e não vos roçará as entranhas como uma parteira. E quando vierem os dias da evaporação, quando for o adeus definitivo do solvente, será o momento de mostrarem que também são gente, e que não se confinam à humilde e cariada cova dum dente. Eu nessa altura, já não estarei neste caldinho, degustarei então uma canja gostosa, mas garanto, lembrar-me–ei sempre de vós quando for servida a gasosa.
O dicionário não ilustrado desdenhando na separação de poderes foi outra vez à catequese; quando quisermos fazer a vontade a Cavaco, e estivermos à beira de descobrir os tais de "políticos competentes" podemos dar uma vista d’olhos nestas - pouco mais que meia dúzia - entradas. Isto depois de dizer um valente e reconfortante foda-se, claro. ( 925 a 932)



Políticos escatológicos –São os que antevendo o fim do mundo em cuecas preparam a sociedade com medidas elásticas e aderentes



Políticos exegetas –São os que nos apresentam o palavreado já bem passadinho a ferro e sem as rugas da dúvida, mas que não se esquecem de nos borrifar de esperança antes para descortinarmos neles personalidades modelares e bem vincadas



Políticos taumaturgos –São os que vivem para lá do explicável e nos fodem o possível, tornando insuportavelmente maçador o razoável



Políticos apologéticos – São os que refutam os que nos querem mal, e nos abrem os olhos para aquelas verdades que se não fossem eles até dariam bons “salvos-sejas”.



Políticos doxológicos –São os que nos tornam suaves e aconchegantes as maravilhas do poder, fazendo-nos ver que o seu manto glorioso só é às rendinhas porque quiseram poupar no fio e eram os musos das bordadeiras.



Políticos exorcistas – São os que convencem que nos tiram o diabo do corpo para depois serem eles a tomar o lugar pagando apenas renda condicionada



Políticos intercessores – São os que aliviam sempre com um “valha-nos deus” no intervalo entre dois “vale tudo”.



Políticos de parusia –São os que vivem constantemente a preparar um segundo regresso, deixando a sua primeira estadia sempre por explicar
Fezadas políticas

da separação de poderes



Se Deus quisesse que fossemos governados por Ele, não tinha feito a coisa assim.

“internettes”

em versão comunhão dos santos; walking aos bochechos around [1][2][3][4][5][6][7][8]and [9]



«Nenhum de nós vive para si mesmo, e nenhum de nós morre para si mesmo»

S.Paulo, Carta aos Romanos 14, 7





[1] A ideia do “corpo místico de Cristo”, apesar dos seus “contornos beatos”, tem um quê de especial. Tem uma "força metafórica" como toda a palavra revelada e lembra-me até que Deus é a única palavra que se manteve metáfora - e repare-se que Jesus nada escreveu, nem mandou escrever. E é por isso que Deus ( na sua concepção cristã – a até mais precisamente católica) será sempre a fusão entre o "Logos" joanino, o Parabolador dos sinópticos, o Paráclito, e aquela Coisinha que nos mexe na alma e que às vezes até deixa que lhe chamemos comichão; entre outras coisas.
[2] A ideia de que «só nós estamos no mundo; Deus não se aproxima desta atmosfera» ( in Aviz ) é instrumentalmente boa para servir o essencial - e louvável - conceito de separação entre a cidade de deus e a cidade dos homens, que Deus desejou ao nos ter criado livres, mesmo que nós não percebamos o alcance disso – e não percebemos mesmo; no entanto, essa expressão encerra uma ‘mentirita’: é que Deus é precisamente a nossa atmosfera; podermos pensar que Deus está fora do mundo é uma limitação da nossa condição, mas é ao mesmo tempo uma hipótese que Deus nos dá de não sufocarmos com a sua presença. Entrelaçante.
[3] A divindade, tal como o “tudo-liga-com-tudo” são realidades ora demasiado pesadas ora demasiado atraentes; Deus aparentemente deixou-nos também o caminho “armadilhado” entre uma 'salvação' intrinsecamente individual e uma 'salvação' intrinsecamente comunicante (é pena a imagem do rebanho estar anatematizada neste cantinho porque agora dava-me jeito; se calhar ainda terei de me agarrar à videira) e como não bastasse, na ratoeira o queijo era da ilha; dos amores.
[4] Verificar que precisamos uns dos outros é – e sempre foi - uma forte facada para as teorias da auto-suficiência ( quer ontológica quer ‘apenas’ sentimental); O meu sonho metafísico também era ser uma espécie de jardim suspenso da Babilónia, que para desenjoar de vez em quando me transformava em Taj Mahal, e nos dias piores me julgava mesquita Azul, mas no ‘acordar do ser’ confirmo-me sempre numa vida de videira. Que também precisa de respirar antes de ser usado; como algum ‘sumo da uva’.
[5] Sermos usados é uma inevitabilidade desta condição comunicativa. Somos todos seres por onde os outros passam e somos todos seres de passagem: todos seres vaginais; Fecharmos as pernas aos outros será apenas uma ilusão de pudor. Abri-las pode ser uma ilusão de poder. Deus quis-nos fodidos e bem fodidos. Alguns são bem pagos.
[6] Nem sempre a proximidade com Deus é uma experiência teológico-intelectual, nem sempre é uma experiência místico-sentimental, muitas vezes é quase uma experiência social: Deus ‘pensou-nos’, ‘concebeu-nos’, quis-nos essencialmente influenciáveis. Nós gostamos de nos ver seres artesanais, mas somos muito mais industriais, somos seres de repetição e replicação. A nossa imprevisibilidade é da ordem do estatístico, só que isto soa horrível assim escrito. É melhor não pensar nisso.
[7] Os conceitos de unidade consubstancial que a teologia distribui quase panfletariamente, poderiam deixar Deus à beira duma hecatombe de metáforas culinárias, no entanto bem vistas as coisas trata-se de dar à ‘ligação’ uma dignidade filosófica e mostrar que ela existe para além da fibra óptica ou das ondas a babarem-se na frequência. Só que às vezes eu gostava mesmo era que o cuspo de Deus se fizesse lama e me lavasse os olhos, para poder ir tomar banho prá piscina de Siloé e voltar topando tudo; e como se nada se tivesse passado. Caraças. Infelizmente esta palavra não existe em aramaico.
[8] No evangelho de S.João (14) a “despedida de Jesus” inicia-se com um claro «não se perturbe o vosso coração» e é seguido mais à frente dum quase entusiasmante «não se atemorize», que estão associados ao “poder” que decorreria de acreditar n’Ele, como «o caminho, a verdade e a vida» (num estilo quase exclusivista que hoje atrapalharia os ecumenismos mais bacocos, se levado à secura da letra). O amor a Deus não é um sentimento muito simplificável ou redutível, como não o é o amor entre os homens (até pelas suas ligações ao conhecimento/reconhecimento), mas em qualquer dos casos apresentam-se-me ambos como a única forma de nos “afastarmos” decentemente de nós mesmos, que é por sua vez a inesperada fórmula de sucesso (e de prova dos nove) para nos voltarmos a encontrar verdadeira e serenamente quanto baste, fazendo jus à Sua ( Pai e Filho) frase/promessa «nele faremos morada», reveladora em definitivo da nossa intrínseca, mas tão mal vista, hospitalidade ontológica. Mas que Deus me esconda de mim próprio é às vezes o meu desejo secreto; e se Ele ‘falhar’, que avance o Consolador se faz favor.
[9] Não é por podermos acreditar em Deus, no Céu, no Infinito, que deixamos de ser mamíferos, ali todos agarradinhos ao nosso meio natural, mas só o fenómeno religioso produz o arcaísmo e a ambivalência (mais ou menos mitológica) capazes de aliviar a nossa condição da sua frágil noção de tempo. É nesse ligar que está o ganho, mas também é no separar que se prepara a força da união. Deus também gostará de nos ver de mãos nos bolsos e a assobiar para o lado. Desde que no fim pisquemos o olho, claro. A criação é um universo de engate.


E ainda me apeteceu dizer mais isto

sobre o tal de “buttigliones em flor” case-study



Buttiglione pode perfeitamente ter equacionado bem a questão “moral” versus “política”, Bolonitiglione pode perfeitamente ter equacionado bem a questão “moral” versus “direito”, Bottrigglione pode perfeitamente ter equacionado bem a questão “convicções” ( isto é quê ao certo? já nem o Pascal faria aforismos com isso ) versus “exercício do poder”, Bruttiglione pode perfeitamente ter equacionado bem a questão “cidadania” versus “moralidade”, Brittilgnobne até pode estar a rezar o terço de braço dado com um panasca apelando pela salvação de ambos e isto tudo no intervalo inspirativo da elaboração duma lei em que os enfia a todos na pildra ou numa casa de correcção na companhia dumas putéfias de estimação, tudo referendado e bem embrulhado, mas lá por isso ele não deixa de parecer uma pagela de parvoíce e prestou um péssimo serviço a essas “mulheres fatais” todas aí de cima. É que a estupidez também foi criada por Deus, e há gajos que estão ‘talhados’ para se salvarem no meio dela. Mas isto sou eu a confundir tudo, claro. Mas se uma cambada de tolos insulta um tipo, ele não passa a ser inteligente e íntegro por causa disso.
A bola da paróquia

Ou do verdadeiro estado da nação



Este ano Mourinho seria campeão até no Gil Vicente, e dando prái uns 20 pontos de avanço. E se fizesse meia época no Moreirense ainda o levava à liga dos campeões.

