Sobre os flexor carpi ulnaris, apenas se me aprove dizer que o direito guincha que nem uma corrente da distribuição do carro da minha vizinha do quarto andar, e o esquerdo parece a puta da torneira do lavatório da casa de banho dos miúdos. Eu estou a escrever alguns palavrões porque o sangue se me está a acumular na zona do illiocostalis lumborum e assim, informaram-me, ajuda a expandir. Até o cabrão do anconeus, um músculo de merda que nem ajuda a subir escadas nem nada, hoje tirou o dia para me chatear. Felizmente os splenius capitis estão hoje muito meus amiguinhos, devem querer massagens para ficar que nem erector spinaes. Qualquer dia mando-os todos mas é levar no sistema linfático.
Sobre os flexor carpi ulnaris, apenas se me aprove dizer que o direito guincha que nem uma corrente da distribuição do carro da minha vizinha do quarto andar, e o esquerdo parece a puta da torneira do lavatório da casa de banho dos miúdos. Eu estou a escrever alguns palavrões porque o sangue se me está a acumular na zona do illiocostalis lumborum e assim, informaram-me, ajuda a expandir. Até o cabrão do anconeus, um músculo de merda que nem ajuda a subir escadas nem nada, hoje tirou o dia para me chatear. Felizmente os splenius capitis estão hoje muito meus amiguinhos, devem querer massagens para ficar que nem erector spinaes. Qualquer dia mando-os todos mas é levar no sistema linfático.
Queridos,
Eu sei que dói muito, mas tenham calma, eu é que sou a nova ministra para as urgências, ambulâncias, tiróides inchadas e menopausas precoces. A minha prioridade será a de que nem mais um milímetro de gaze seja negada um português, nem mais uma virilha seja trilhada a caminho dum benuron distante, nem mais um fórceps numa portagem da brisa. Dói muito, eu sei, mas, vão ver, vai passar. Mas primeiro não se esqueçam de pôr logo gelo, a pomada só deve vir depois, e não gastem muita pomada, não? É que se não depois acaba-se a verba para os electrocardiogramas, para já nem falar das ressonâncias magnéticas. Mas, queridos, evitem-me as ressonâncias magnéticas, por amor de Deus. Aquilo faz-vos mal à pele, e até houve uma cunhada dum senhor director geral das alfândegas que ganhou uma fobia a batedeiras eléctricas. E aviem pouco remédios, está bem? Evitem as gotas porque se desperdiça muito, o pingo é sempre muito traiçoeiro, e se forem supositórios empurrem bem para que não fique nada de fora, pois não se deve desperdiçar nada. Eu sei que vocês são poupados, eu sei, eu sei que nem vão logo ao médico quando começam a cagar um bocadinho de sangue nem nada, e uma tosse, o que é uma tosse, quem tem tosse que tussa, não é? E não me abusem dos fritos, nem do sexo com sifilíticos, e, pelo sim pelo não, não beijem marinheiros loiros, está bem? Eu sabia que podia contar com vocês, pela vossa rica saúde, não me fodam, não?
Sua Jorge
Vai para as 10 e doem-me as costas
O dias felizes, o blog com mais palavras difíceis e nomes de pessoas que não tenho o prazer de conhecer por bit quadrado, e onde serafim, por exemplo, se escreve seraphein, e onde shanelec, por exemplo, em vez de ser anti-inflamatório é uma cineasta que vai ‘no encalço do último Bresson’, tem um efeito absolutamente hipnótico sobre o meu bolbo raquidiano e, muitas vezes, apanho-me a lê-lo como quando respondo que nem um secretário de estado adjunto àqueles inquéritos telefónicos sobre os hábitos de consumo de amaciadores de roupa, sem fazer a mais pequena ideia do que são, mas porque me está a apetecer falar com aquela brazuca do outro lado da linha, inventando as respostas como sendo o meu humilde contributo contra as impiedosas oligarquias capitalistas. Ora aconteceu precisamente isto nem perfazem 5 minutos (a lagartada já tinha enfiado o terceiro ao Penafiel, que se mostrou mais traiçoeiro do que a tripeirada) tinha eu acabado a história de ‘um passarinho malicioso’ e estava já a entrar naquela fase em que o couro cabeludo parece um cobertor de electricidade estática, quando me sobressalto com a frase «Angela Schanelec é uma exímia praticante... acho que vais gostar», endireito-me melhor e... bolas... era praticante...«do cinematógrafo»!. Assim não dá. Eu nem sei que posição é essa.
A afectividade entre duas pessoas rege-se fundamentalmente pelas regras contabilísticas das “partidas dobradas”. Custa reconhecer. Mas é a verdade. Felizmente tem uma característica muito especial: em todas as operações vai ficando um saldo que colocamos numa conta de reservas. Vamos depois movimentando essa conta por contrapartida de “ciúme”, “falta de confiança”, “dúvida”, “sedução”, “arrependimento”, “fidelidade”, “carinho”, “compensação” e “renúncia”. Tudo “débitos” e “créditos” jeitosos.
A afectividade ao permitir esta “regulamentação contabilística”, obtém a garantia de ser controlável, e de se poder avaliar a cada momento se o nosso coração é uma presa fácil para um takeover hostil, ou vive “em cruzeiro” arrasando o mercado com a sua prepotência monopolista, ou apenas se arrasta num mero “compra, paga, vende e cobra” que leva à falência a prazo.
O nosso coração é um “órgão” táctico por natureza. Não funciona com grandes planos, e por isso deixa-se conhecer bastante bem nos meros movimentos do “deve” e do “haver”. Felizmente as técnicas contabilísticas vão evoluindo e permitem - sem grandes espinhas - movimentos de “diferimentos” ( antecipando o futuro ) e de “goodwill” ( valorizando as intangibilidades). Consegue-se assim portanto contabilizar a expectativa dum investimento afectivo – que é crucial - ou a diferença entre o afecto que se julga “obter” e aquilo que nos “esforçámos” por ele – no fundo a verdadeira essência da economia dos afectos.
Agora as técnicas contabilísticas também se revelam surpreendentemente válidas para resolver um problema muito frequente nas relações efectivas: corrigir os erros cometidos. O processo utilizado é o do “estorno”. Se por exemplo o “ciúme” foi exibido em excesso poderemos estorná-lo com um acto de “confiança” desmedida; se o “carinho” ficou sem contrapartida por distracção, poderemos corrigir com um “olhar” inesperadamente meigo, e se o “arrependimento” ficou retido na vergonha poderemos recuperá-lo com a “renúncia”.
Mas se acharmos que a contabilidade não é uma técnica suficientemente nobre (e de facto deve ser uma bela seca...) para tratar das poesis dos nossos sentimentos, sempre podemos recorrer à teoria dos vasos comunicantes. É que a física já é coisa mais fina.
Só que no mundo dos negócios diz-se: O que leva uma empresa à falência não é o seu balanço, mas sim a tesouraria. Como nos afectos: o que os derruba não é a sua contabilidade analítica, mas sim não termos com que “pagar” aos que gostam de nós.
Unposted by aj, 2004-03-05 [23:51:14]
Dois dias depois de se ter despenhado o equivalente a 678 ambulâncias no pinhal de Leiria, o ministro que encerrou urgências no valor de uma asa e meia de F16 foi emplastrar para outra freguesia. Entretanto, a ministra que tinha pago três quartos de cockpit de F16 por um Tiepolo é substituída por um antigo especialista em metáforas sobre avaliações avícolas, deixando antever tempos difíceis para o valor artístico do bitoque com ovo, quando comparado com o frango da guia.
1. «Bartholomew and the Oobleck»
2. Como fazer a sua própria guerra Oobleck
O primeiro grande teste que Deus colocou ao homem foi de natureza vegetariana, tentando-o com uma maçã que, mesmo não sendo reineta, simbolizava o orgulho do homem em querer ser como Deus; já o segundo grande teste conhecido é bastante mais proteínico, quando Abraão é posto à prova ao lhe ser exigido o sacrifício do próprio filho, que tanto batido de esperma lhe tinha custado, inaugurando o combate civilizacional entre consciência e dever. O terceiro teste foi relativamente mais esotérico-epistemológico, quando um anjo aparece a N. Senhora e a informa que está de esperanças dum rapazola sem pai biológico, inaugurando oficialmente o confronto entre evidência e razão, e o quarto foi de natureza literária quando Lutero é posto à prova para ver se conseguia conviver com o lado metafórico da religião e da vida, antecipando Borges, Beckett e o padre Melícias. Desde aí que a humanidade tem sido poupada a grandes decisões e por isso tem afrouxado com pecados de média estirpe, como sejam umas gajas nuas e umas baforadas com Ziclon. Pondo de lado a hipótese teórica de que o Criador tenha desistido de nós, sou levado a crer que apenas entrou num ciclo mais contemplativo, também tem direito a gozar o prato, e que mais tarde ou mais cedo nos será colocada alguma situação mais melindrosa. Se for relacionada com o papel dos fluidos não-newtonianos na ejaculação precoce, ou com a ementa para o banquete do juízo final, adianto já que as minhas preferências vão para os pastéis de bacalhau com arroz de tomate malandrinho.
