Voltemos pois à queda da folha
Hoje em estilo de literatura comparada, até porque isto é uma casa séria
Quando começava o Outono de há 50 anos, Camus escrevia nos Carnets (1) que «Dieu n’est pas nécessaire pour créer la culpabilité ni punir. Les êtres y suffisent. C’est l’innocence à la rigueur qu’il pourrait fonder.»
Isto é a chamada ideia agradável ao ouvido; Camus já tinha mandado o existencialismo às malvas e agora de vez em quando andava a dar manteiga a Deus, esquecendo-se de que haveria alguma leve possibilidade de nós – os “seres”, para os amigos - termos sido engendrados pela “cabecinha” atrevida do Criador. Agarrou-se assim a uma das mais enganadoras – e engenhosas - dicotomias da nossa condição: culpa-ingenuidade, e sai-se com esta quase “forrest-gumpada” a. t. (antes de T.Hanks). Este deus da virgindade, este deus feminino tipo mãe de toda a ingenuidade é uma construção literária para quando as rimas ou os aforismos já não estão a sair tão escorreitos. Eu cá gosto de ver Deus também como o “pai” de toda a perversidade, e que se deu ao luxo de “desmultiplicar-se” e “desconstruir-se” ( Derrida podes levar então a bicicleta) enviando ao reino dos malandros o «seu filho muito amado» ( eu estarei a passar-me?) para os limpar da tal culpa, que assim se tornou felix culpa. E gosto de sentir que levo a minha vida nesta limpeza artificial, tratando e troçando da alma como uma gaja vaidosa. E agora reparo, e lembro-me, e encontro, o que foi escrito por Pavese também pré-outonalmente-curiosamente-praticamente 10 anos antes, nada mais nada menos que esta preciosidade: «uma bela camponesa, uma bela prostituta, uma bela mamã, todas as mulheres em quem a beleza não é uma ocupação artificial de uma vida inteira, caracterizam-se por uma dura impossibilidade de fazer troça»(2). Viver pois a vida com algum sentido da artificialidade estética ( quase como uma espécie de piedade da quarta dimensão) é então uma boa maneira de olhar para a sua falsa ingenuidade, troçando dela, e assim poderemos olhar também para as nossas culpas com o mesmo sorriso malandro e sem grandes ostracismos. Valha-nos pois Nossa Senhora e os ensinamentos da coquetterie.
(1) Carnets III, Gallimard, pg 125
(2) O Ofício de viver, Rel. de Água, pg 283
Hoje em estilo de literatura comparada, até porque isto é uma casa séria
Quando começava o Outono de há 50 anos, Camus escrevia nos Carnets (1) que «Dieu n’est pas nécessaire pour créer la culpabilité ni punir. Les êtres y suffisent. C’est l’innocence à la rigueur qu’il pourrait fonder.»
Isto é a chamada ideia agradável ao ouvido; Camus já tinha mandado o existencialismo às malvas e agora de vez em quando andava a dar manteiga a Deus, esquecendo-se de que haveria alguma leve possibilidade de nós – os “seres”, para os amigos - termos sido engendrados pela “cabecinha” atrevida do Criador. Agarrou-se assim a uma das mais enganadoras – e engenhosas - dicotomias da nossa condição: culpa-ingenuidade, e sai-se com esta quase “forrest-gumpada” a. t. (antes de T.Hanks). Este deus da virgindade, este deus feminino tipo mãe de toda a ingenuidade é uma construção literária para quando as rimas ou os aforismos já não estão a sair tão escorreitos. Eu cá gosto de ver Deus também como o “pai” de toda a perversidade, e que se deu ao luxo de “desmultiplicar-se” e “desconstruir-se” ( Derrida podes levar então a bicicleta) enviando ao reino dos malandros o «seu filho muito amado» ( eu estarei a passar-me?) para os limpar da tal culpa, que assim se tornou felix culpa. E gosto de sentir que levo a minha vida nesta limpeza artificial, tratando e troçando da alma como uma gaja vaidosa. E agora reparo, e lembro-me, e encontro, o que foi escrito por Pavese também pré-outonalmente-curiosamente-praticamente 10 anos antes, nada mais nada menos que esta preciosidade: «uma bela camponesa, uma bela prostituta, uma bela mamã, todas as mulheres em quem a beleza não é uma ocupação artificial de uma vida inteira, caracterizam-se por uma dura impossibilidade de fazer troça»(2). Viver pois a vida com algum sentido da artificialidade estética ( quase como uma espécie de piedade da quarta dimensão) é então uma boa maneira de olhar para a sua falsa ingenuidade, troçando dela, e assim poderemos olhar também para as nossas culpas com o mesmo sorriso malandro e sem grandes ostracismos. Valha-nos pois Nossa Senhora e os ensinamentos da coquetterie.
(1) Carnets III, Gallimard, pg 125
(2) O Ofício de viver, Rel. de Água, pg 283
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