Isto vai-se a ver

continua a encher

não pára de encher
está sempre a querer encher
mas é apenas verbo de encher
e não sei quando irá acabar

porque sinto-me a alimentar

uma enorme câmara de ar

e só me apetece soprar

e mais soprar

e soprar
nem que seja para o ar
para ver uma pena voar
a despedir-se do pássaro

porque este nem sabia assobiar


Não basta dizer palavras enigmáticas para se ser shaliah; mas a economia até vai crescer, Pinilla já marca, o petróleo vai descer, uma Condoleeza casta - e ainda bem que não morde - é a imagem da América (que preteriu assim Laeticia), Mónica Lewinsky já era, Cicciolina não sei o que é feito dela, Bottiglione (ou o raio como o gajo se chama) voltou ao baptistério, Barroso já conseguiu acertar com uma equipa de matraquilhos a sério, vão acabar os benefícios fiscais e os prevaricadores têm os dias contados, ninguém atina com os juizes naturais, foda-se continua a ser um palavrão e merda uma indecência, o Jesus histórico atormenta-nos a consciência, Arafat neste momento se calhar já sabe o que é que Alá mas não nos pode dizer, marcelo já não pia e temos uma alta autoridade que é uma categoria, o ano tem doze meses, os indianos não tarda são mais que os chineses, Narciso Miranda pouco fala, Fátinha Felgueiras já não se rala, Collor de Melo já não é presidente do Brasil há uma carrada de anos, um minuto demora mais a passar que um segundo, e as bebedeiras de Yeltsin já não atormentam o mundo. Qualquer sumo manhoso precisa de liberdade de 'espressão', é bom ter um Guterres sempre à mão, e as coisas bem vistas talvez não fosse mau fazer o teste de alcoolémia ao Soares antes das entrevistas.
Uma democracia em referendo distrai-se enredada em perguntas constitucionais e concretas, e a vida muitas vezes anda adiada porque não se fazem perguntas normais e indiscretas. Há que tributar tudo o que mexe, já não se encontra facilmente um grande estupor e Borges nem era grande escritor, mas ainda é possível comer carapaus de escabeche.
Está bem protegido o mercado, o estado é amado também, o povo ainda gosta de fado mas já não há filhos da mãe. Lolita não era adolescente, Proust nem era maricas, em cada culpado há um inocente, e em cada bucha há dois esticas; o bigode de Hitler era postiço, o gulag era um spa, Torquemada um noviço e isto está no que está. Hamlet não sabia o que queria, Anais Nin gostava de homens mas não sabia, Yourcenar só foi bela com Zenão, e é mau amar em contramão. O mundo está feito num quioto, Anna K. mandou-se para debaixo dum comboio russo, mas nem todos os ratos são de esgoto, nem todos os excessos são abuso.
Afinal a caverna de Platão era arrendada, o ser de Sarte era emprestado, o idealismo de hegel tinha uma amante secreta , e o eterno retorno ficou parado no tempo. E é por isso que nem todo o sertão é brasileiro, nem todas as armas se compram no armeiro, nem todos ao males d’alma se curam no deserto, nem toda a bunda do leblon é carioca, nem todos os esquimós se casam com uma foca, mas também nem todo o chico é esperto.
Mas a economia vai prestar vassalagem aos bons costumes, a sacristia vai dar os paramentos aos pobres, toda a teologia será da libertação, e nunca mais seremos governados por um cabrão. Calvino engordará e praticará sumo com Buda, Maomé fará razias de mãos dadas com Rumsfeld, os homens terão todos a pila circuncidada e não andarão mais à porrada, os chineses perderão no ping-pong e seremos todos salvos antes de soar o gong. Descobriremos afinal que até somos todos persas, violados pelo Tamerlão que a desgraça tinha mais à mão, todos somos afinal pecadores, mas os tapetes que nos tiraram eram mesmo voadores, e aquilo que punha as mulheres aos berros eram mesmo dores, mas nem assim deixam de se enganar com flores.
Ingres é que não podia ver uma mulher de costas, Schiele não podia ver uma mulher nua, Duchamp não pôs o pneu na roda da sua bicicleta, e por isso toda a arte é incompleta, nenhum homem tem uma mulher sua, acabarão tristes os cavalos que viveram das apostas, e tristes dos asnos que se confiaram retoricamente nuns quiasmos. Leviatan acabará então por aparecer disfarçado de um liberal embrulhado em papel pardo, mas ao estado não há nada que o irrite, Adam afinal não era dos Smiths, David nunca podia ter pintado Ricardo, nem um homem que nunca tenha sido apunhalado poderá ter um coração de leão, e um dia, quando menos se espera, ainda se saberá que nas tardes de verão era o Sol que andava à volta da Terra. Nesse dia dar-se-á dispensa aos profetas requentados, pois estes já só mugirão, e sentados, galando os ruminantes de desgraças, porque afinal tinham todos desaprendido de assobiar. Deus, nessa altura, se calhar, vai entregar outra vez o mundo a quem tenha asas. Ou então arranca tudo de novo, mas desta vez começa com gajas.



De facto estamos encaminhados, só que isto, vai-se a ver, corre o risco de perder mesmo a piada. Mas como somos animais racionais vivemos bem com qualquer ração.
Este é praticamente um post político



Li a propósito da reabertura do MoMA que o seu primeiro director Alfred Barr desdenhando um pouco da pintura naturalista/realista, dizia que “não haveria problema em eliminar o ‘parecido com a natureza’ porque no melhor dos casos é supérfluo, no pior distrai”. Também prefiro as abstracções porque acabam por nos concentrar no essencial. E tenho uma certa pena dos que nos querem mostrar ‘as coisas como elas são’. É que assim nem distraem.


Porque isto é mesmo assim. O delgado precisa de companhia; e eu se calhar estou mas é grosso.



Portas é um caso típico de sobrevalorização da análise politica. É o vulgar gajo inteligente que será sempre utilizado por outros mais estúpidos dando a ideia que é ele que está a dominar a coisa. Portas é pois um caso de confrangedora fragilidade. Um boneco cuja inteligência dará para brincar com outros bonecos mas que nunca fará mais que toys stories. Eu também já pensei que o problema podia ser ele. Mas não é. Entrou arrombando a porta do fragilíssimo monteiro, pode até ter sido ele a impedir a AD martelada de marcelo, mas acabou por ser guterres a entregar o poder de fininho a barroso, e à pele, safa – ajudado por santana (a anedota barroso nunca teria ganho umas eleições sem santana). Assim portas deu à costa apenas para fazer uma aritmética eleitoral simples a barroso; tem poder, claro, até uma porteira tem poder, pois se quiser lixa-nos a conduta do lixo. Hoje portas continua a ser o produto que os media criaram e que necessitam para ir fazendo notícias salgalhadas à direita, como louçã & cia vão fazendo o jeitinho nas notícias à esquerda, só que como estes se contentam sem comprar gravatas novas, não exigem tanta coligação nem ajudas de custo, e sobrevivem bem apenas com o ar eterizado das notícias.

Santana afeiçoou-se à técnica ginecológica da salvaguarda das águas territoriais e vai fazendo agora de marcelos e pachecos autênticos 'borndieps', deixando-os a falar sozinhos, consolados por pensarem que estão no mar alto, e portas nunca passará duma majorete das notícias que abanará enquanto lhe emprestarem as plumas, mesmo que depois se vá casando à vez com as estrelas da equipa principal.
pensando bem

Desta vez não tive de te mentir, foi mesmo meia dúzia, claro, estava a ver que não te rias, já foi um sorriso mais gozão eu vi bem, também não era para menos, escusavas era de ter ficado depois com esse olhar distante, refugiaste-te nas festas do polegar, o que é que me querias com o polegar, já sabes que detesto sinais, mas agora olhaste para mim outra vez e não encolheste os ombros, olha que se quiseres podes estar-te a marimbar, eu não importo, eu sei que me segues com o olhar que tens dentro, mesmo quando te afliges porque a respiração já não é o que era, e já não te distrais tanto com esse olhar que tens de fora. Meia dúzia, bem, eu também não vi, mas já me disseram que foi bailareco, agora é que ninguém nos apanha, os lampiões já andam à nora, é, está no papo, eles já nem dão luta pois aquilo está ganho, até amanhã então, mas agora fizeste um sorriso meigo, não me mintas assim a sorrir está bem, mas pensando bem mente-me mesmo se fazes favor. Só a mentir é que a gente se entende.
Contos em que a companhia era uma merda também