A equipa do antigo namorado de Carolina Salgado não aguentou a pressão do lado bom da 2ª circular e as estações de serviço da auto-estrada preparam-se para a grande flatulência azul. Um de cueca e outro em fora de jogo parecem-me bons sinais, num país que precisa de bons sinais.
Uma asae nunca vem só
Nun’s, a madre superiora da Congregação das Irmãs para o Bom Estado de Conservação dos Cariles e dos Escabeches, seguindo as instruções do perfeito para a causa dos tupperwares bem vedados, Frei Sócrates, decidiu ir averiguar do modo como andavam a ser atribuídos os diplomas de engenharia civil. Conferiu que o vácuo tinha sido em geral respeitado, mas, para seu espanto, descobriu vários gatos mortos numa panificação universitária de inglês técnico desactivada ali para os lados da feira do relógio. Após a selagem da instalação, Nun’s, zeloso, foi seguir o rasto a algumas fornadas, no santo intuito de ainda ir a tempo de estancar alguma gastroentrite, mas já não foi a tempo. Um país inteiro já tinha engolido um desses paposecos duma ponta a outra ( papodry em inglês) e estava com a digestão a meio; agora, o melhor que lhe podia acontecer era, ou meter a mão à boquinha, ou rezar para que o divertículo não inflamasse.
Um passing shot pela mamã, um slice pelo papá
A final do open da austrália, a primeira final que vejo depois de Agassi ter abandonado, fica marcada pelas mamãs histéricas, que assim entram definitivamente na competição, e, hoje, uma francesa e uma sérvia gritavam que nem recém fecundadas à beira duma menstruação, tentando criar uma onda magnetica de cerelac com mel que entrasse pela peidola adentro dos seus rebentos.
Como se faz um poema de amor
1. Se tivesse de enunciar apenas uma regra, o que os pouparia aos inúmeros dislates que isto promete, diria simplesmente: usem a redondilha menor se estiverem numa fase de engate e só arranquem para a redondilha maior quando a coisa já estiver mais sustentada. Ao pegarem na redondilha aconselho, contudo, a não acentuarem demasiado as sílabas que já tenham sido bem soletradas por outros, porque já vi muita rima ficar completamente fonetiquizada por quebra de expectativas.
2. A introdução do movimento na temática do poema é talvez o momento mais crítico e, por isso, devemos abordá-lo desde já e eliminá-lo da nossa inquietação. Tomo como exemplo esta redondilha maior do bom do David Mourão Ferreira:
‘É varina, usa chinela.
Tem movimentos de gata.
Na canastra, a caravela.
No coração a fragata’
Aqui o poeta deixou-se levar pelas potencialidades musicais da fusão entre uma boa rima e a metaforização da lota, e não foi de modas, usou a regra mais difícil de cumprir: juntou o popularucho ao peri-erótico passando pelo epopeísmo dos descobrimentos, e chegou ao primeiro grande patamar de sucesso do bom poema de amor: fazer ao homem tudo imaginar e à mulher o rabo abanar. Note-se ainda o cuidado de não abandalhamento, evitando a todo o custo um final de rima utilizando o clássico roedor no género feminino, o que arrastaria este belo poema para o tipo o’neil cesarinyado, que como se calculará, pouco mais garantiu que uma ou outra coreografia iconográfica de auto comprazimento (1)
3. Antes de passar para a obrigatória fase das imagens de estilo devemos queimar já a etapa da rima per se, porque a rima está para o poema de amor como os enchidos para o cozido: dão fama à cozinheira, sabor, cheiro e, de bónus, enchem o prato. Num approach mais clássico, mas superficial, seríamos levados a escolher a ‘rima emparelhada’ pois tem sido este o suporte comum da fecundação criativa desde que se inaugurou a luz artificial nas Grutas de Altamira. O emparelhamento garante a conservação do gene lírico do princípio ao fim, e principalmente, a despesa romântica está mais controlada. Mas, e serei já conclusivo no que à rima concerne, o tipo ‘interpolado’ é aquele que me dá garantias do melhor equilíbrio entre a segurança do ritmo e a alegria da imprevisibilidade. Dou como exemplo este clássico de Sebastião da Gama, escrito num daqueles breves momentos em que teve as duas mãos livres, ali entre duas urzes num penhasco da Arrábida:
‘A verdade era bela
Mas doía nos olhos
Mas doía nos lábios
Mas doía no peito
Dos que davam por ela’.
Ora, está bom de ver, muitas outras mais ou menos sofisticadas combinações seriam aqui possíveis, e eu inclusivamente teria garantido um bom passeio a ver golfinhos com a, por exemplo, para ser original, menina Soraia, com a seguinte variante:
‘A verdade era tão bela
Mas dei um jeito nas costas,
prendeu-se-me um tendão
e acabei bem esbodegado
Depois de me ter montado nela
Reparem que ‘montar na verdade’ é, antes de mais, um relativismo epistémico, como diria o nosso badalado e tolerante D. Murcho, e depois de galopar com ela (a verdade, note-se), garanto, ninguém mais se contentará em estrofar em tercetos quando pode ter uma quintilha.
4. E serviu esta última indicação de mote para abordarmos, ainda que de relance, a questão do agrupamento de versos. E aqui aglutino a análise na minha particular predilecção pelos vilancetes, essa arte maior, uma espécie de geometria descritiva da poética, por onde tudo passa e tudo se referencia. Atentemos num dos mais clássicos:
O 'mote':
Descalça vai para a fonte
Leonor pela verdura;
Vai fermosa, e não segura.
A 'Glosa':
O testo nas mãos de prata,
Cinta de fina escarlata,
Sainho de chamelote;
Traz a vasquinha de cote,
Mais branca que a neve pura.
Vai fermosa e não segura.
Descobre a touca a garganta,
Cabelos de ouro entrançado
Fita de cor de encarnado,
Tão linda que o mundo espanta
Chove nela graça tanta,
Que dá graça à fermosura.
Vai fermosa e não segura.
Sendo a ideia principal, e que remata as estrofes, a de que segurança não é formosura, ( me perdoem as autosuficientes) para além de que os sapatos, ao contrário do que as mulheres pensam, só atrapalham na hora de encantar – tirando a excepção da gata borralheira – penso que não deveremos deixar passar em claro algumas paradigmáticas fragilidades da lírica camoneana. Assim, realçaria, o absurdo do ‘saínho de chamelote’ quando ali pedia uma óbvia ‘mini-saia de couro’, que podia perfeitamente rimar com um ‘no baixo-regaço o tesouro’. Diria ainda que o ‘Tão linda que o mundo espanta/Chove nela graça tanta’ parece-me de alguma ingenuidade, e um ‘tão linda que o mundo espanta’ pedia bastante mais um ‘ se esfregares bem ele arranca’. Mas enfim, posso estar a enveredar pela lírica mais libidinosa, que nem era a minha intenção. No fundo, a conclusão que se pode daqui retirar é que o vilancete abre belíssimas perspectivas de compasso e gradação de expectativas, mas não se pode ficar pelas cócegas nas rendinhas da lingerie e tem forçosamente que rasgar algum tecido, podendo, inclusive, deixar uma ou outra nódoa aureolar. Como autênticos prémios literários.
5. Finalmente falemos das figuras de estilo e do seu papel no perfeito poema de amor. E, desde já, tenho de confessar uma declaração de interesses: tenho um fraquinho por epanadiploses e quiasmos. No fundo, trata-se da paixão por repetições e cruzamentos, que atingem o seu clímax na fusão, a que eu chamaria a epanadiplose quiásmica ( que se trata bem com Voltaren ®, adianto) e da qual, atalhando, forneço um exemplo a talho de foice aqui lavrado apenas a título didático:
Esperas ansiosamente por mim, esperas?
E por mim, assim morrerias, por mim?
Morreríamos selvagens, como morrem as feras?
Selvagens, sim, selvagens no meio do capim.
Capim eleito, suave leito do nosso momento
Arranhou-me no rabo
Irritou-me nas virilhas
Fodeu-me os joelhos
Mais valia ter sido no parque de estacionamento.
Mas como selvagens, sim, selvagens no meio do capim
Penso que aqui fica demonstrado o potencial do cruzamento epanadiplósico nos poemas de amor, que, a par da rima interpolada, e daquele jeito vilancetizado, delimitam o essencial do cânone, e permitem acabar a tardinha com umas boas amêijoas, que é, no fundo, para o que aqui estamos, depois de termos abafado a redondilha, claro.
(1) desculpa, Bruno, pá, [felizmente para ti que nem lês esta merda] mas depois da tua frase, pecar e rezar ladainhas são quase a mesma coisa que subir o bom jesus de braga a chupar bolas de neve.
