Contos da papelaria
Ele hoje sentia mesmo a necessidade de escrever qualquer coisa dura sobre as mulheres, mas não lhe ocorria nada assim de repente, e por isso foi para o balcão
da papelaria. Chovia lá fora e então elas olhavam para o reclame da loja, que se exclamava incompreensivelmente “sexo”, e acabavam por entrar, estimando que iriam ali juntar o útil ao agradável. Calhava-lhes logo um homem armado em sedutor, que falava para elas com ar de impingidor mas que lhes aviava depois o seu olhar comercialmente arrebatador. Muitas delas presumiam que um homem assim só pensaria em comê-las. Como se fossem pasta de celulose, que era espremida e enrolada dose por dose, até ficar um produto sequinho, sem impurezas, fibroso quanto baste e que ainda daria para absorver mais romance se houvesse pachorra para acabamentos especiais. Então subitamente ficavam todas frígidas, como se duma epidemia se tratasse, como se aquela papelaria lhes corrompesse as hormonas, as filhas da puta das hormonas, ficavam petrificadas, numa anestesia mineralógica, desprezando o pobre vegetal, e a olhar para um homem que no fundo só cumpria o seu papel, que era vender papel, mas que porra apenas gostava de métodos decentes para tratar bem as clientes, que agora estupidamente se isolavam em xailes fiados em lã de rocha. «Que merda de nome havia eu de ter posto a este estaminé», pensava ele, que no fundo só as queria pôr a dançar, a fazer o gostinho ao pé, só para se armar em engraçado acabou por estragar as freguesas que agora punham o desejo de lado, e ficavam que nem a carne seca de mulher que desdenha um molho diferente, um molho que não fosse apenas um molho qualquer. Já só há mulheres correntes.
O balcão reluzia, mas só o seu desconsolo agora reflectia, e olhava para uma caixa registadora vazia, pior que isto só uma sina sem cigana, ou uma varina sem filigrana, ou um papel couché que afinal só deve ter qualidades que ninguém vê, e que ninguém quer apalpar, nem comprar, nem sequer elogiar.
Parou de chover, o sol já estava lá fora aos pulos e elas já não precisavam daquela enganosa e fantasiosa papelaria para nada, lá fora é que o mundo lhes sorriria; lá fora é que as suas pernas dançariam e haveria quem as abrisse como um envelope, e as fechasse lambendo, sem precisar de sinete no lacre porque elas conheciam bem o dono.
Ele hoje sentia mesmo a necessidade de escrever qualquer coisa dura sobre as mulheres, mas não lhe ocorria nada assim de repente, e por isso foi para o balcão
da papelaria. Chovia lá fora e então elas olhavam para o reclame da loja, que se exclamava incompreensivelmente “sexo”, e acabavam por entrar, estimando que iriam ali juntar o útil ao agradável. Calhava-lhes logo um homem armado em sedutor, que falava para elas com ar de impingidor mas que lhes aviava depois o seu olhar comercialmente arrebatador. Muitas delas presumiam que um homem assim só pensaria em comê-las. Como se fossem pasta de celulose, que era espremida e enrolada dose por dose, até ficar um produto sequinho, sem impurezas, fibroso quanto baste e que ainda daria para absorver mais romance se houvesse pachorra para acabamentos especiais. Então subitamente ficavam todas frígidas, como se duma epidemia se tratasse, como se aquela papelaria lhes corrompesse as hormonas, as filhas da puta das hormonas, ficavam petrificadas, numa anestesia mineralógica, desprezando o pobre vegetal, e a olhar para um homem que no fundo só cumpria o seu papel, que era vender papel, mas que porra apenas gostava de métodos decentes para tratar bem as clientes, que agora estupidamente se isolavam em xailes fiados em lã de rocha. «Que merda de nome havia eu de ter posto a este estaminé», pensava ele, que no fundo só as queria pôr a dançar, a fazer o gostinho ao pé, só para se armar em engraçado acabou por estragar as freguesas que agora punham o desejo de lado, e ficavam que nem a carne seca de mulher que desdenha um molho diferente, um molho que não fosse apenas um molho qualquer. Já só há mulheres correntes.
O balcão reluzia, mas só o seu desconsolo agora reflectia, e olhava para uma caixa registadora vazia, pior que isto só uma sina sem cigana, ou uma varina sem filigrana, ou um papel couché que afinal só deve ter qualidades que ninguém vê, e que ninguém quer apalpar, nem comprar, nem sequer elogiar.
Parou de chover, o sol já estava lá fora aos pulos e elas já não precisavam daquela enganosa e fantasiosa papelaria para nada, lá fora é que o mundo lhes sorriria; lá fora é que as suas pernas dançariam e haveria quem as abrisse como um envelope, e as fechasse lambendo, sem precisar de sinete no lacre porque elas conheciam bem o dono.
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