A cidade era Dublin, a chuva era estúpida, o céu benza-o Deus, o gajo do taxi era maluco, excêntrico era uma palavra muito comprida, o hotel era uma merda, a companhia era uma seca, mas o viajante era pouco exigente, e no fundo não passava da primeira vez.
O bar era típico mas horrível, a cerveja era doce e sofrível, a música quase não se percebia e inesperadamente recitavam poesia. Ele não tinha saco para poemas, não apreciava fumar erva, só que a companhia era uma merda, tem de se repetir isto porque senão nem parece possível, a cerveja já enjoava e cheirava a cânhamo, foda-se se aquilo era a Irlanda vou ali e já venho, bem vamos lá tentar perceber o que é que eles diziam, merda não se percebe nada, parece que miam, que filha da puta de pronúncia, e nem são escoceses os cabrões, é que ele pensava mesmo assim, com muito fumo, com muita cerveja morna e uma companhia de merda só se consegue pensar à base de palavrões, caralho ó menos vendem o livro dos poemas no fim, que se foda ele compra, a companhia também era uma merda e o hotel uma merda ainda maior, e ele ainda era praticamente um puto, e um puto precisa muito de companhia, que se foda comprou mesmo, “Favourites Poems we Learned in School”, olha dá a uma gaja qualquer. Não deu, mas o livro tinha uma dedicatória picante e ele quase ainda se fodeu com uma outra companhia que veio a ter, daquelas assim já a doer, não sei se estão a perceber, daquelas que ainda por cima já lá não vão com uma boa rima, querem mesa posta e toalha fina. E um dia destes, já não tão desesperado com a companhia, ele ainda lá leu ao de leve nesse livro comprado no meio da levedura - e que até estava sublinhado, a companhia devia ter sido mesmo um achado :

We are the music-makers,

And we are the dreamer of dreams,

Wandering by lone sea-breakers,

And sitting by desolate streams; -

World-losers and world-forsakers,

On whom the pale moon gleams:

Yet we are the movers and shakers

Of the world for ever, it seems.

Dum tal de Artur O’Shaughnessy; pelo menos é o que diz o livro, porque os gajos que declamavam já estavam podres de bêbedos e ele já nem se lembrava de nada até porque ainda para mais a companhia era um merda e o sotaque a lúpulo até saia pelos sovacos. Mas se os gajos aprendiam isto na escola, foda-se, assim também eu, mesmo com companhias de merda; e o que me lixa é que se calhar nunca mais é como da primeira vez, mesmo que estivesse carregadinha de ordinarice; e caraças, se calhar, que parvoíce, somos todos uns forsakers de primeiras vezes. Como ele.
Machonices clássicas para desenjoar

Outono again



Há uma coisa que está cientificamente provada: o exercício físico reduz as capacidades intelectuais da mulher. Este ser, já de si frágil, mesmo osteoporoticamente quebradiço, ao entregar o seu corpo ao desgaste provoca uma migração enzimática da bainha de mielina que se transforma numa espécie de mero collant de axónios. Esta deslocação não terapeutica vem catalizada pelo suor que nos revela assim a sua envergonhada faceta de forte diluente das capacidades intelectuais femininas sempre reféns dum sudário masculino. A mulher quando se deixa envolver pela actividade corporal em regime de esforço, seja qual for a forma em este que se apresente, acaba por criar uma turbulência hormonal na camada de ar electricamente condutora que ela foi constituindo intra-craneanamente com um esmero bordatório, e que permitiu ao bolbo raquidiano feminino conviver saudavelmente com o seu cerebelo e sem intrigas nem infiltrações de maior causadas pela humidade salgada que ia escorrendo pelas fissuras da parede cerebral com que fazem gaveto. A mulher ao querer elevar os seus músculos à condição de robustez olímpica está inevitavelmente a comprometer a sensibilidade e a intuição, que no fundo são as suas prerrogativas oficialmente reconhecidas pela OMS, e a alargar exageradamente a fenda sináptica entre os seus neurónios, tornando a comunicação entre a arborização terminal do axónios e as dentrites num mero fenómeno do acaso, ou da boa vontade, compreensão e condescendência do cérebro masculino que com ela conviva e lhe enlace a cinturinha. Mesmo a dança ou até o sexo, que aparecem sub-reptíciamente como formas aparentemente mais sofisticadas do esforço físico, vai-se a ver depois que por via da elaborada química que libertam, constituem igualmente fenómenos fortemente inibidores da actividade intelectual da mulher. Uma mulher a arfar ou a arquear as ancas, para além da inadequação estética que representa, pressupõe uma desproporcionada exigência de irrigação sanguínea – o sangue na mulher custa muito mais a subir como se sabe por causa dos diversos obstáculos naturais que encontra pelo caminho que é especialmente sinuoso e montanhoso – e deixa-a praticamente incapaz de juntar duas ideias. Escrevê-las então pode-se tornar um verdadeiro suplício. Descansem, repousem filhas, por amor de Deus, e fiem-se na Virgem, mas não corram pela vossa rica saúde.
A verdadeira pergunta sobre o verdadeiro conflito



Onde estará agora Arafat?

com todos os efes e erres



Reparei há pouco que esse tal de guterres terá dito que vivemos um reality show na política portuguesa. Esse político-sacristão que nos fez viver num virtuality show uns quantos anos, foi o mesmo que teve como ministro da agricultura um gajo que comeu mioleira para assinalar ao povo que não havia crise com as vacas loucas, que chegou a ter como ministro um tal de armando vara (sem comentários), que teve como ministro das finanças um tal de oliveira martins ( não, não foi da cultura: foi finanças mesmo) , é verdade o nosso narciso miranda chegou até onde?, que descobriu para o mundo o génio político de jorge coelho, que conseguiu arrancar do cabeleireiro uma tal de maria de belém, e que deixa como legado político um carrilho casado com uma bárbara.

Portugal ao recordar guterres, portugal ao destapar guterres da benta pia, portugal ao preparar-se para levar guterres num andor ao poder, mostra de facto um país que nem merece que ponham a derreter umas velinhas por ele. Nunca o vento balofo e morno esteve tão perto de pela segunda vez ser confundido com um tornado.


de nuncas e de tantos
Disse-te que o sporting tinha cilindrado o porto. Menti-te está bom de ver, mas soube-me bem; «vamos "limpar" aquilo outra vez» e ainda te saquei um meio sorriso, aquele meio sorriso ainda de miúdo que sempre tiveste, a segurar os olhos verdes de malandro, de bom e decente malandro. Apalpavas-me a manga do casaco, parecia que estranhavas a fazenda, mas tu querias lá saber da fazenda, perguntei-te se gostavas da gravata, mas tu querias lá saber da gravata, só querias confirmar que eu estava ali, que daquela vez não te ia deixar sem companhia para as piadas; Esforçavas-te para ouvir os meus disparates, mas depois só encolhias os ombros, aquilo era um encolher de ombros não era, nunca me custou tanto ver um encolher de ombros, nunca me custou tanto apertar-te a mão, mas também nunca me apeteceu tanto apertá-la; e nunca me custou tanto dizer-te até amanhã. Tantos nuncas para um nunca tanto é que é a porra.
Numerologia de trazer por casa nas entradas 916 a 924 do dicionário não ilustrado.



Um – É um número a desprezar, reparemos que nem Deus nosso Senhor quis ser apenas um.



Dois – O número mais lixado de se aguentar.



Três – Muito mau dia para falar desta conta; estou com peseiros na consciência (sorry, um dicionário também tem direito aos seus recalcamentos)



Quatro – O número sagrado para qualquer batoteiro. Gosta de ver os adversários de gatas a procurarem onde é que ele escondia os trunfos



Cinco – Reflete a angústia da falta no manipulador maneta



Seis – O número que demonstra que muitas vezes uma “meia” pode chegar a ser mais famosa que uma “completa”.



Sete – Se não fosse a semana este número nem existia.



Oito – Duas bolas serão sempre duas bolas, estejam em que posição estiverem.



Nove – O número do dia em que foi inventada a verdadeira prova real. Nem todas as razões se confirmam na inversão dum rácio.
Estou praticamente



A angústia kirkegaardiana do afastamento entre o ser e a existência tem hoje um nome: Peseiro. Este sacana bem podia pelo menos ser exterior ao meu pensamento.

Ser lagarto e andar a escrever sobre os estados d’alma

Não, não é um conto. Antes fosse.



Eu em rigor neste preciso momento estou na agradável situação de entre a merda e o fodido. Não estou a encontrar assim de repente nenhum filósofo para insultar, e aquele rapaz o Peseiro... bem, nada.

Os estados d’alma voltam ao dicionário não ilustrado. Há que tratar também das nossas coisinhas e assim. (No fundo todos somos gajas, não será verdade ó almodôvar). Nas entradas 907 a 915, descodificam-se alguns dos mais nobres momentos por que pode passar a nossa condição de seres eleitos se bem que nem todos sufragados. ( e pronto não passei das 10... entradas, claro.)



Estou na merda – Situação de suave decadência, que ao deixarmos fermentar muito poderemos rapidamente passar à condição de meros gasjos naturais.



Estou fodido – Situação de decadência político-sexual em que deixamos de controlar os orgãos de cópula e passamos a estar dependentes da reacção dos ossos do orifício.



Vai-se andando – Situação que ocorre quando tomamos excessivamente consciência da nossa condição de bípedes. Muitas vezes isso atrapalha e afinal nem queremos muito mais do que viver alegremente com uma mão à frente e outra atrás.