O gracilis vai-se rindo, claro. Estará a achar piada, certamente, com a perturbação que se está a dar nos seus antípodas da coxa. Os músculos, para além de muito invejosos entre si, são extremamente rancorosos e cínicos. Por exemplo, tenho o flexor carpi radialis com esgares histéricos a pedir atenção, diz-me que só tenho olhos para o latissimus dorsi; estou metido com uma cambada de paneleirões, é o que é.
Até o scalenus medius me chaga o juízo porque aparentemente entrei numa fase de arrogância desmedida e nem olho para o que se passa ao meu lado; Ser sobranceiro é muito exigente para certos músculos; que o diga o platysma que hoje nem me fala.
A estética do abandono é das que têm maior potencial. Em primeiro lugar porque quando alguém nos deixa, nos põe de lado, quando começamos a fazer de pickles ou mortadela no bitoque, cria-se um estado de espírito melancólico que catapulta o ser para o seu interior, género implosão mas sem tanto pó. Ora um ser quando está no seu interior, oficialmente virado para as suas coisinhas, tricotando a essência das coisas sem perder tempo com as miudezas da validade dos iogurtes, entra num torpor praticamente quântico-religioso, ou seja, até os protões adormecem nas palhinhas dos neutrões, que nem meninos jesuzes. Esse estado de entrega da alma ao seu destino e, subjectiva, imanência, permite que, e de mão dada com o corpo, se desprendam de todos os princípios da sociabilidade e remete-os para o seu estado natural entre o ‘vão-se todos foder’ e o ‘melhor só a fazerem-me cócegas no couro cabeludo’. Um homem abandonado é, pois, tecnicamente um homem apenas entregue à sua felicidade, e, necessariamente, um homem destinado a contemplar e ser contemplado, algo que lhe estaria completamente fora do alcance se tivesse a maçada de ser peluche de companhia ou mesmo de desejo. O melancólico desterro, esse voto de desinteresse a que todos temos direito, essa maratona olímpica da solidão de borda de prato, é um bem que, ao ser alcançado, faz parecer o prazer do amor correspondido um mero jogo de playstation.
O novo entretenimento nacional (depois do acompanhamento da evolução da taxa euribor e do aumento da fortuna do Amorim depois de ter feito o favor ao Estado de ficar com a Galp porque mais ninguém queria) vai ser a escolha da localização para a nova ponte sobre o Tejo.
Teremos a alinharem-se o lobby Berardo, que vai tentar forçar o traçado ‘Porto-Brandão – Jerónimos', temos depois o lobby Agência Magno que vai tentar influenciar o trajecto ‘Alto de S. João – Cristo Rei’, o lobby Lusoponte (ao saber que não vai ganhar a concessão) com a proposta ‘Bugio – Estádio Nacional’, o lobby Lino-Pinho com o traçado ‘Ota – Ota’ e portagens em Mangualde, e, finalmente, o lobby Correia de Campos com a opção ferry boat ‘Anadia-Coimbra’ com mudança de pensos em Condeixa. O estudo já foi encomendado à ordem dos enfermeiros, e o Project Finance adjudicado à agência de Mogadouro do BES porque garante 10% de desconto nas primeiras encomendas de betão armado. A inauguração foi apalavrada a Manuel Alegre que, para o efeito, declamará o seu novo poema: «ando aqui a fazer cera / num país que ninguém acode / mais valia ter cortado a pêra / e ter aparado o bigode», posteriormente cantado pelo dueto Marisa-Ana Drago (ficando esta última em cima duma padiola de kiwis da Nova Zelândia para nivelar). Na eventualidade da C-ié-ié já não ter verba na altura, a alternativa será o prolongamento da CRIL até ao Seixal e, para segurar, aproveitam-se as estacas que eram para a Ota e que já estavam a polir-se numa estância de madeiras em Rio de Mouro. E agora vou mijar se me derem licença.
Hoje, Rui Ramos, um homem no mínimo frenologicamente sensato, guruzável em certos meios, mas com frequência atraiçoado pelo síndrome do excesso de factos ( que resulta, por automedicação, no clássico tritura-compacta-sem-lubrificar) escreve no Público um fluxograma de ideias bonitas que desembocam no, hoje transversal & banal, desde Giscard d’Estand até Odete Santos: «não é preciso fé para perceber que das religiões reveladas depende largamente a infra-estrutura de convicções e sentimentos que sustenta a nossa vida»
Ora desde Humberto Delgado, passando por Pedroto e Orígenes, (aguardo em relação a Paulo Bento) tem razão quem é perseguido, ou, no mínimo, injustiçado, e a Igreja – a crença religiosa em geral - quase sempre se deu bem nesse injustiçamento, e, qualquer esforço teológico por mais abonecado que seja, perde KO com uma simples e diáfana perseguição religiosa.
Por muito que me 'intrigue' dizer – e leio Ratzinguer há muito muito tempo – vários dos escritos do Papa seguem uma lógica provocatória, elegantemente provocatória, e, crendo eu naquele papel semi-subversivo, semi-iluminatório do Espírito Santo, insere-se numa estratégia – não há desígnios mais estratégicos que os de Deus – de elitização da crença, ou seja, uma espécie de teologia da libertação para intelectuais conservadores, que, diga-se, eu acho bastante piada, e, julgo, o Santo Padre também, porque ultimamente aparece sempre a rir-se nas fotografias, tanto mais que faz espumar de irritação uma espécie de ateísmo científico – bem sintetizado por Rui Ramos no referido artigo – ou seja, os beatos-do-big-bang.
Pena é que Rui Ramos não 'consiga' simultaneamente enquadrar todo o fenómeno da fé, da crença, também numa construção interior, que é mais desprogramatizada culturalmente, e que, não tenho dúvidas, é a trave mestra da alma de todos os católicos: o diálogo de cada um com Deus não é Teológico porque ali Deus não exige justificação nem explicação, e é radicalmente anti-clerical.
O que verdadeiramente sustenta a minha vida – leia-se infraestrutura de convicções (não tenho) e sentimentos (cada vez menos) não é a Revelação mas sim a Presença, e esta é, bastante, desculturizada.
Aquele escritor tão interessante quanto confuso que foi Saul Bellow, a par de ter dito que «os homens muito sensuais eram frequentemente estúpidos» (1), deixando o caminho aberto a todo um mundo de considerações, recalcamentos e reorientações estratégicas, não teve meias medidas em afirmar que «há anos que o amor faz de nós trouxas», (2) e assim colocar no seu devido lugar o actual relacionamento entre homem e mulher: a meio caminho entre a roleta e a bisca lambida, e, não fora a mulher ser completamente mais estruturada quando chega a hora da verdade, «Um cérebro judeu, um pénis negro e uma beleza nórdica é o que as mulheres querem» (3), hoje, o homem para ser feliz, pouco mais precisaria do que mijar para marcar território.
(1) ‘a autêntica’
(2) ‘morrem mais de mágoa’
(3) ‘o planeta do sr. Sammer’
Zbigniew Poborsky tinha sido um escritor mediano com algum sucesso numa série de romances policiais em que o herói-detective chamado Zoran Pavel Dubrovni Zibrinsky sacava a maior parte das confissões quando, utilizando um prosaico expediente humorístico, exasperava os criminosos ao tentar soletrar o seu nome. A dado momento Zbigniew Poborsky sentiu que podia dar algo mais à literatura e enveredou por uma experiência entre o romance de costumes e o romance psicológico, algo a que ele resolveu chamar de romance de atitudes, se bem que ao arrepio do seu editor, que temia a chacota dos críticos, mesmo amaciados com dois coqueteles por mês num hotel de meninas e brandys finos em Varsóvia.
Mas Zbigniew era daquele género de pessoas persistentes, sem chegar a visionário, e seguiu em frente na renovação da sua carreira. Inspirado num guerreiro medieval de Renânia, de seu nome Radoslav Dudek Klos, conhecido por ir mudando de nome consoante as princesas que desencaminhava, Zbigniew Poborsky criou um heterónimo para esses romances de atitude, Miroslaw Kukielka Kovalewski, que escrevia como narrador em primeira pessoa, tendo sido precursor dessa modalidade na literatura polaca do entre-guerras. Miros Kuko, como ficou conhecido pela revista literária Kaluznya Apopletica, sedimentou a sua fama pela utilização de metáforas gastronómicas, cirurgicamente colocadas nos momentos de maior intensidade dramática dos enredos, tendo até logrado uma entrada no Dicionário de Figuras de Estilo e Abreviaturas de Gdansk, com a expressão: ‘regurgitei o requeijão da alma’ e que indicava um estado de espírito escrupuloso e recriminatório.
No entanto, Zbigniew Poborsky, a par de ser Miroslaw Kukielka Kovalewski nos romances de atitude, continuou a escrever os seus romances policiais com Zoran Pavel Dubrovni Zibrinsky como herói-detective, mas achou por bem começar a fazê-lo sob o pseudónimo de Tomasz Kaluzny Ratajczyk, em homenagem a um seu tio que o tinha ensinado a pescar safios e a grelhá-los posteriormente em pedra de feldspato polida.
