Küsschentherapie
uma sessão de parvódia em vários actos, nenhum baseado em factos, senão estes ainda podiam levar a mal.



1.Laisser faire laisser baiser

Deixavam-no estar. Ele ficava ali a falar sozinho, pensava que ainda era o padrinho, pensava que ainda era ele que mexia nos cordelinhos. Mas nós alimentávamos aquilo, íamos beijar-lhe a mão aos turnos e ele dava-nos ordens absurdas. A última que tive era para pregar um cagaço a alguém. Só por acaso é que não cumpri. Deixei estar como estava. Ele também estava doido, era muita coincidência aquilo dar certo. Mas antes beijar-lhe a mão a ele do que a outro. Tem de se beijar a mão a alguém, faz de referência, iam dizendo os mais necessitados duma explicação, há sempre gente que precisa duma razão para se consolar, não lhes chega um beijo, passam a vida a deixar-se andar mas depois não conseguem beijar à toa, afligem-se com uma bênção, atarantam-se com a aparência de servidão, pensam que ser livre é beijar quem se quer e esquecem-se que Deus é um velho maluco que se vai deixando beijar. E manda seguir. De absurdo em absurdo até os lábios ressequirem.
2. Não há fome que não dê em sobeijamento

Ela deitava-se no divã mas o sigmund de serviço mostrava-se distraído. Ela chamava-o bizarramente com beijinhos sonoros que o incomodavam; há mulheres chatas como passarinhos, e há homens que são mais freuds, mas também há outros que são mais froids, outros mais quentes, outros mais kants, ele há um pouco de tudo, mas raros conseguem fechar o inconsciente mal braguilhado ao arremesso de beijinhos, o divã rangia diga-se em abono da verdade, e a verdade bem que tinha de ser abonada, estava de rastos coitada, nem é bem fodida, é mais para debaixo do sofá sacudida, e ela não parava de se explicar, pronto diz-me lá o que tens para me dizer, a tua mãe batia-te em pequenina, e eu o que tenho a ver com isso, mas então depois nem te dava uns beijinhos, está bem e isso deixou-te a alma numa desgraça, e dependente dessa beijoquice paliativa, e por isso vieste aqui para o meu divã, e não paras de dar beijinhos para o ar, pronto por mim tudo bem, ponho a música mais alto, mas o sacana do mahler também nunca está quieto com o volume desta merda, gostavas de te livrar dessa dependência, porque os beijinhos até agora afinal não te levaram a lado nenhum, é porque não eram os certos, agora vou-te dar um daqueles que são autênticos saca-rolhas de inconscientes, vês, diz lá se não foi bom, não, claro que não te bato, que parvoíce, bater é coisa de mulheres, apenas queria experimentar trocar o meu inconsciente com o teu, e isso faz-se à base de beijos, os recalcamentos transmitem-se pela saliva e nem é preciso muita corrente eléctrica, sabias, são técnicas pois, sim, sim eu descobri a verdadeira livre associação: no mundo está tudo colado com cuspo, basta o calor dos corpos para lhe baralhar a viscosidade. Não, pronto, está bem, era conversa, cada um fica com o seu inconsciente, trocar por trocar, troca-se a posição no divã. No final, vais ver, ainda vão sobrar beijos. Ele há homens que até dariam boas mães.
3. Neolabialismos

Compro tudo o que estiver à venda. Pago com beijos. Nem fodo se for preciso, safo-me só com o cheiro desde que não me doam os dentes. A barba vou fazendo, gosto que se esfreguem e não se queixem, mas também é uma questão de tempo, algum dia se queixarão, alguma razão estúpida há-de aparecer, até estar feliz incomoda muitas vezes, mas porra eu até pago com beijos, sim essa coisa gira de encostar um lábio, ou melhor, os dois, infelizmente não estou em campanha, não tenho os lábios a soldo, senão até sacava uns votos, mas não beijo na boca, sou como as putas, ao que dizem, repenico nos dias de maior ansiedade, quase não toco nos dias em que preferia encostar a testa. Beijar é coisa de homens. E é sempre um acto comercial. Não há beijos grátis.
4. Kisses de identidade

Ele valorizava em demasia os beijos suspensos; pensava que o melhor beijo era aquele que nunca daria, ou aquele que nunca receberia; mas adorava quando lhe davam um beijo de que ele não estivesse à espera. Andava sempre à coca dos beijos de oportunidade, dos que ficavam por dar, dos que faziam de custo na economia do cuspo. Era com beijos assim que geria os seus ciclos, eram a sua menstrualidade. Coisas de gajos. Que vivem de negócios de ganchos e de engates, mas que nunca sangram.

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