Estou puto – Estado d’alma cujo enunciado é aconselhável por decência só no masculino; sendo mulher é socialmente mais bem visto ser apenas caprichosa ou mimadinha. Mas ele há gajas para tudo.



Estou assim, não sei, coiso, percebes – Quando tomamos a verdadeira consciência coisal da nossa condição necessitamos sempre de ser compreendidos pelos outros. Uma coisa tem esta característica: precisa sempre doutra coisa para ser alguma coisa que preste. O que no fundo a distingue da “merda” pois esta autosustenta-se.



Estou para a desgraça – A convicção de que a graça em sobra é um estado que pode causar algum desnorte leva-nos a rumar muitas vezes para leste do Paraíso. Confio que Deus o tenha feito a este também redondinho.



Olha, estou práqui – A consciência do nosso isolamento existencial vivida como se o mundo não passasse duma eterna bicha da caixa. “Kirk & Nitch” não passam de filósofos da taxa moderadora à cata de genéricos.



Estou como hei-de ir – Situação periclitante que acaba por revelar um gajo que nunca consegue estar quieto; e ao parecer estar dominado pelos bichos carpinteiros o melhor mesmo é ir dar um dedo de conversa com o Filho do dito.



Estou no ponto – Quando tomamos consciência de que não passamos dum banho maria a fugir a sete pés duma fritura, mas ainda sonhamos em passar um bom e picante bocado numa salada de grelos.



O agora muito batido “Estou que nem posso” já não reflete um genuíno estado de alma, mas sim apenas um piadinha da estação.
Esta é básica

Só lê livros quem não consegue ler corações. Mas quem só vê caras está entregue aos bichos.

Ou se calhar eu também não podia escrever frases à toa



Ser simbólico é o consolo dos que não conseguem ser abstractos.

Contos duma mulher ali em combinação e que nem sequer olha para a janela

sem palavrões, sem sexo, sensaboria



Mas a mim não me enganas. Passaste estes anos todos sentada nessa cama, vestida só com uma camisa de dormir, fazias-te triste a olhar para um papel desdobrado mas sem nada escrito, ó julgas que eu não topei logo. Eu deixei foi a coisa ir correndo, as mulheres são umas sonsas, isso já se sabe, mesmo quem não sabe nada de mulheres isso pelo menos sabe, e então vestida só com uma “combinação”- que deliciosa palavra- ali com a alcinha a babar-se por ver um beijinho no ombro e o pescoço a treinar a sensualidade dum acto esquivo, ali com o cabelo arredondado, a fingir um carrapito, a dar-te um ar genuinamente sério e desgraçadinho, quero-te avisar isso comigo não pega. Vamos jantar fora ou não vamos? Decide-te, então! Detesto perder tempo em quartos de hotel. Não sabes ao certo se eu sou o homem da tua vida. Acontece, é uma dúvida que acontece, mas se pensasses bem verias que eu sou o homem da vida de qualquer mulher. Estou calhado para agradar. Estou talhado para vos fazer felizes. Tu serás mesmo a única que comigo aqui se deixaria ficar a olhar para uma folha de papel sem nada, nem sequer olhas para a janela como as outras. Se eu escrevesse ensaios a metro diria que tu eras ‘o símbolo duma mulher armadilhada na sua condição’. Sim outras, claro que já estive aqui com outras. Fazia-lhes a folha a todas, e nem ficavam a olhar para o desdobrável como tu. Só que nunca ficavam tristes e pronto eu precisava de experimentar uma triste, não esperava é que desse nisto; até já estou baralhado, pelo menos podias piscar-me o olho e eu ficava a perceber que era mesmo tudo uma sonsice.
Um homem com mulheres assim nunca sabe as coisas ao certo.


Eu hoje estou ladino



Todos somos génios. Todos vivemos dentro duma lâmpada. Só precisamos que nos esfreguem bem. E que peçam os desejos certos, claro.

Agora para variar um post marado



Estas eleições americanas revelam-nos até à exaustão que o país que endeusa a competição, o país que precisa quase obsessivamente de premiar os mais eficientes, que possui os melhores centros de saber, que alimenta as mentes mais brilhantes, vive agora abanando o cu entre um tal de homem básico e bronco, e um tal de “mal menor” e “ o melhor que se arranja”.



Na ânsia viciante de escolher os melhores, a competição e a concorrência podem-se transformar num simples “biologismo” ( devo ir pagar isto com juros) , num “endeusamento” dos mecanismos de adaptação, e farão resvalar o exercício do poder para uma mera amanuência da sobrevivência das espécies, que acabará forçosamente por diluir os conceitos de “bom” e “mau”, fabricando líderes de polichinelo que mais parecem frutos secos embebidos em Armagnac.



A terra da monitorização das instituições, a terra onde se disputam os mais capazes e estes são treinados para se disputarem entre si, a terra em que se leva ao limite a regulação da concorrência e da competição para que leões e gladiadores estejam a comer do mesmo prato, apresenta-nos agora para o cocktail do poder uns panadinhos de abéculas, dois homens que parece não serviriam nem para presidentes da junta, num verdadeiro elogio à mediocratização do poder disfarçada pelo pó de arroz da mediatização.



O mundo dos negócios ( e até a teoria dos jogos) mostra-nos há muito que a concorrência não leva a que se escolha “o melhor ao mais baixo preço”, nem sequer “ o melhor com o menor esforço possível”. A percepção anda de mão dada com a persuasão, e o ambiente competitivo transporta-nos vezes sem conta para a banalização do espectro do valor: o ganho marginal vive de beijo na boca com o ganho médio, e a vida passa a desenrolar-se no patamar da escada olhando para a clarabóia e pensando que estamos no terraço. Marcando passo.



O mundo lembra um teatro em que o promotor do espectáculo face à sua incapacidade para gerir tantas vedetas tão canastronas quanto caprichosas, acaba por desistir e monta um estaminé de marionetas.
Qual é a solução: conseguir ser competitivo para saber desprezar a competição. É o velho segredo do batoteiro.



Fezadas sul-americanas. Mas com pouco picante.



Dumas famosas conversas entre E. Sabato e J.L. Borges “orientadas” por O. Barone entre finais de 74 e princípios de 75 (e passadas a livro), retirei esta passagem:



Sábato: (Con tono escéptico) Pero dígame, Borges, ¿a usted le interesa el budismo en serio? Quiero decir como religión. ¿0 sólo le importa como fenómeno literario?



Borges: Me parece ligeramente menos imposible que el cristianismo (ríen). Bueno, quizá crea en el Karma. Ahora, que haya cielo e infierno, eso no.



Sábato: En todo caso, si existen, deben ser dos establecimientos con una población muy inesperada. (Por un instante las risas se confunden con las palabras. Los dos se divierten).



Barone: ¿Y que opina de Dios, Borges?



Borges: (Solemnemente irónico) ¿Es la máxima creación de la literatura fantástica! Lo que imaginaron Wells, Kafka o Poe no es nada comparado con lo que imaginó la teología. La idea de un ser perfecto, omnipotente, todopoderoso es realmente fantástica.



Sábato: Sí, pero podría ser un Dios imperfecto. Un Dios que no pueda manejar bien el asunto, que no haya podido impedir los terremotos. O un Dios que se duerme y tiene pesadillas o accesos de locura: serían las pestes, las catástrofes..



Borges: O nosotros. (Se ríen.) No sé si fue Bernard Shaw que dijo: God is in the making, es decir: "Dios está haciéndose".



Se estes tipos falassem de gajas se calhar até Deus tinha posto a mão na consciência.
Fezadas panteístas



Num poema sobre o sol, Pedro Homem de Mello diz «Chamam-lhe Deus os pagãos»; infelizmente hoje já não há pagãos em condições, se calhar é porque o povo já não se lava no rio. Agora é mais duche in altum.


Fezadas para-peri-proto-filosóficas



Sempre que estou para comprar o “Diferença e Repetição” do G. Deleuze releio a sua primeira frase «A repetição não é a generalidade», e volto a ter a certeza que Deus existe; prescindo do livro, poupam-se uns cobres e umas horas de leitura de filosofia gira mas estéril.
Fezadas de que isto um dia se há-de saber tudo



«Le meilleur ouvrage est celui qui garde son secret le plus longtemps»



Paul Valery em “Tel quel - Littérature“, ed. Gallimard , agora perdi a porra do nº da página, mas andava a abrir páginas à toa há mais de meia hora, a ver se depois podia dizer «abri um livro ao calhas e encontrei logo isto...»