Tudo parecia correr normalmente, tanto a crítica como os leitores até achavam original essa coexistência, se bem que a níveis literários diferentes, de Miroslaw Kukielka Kovalewski com Tomasz Kaluzny Ratajczyk, e Zbigniew Poborsky começou a ser cada vez mais indicado para prémios literários de relevo. A sua escrita paralelamente foi ganhando fulgor, e equilibrou-se naquele difícil patamar entre a fantasia e a verosimilhança apenas ao alcance dos mais dotados. Os personagens pareciam ter vida própria e entre elas, Zbigniew e os diversos ónimos, construiu-se uma cumplicidade quase religiosa.
Mas algo de estranho começou a acontecer. Miroslaw Kukielka Kovalewski, o heterónimo, e Tomasz Kaluzny Ratajczyk, o pseudónimo, acharam que estavam a ser postos em segundo plano, e, pior, Tomasj Kaluzny Ratajcyk começou a ter ciúmes de Miro Kuko por este, ao já ter uma entrada no Grande Dicionário de Figuras de Estilo e Abreviaturas de Gdansk, passar mais tempo e recolher mais cuidados de Zbigniew. As manifestações de ciúmes entre heterónimos e pseudónimos não eram correntes, e fomentaram-se discussões acaloradas em toda a comunidade literária, que já não se envolvia de forma tão entusiástica desde que se tinha descoberto que a tuberculose de Tcheckov afinal era apenas alergia à combinação de bebidas gasosas com caju.
Miroslaw Kuko assumiu desde início uma atitude sobranceira e deixou para Tomasz Kalu Rata (que entretanto também se tinha estilisticamente abreviado) as despesas da agressividade movida pelo despeito. O próprio Zbigniew Poborsky quis manter um certo distanciamento no início, procurando não tomar partido por nenhum dos seus emulados, mas foi muito pressionado pela opinião pública para se pronunciar, e assim apaziguar os ânimos da sua polinomia, que já estavam a criar algum desconforto na comunidade literária e, inclusivamente, o tinham afastado do prémio Abássidas & Fatímidas, que estava praticamente certo por, num dos seus livros, o heterónimo Miroslaw Kuko ter descrito com brilhantismo uma sessão de escarradelas num judeu loiro de Cracóvia.
Mas o ciúme destrói, como se sabe, e Tomasj Kaluzny Ratajcyk não saiu ileso da contenda. Passando de pseudónimo distinto, e já com provas dadas, Zbigniew Poborsky concedeu-lhe o lugar de um novo heterónimo que se dedicaria a escrever cartas românticas a uma amante luxemburguesa que, supostamente, Zbigniew tinha conhecido num passeio a Trieste. Mas Tomajz Kalu Rata não estava talhado para os grandes mistérios do coração e mostrou-se um amante frágil, inseguro, verboroso e, no fundo, banal. Onde antes se tinha mostrado capaz de gerir um detective perspicaz, com a ironia própria dos grandes decifradores, agora revelava-se inquietante e confragedoramente sofredor e maçador.
Zbigniew Poborsky tinha agora perdido um pseudónimo seguro, e ficara no colo com um heterónimo arrogante e outro miserável. E, ainda para mais, nem se podiam ver um ao outro. A situação estava a caminhar para insustentável até que um dia da editora veio o telefonema salvador. Um escritor espanhol de romances históricos sobre a guerra dos trinta anos, farto de inventar conversas entre Richelieu e Descartes, queria enveredar por um romance que fosse mais apelativo ao público, à afición taurina e às promoções do corte inglês. Era a grande hipótese de despachar por bom dinheiro Miroslaw Kukielka Kovalewski e, depois, com mais calma e carinho, recuperar Tomasj Kaluzny Ratajcyk. Zbigniew Poborsky nem hesitou e dois meses foram bastantes para que Tomasj Kaluzny Ratajcyk recuperasse a forma, tendo mesmo convencido Zbigniew Poborsky que podia fazer-lhe de pseudónimo e heterónimo ao mesmo tempo, nem levando mais dinheiro por isso.
Hoje, Zbigniew Poborsky leva uma vida sossegada a pescar safio, Tomasj Kaluzny Ratajcyk , pseudo-heterónimo, casou com a luxemburguesa e escreve - por fora, e à comissão – romances de viagens, enquanto Miroslaw Kukielka Kovalewski, comprou a sua alforria de heterónimo e passou a vaticanista, tendo escrito uma biografia revolucionária em que demonstra que foi a serpente que atirou com a maçã na carola de Newton, e, em ricochete, acertou na moleirinha do bom do Galileu que ficou a ver planetas à roda em vez de estrelas.
Deve andar muita gente com a língua em papos de aranha, enrolada que nem uma minhoca a babar latim, para dizer a frase que intitula este post, que, registe-se, tem tudo para poder vir a ser um post maravilhoso.
Eu queria deixar aqui assinalado que seria hoje muito melhor pessoa, melhor pai, marido, e inclusivamente daria muito melhor serventia em geral, se me tivessem proibido de ler certos e particularizados livros que só uma curiosidade desgovernada e complexada, entre o mórbido e o leviano, me fez enterrar as pupilas até ao engomamento do nervo óptico.
A primeira proibição, julgo até que já aqui a contei há uns anos (topem só: ‘há uns anos’, dá logo uma certa pinta) foi quando o meu santo pai me proibiu de terminar o 2º volume daquela obra oficialmente apaneleirada que um gajo que veio a ser conhecido por Proust, e que por acaso também era o nome dele, escreveu. Estou-lhe quase tão eternamente grato como por aquela pista scalextrix que me ofereceu, mas que, como era tão jeitoso de mãozinhas como eu, nunca chegou a funcionar 15 minutos seguidos e assim garantiu as bodas de oiro daquele casal que ocasionou parir-me, entre outras actividades mais bem sucedidas.
Infelizmente para mim já não foi a tempo de me impedir a 2ª leitura dos karamanzoves – a primeira tinha logrado camuflá-la entre as páginas duma revistita porno espanhola que tinha uma gaja de unhas pintadas de azul mas que deixava um bocadinho da lombada do dostroyna de fora - o que me resultou numa crise de fígado que, por sua vez, me veio privar de poder exceder as 25 fatias de pata negra em simultâneo para o resto da vida, e jamais juntá-las com manchego, para mal dos meu pecados, mas para bem da carteira.
Mas quero crer que a proibição que mais me beneficiou foi ter-me sido vedada a leitura de poesia romântica, e o meu contacto com baudelairadas faz-se já num ambiente técnico de engate, ou seja, enquadrado numa gestão por objectivos que sempre norteou a minha vida, inclusivamente na leitura de Kundera, que, honra lhe seja feita, retém melhor orgasmos que santa Teresinha.
No entanto, é de elementar justiça, julgo que anda não tinha utilizado esta expressão, destacar o factor determinante que tiveram para mim todas as proibições que a minha irmã me impôs em torno da literatura peri-existencialista. Até aos 20 anos sempre julguei que Niesctszh, Sartres e Kirkes eram amestradores dum circo húngaro em digressão pela cote d’azur e que faziam mal aos animais, chegavam mesmo a pôr papa-formigas a miar e a copular pelo nariz com texugas da Moldávia. Descobri no entanto que, aproveitando-se da minha ingenuidade - que só perdi posteriormente quando desflorei platonicamente três virgens na Serra da Boa Viagem depois de ler um Henry Miller com uma sandes de mortadela - a minha irmã usava este estratagema para ouvir músicas depravadas e que incitavam ao desenvolvimento do lado pagão da nossa consciência, e foi aí que me virei para o estudo dos costumes dos povos da Ásia Central.
Entre tadjiques e usbeques forjei uma personalidade viril, vi em Tamerlão um modelo de virtude e sensibilidade, e cheguei a ter um poster de azulejos de Samarcanda ao lado do Bruce Springsteen. Entrei então, inesperadamente, numa fase de auto-flagelação literária, tendo chicoteado o neurónio com literatura, digamos, de vertente sociológica, faltou-me aí uma voz amiga, tendo inclusivamente passado o meu olhar manteiga por alberonis e outros rebuçados tutti-frutti. Só recuperei à base de uma quarta leitura da ‘ana karenina’ – o único livro realmente recomendado para furúnculos na zona virílhica e fogagens dorsais - e duma série de desenhos em que simbiosionava a parte final das costas da jennifer lopez com uma técnica cubista que repuxava ligeiramente as coxas.
Sou pois um fortíssimo apologista da indexação de livros em listas proibitórias, e vejo inclusivamente nesta medida entre o ecológico e o higiénico a única forma de manter incólumes ou limpar inconscientes de toda aquela tralha que nos tem sido infundida por lampiões e outros amantes da decadência do homem, enquanto ser que ama, come tremoços com casca, farinheira, e uma vez por outra ouve o Pacheco Pereira.
Ponham-se a ler a divina comédia e o antigo testamento, ponham, e depois queixem-se das hemorróidas.
