Deus é o pretexto. O essencial é o paleio.

Descubro num post recente do blog dragoscópio uma epopeia de verve em torno da estafadíssima apologia, devidamente desinfectada com água indignada, do porquê ir alimentar umas almas famintas para longe quando a vizinha deixa queimar o arroz manteiga.

As melhores pessoas a falar de Deus são de facto, geralmente, as que usam a capa agnóstica, ou ateia ou apenas mesmo quessefodista, e isto porque Deus com eles, sem a preocupação comissionista, aparece esteticamente trabalhado, quase como as cuecas num catálogo da redoute, entre o atoalhado e a malha piquê, ou seja, Deus, estando ou não em promoção, ajuda bastante a vender outros produtos e arranja-se sempre algo para combinar com ele, o que, é bom de ver, até ajuda qualquer crente com um mínimo de perspicácia a compor uma boa e piedosa toillete. Antecipadamente grato.

Mas, desgraçadamente, para estas almas que se alimentam de coerências a granel e bondades avulsas, o cristianismo transforma-se no potente exaustor duma novel sala de fumo e suga-lhes o equilíbrio até à beata. Ou seja, a incredulidade, venha ela sacristida de maior ou menor ironia, não consegue conviver com peregrinas ideias como gratuitidade, magnanimidade, ou a arrepiantemente discricionária misericórdia, para já não falar das clássicas liberdade e terço seguido de bitoque com ovo.

Ora a manta de terna indignação onde é vertido o referido tropicadilho ignora, por exemplo, que é absolutamente intrínseca ao cristianismo essa convivência entre ideias aparentemente contraditórias e que só encontram o merecido consolo na santa canjinha da fé e do amor a Deus, ou seja, a distância que separa o dar a outra face ao vim trazer a guerra e não a paz, é a mesma que separa o honra pai e mãe do deixa pai e mãe e ala que se faz tarde. Não há escala, nem fita métrica, nem sénecas nem epicuros que aguentem isto.

O apostolado (muitas vezes com os seus floreados coreográficos de amor-sem-fronteiras) é absolutamente radical na mensagem cristã, e esse radicalismo significa precisa e simultaneamente que é raiz e que é de extremos. A alma de um cristão constrói-se nessa ruptura entre o que lhe é próximo: uma fé como conforto, e o que lhe é distante: uma fé como desafio, e, por isso, os primórdios (mais ou menos meta-iconográficos) do cristianismo tanto têm pastorinhos, como herodes, putas, sábios, leões, cobardes, gajos que ficaram a envernizar catacumbas e gajos que puseram sebo nas canelas e foram moer a carola aos adoradores de rosmaninho ou aos sorvedores de sangue de galinhas chocas.

É do mais piamente louvável essa preocupação com os que estão perto, mas – também - está na carne da fé cristã esse procurar vertiginoso da grelha nos que estão longe.

E, vendo bem, o dragopost até podia não ter nada a ver com isto, nem eu vi sequer a notícia do padreco all & off road. Mas não há nada como brincar aos pretextos.

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