Isto não passa dum apenas armado em quase tudo





No passado dia 23 de Outubro o Azul Cobalto aparentemente terminou uma série de posts intitulados “causa e efeito” ; eram dos textos mais luminosos que se encontravam pela blogosfera (que eu leio, claro) pela qualidade da sua escrita, e pela força e agudeza com que interpelavam quem os lia com olhos de ver (isto está a ficar um bocado manteigoso, mas como ela me parece boa cozinheira certamente saberá o que fazer com tanta manteiga). Hoje então apetece-me escrever isto:



Imitações de causa e efeito #0

ou da presunção do pseudo-ficcionista de fim-se-semana



Um conto que valha a pena tem sempre duas histórias a “seduzirem-se” ou a “provocarem-se” uma à outra, chafurdando ou não; que nunca se devem resolver, mesmo que se encontrem. Acho que cada um depois deve agarrar as duas como se fosse um maníaco por variáveis promíscuas e à solta, fugindo daquele insonso e irritante sinal de igual que não passa dum paramento da causalidade, ou dum paleativo armado em ferrolho. Um conto que tenha uma solução bem esgalhada é como uma equação de vão de escada. Quem quer desfazer contradições do coração, o melhor é medir a tensão; a arterial. Palpita-me. Mas viver na contradição é uma palpitação. Mas isto é outro palpite. E bom apetite. ( isto foi só para rimar)


Outras fezadas, mas mais de trazer por casa



Dos deuses e das mulheres. Se lhes conseguires gravar o olhar nunca te irão abandonar.

Fezadas com piada e no momento certo



«Morrerei rezando o credo, mas não me enforques até eu dizer «creio na ressurreição da carne»



Unamuno em “A agonia do Cristianismo” citando uma frase dum personagem do poeta catalão Juan Maragall quando estava à beira de ser enforcado

Saladinha de polvo

Pior que uma terra de compadrios é uma terra de comadrios.



Por mais que se diga que o poder tem horror ao vazio, o poder continua a ser um mero (se bem que com carinha de garoupa, pronto) lugar imaginário, uma espécie de Aleph a servir da calço à mesa da távola redonda em Camelot. Com o Merlin a chatear a cabeça à Morgana porque ela nem uma merda duma mesa conseguia manter enfeitiçada em condições e ela a responder que ele se fosse queixar ao menino Jesus porque esse é que era carpinteiro. O rei Artur estava já um bocado em brasa com a situação, o Aleph não parava quieto, e pediu ao Lancelot para pôr cobro à situação desequilibrada, mas claro, o gajo queria lá saber daquilo se estava entretido com a Genoveva a dar pulos no colchão de água e esse nem precisava de calços porque quando mais abanasse mais o santo graal agradecia, e enquanto a espada aguentasse o balanço por ele tudo bem.

Mas isto tudo foi só para introduzir nova dose para o dicionário não ilustrado, que agora já não pode passar da meia dúzia de entradas por sessão por estrita imposição médica da Dra Girassol. Os parasitas do poder (mas este passa agora à versão duma besta ruminante e imaginária que se refastela num pântano qualquer) nas 901 a 906



Os políticos – Os que comem a melhor parte, mas que são frequentemente sacudidos pela cauda dos votos, e por isso passam o tempo a reclamarem dos ares do pântano.



Os jornalistas – Os que andam sempre a sarnar os outros parasitas, comem de tudo, o que não lhes cheira cospem fora, e nunca se queixam do pântano porque lá até surfam sem ondas se for preciso.



Os motoristas – Os que levam a melhor vida porque enquanto os outros se comem uns aos outros eles lêem o jornal e ouvem o relato. Também não gostam do pântano por razões óbvias: tirando os “amigos” do Bruttigglionei ( merda de nome) ninguém grama passar o fim do dia de cu para o ar.



Os analistas – Começam a comer na zona do lombo mas rapidamente passam às partes baixas porque com um bocadinho de sal e pimenta marcha tudo. O pântano vai-lhes que nem ginga se conseguirem drenar para o lado deles.



Os fiscais (sejam eles quais forem) - Os que se põem à entrada do cachaço para analisar as capacidades dos outros parasitas, e que geralmente exigem portagem para deixá-los passar para a comezaina. Adoram pântanos porque fica tudo pegajoso e assim ninguém de pode escapulir.



Os consultores – Espécie sofisticada de parasita que faz um spin-of à pele da besta e depois apresenta-a tostadinha ao resto da malta como se fossem couratos saídos do melhor project finance.



Não podem sequer ser sete? Vá lá só esta...



Os durões barrosos – Andam sempre atrás da greta de pele mais bem cheirosa, e abandonam as outras gretas mais trabalhosas e fedorentas, mas depois podem-se lixar quando aparecem outros a querer prender quem foge da greta húmida e se afeiçoa ao rabo do paquiderme.
Contos da papelaria

Ele hoje sentia mesmo a necessidade de escrever qualquer coisa dura sobre as mulheres, mas não lhe ocorria nada assim de repente, e por isso foi para o balcão



da papelaria. Chovia lá fora e então elas olhavam para o reclame da loja, que se exclamava incompreensivelmente “sexo”, e acabavam por entrar, estimando que iriam ali juntar o útil ao agradável. Calhava-lhes logo um homem armado em sedutor, que falava para elas com ar de impingidor mas que lhes aviava depois o seu olhar comercialmente arrebatador. Muitas delas presumiam que um homem assim só pensaria em comê-las. Como se fossem pasta de celulose, que era espremida e enrolada dose por dose, até ficar um produto sequinho, sem impurezas, fibroso quanto baste e que ainda daria para absorver mais romance se houvesse pachorra para acabamentos especiais. Então subitamente ficavam todas frígidas, como se duma epidemia se tratasse, como se aquela papelaria lhes corrompesse as hormonas, as filhas da puta das hormonas, ficavam petrificadas, numa anestesia mineralógica, desprezando o pobre vegetal, e a olhar para um homem que no fundo só cumpria o seu papel, que era vender papel, mas que porra apenas gostava de métodos decentes para tratar bem as clientes, que agora estupidamente se isolavam em xailes fiados em lã de rocha. «Que merda de nome havia eu de ter posto a este estaminé», pensava ele, que no fundo só as queria pôr a dançar, a fazer o gostinho ao pé, só para se armar em engraçado acabou por estragar as freguesas que agora punham o desejo de lado, e ficavam que nem a carne seca de mulher que desdenha um molho diferente, um molho que não fosse apenas um molho qualquer. Já só há mulheres correntes.

O balcão reluzia, mas só o seu desconsolo agora reflectia, e olhava para uma caixa registadora vazia, pior que isto só uma sina sem cigana, ou uma varina sem filigrana, ou um papel couché que afinal só deve ter qualidades que ninguém vê, e que ninguém quer apalpar, nem comprar, nem sequer elogiar.

Parou de chover, o sol já estava lá fora aos pulos e elas já não precisavam daquela enganosa e fantasiosa papelaria para nada, lá fora é que o mundo lhes sorriria; lá fora é que as suas pernas dançariam e haveria quem as abrisse como um envelope, e as fechasse lambendo, sem precisar de sinete no lacre porque elas conheciam bem o dono.
O coliforme fiscal

uma mera história de amor


Vivia ele alegremente entalado entre duas colectas indiciárias e uma dupla tributação até que um dia lhe veio a corrente fria da dedução estragar o equilibrado descanso. Olhou de esguelha para a última liquidação oficiosa inverteu o ónus da prova e pôs-se ao caminho: também ele queria um off-shore só para si. Foi saltando entre os benefícios fiscais que lhe foram aparecendo e chegou a estabelecer uma boa amizade com uma delimitação negativa de incidência que vivia numa lacuna, só que aquilo não podia ter futuro porque ela não se sujeitava à primeira retenção na fonte que lhe aparecesse. Souberam esquecer-se um do outro, e não ficaram mágoas a pagar por conta: a isenção de amor ainda era possível, só haveria que reinvestir o valor de realização e aproveitar bem os coeficientes de correcção, porque o que hoje é verdade ontem pode ter sido mentira. Lembrou-se dos anos em que foi atribulado pelo lucro consolidado, pelas penalizações de ter amado sem olhar a preocupações de domínio ou de resultados internos, saldos de mais valias, mais valia ter ficado pessoa singular, ter optado por um regime simplificado, borrifar-se para a papelada duma vida organizada, não teria agora de andar a buscar um paraíso fiscal, atrás duma taxa liberatória qualquer, dum esquecido crédito de imposto que agora talvez já não lhe trouxesse obrigações acessórias. Mas de súbito veio-lhe à concorrência da mente que ainda havia hipótese de fazer uma declaração de correcção, ele poderia ter levado uma vida de merda mas teve sempre quem lhe determinasse a matéria colectável com precisão, tinha havido quem fizesse de sujeito passivo, quem se tivesse subjugado às taxas progressivas para ele ter podido brilhar com as tributações autónomas. Reconsiderou. Voltou. E encontrou o mesmo olhar, o mesmo sereno olhar de quem não sabe amar mas de quem se especializou a amnistiar vidas em mora. Faltava-lhe um incentivo. O amor é um saque. Um confisco sem lei.