Ora, isto sim, seria aborrecido se ainda fechassem o bom senso. E eu até gosto do sr Nunes. Etimologicamente Nunes vem de ‘nun’, que como se sabe é ‘freira’ na língua do elton john e do jacques brel se cantasse em inglês. A missão de Nunes é que tenhamos uma regra, fodamos e façamos o totobola a horas e posições certas, lavemos as mãos depois de apalpar uma venezuelana, e que não se coloquem os preservativos usados no pilhão. E isto é muitíssimo louvável. Já vi muito convento a abandalhar porque começaram a plantar salsa com as mãos que já tinham mexido no terço, e lavado o manjericão nos locais da confissão. Felizmente que a crise de vocações religiosas não nos privou do nosso Nun’s, e este soube sempre qual era o seu caminho, jamais deixando que a baínha do hábito lhe atrapalhasse o andar. Prevaricou no bigode, isso sim também não podemos deixar passar em claro, e aquilo pode ser um foco de humidades, que, como sabemos, desembocam em fungos e outros aminoácidos, e sabe-se lá se inclusive retém restos de ginjinha. Espero que a madre superiora o traga à razão depois de ter fiscalizado o bom senso e ele troque o bigode por umas patilhas afiladas, e de caminho, oxigene um pouco o cabelo que, assim, dará menos nas vistas quando cair na sopa. Quanto à pose contrita que o nosso nun’s evidencia na foto supra, penso que nos diz sem hesitações que podemos confiar nele, e que por cada miserere nobis todos teremos direito a tirar um burrié do nariz. E que se a fiscalização for debalde ao menos que seja dinox.
O 'caso' BCP, para além de ter ajudado a formalizar uma nova geração de corporativismos, como os passageiros frequentes de entidades reguladoras, os offshoristas (sub-género de chupistas) e os piedosos de eduardo-dos-santos, veio principalmente trazer uma lufada de ar fresco ao prestígio dos tão mal afamados testas-de-ferro. E isso era uma injustiça, pois tratava-se de gente que não teria onde cair morta, sem direito inclusive a rendimento de inserção, e que não possuindo nenhum órgão para entregar à ciência decidiu disponibilizar a própria testa, em risco de fossilizar por reduzido movimento interior, ao serviço de interesses financeiros mais carentes de liftings e botoxes, talhados para o lado de lá dos biombos e eventualmente apoquentados por um hálito mais traiçoeiro.
Um testa de ferro é, vendo bem as coisas, um bem para a sociedade, pois, por um lado, isenta-a de lidar abertamente com a obscenidade de gajos podres de ricos que pudessem não se apresentar etnologicamente puros, e, por outro lado, permite a plebe concentrar a raiva no clássico: ‘o que é que este gajo tem que eu não tenho, bons padrinhos é o que é’. Ora isolar com esta precisão e discrição os mecanismos de revolta social é garantir que na bicha do pão ninguém arremessa carcaças duras a ninguém, não se capam ministros, e que um mero pato bravo possa ser visto apenas como um tipo mais atrevido que a média, sem que ninguém lhe queira raptar nem a cadela nem a amante. O testa-de-ferrismo é, para além disto, uma actividade bastante exigente, tem o risco do verdete, e não se pense que basta ter jeito para aparecer na capa da ‘Exame’, ou vestir no rosa e teixeira, não, é preciso ter aquele quelque-chose de aparecer sempre dando um ar simultaneamente confortável e misterioso, uma espécie de rendinha em soutien, que nem atrapalha nem ajuda a desembrulhar, mas ao existir parece que faz mesmo falta.
O testa de ferro é, a par do bacalhau à Brás e das noivas de Santo António, um valor que devemos preservar para manter o equilíbrio social de uma sociedade no fio da navalha, entre a sodoma e a gomorra, e já com a primeira parte do pêlo para fora.
Zapatero diz que está no projecto de nanotecnologia em Braga com total lealdade, como se «estivesse a inaugurá-lo na sua (dele) terra natal». Sócrates, entretanto, discursara testando a nova pose inteligente e convicta, e procurando – sem sucesso - fugir do estereotipo fedorento; enquanto isso, Pinho tinha ido para Mangualde tentar aguentar os Berlingos, Lino andava a arranjar maquinistas para a nova automotora do Oeste, e de Campos tirava um curso rápido de pensos, emplastros e catagem de piolhos da Bairrada.
«Sozinhas não causam espanto, mas ficam muito bem ao lado das outras» ; é com esta frase que João Bonifácio remata hoje a sua crítica a ‘Distortion’ dos Magnetic Fields, referindo-se a algumas canções do disco.
Quem nunca sentiu que, afinal, isso é o melhorzinho que a vida lhe tem para dar.
Todos saberemos, uns mais pela pele outros mais pela carteira, que a fronteira entre coincidência e destino é muito ténue. Mesmo não sendo, nenhum deles, um conceito muito seguro para nele pendurarmos a nossa vida, ninguém consegue passar-lhes ao lado sem olhar. E, se calhar, afortunados daqueles que conseguem gerir cada beijo dos dias apenas como se fosse uma paixão passageira.
Deus é o pretexto. O essencial é o paleio.
Descubro num post recente do blog dragoscópio uma epopeia de verve em torno da estafadíssima apologia, devidamente desinfectada com água indignada, do porquê ir alimentar umas almas famintas para longe quando a vizinha deixa queimar o arroz manteiga.
As melhores pessoas a falar de Deus são de facto, geralmente, as que usam a capa agnóstica, ou ateia ou apenas mesmo quessefodista, e isto porque Deus com eles, sem a preocupação comissionista, aparece esteticamente trabalhado, quase como as cuecas num catálogo da redoute, entre o atoalhado e a malha piquê, ou seja, Deus, estando ou não em promoção, ajuda bastante a vender outros produtos e arranja-se sempre algo para combinar com ele, o que, é bom de ver, até ajuda qualquer crente com um mínimo de perspicácia a compor uma boa e piedosa toillete. Antecipadamente grato.
Mas, desgraçadamente, para estas almas que se alimentam de coerências a granel e bondades avulsas, o cristianismo transforma-se no potente exaustor duma novel sala de fumo e suga-lhes o equilíbrio até à beata. Ou seja, a incredulidade, venha ela sacristida de maior ou menor ironia, não consegue conviver com peregrinas ideias como gratuitidade, magnanimidade, ou a arrepiantemente discricionária misericórdia, para já não falar das clássicas liberdade e terço seguido de bitoque com ovo.
Ora a manta de terna indignação onde é vertido o referido tropicadilho ignora, por exemplo, que é absolutamente intrínseca ao cristianismo essa convivência entre ideias aparentemente contraditórias e que só encontram o merecido consolo na santa canjinha da fé e do amor a Deus, ou seja, a distância que separa o dar a outra face ao vim trazer a guerra e não a paz, é a mesma que separa o honra pai e mãe do deixa pai e mãe e ala que se faz tarde. Não há escala, nem fita métrica, nem sénecas nem epicuros que aguentem isto.
O apostolado (muitas vezes com os seus floreados coreográficos de amor-sem-fronteiras) é absolutamente radical na mensagem cristã, e esse radicalismo significa precisa e simultaneamente que é raiz e que é de extremos. A alma de um cristão constrói-se nessa ruptura entre o que lhe é próximo: uma fé como conforto, e o que lhe é distante: uma fé como desafio, e, por isso, os primórdios (mais ou menos meta-iconográficos) do cristianismo tanto têm pastorinhos, como herodes, putas, sábios, leões, cobardes, gajos que ficaram a envernizar catacumbas e gajos que puseram sebo nas canelas e foram moer a carola aos adoradores de rosmaninho ou aos sorvedores de sangue de galinhas chocas.
É do mais piamente louvável essa preocupação com os que estão perto, mas – também - está na carne da fé cristã esse procurar vertiginoso da grelha nos que estão longe.
E, vendo bem, o dragopost até podia não ter nada a ver com isto, nem eu vi sequer a notícia do padreco all & off road. Mas não há nada como brincar aos pretextos.Quem ouviu, no rescaldo das eleições, aquele silo de sabedoria chamado Vitorino dizer aos repórteres de turno para se habituarem, todos julgávamos que era um mero jogo floral, uma flatulência verbal de quem tinha a barriga cheia com o leguminoso voto de uma cambada de zarolhos a que pomposamente chamamos (nos) portugueses.
Governados daí em diante pela versão beirã do iluminismo, com o sofisticado método de ‘fazer o que tem de ser feito’, demonstramos em cada dia que passa que suportamos melhor a dor duma vergastada seca e contínua perpetrada por um arrogante de meio da tabela, - uma espécie de paços de ferreira do despotismo esclarecido - do que as cócegas inconsequentes de vaidosos de topo como santanas ou portas, desde que mantenhamos ao mesmo tempo o nosso ego bem nutrido com manifestações de mais ou menos erudita indignação, pontilhada aqui ou acolá com um espírito revolucionário de bancada.
Mas entrámos agora então num novo ciclo de governação: Não só é irrelevante o que pensam, mas também é irrelevante o que dizem e como o dizem.
