O coliforme fiscal

uma mera história de amor


Vivia ele alegremente entalado entre duas colectas indiciárias e uma dupla tributação até que um dia lhe veio a corrente fria da dedução estragar o equilibrado descanso. Olhou de esguelha para a última liquidação oficiosa inverteu o ónus da prova e pôs-se ao caminho: também ele queria um off-shore só para si. Foi saltando entre os benefícios fiscais que lhe foram aparecendo e chegou a estabelecer uma boa amizade com uma delimitação negativa de incidência que vivia numa lacuna, só que aquilo não podia ter futuro porque ela não se sujeitava à primeira retenção na fonte que lhe aparecesse. Souberam esquecer-se um do outro, e não ficaram mágoas a pagar por conta: a isenção de amor ainda era possível, só haveria que reinvestir o valor de realização e aproveitar bem os coeficientes de correcção, porque o que hoje é verdade ontem pode ter sido mentira. Lembrou-se dos anos em que foi atribulado pelo lucro consolidado, pelas penalizações de ter amado sem olhar a preocupações de domínio ou de resultados internos, saldos de mais valias, mais valia ter ficado pessoa singular, ter optado por um regime simplificado, borrifar-se para a papelada duma vida organizada, não teria agora de andar a buscar um paraíso fiscal, atrás duma taxa liberatória qualquer, dum esquecido crédito de imposto que agora talvez já não lhe trouxesse obrigações acessórias. Mas de súbito veio-lhe à concorrência da mente que ainda havia hipótese de fazer uma declaração de correcção, ele poderia ter levado uma vida de merda mas teve sempre quem lhe determinasse a matéria colectável com precisão, tinha havido quem fizesse de sujeito passivo, quem se tivesse subjugado às taxas progressivas para ele ter podido brilhar com as tributações autónomas. Reconsiderou. Voltou. E encontrou o mesmo olhar, o mesmo sereno olhar de quem não sabe amar mas de quem se especializou a amnistiar vidas em mora. Faltava-lhe um incentivo. O amor é um saque. Um confisco sem lei.



(ou se calhar pensavam que eu ia falar do orçamento, ou do deficit, ou do Bagão)

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