(ou se calhar pensavam que eu ia falar do orçamento, ou do deficit, ou do Bagão)
Contos do assim também eu



Olho para ela na televisão, é magrinha e fria, escanzelada diria, escanzelada é expressivo, confesso que tenho um fraquinho por ela, como se calhar por todas as mulheres que têm um aspecto enganosamente frágil, mas não não é para as proteger, quando se gosta de proteger uma mulher já a estamos a estragar, já estamos a fazer o que qualquer celofane faria e até com outro aconchego; voltando a ela, não gosto de falar das mulheres em geral, é dela que eu gosto nesta história, eu cá sou adepto de enredos monogâmicos, eventualmente pluriorgásmicos mas isso não sei se vai dar porque estou inesperadamente cansado e tenho a restrição das 25 linhas, e ando distraído, por exemplo já me ia distraindo dela que é a razão desta história, agora está a jantar num restaurante fino, deixa que lhe toquem na mão, eu sou muito ciumento com as mãos de quem gosto, felizmente ela não sabe que eu gosto dela, poderiam cair-lhe mal os meus ciúmes, enfiaram-na foi num penteado que não a beneficia nada, vá lá eu perdoo-lhe, ela nem teve culpa vendo bem, mas de facto é curioso, ela não se consegue apaixonar verdadeiramente por ninguém no filme, se calhar é porque sabe mesmo que eu a estou a ver, não , não deve ser, ela nem sabia que eu vinha a esta sessão, bolas há um tipo que está quase a conseguir engatá-la, e tem armas que eu não tenho, pode tocar-lhe, pode arremessar-lhe o olhar quando quiser, até lhe pode fazer desenhos na palma da mão como eu lhe faria, foda-se e o gajo tem um Ferrari, como é que eu faço agora, ah ela não foi na cantiga, e até já está com aquele ar despenteado que me põe a imaginar coisas, parece-me uma mulher do tipo rebelde, sem passado que valha a pena, ainda fico a gostar mais dela, tem uns sacanas duns lábios fininhos e tanto consegue o sorriso largo como o sorriso estreito, manipula com o sorriso, são as piores, mas isso eu já estou preparado, se me deixar levar é porque quero, despiu-se agora, caraças, e eu estou a escrever não me posso descontrolar, já quase me esquecia de dizer o nariz dela é dos arrebitados claro, mas eu acho que alguém lhe vai bater à porta, era inevitável, nem quero ver, pois assim também eu, com um guião desses também eu fazia flores, cabrão, e depois eu faço o quê com os ciúmes, escavaco telecomandos não, está bem a cena acabou, mas já nada será como dantes, mesmo depois do intervalo, mesmo depois dos anúncios, mesmo depois de eu fazer um xixizito que até já estava à rasca, já nada será como dantes, bem podias ter pelo menos aguentado pelo intervalo ó escanzelada, eu haveria de ter alguma ideia para te tirar daí, e pegava-te nas mãos duma maneira que tu nunca mais me esquecerias.
Hoje não vou gastar dinheiro em títulos



A pior coisa que se pode fazer à tristeza é dar-lhe com o espanador das falsas alegrias. A tristeza deve ser tratada como a poesia popularucha: catrapiscando as rimas de melhor efeito, afagando a brejeirice, fugindo do género livre armado aos cágados, vagueando entre o abananço e o arrebitanço, levantando a saia e fingindo olhar para o lado, endeusando a malandrice.
Nenhuma sã tristeza é errática e definitiva, valha-nos mesmo uma sã tristeza para absorver as alegrias como um radar, porque ela é acolhedora como uma genuína sopa dos pobres.
Estava eu armado em parvo a procurar as consequências politicas deste pensamento quando reparo que uma entrevistadora do Ramos Rosa aparece no “Mil Folhas” do Público (entrevistar poetas é a mesma coisa jogar às palavras cruzadas com o pai natal na bicha do Toys ’R us) a citar Heiddegger quando este diz que “o ser humano é inabitável”; ora lá porque esse gajo viveu a sua existência "com escritos" a vida toda, andou a beber da escolástica quando era pequenino, e depois passou logo para a fenomenologia sem passar pela casa da partida nem fumar uns charros, e depois se passeou entre uma mulher-ama-seca-deslumbrada-protestante e uma mulher-amante-húmida-deslumbrada-judia, não precisava de nos querer impingir um vai-se-a-ver-é-um-vazio ontológico que nem é próprio da nossa condição, para além disso ao se afiar tanto o "ser" esvai-se-lhe o gume, e inabitável era a prima dele. Disse. Heidegger foi de facto um dos gajos que melhor brincou ao scrabble com o tal de “ser” e outras irrelevâncias afins, que ainda acabaram por efemininar, e lá inventar tantos nomes para essas merdas que davam para fazer trocadilhos nos anúncios da Super Bock durante 50 anos; desconsoladamente só é pena que não soubesse fazer desenhos porque assim ainda se tinha aproveitado qualquer coisa para pôr na parede.
A verdade, verdadinha, é que a principal qualidade do nosso ser é precisamente a sua hospitalidade, e é por isso que jamais a boa da ontologia dá bola aos existencialismos marados e em fase arcaica; estes acabam assim por ter de se contentar com umas gajas já com as partes baixas do ser em estado bolorento, quando não com teias de aranha, o que dá obviamente aquele aspecto de abandono e afasta a virilidade do pensamento. Resulta pois numa incómoda flacidez, no divã dá prognóstico frustrativo, vai daí com a vergonha disfarça-se de tristeza, em rimando safa-se à tangente e passa a melancolia, só que depois para poder escrever uns livros eruditos em condições tem de passar rapidamente a desespero existencial senão até parecia mal e ninguém comprava. É este o percurso pós Kirk & Nitch, o resto é folclore.



A tristeza, o desencanto da vida, a perda de sentido são meros instrumentos da alma em luta e têm de ser agarrados pelos cornos, e é por isso que eu gosto bem mais de gajos que dizem que têm vontade de ir prá cona-da-prima-street do que de gajos que estão sempre a falar da merda do topos, e gosto ainda mais de gajos que reconhecem que lhes estão a arder as putas das virilhas do que dos gajos que estão sempre a falar do sacana do pathos, e ainda prefiro de longe quem diz que está com uma uma dor de carola do caraças a quem se esparrama a dissertar sobre a agonia da alma. A melhor alegria é a que se adubou numa tristeza de piscar o olho e vai deitando a língua de fora aos existencialismos de quermesse.

Queria voltar à tristeza de peito feito, mas “encontro-me” com a Sta Teresa de Ávila que dizia «morro porque não morro»... só que agora já não posso dizer mais nada senão o post extravasa as 25 linhas e teria ainda de falar do M. Unamuno e também já me doem a porra das costas.
Contos do é-me indiferente



Contaram-me, eu não vi, ela tinha sido abandonada por ele. Chorava, mas eu não vi, porque não gramo ver mulheres a chorar, mas não sou eu é o tipo que está a escrever isto, para mim é-me indiferente, se choram é porque o corpo lhes está a pedir isso, e se o corpo duma mulher é caprichoso no leito também deve ser no pranto. Acabou por parar de chorar, fixou a alma, focou o corpo e partiu para outra, parecia um homem. Não, não era puta, eu não sou dos que precisa de putas para escrever um conto, a mim basta-me um gaja qualquer, até uma gaja séria me dá nos dias bons. Hoje é um dia bom e ela foi tomar chá, podes continuar agora tu, ninguém olhava para ela porque se topava à distância que estava em fase de explorar e cuspir, e nenhum homem das redondezas queria aventura, todos queriam amores de passeio, e ela não estava para aí virada; ele há muitos homens sérios mas eu para mim isso é-me indiferente, se são sérios é porque fodem melhor assim, nem sei o nome dela porra, eu tenho muita dificuldade em escrever sem saber os nome delas, agora vou ter de me desenrascar porque ela está quase a desencaminhar um tipo, e eu que até sou o dono da história e nem o posso avisar, coitado, eu tenho imensa pena dos homens que caem nas garras duma mulher que só tenha os escrúpulos menstruais e poucos mais, mulher que manipula com o dedilhar das coxas, pára, pára aí, que raio de caminho leva esta história, ela foi abandonada, e uma mulher abandonada tem o direito de se vingar, a vingança é a única purga para o desengano, pois passa a perna a esse, claro já está, foda-se que nem um patinho, também com homens assim nem dá luta, mais choraste menos mijaste não é, ainda bem que não tive pena de ti, mas isso também te é indiferente agora que já fornicas com toda a gente, ainda te tinha eu feito uma mulher séria havia pouco tempo e tiveste de acabar a história como uma puta só para me lixares.
Outono com Buttigliones em flor

Hoje vou revelar o teor da entrevista de recrutamento do comissário Buttiglione, ou lá o raio como é que o gajo se chama, levada a cabo pelo nosso Duroni.



Duroni – Mr Botognoni, you have been highly recommended by mr Burlesconi, please sit down, be comfortable…


Butignone (‘dasse comequestamerdassescreve) – Tankiu, my hass is very sensitive…


Duroni – This conversation is only a proforma; proforma is almost latin, I appreciate very much the classics…


Botignoli – I’m very classic too; I’m even more classic than Xéxeneca, or Burlesconi, or Alberto John Garden, or Horacio, and sorry about my macaroni english


Duroni –No problem, my english is also a little bit tagliateli. Baidauei… I heard some noise of bottom around your person, but I suppose is only bad intentioned people like the portuguese left block


Bestignini – I know, I’m used to be misunderstood


Duroni –You are “used”!?...This is not a good signal…have you some… strange passive sexual behaviours …


Broxoni – No, no ... I’m a very sexual conservative guy; I only like to fuck girls.


Duroni – That means you don´t apalpate guys …I'm safe here ?...