Ultrapassámos a fase em que os fins ainda justificavam os meios, e entrámos num rodízio em que fins e meios se justificam mutuamente sem perder tempo com causalidades, num hegelianismo amanteigado da serra da Marofa, e que nos são servidos no mesmo prato, com a legitimação do voto a servir nuns dias de espeto, noutros dias de molho, e com a formidável frase: ‘os portugueses sabem que’ a servir de babete.
E para brincar deram-nos os ministros.
Como é sabido, um homem para sobreviver tem de se preparar para ter as costas largas, e deve ser por isso que hoje o supraspinatus e o infraspinatus estão a fazer questão de me demonstrar que também têm todo o direito a brilhar na minha via sacra particular, mas, não fora o erector spinae chiar por todos os lados, e teria sim um belo refogado de gluteos com piriformis a preparar-se, se bem que não esteja no melhor momento para levar um chuto no cú de ninguém.
Com o país a exigir demasiado aos gastrocnemius da plebe, eu vou-me dando por muito contente ao apenas rogar algumas pragas aos cabrões dos semitendinosius, no entanto, o vastus lateralis bem que podia ficar de molho durante uns dias.
Sobre a enervante inércia do línea alba hoje ainda não me pronuncio; por aquela razão que se situa na linha de fronteira entre a vergonha e o pudor.
Sens, tranquille ami de tant de larges,
combien ton haleine accroît encor l'espace.
Dans les poutres des clochers obscurs,
laisse-toi sonner. Ce qui t'épuise
devient fort par cette nourriture.
Va et viens dans la métamorphose.
Quelle est ta plus pénible expérience ?
S'il te semble amer de boire, fais-toi vin.
Sois dans cette nuit de démesure
la force magique au carrefour des sens,
et le sens de leur rencontre singulière.
Que si le destin terrestre un jour t'oublie,
à la calme terre, dis: je coule.
A l'eau vive, dis: je suis.
Rilke, R. M. (1922). «Sens, tranquille Ami...». In Les Sonnets À Orphée, "Rainer Maria Rilke". Paris: Éditions Pierre Seghers. (p. 184, trad. M. Betz, ed. 1949)
Noutro dia vi um lobby. Era um exemplar de bom porte, com dentadura sem cáries e pêlo luzidio. Aparentava ser do sexo masculino, e tinha as garras dos membros anteriores alisadas, deixando antever caça delicada e já previamente amanhada. O arfar intermitente permitia concluir que tinha passado recentemente por fases de alguma hiperventilação, se bem que algumas raleiras de penugem na zona lombar faziam crer na utilização de técnicas de sedução e acasalamento menos convencionais. A locomoção era a 2 ou 3 patas consoante o sentido do vento e a toponímia do terreno. Não procriava, mas adoptava crias de qualquer espécie, e o seu habitat natural era um quarto de toupeira decorado com penas de pavão.
Depois da conquista de Lisboa aos mouros, Afonso Henriques e Martim Moniz tomam uma ginginha em Alfama, enquanto não aparece o Nunes, e como não havia gente suficiente que soubesse ler para fazerem um referendo, decidiram traçar eles mesmo o Plano Estruturado e Integrado de Desenvolvimento Orientado e Harmonização Estratégica Concertada e Ordenamento Sustentado Sintética e Articuladamente Mormentemente (peidohecossam), dado que dom Cravinho tinha ficado com o cavalo atolado e preso a uma estaca numa zona húmida ali para os lados de Alenquer.
Martim Moniz – este castelo já não está em condições e eu acabei entalado na porra da porta, tendo até estragado o melhor colete que me tinha sido debruado por uma freira de Salamanca em folga de clausura
D. Afonso Henriques – teremos então de escolher uma localização para o nosso próximo castelo, algo que imponha respeito aos cabrões dos monhés e os leve a entreterem-se lá para as terras da toblerónia
Martim Moniz – eu acho que devíamos antes optar por um centro comercial, uma coisa assim de raiz ali no sopé da serra de Monsanto e que também entretenha a judiaria
D. Afonso Henriques – Não sei se não deveríamos fazer primeiro um anexo para cachorros quentes ali em Cacilhas para nos protegermos dum contra-ataque mais demorado
M. M. – isso é ser de vistas curtas, Alteza, nas terras de sua mãe já pensam em fazer os jogos olímpicos, e não tarda fumam porco preto, enquanto a gente ainda assa castanhas
A.H. – temos de precaver o futuro dos nossos filhos, MM, lá porque tu te entalaste numa porta não podemos estoirar já o dinheiro todo da bolota em escadas rolantes quando ainda nos falta fazer um mosteiro na batalha e uma torre nos Clérigos.
MM – Acho que aquela zona de Monsanto merece algo assim de bonzinho desde que um cunhado do Viriato foi apanhado com uma pastora ao pé de Queijas atrás duma carrinha de coiratos
AH – Mas essa zona de sopé é ambientalmente muito sensível, e há quem diga que daqui a uns anos ainda vão aí chocar pintos, o melhor, se calhar, é fazermos umas catacumbas no terreiro do paço, e se as dedicarmos aos santos inocentes ainda saco uma bula ao Papa
MM – Se quer os favores dessa gente o melhor é fazer com que Nossa Senhora dê cá um saltinho
AH – Isto não está fácil porque não temos nenhuma pista de aterragem em condições e a Santa Senhora ainda se pode magoar
MM – Então, antes de tudo, devemos começar por aí, a nossa prioridade neste momento devia ser plantar azinheiras ao pé do Entroncamento
AH – Tu está-te a passar ó Martim, se a N Senhora escolhesse uma árvore para aterrar seria sempre numa macieira para nos libertar do castigo de Eva, ou então numa figueira para acabar com a maldição
MM – fodasse ó Afonso, alteza do caralho, tu queres ver que ainda acreditas nessa merda, aquilo do Génesis é simbólico, porra, parece que ainda não desmamaste da Urraca!
AH – É nos símbolos que se constrói a nossa identidade, mas pronto fica já aprovado: não embarcamos em simbólicas asneiras, vamos plantar azinheiras. Seremos uma nação protegida, não precisaremos de mais muralhas
MM – Eu acho que ainda nos vamos lixar, e se estivesse aqui o Cravinho ele fazia-te ver que estás a ser dominado pelos lobbies da sacristia. É na zona de Monsanto que está o verdadeiro eixo de 'desenvolvimento polinucleado'.
AH – Martim, que misturas é que andas a fazer com a ginjinha!? Nem sabes o que queres. Eu sempre disse que eles te tinham entalado qualquer coisa mais sensível, se calhar devias ir passar uma temporada às termas para descansares e amaciares a zona pélvica.
MM – Eu acho que as azinheiras são compatíveis com um centro comercial na encosta de Monsanto. De manhã o povo rezava, depois à tardinha comprava uns trapinhos e à noite ia à bola, e assim nós já podíamos ir treinar aos dardos no lombo dos beduínos sem nos chatearem.
AH – É pá, pareces um ditador obscurantista, a minha mente está focada em grandes desígnios: a fé e o progresso sustentado são desígnios nacionais e, depois de rezar, o povo deve ir todo fazer jogging para Monsanto.
MM – Não tarda voltam os mouros e eu quero ver como vai ser, enfiam-te os desígnios pelo cu acima e, em três tempos, põem a rainha a fazer dança do ventre para os gajos e a servir-lhes cházinho de menta.
AH – Então se calhar devíamos avançar já com uma guerra santa, o melhor é fazermos um mosteiro ali para os lados de alcântara, ou isso ou uma seca de bacalhau.
MM – Agora já o vejo a pensar em grande, Alteza, e isto com uns pastelinhos leva-se muito melhor, tem toda a razão.
AH – e ainda alugo os castelos aos chinocas, e, com jeito, passo a reforma em Cartagena com duas sherazades a contarem-me histórias
MM – Tudo bem Alteza, manter até ao fim a cabeça fria e a pila tesa, mas eu continuo a achar que isto ia bem era com um centro comercial, o povo ia vendo as montras…a nossa muralha mais forte é um povo bem entretido com uma boa padroeira.
AH – Então se calhar ainda construo uma padroeira dos descobrimentos, ou então uma padroeira de Aljubarrota, ou mesmo uma fundação ao pé de são Sebastião da padroeira…
MM – fodasse, isto está mas é por um triz, ainda acabamos em Badajoz para ter de parir um filho, e, não tarda, deixa de ser um país, e passa a ser um trocadilho
Alta Competição
Dói-me tudo menos o zygomaticus minor e o palmar aponeurosis já teve melhores dias; mas agora não sei se deva exercitar mais o risorius se o supinator.