Brutignone – Your hass seems to me not as firm and round and tense as I usually prefer


Duroni –Than, can I be sure that you will not hostilizate guys that apalpate the hasses from each others, neither the girls that use their imagination as a creative tongue and their tongues as invasive ivaginations


Bestignioni – Usually, I've to recognise, I even like those last ones, I call them fufas but there are some social cientists that call them lesbians; I suppose fufinis is more correct because is more sweet


Duroni –I didn’t know that you are also very sensitive as person, I see that is not only your hass.


Butinhini – To fuck girls we must be very very sensitive if not they become disinterested or upset or even rude with us. Some girls are almost so sensitive as panasquinis


Duroni – But in concrete what politics do you pretend to implementate concerning equality and freedom


Bostinini – My main idea of equality is to joint all lesbian and gays in the same jail and…


Duroni – So interesting, so revolutionary and also so reformist


Bostignioni – Then we will subventionate tv cameras in the prisons, and all the shame-less will be recorded …


Duroni – But what do you have in mind, oh creative creature!?


Brillantoni – As we are already fucked with the cheep textiles that come from the asia, where they explore the workforce as slaves, then we will start to export alternative pornography to them, exploring our innovative fuckforce in jail


Duroni – Sorry…. I’ve to stop, ‘cause unfortunately I’m medically forbidden to make interviews above 25 lines. And let’s eat some tortellini au pistache to desenferrujate our english
Isto é apenas um post rápido. Se arrancarem com força não dói



Então mas se o governo já não pode ir dando umas borlas aos velhinhos, aos pobrezinhos, aos reformados, aos paralíticos, aos funcionários públicos, então fazia demagogia com quem? Com “lampiões”, não?
Voltemos pois à queda da folha

Hoje em estilo de literatura comparada, até porque isto é uma casa séria



Quando começava o Outono de há 50 anos, Camus escrevia nos Carnets (1) que «Dieu n’est pas nécessaire pour créer la culpabilité ni punir. Les êtres y suffisent. C’est l’innocence à la rigueur qu’il pourrait fonder.»



Isto é a chamada ideia agradável ao ouvido; Camus já tinha mandado o existencialismo às malvas e agora de vez em quando andava a dar manteiga a Deus, esquecendo-se de que haveria alguma leve possibilidade de nós – os “seres”, para os amigos - termos sido engendrados pela “cabecinha” atrevida do Criador. Agarrou-se assim a uma das mais enganadoras – e engenhosas - dicotomias da nossa condição: culpa-ingenuidade, e sai-se com esta quase “forrest-gumpada” a. t. (antes de T.Hanks). Este deus da virgindade, este deus feminino tipo mãe de toda a ingenuidade é uma construção literária para quando as rimas ou os aforismos já não estão a sair tão escorreitos. Eu cá gosto de ver Deus também como o “pai” de toda a perversidade, e que se deu ao luxo de “desmultiplicar-se” e “desconstruir-se” ( Derrida podes levar então a bicicleta) enviando ao reino dos malandros o «seu filho muito amado» ( eu estarei a passar-me?) para os limpar da tal culpa, que assim se tornou felix culpa. E gosto de sentir que levo a minha vida nesta limpeza artificial, tratando e troçando da alma como uma gaja vaidosa. E agora reparo, e lembro-me, e encontro, o que foi escrito por Pavese também pré-outonalmente-curiosamente-praticamente 10 anos antes, nada mais nada menos que esta preciosidade: «uma bela camponesa, uma bela prostituta, uma bela mamã, todas as mulheres em quem a beleza não é uma ocupação artificial de uma vida inteira, caracterizam-se por uma dura impossibilidade de fazer troça»(2). Viver pois a vida com algum sentido da artificialidade estética ( quase como uma espécie de piedade da quarta dimensão) é então uma boa maneira de olhar para a sua falsa ingenuidade, troçando dela, e assim poderemos olhar também para as nossas culpas com o mesmo sorriso malandro e sem grandes ostracismos. Valha-nos pois Nossa Senhora e os ensinamentos da coquetterie.



(1) Carnets III, Gallimard, pg 125

(2) O Ofício de viver, Rel. de Água, pg 283
Eu em sinceramente não vejo a razão para cagente não apossamos a votar também realmente



Hoje não há portuguesito que se preze, quer ele tenha blog quer não tenha, que não seja especialista em política americana. Agora qualquer pingente sabe que o bush defende os interesses do pitroil e que o kerry alimenta o lobby dos molhos, agora qualquer artolas sabe que o americano médio é um bronco e que nova york não reflecte a américa profunda, agora qualquer sopeira sabe que quase foderam clinton por causa duma putéfia que não gastava dinheiro nas limpezas a seco, agora qualquer parolo sabe que a indústria do armamento é como do pão para a boca para a economia americana e esses gajos é que mandam em tudo, agora qualquer reformado saído da bicha da caixa sabe que o futuro da américa se decide naqueles barbecues que os gajos fazem como nos filmes, ou então quando rezam o pai-nosso a dar as mãozinhas, agora qualquer professor mal colocado no intervalo dum algoritmo sabe que o americano médio é burro e desconhece onde fica a europa e muito menos o que é uma scut , agora qualquer pivot da continuidade sabe que a cotação do dólar está dependente do deficit público americano, agora qualquer porteira sabe que a cotação do dólar afinal não depende de nada disso mas sim duma tal de gaja chamada reserva federal e que dá grandes gerais à base de meios pontos percentuais, agora qualquer escritora-tipo-light que leu o chomsky mesmo sem bonecos sabe que o bush foi eleito com os votos mama da florida, agora qualquer liberal que leu o hayek à pressa, ou à pressão, já sabe que os estados unidos não são o liberal garden, agora qualquer galdéria mal maquilhada sabe que a hilary clinton é tão democrata como a jennifer lopez , só que tem um cu mais imperfeito quando se bamboleia ( quando estão quietas não sei porque nunca dei atenção ao da jennifer lopez assim parado) , agora qualquer pindérico sabe que na américa quem quiser trabalhar até pode chegar a milionário e que isso acontece quer seja o bush a dizer as calinadas ( também denominadas como discurso terra-a-terra) quer seja o kerry a rir-se como uma espécie de schumacher com rugas e papos ( também denominado cara-de-parvo), agora qualquer colunista de fim-de-semana sabe que o kerry é tipo uma salada que não se percebe o que tem, e que o bush é tipo uma espetada com tudo à mostra e pendurado, agora não há velha gaiteira que não lance um ai-jesus ao bush ou um valha-me deus ao kerry quando ouve o costa ribas , e agora nem há arrumador de carros que não saiba que o law-enforcement não resolve a porra da confusão criada pelo tudo-ao-molho-enforcement; por isso agora com franqueza, é um desperdício deixarem um povo assim tão informado sem poder dar uma palavrinha, uma achega, sem poder dar um ar da sua graça; será que estaremos apenas destinados a limitarmo-nos a dizer, é pá decidam lá então vocês isso, e fodam-nos depois à vontade, mas pelo menos não sejam somíticos com a vaselina.
Carta aberta aos gajos que pensam ter sido namorados da minha filha, ou que pensam que são, ou que pensam que podem vir a ser



Se calhar ainda vou ter de apagar isto mais tarde...ou mais cedo.



Reparem numa coisa, reparem no drama que se vos apresentará: ela construiu a imagem do homem perfeito baseado em mim. É uma fasquia demasiado alta para vocês. Irão ter enormes problemas de afirmação pessoal; eu percebo-vos, não será nada fácil, e a vossa auto-estima nem irá ao sítio lendo a revista xis todas as semanas. Correreis o risco de ser apenas uns pés de página, ou umas notas de rodapé, quanto muito, nos melhores dias, podereis aspirar a fazer de legenda colorida, reconheço: é duro e cruel; e até calculo, ela ser-vos-á duma exigência sufocante pois eu estarei sempre a povoar as suas memórias como aquele mito com que vos tereis de comparar. A minha imagem, entre o pedestral e a redoma, estará a minar-vos o caminho, a empedrar-vos o sapato, essa imagem que eu construí como filigrana, como um mestre flamengo, como um artesão de personalidades modelo; e quando ela fizer aquele olhar melancólico ou aquele olhar irritantemente distante, ou mesmo displicente, como o leiloeiro quando sabe que o lance ainda está muito baixo, relaxem, ela está apenas a constatar que vos é muito difícil lá chegarem. É que eu não brinco em serviço. Mas descontraiam-se, aquilo dos caprichos dela é apenas o preço que têm de pagar pela vossa condição de seres gravitantes com órbita controlada, talento calibrado e virtude comparada.
Porque isto é mesmo assim



Nenhum lagarto pode olhar para um sete a um e ficar indiferente



Era como olhar para a Elizabeth Hurley e ficar a pensar no Corto Maltese. E de passagem, é pá, já não há saco para o Corto Maltese

E agora uma calimerada para desenjoar



Tenho pena de não ser uma ternura de homem. Tenho mesmo pena disso. De não saber dizer aquelas palavras que fazem os coraçõezinhos rebentarem como uma colmeia de favo ao léu. Tenho pena de não conseguir entrar na alminha de ninguém, de não provocar nem um suspirozinho, nem um calorzinho, já nem falo em estremeções, falo duma lagrimita a cair aos trambolhões. Os músculos olham para mim impávidos, secos, sem se esgadanharem demasiado por dar sinal de vida, já nem falo de grandes suores de esforço, falo dum pinguito a escorrer pelo pescoço. Não sou capaz de promover um olhar cândido e entregue, não sou capaz de atrair uma cabeça para repousar esquecida no meu colo, já nem falo dum coração em chaga ou a brilhar ao luar, falo duma feridita a sangrar. Tenho pena de não ser uma ternura de homem, em calhando, só sirvo para desenjoar.
Na barbearia



Desde que a gilette inventou a lâmina dupla em que uma puxa o pêlo para fora e a outra... empurra o pêlo para dentro, praticamente não ficou mais nada por inventar. Na chamada política concreta apenas se fazem variações no after-shave. O segredo está em vivermos de poros fechados para não arder muito.
Apenas para aliviar da taquicardia



A memória é um fenómeno radical, um tema estruturante e desestruturante (se calhar pensavam que eu não sabia dizer estas palavras). Ou tudo é memória, ou a memória só atrapalha. Somos filhos da memória e somos pais da memória. É a mítica história do incesto a actuar.