Coloco bastantes esperanças no bicipital aponeurosis para me ajudar nos garrafões de luso e no rectus femoris para não fazer figuras tristes com o meu filho mai’novo, no entanto, para os ovos estrelados acho que basta manter em razoável estado os flexor digitorum superficialis. A performance do corrugator supercilii mostra-se essencial para fazer a cara de mau que garante a minha - cada vez mais - teórica posição de chefe de família, e um buccinator perfeito permitir-me-á manter sem esforço o absolutamente imprescindivel ar de anjo desentendido.
sarkofaga
«Espero que quando estiver em cima da Carla Bruni, comendo-a com satisfação e vaidade, um raio lhe fulmine a pila, lhe decepe vários membros e lhe deixe a carranca num estado de monstruosa feiura». ana de amsterdam
Eu cá, pelo sim pelo não, se fosse ao gajo, punha-me por baixo.
‘Toda guerra promueve genios’. Com esta frase errada termina Umbral a sua última crónica em Julho do ano passado.
«Não se sabe se, sem a figura do homem, o corpo suspenso da mulher estaria em queda ou ascensão» escreve a Alexandra numa especulação em torno dum fotograma tarkovskiano. Só ela diz coisas assim como quem não quer a coisa.
(Adenda: mas também me lembra o dito sobre os galegos: 'quando estão a meio de uma escada nunca se percebe se estão a subir ou a descer')
«Prefiro Hillary a Obama. Se tiver de ser um Democrata, então que seja alguém sem a menor hipótese de ir para a cama com o bom do William Jefferson.» É a melhor análise das primárias usa’s que li até hoje. Escrita, obviamente, por um arquitecto, – acho – o que não é de estranhar, as pessoas que melhor compreendem o mundo são aquelas que sabem escolher o lado para o qual deve ficar virada a cama, e evidenciando que a pila de bill ainda é útil, pendularmente, ao equilíbrio do mundo. Apesar de obama ser de melhores rimas com o tradicional leito de prazer, aguardo ansiosamente uma desfolhada por hillary dos santos. É trigo loiro.
kamasutra da ratificação
toda a ratificação se deve começar por baixo, depois pega-se no tratado pela parte da anca do preâmbulo, ou seja, a zona dos plenipotenciários, pode ser entre o rasmussen e o karamanlis, e , sem perder muito tempo, devemos conferir as disposições gerais, não vá haver uma dor de cabeça ou um corrimento de clausulas, destas passemos também rapidamente aos protocolos anexados, onde invariavelmente há novas e polpudas possibilidades de desfrutar, se estes se mostrarem pendularmente acolhedores, até porque as declarações finais são quase sempre bastante previsíveis, principalmente a da delimitação de competências, contudo, se algo correr mal, no limite, podemos recorrer à clássica 'coreografia icónica do auto-comprazimento', o esporreiro, pá.
Não sei se, como remata Pulido Valente na sua crónica mais badalada desde a outra em que explicou cientificamente o fenómeno de Fátima pela sua proximidade à estação de comboios do Entroncamento, o Papa terá previsto para a Igreja uma era de clandestinidade, o que eu sei, isso sim, é que a Igreja tem uma missão de universalidade, sem a qual tudo o resto corre o risco de se parecer a circo sem leão nem apóstolo.
Um dos momentos chave da construção do ‘cânone’ ocidental, whateveritmines, viveu-se com a Reforma Protestante e a Contra Reforma. E continuará a ser da análise do que aconteceu nessa altura que se devem ir procurar as primeiras pistas para o estudo da evolução da Igreja e do seu papel no mundo, a par do esforço individual de cada um em entender e amar a Deus.
A Igreja Católica é, pondo de lado a retórica exegética, essencialmente um Corpo vocacional: procura congregar as almas em torno dum chamamento de Deus. No dia em que um católico pense que tem uma fé exclusiva, tipo cartão de pontos, e não fique danado com as revisitações da arca de Noé, o melhor é ir cantar espirituais negros para uma garagem calvinista da Bobadela.
e isto porque o site dos decemberists também tem uma sereia
apesar de ter sido um ano em que os decemberists não apresentaram musicas novas, tivemos o melhor ano de musica desde que os air apareceram com moon safari e o lobo antunes escreveu uma coisa chamada livro. No entanto, o ano passado, e no que concerne a balanços musicais, assume-se como uma merda, ou, como diria a soraia chaves, estas listas fodem-me todo. Ano em que lcdês, pandas beares e buriales andam a liderar as listas de escolhas mainstreamadas, não merecia ter shins, arcades e nationales a cantar, foda-se, como diria soraia chaves, pouco faltou para lá meterem os rufus e os bordellos, mas cheguei a ver o wyatt, se bem que um bocado a medo. Quase que estou com saudades daquele tempo em que o elton john conseguia cantar e levar no rabo ao mesmo tempo e só havia dois discos do caralho, mas, macacos me mordam, ou foda-se, como diria aquela rapariga a quem o canastrim d’almeida ainda chegou a apalpar as mamas, se eu não faço também uma lista bestofada. Em primeiros estão os três supra referenciados, que nem uma trindade-pop, dêem-me um ano nos últimos vinte, em que o vara fosse administrador dum banco e com três discos daquele calibre e ofereço-vos uma ida em pensamento ao hotel altis mais a soraia com três fode-me toda incluidos, ou, na falta, um capuchino no bar da cinemateca; ora os três discos que vêm logo a seguir são, basicamente o das blondes, que não ouvi, mas é bom, o do leckman, que ouvi, mas é bom, e o dos okkerviles, que fodi infelizmente não com a soraia mas com uma meia de leite escura e que é do caralho, mas, mesmo assim, desapiedadamente sem fodasse. De fora do topsixe deixo o miguel veloso, e o disco que mais ouvi o ano todo que foi a reedição do scotte elliote, e que é o melhor disco do ano, apesar de ser em cd, sem falar do jpê simões, que com aquela popinha no cabelo parece o rabo da soraia, nem sei se já tinha falado dela, foda-se, e deixo mais de fora o beirute e swifete, porque, basicamente, uma lista onde não entrem os bodies of water, nem merece ser chamada lista, quanto mais. Ao menos o rochemback ou o sakamoto. Caralho, esqueci-me do Hawley, fodasse, assim nem dá, soraaaia; com três ás para durar mais tempo.
«a natureza está constantemente a puxar o tapete debaixo dos nossos pomposos ideais», Camille Paglia, in ‘Personas Sexuais’
Pepino o lento, apanhado na operação saladão, e já não indo a tempo de apresentar uma lista para a salgalhada do bcp, procurou refúgio num frigideira onde se preparava um salteado com grelos de chaves fresquinhos. Apesar de pouco habituado a tamanho nabiçal, e muito menos ao entusiasmo do alho perante a chapa escaldante, Pepino esforça-se por fazer boa figura. Saltam do braseiro para uma cama mais doce, pedem um mushroom service e escolhem molho caesar. É preciso muita nata - diz a grelada companhia - trazes-me para aqui e nem me ofereces uns orégãos offshore. Pepino, submisso que nem um ravioli numa tratoria e cada vez mais consciente das suas limitações, sente que não pode competir quando chegarem os mangericões, bem enfartados na sua especiaria. Afinal ela era um grelo de programa e ele não passava dum pepinalvo. Foi bom enquanto grelou e, Pepino, sabendo que nunca chegará a melão, afeiçoou-se a uma sardinha, que, e apenas para fritar, só lhe pedia farinha.
je ne peux pas me rappeler quand c'était, de bons moments de bonheur m'éludent, peut-être j'ai juste mal compris, tout l'amour que nous avons laissé en arrière, observant les retours entrelacer des mémoires que je ne trouverai jamais, ainsi j'aimerai celle que vous deveniez et oublierai les choses insouciantes que nous avons faites, je pense que nos vies ont juste commencé, je pense que nos vies ont juste commencé, y siento mi mundo desmenuzarse, siento mi vida desmenuzarse, siento mi alma desmenuzarse lejos y caer lejos, tombant avec vous, restant éveillé pour chasser un rêve, goûtant l'air que vous inspirez, je sais que je n'oublierai pas une chose, la promesse de vous serrer étroit et de prier, observant l'affaiblissement des fantaisies, rien ne restera jamais la même chose, tout l'amour que nous avons gâché, tous les espoirs que nous avons aimés se fanent, faisant les mêmes erreurs, faisant encore les mêmes erreurs, y siento mi mundo desmenuzarse, siento mi vida desmenuzarse, siento mi alma desmenuzarse lejos y caer lejos, tombant avec vous, tout l'amour que nous avons laissé en arrière, observant les retours entrelacer des mémoires que je ne trouverai jamais, memories I will never find...
Imagem: © Nicole Paleirac
Nico – Querida, estás a tornar-te um vício para mim
Tina – Gosto de te saber dependente, dá-me uma sensação de poder
Nico – Eu sei, mas esta submissão também é algo que me excita
Tina – É pena que, com tanta restrição, agora não possamos estar sempre juntos
Nico – Mas o afastamento ainda me excita mais
Tina – Tu excitas-te com tudo, é o que vale
Nico – Não, só tenho pulmão para ti
Tina – Essa exclusividade tanto me serena como me cria ansiedade
Nico – Deves aprender a respirar fundo…
Tina – Gosto mais quando me flirtas sem filtro
Nico – Mas há algo que me desestabiliza….