Este agora é para limpar

Dedicado às mulheres virtuosas em geral. Um homem, em bom rigor, não pode ser virtuoso pois sendo a cabeça de casal, e dado que é no meio que está a virtude, são duas situações incompatíveis.



«Já te referi, se bem te lembras, como tem havido pessoas que, por um mero impulso irreflectido, foram capazes de vencer situações geralmente objecto ou de desejo ou de temor pelo comum dos mortais: há exemplos de quem tenha abandonado a riqueza, há exemplos de quem tenha posto a mão sobre as chamas, de quem não deixasse de sorrir em plena tortura, de quem retivesse as lágrimas nos funerais dos próprios filhos, de quem enfrentasse a morte com intrepidez, de facto, uma paixão, um movimento de cólera, uma ambição podem chegar para que desprezemos o perigo. Ora daquilo de que é capaz um instantâneo impulso de alma excitada por um qualquer estímulo, não o será muito mais ainda a virtude, cuja força é contínua, e não dependente de um ímpeto de momento, a virtude – cujo apanágio é uma energia permanente?» (*)



Este gajo às vezes irrita-me um bocadinho, só que entre um banho gelado e o sacana do estóico, um tipo acaba por decidir lê-lo. E até transcrevê-lo... e o tempo que eu demorei a transcrever isto, e se calhar não me dão o devido valor. O que só faz bem, porque senão acaba-se - como diz o Michaux (outra vez!) – como «aquele, (que) com a sua virtude, punheteia os vícios».(**) Não sei se ter juntado estes dois terá sido boa ideia. Bem, há sempre o duche frio.


(*) Séneca, "Cartas a Lucílio", Livro IX carta 76 – 20

(**) in “Da escrita- fatias de saber”
Ora aqui está um post também muito indicado para crianças. E para outros espécimes em fase de consolidação de personalidade.

Ou do “deixei crescer em mim o meu inimigo” (*)


Tristes dos que precisam de dar exemplo para convencer, desconsolados dos que precisam do seu próprio exemplo para que lhes obedeçam, desafortunados dos que precisam do exemplo de alguém para descobrir o bem das suas vidinhas; não passam de meros peregrinos de ruínas, os que correm atrás duma figura exemplar. O “dar o exemplo” é mais uma prisão construída pelo moralismo atrofiado dos coitadinhos das convicções. Quando para levar alguém a fazer algo também temos de o fazer, é porque não passamos dum holograma de ética fluorescente. E pior, se para sermos respeitados também temos de prestar vassalagem ao tal de “dar o exemplo”, então esse respeito vale tanto como o riso do palhaço rico a olhar para as tropelias do palhaço pobre. Este tão afamado “dar o exemplo” foi uma invenção de última hora, com as calças a cair e já em passo atabalhoado, dos foragidos da liberdade, dos que precisam do seu próprio exemplo para se mostrarem necessários e de boa regra. Endeusar o exemplo é fazer da nossa natureza filha duma decalcomania em vez dum decálogo. A idolatria do exemplo pouco mais é que o caruncho a tomar conta das tábuas da lei, é adorar o primeiro que nos pode virar as costas abanando a cauda; o nosso coração, ou alma, ou vontade, ou espírito, ou o que der mais jeito e esteja mais à mão, jamais se devia deixar gravar pelo olhar-o-santo-do-alheio, pois fiquem sabendo que a maneira que a curiosidade arranjou para ter um lugarzinho esconso no Éden foi amancebar-se com o exemplo. (E agora tenho mesmo de terminar à pressa porque estou proibido por prescrição médica de fazer posts com mais de 25 linhas). Aconchegarmo-nos neste felino traiçoeiro, de pêlo atraente e vistoso, e de bom valor no mercado que é “darmos-o-exemplo”, será o mesmo que estar dormindo com o inimigo; e ainda para mais tem bigode.


(*) de Henri Michaux em “Da Escrita - a vida dúplice” , numa antologia ed. Fenda 1999, (a páginas tantas)
Como é Outono, temos a caldo outonado. No fundo, a opinião pública apenas se distingue da opinião púbica porque enquanto esta se revela no meio dos “pêlos” a outra é nos “portantos”.



O dicionário não ilustrado foi ver as notícias nas entranhas, perdão, entradas 886 a 900
Delito de opinião – Crime de índole sexual pois a vítima muitas vezes antes de abrir as pernas acaba por abrir a boca.



Liberdade de expressão – É aquele tipo de liberdade que depois de muito bem espremida, vai-se a ver era só casca e caroço.



Censura – Sem cura. Doença de natureza crónica mas que se manifesta em crises agudas depois de algumas crónicas.( ao fim de semana já se sabe que os trocadilhos são inevitáveis)



Princípio do contraditório – Onde acaba o dedo e começa o supositório.



Comentador político – A verdadeira “mulher objecto” da sociedade da informação.



O poder dos “media” – É dar-se ao luxo de ser “extremado” e não precisar de rever posições pois estão sempre aconchegados junto à cópula do poder.



Pressões – O poder no seu formato tântrico; Permite a suspensão de toda a ejaculação dos falos, perdão falas da oposição.



A poder de influência – Aquele tipo de poder que capitaliza a humidade do meio, e assim escorre fluente e facilmente pelos lugares mais recônditos, provocando as sensações mais inesperadas, mas quase sempre bem recebidas. ( não costuma é dar tempo – nem jeito - para aplaudir)



Pluralismo de opiniões – Estado da natureza de registo matemático em que as opiniões se dividem e multiplicam ao mesmo tempo. Geralmente fica tudo na mesma.



Meios de comunicação – Os que justificam os fins, desde que estes deixem, claro.



Lei da rolha – A lei que permite a quem fala muito, poder de vez em quando aliviar e bochechar “Tantum Verbo” para que não fique com a boca a saber a cortiça.
Independência e isenção – São conceitos de muita boa terminação, dão boa serventia nas rimas, mas depois na prosa revelam-se asneira da grossa. Só não são falácias porque são conceitos femininos. São farófias, portanto.


Amplo debate – Tipo de conversa que, ao ser tão aberta, retira espaço aos tais preliminares e assim provoca muitas precocidades ejaculativas.



O direito de resposta – O lado feminino da liberdade de imprensa. Só a mulher sente verdadeiramente que responder é um direito.



Mas felizmente que agora se descobriram uns tais de...



Detectores de spin – Espécie de sofisticados radares que se dedicam a detectar os pingos da chuva em dia de tempestade para depois esclarecerem o povo se é melhor usar uma gabardina em 2ª mão ou um chapéu de chuva só com varetas. E também darem-nos a comer o peixinho sem espinhas é logo outra louça.
“Le pinceau voyageur”



Reparo por estes dias que deixei há muito de ter necessidade ou mesmo impulso em emitir opiniões. Nem saberia explicar bem porquê. Talvez alguma preguiça, talvez falta de jeito, talvez até já trejeito, talvez mesmo vontade mortiça. Mas também são demasiados talvez para uma só vez. Encontrei uma metafórica explicação num livro muito especial sobre Alechinsky ( um dos meus pintores preferidos), em que ele é citado por Marcelin Pleynet, falando sobre o seu quadro “Central park” de 1965 ( o primeiro com as “remarques marginales” que lhe são tão peculiares): « J’allais bientôt me déshabituer de la peinture à l'huile. Elle ne m’avait jamais permis ces regroupements, allitérations et va-et-vient». É isso, sempre que posso ( mas nem sempre é possível esse luxo de não termos opiniões) cada vez me afasto mais dos silogismos de ocasião, dos pastiches de espátula arregaçada, ou de trincha opinativa alçada, no fundo gostava de poder dizer «je ne cherche que des pensées qui tremblent» como diz P.Quignard em “Les ombres errantes”, estes que apenas se passeiam, vão e vêm, distraem, fermentam, são repetitivos, pouco ou muito arejados, mas que gostam de ser afagados.