Tina – Os velhos ciúmes, querem ver…
Nico – Sim, não suporto a presença irritante dos chocolatezinhos ou das pastelhinhas elásticas
Tina – Sabes bem que somos apenas amigos, nada mais significam
Nico – Desconfio de tudo o que venha embrulhado em papel às cores
Tina – És tão complicadinho e inseguro.
Nico – Desde que me andaram a medir o teor de alcatrão nunca mais fui o mesmo
Tina – mas, querido, tu ainda estás tão bem, acho que até estás cada vez melhor
Nico – Não tarda ainda me aromatizam e enfiam num cachimbo qualquer
Tina – Ah, queres ronron, já devia ter percebido
Nico – Acho que temos de ir para uma sala com exaustão…
Tina – … para uma verdadeira intimidade basta que exista em bom cinzeiro…
Nico – Cerâmica ou metal?
Tina – humm… já só sonho com aquele dia que seremos beatas e estaremos juntinhos…
Nico – …um isqueiro e uma cabana…
Tina – uma marca de batôn e uns dentes cerrados…
Nico – aboquilho-te toda…
Tina – livra que agora até parecias haxixe…
Nico – Não sei o que é que esse gajo tem a mais que eu.
Tina – Deixa lá, são cunhas. Ainda há-de chegar o teu dia, vais ver.
O ‘preto e a gaja’ é a nova comédia da Broadway. Com evangelismos de cruzada enconada e tecnocracias requentadas a servir de figurantes, fico com saudades da mancha do vestido de Mónica; no fundo, tenho saudades do tempo em que apenas os rabos eram de palha.
Os genuínos escândalos são os da carne - até Jesus esgotou a metáfora da primeira pedra com os papalvos que olhavam para a mulher ardente – e não vejo como uma nação se pode redimir sem um amor mal compreendido. Apenas com um renegado pela melanina e uma renegada da alcofa - por ter uma boca demasiado conservadora - não se consegue purgar uma nação que reclama uma enxurrada de corrimento e esperma que a desinfecte.
Sendo a América um enorme Pulo do Lobo com petróleo, polvilhada aqui e acolá com misturas de Mónacos com Hong Kong’s, e rendilhada de engayzamentos e sionismos, precisa urgentemente de crimes passionais, precisa de ter sempre completa a trilogia de sexo, mentiras e vídeo, não se podendo ficar apenas pelos últimos dois.
‘O preto e a gaja’ não chegam para trazer de novo o sertão do norte para a luta das boas razões: o mundo não precisa de ideais, não precisa de causas, não precisa de caras lavadas, não precisa de amornamentos globais. Precisamos, sim, dos pecadilhos certos. Não há novas Jerusalens sem Sodomas, não há parnasos sem desgostos de amor, como não há montes das oliveiras sem beijos de judas. Para ressuscitar uma nação não há como uma boa traição.
Qualquer crente em Deus que se preze gostaria de receber uma confidência do Criador, de forma a ficarem assim, como quem não quer a coisa, com um segredinho só dos dois. Claro que, de forma simpática e reverente, todos começaríamos por perguntar algo do mais ortodoxamente teológico para criar ambiente, género, porquê um povo eleito no meio do deserto se já havia muito boa gente à beira mar, porquê uma Santíssima Trindade quando já se sabia que um tenderia a ficar marginalizado, porquê um livre arbítrio a voar se podíamos ter uma predestinação na mão, porquê um casal de pombinhos, uma maçã e uma serpente, se podíamos ter descendido duma tribo de belas amazonas especializadas na selecção natural; enfim, teríamos de nos mostrar primeiro interessados com a política editorial do Criador, mas sabendo que o que nos interessava realmente era aquela zona dos classificados mais picantes, o suplemento de fim-de-semana, ou seja, teologicamente falando: o que é que o Criador andou a fazer no sétimo dia.
Julgo que no âmbito desta infinita temática de ‘o que realmente nos intriga’ assumem bastante mais relevo as questões hormonais e bastante menos as questões sociais, ou seja, dilacera-nos mais o desequilíbrio entre a capacidade e a disponibilidade orgásmica, do que propriamente a clivagem entre ricos e pobres, e muito menos o leviatanismo do estado. A exploração resultante da famosa luta de classes não aparece com grande ranking na tabela de sofrimentos, e perde face a desgostos amorosos e impotências várias.
Por isso, se considerarmos que as questões básicas do ’porque Te revelaste a uns de uma maneira e a outros de outras? ‘, ou do ‘porque deixaste cá a Igreja a fazer – às vezes - tanto de mulher a dias como de porteira?’, ou mesmo do ‘porque é que a fátinha felgueiras e o armando vara são tão filhos de Deus como o padre borga ou madre teresa’, são questões aborrecidas, pois, por maioria de razão, o Criador também teve direito aos seus caprichos, e, inclusivamente, todos podemos ter um dia menos bom, ficaremos então concentrados naquilo que realmente importa a um crente ( a religião é o que há de mais pragmático ao alcance da nossa natureza, depois do microondas) : o ‘como poderemos, levando uma vida de caças-bombardeiros a saltar entre porta-aviões, no dia certo, ser uma responsável companhia de last minute booking?’, rematando, dado que o Criador não será de muitas palavras, com um simples ‘porquê assim, fodasse?’. Ele saberá o que nós queremos dizer.
«Entre outras conquistas e ganhos recentes, as mulheres, como é natural, fizeram progressos consideráveis na coutada largamente masculina do egocentrismo», Martin Amis, in ‘O Cão Amarelo’
'entrevejo aqui uma coreografia icónica do auto-comprazimento'
Há séculos que não fazia uma linkadela.
Aparentemente o acordo de jardinagem horto gráfica irá marcar este novo ano pelo fim das ‘consoantes não pronunciadas’. Acabará assim uma das marcas simultaneamente mais aristocrática e mais mística da portugalidade, esse ter coisas que não serviam rigorosamente para nada - as nossas consoantes mudas, que tanta falta nos irão fazer.
Eram verdadeiras consoantes de companhia; sóbrias, educadas, discretas, nunca mais se fazem consoantes assim e estaremos destinados a viver com ‘tês empinados. Essas consoantes que souberam dedicar a sua vida para outras sobressaírem, deixam-nos agora sem glória e, pior, criam um vazio que não está ao alcance de nenhum acento, por mais circunflexo que seja, preencher. A nossa língua precisa dessas consoantes que souberam trabalhar na sombra, que deram sentido aos actos e aos factos, e que facilitaram a vida a muita vogal que, assim, conseguiu sobreviver num mundo dominado por uma maioria ruidosa de consoantes que não olham a meios.
A consoante de companhia mereceria pelo menos um lugar no panteão, ou aparecer num quadro da Paula Rego a fazer de camareira gaga, ou, pelo menos, fazerem com ela uns brincos de filigrana para pôr nas orelhas da Marisa, para ver se ela fica com um ar decente de fadista e deixa de parecer um kiwi albino.
Compreendo que, se já não vai ser possível medir a tensão arterial às duas da manhã em Anadia, ou parir em Elvas, também já não haja verba para as consoantes não pronunciadas, contudo, acho que deviam fazer uma moratória, não sei, um período de adaptação, pois não vai ser nada fácil para essas consoantes arranjarem assim do pé para a mão uma ocupação digna. E não acho que seja próprio irem fazer de hífen e muito menos de apóstrofo para as virilhas dum vocabulário qualquer; isso seria lexicarem-nas completamente. Será para além disso um péssimo sinal para as cedilhas que ainda podem ficar a pensar que são as que vão a seguir; e então um país sem cedilhas seria meio caminho para voltarem os ss.
Sócrates, que também tem tido bastante sucesso com ministros não pronunciados, aliás quando proibiu que alguns se pronunciassem foi quando eles começaram a render mais – o Pinho até começou a ajudar na lida da casa e tudo – devia olhar para este problema, e sendo um homem, e, antes de mais, um engenheiro, das beiras, sabe bem que o interior das palavras vai ficar mais pobre sem estas consoantes, que disseram presente quando a língua precisou delas, coisa que muita vogal, nem gaguejada, algum dia fará.
Conta-me como vives;
diz-me simplesmente como são os teus dias,
os teus lentíssimos ódios, as tuas explosões de alegria
e as ondas confusas que te têm perdido
na espuma cambiante de uma alvura imprevista.
Conta-me como vives.
Vem a mim, cara a cara;
diz-me das tuas mentiras (as minhas são piores),
dos teus ressentimentos (deles também padeço),
e desse estúpido orgulho (posso compreender-te).
Conta-me como morres.
Nada teu é secreto:
a náusea do vazio (ou o prazer, é o mesmo);
a loucura imprevista de algum instante vivo;
a esperança que afunda obstinadamente o vazio.
como renuncias -sábio-,
como -frívolo- brilhas em pura fuga,
como acabas em nada
e me ensinas, é claro, a ficar tranquilo.
Poema: Gabriel Celaya, «Cuéntame cómo vives (Cómo vas muriendo)» (trad. pessoal)