Apenas o sexo

dos dias



Como se os demagogos e os homens sem ideias não pudessem fazer bom uso do poder. Como se da confusão, da irresponsabilidade, da frivolidade, do jogo de interesses não se pudessem forjar governações fortes e arrebatadoras. Arrepia um bocadinho, concedo, mas bolas, um arrepio sabe quase sempre tão bem, e depois pode-se fumar um cigarrito, ou ficar a olhar para o tecto, ou ficar a treinar o sorriso malandro, ou o meigo, ou ir beber um copo de água, sabe tão bem um copo de água depois dum arrepio, um ginger ale também dá bom efeito, ou pegar num livro ao calhas, tem de ser é ao calhas, e recuperar do estremeção cardíaco como um ciclista trepador, e voltar a treinar o arrepio outra vez, arrepiando caminho até ao “primeiro estranha-se e depois entranha-se” que o Portugal dos Pequeninos recuperou há uns dias com seu muito peculiar empenho, e que eu agora também repesco.  Nesta espelunca (fica tão bem este falso miserabilismo) eu até já tinha escrito em tempos (fica também tão jeitosinho dizer isto) que a «realidade não é sexual porque é impenetrável», mas reparo agora que ela poderá ser de facto entranhável, e isso acaba por lhe fazer corresponder uma sexualidade mais romântica, mais flaneurizada, mais inconsciente, mais inadvertida, e divertida quem sabe, no fundo, se calhar, uma sexualidade mais ajustada aos dias que correm. Que valoriza mais o contacto, a tangencia, valoriza os conceitos a esfregarem-se uns nos outros, pois poucos serão agora os conceitos que gostam de ir em frente aproveitando as brechas abertas pela obscena dúvida. A sexualidade da moda e dos dias é a do entrelaçamento, arriscaria: da fornicação mímica, uma espécie de permanente “na cama com Deleuze” (salvo seja), ou um eterno brincar às enfermeiras, não, também não é puro voieurismo, pois tomou-se o gosto de pôr a mão na massa temos de reconhecer, sim, vivem-se momentos dalgum besuntamento, que talvez dure mais que nove semanas e meia sou agora forçado a admitir. Bem, haja alguém que filme isto em condições, é o meu desejo.



Nota final ginecológica (que também já não fazia há muito tempo): Mas lá porque vivemos momentos de esperanças difíceis ou estéreis, não se pode querer resolver isto com uns bebés "profetas". Tal como as mentes demasiado gastadoras de ideias não se tratam com a "insovinação" artificial. Há que dar tempo à placenta dos dias, e ir controlando o deficit, hormonal, claro.

Contos do óbvio



A Simonetta era uma rapariga com sardas. Ela de facto tinha mais coisas engraçadas, mas eu agora vou-me reter apenas nas sardas. Não se pode dizer que ela vivesse propriamente em função das suas sardas, mas gostava tanto delas que dava ideia duma – levezinha que fosse - obsessão. Gira, mas obsessão, apesar de obsessão ser uma palavra forte, eu sei.



Giorgetto não conhecia Simonetta, nem as suas sardas, mas incompreensivelmente já tinha sonhado com elas, com Simonetta e com as sardas dela. No fundo eram duas realidades claramente diferentes, a mulher e as sardas, mas nos sonhos as coisas confundem-se muito, como sabemos. Julgo até que os sonhos existem também para podermos suportar a confusão das coisas. Giorgetto também aparentava ter sardas, mas acho que não lhes dava tanta importância, talvez porque fosse homem, mas isto é apenas uma impressão minha, uma impressão se calhar da família do preconceito, mas isso também não é importante agora, e eu fujo de impressões a sete pés.



O importante é juntá-los aos dois nesta história. Esta história com o Giorgetto e a Simonetta separados não vale nada, esperemos que com eles juntos valha alguma coisa. Eles vão encontrar-se na mais que previsível Sardenha. Numa ilha. As pessoas só se encontram verdadeiramente se for numa ilha, claro que todas as terras são uma ilha, no limite, mas isto é apenas uma história não é um tratado de lógica, por isso retomo a ideia, Giorgetto e Simonetta encontraram-se na óbvia ilha da Sardenha. O encontro terá de se dar ao entardecer, num também óbvio entardecer, todos os verdadeiros encontros se dão ao entardecer, as coisas importantes passam-se todas ao entardecer.



Simonetta estava a ler Dostoievski, “O Eterno Marido”, ou o “Duplo” não sei ao certo, mas pensando bem eu devia saber porque sou eu que estou a escrever isto, só que a verdade é que o livro nem lhe estava a encher as medidas, não a fazia sequer esquecer da vaidade que tinha nas suas sardas, mas pelo menos afastava-a um pouco de pensar na atracção que exerceria nos homens se as suas sardas estivessem banhadas pela luminosidade especial dos entardeceres. Giorgetto não andava a fazer nada, os homens que não andam a fazer nada geralmente andam com as mãos nos bolsos, mas Giorgetto não tinha a mãos nos bolsos. Inesperadamente, eu, que fui quem decidiu este pormenor, não consigo perceber o que me fez escolhê-lo assim, sem as mãos nos bolsos, mas vendo bem um homem que se vai encontrar com uma mulher bonita, e eu que ainda não tinha dito que ela era bonita, e com sardas, não pode ter as mãos nos bolsos. Nem numa história como esta cabem homens com as mãos nos bolsos, para isso já basto eu, mas eu estou fora desta história, claro. Giorgetto não trazia nenhum livro consigo, aliás ele não lia muito porque era moreno e tinha medo de empalidecer. Era vago e por isso vagueava. Mas é engraçado, não o preocupava ter de se preencher,  e que pena isto não acrescentar nada à história.



O primeiro e verdadeiro encontro é o dos olhares. É sempre assim, por mais que se queira pensar diferente,  é o olhar que faz o encontro. Pode ser directo, pode ser de esguelha, pode ser furtivo, pode ser demorado, pode ser esquecível, pode ser inesquecível, mas mesmo duas almas gémeas nunca se encontram verdadeiramente fora do olhar que lhes dá guarida. Mas Simonetta e Giorgetto nem sequer eram almas gémeas, aliás isso não existe, que parvoíce. Unia-os uma cara sardenta, um sonho difuso de Giorgetto e, pronto agora vou ter de revelar, é estúpido mas vou ter de revelar, Simonetta já tinha visto uma vez Giorgetto, numa revista, onde Giorgetto se emprestava a anunciar uma marca de gravatas com cornucópias. Simonetta tinha retido aquele pormenor, ficou até a pensar na altura que quando oferecesse uma gravata a um homem, sim ela haveria de ter um homem a quem agradar, seria igual à que Giorgetto trazia na fotografia, uma gravata com cornucópias. Amarela, sim era amarela. Ela haveria de encontrar um homem que encaixasse bem numa gravata amarela com cornucópias; as sardas por acaso até nem foram elemento que lhe ferisse a atenção, reparo eu agora, não sem algum espanto, porque não estou a ver Simonetta a negligenciar uma cara sardenta, só que não era uma cara concorrente, talvez fosse por isso, se é que interessa a razão para uma negligência.


Mas Giorgetto não trazia naquele dia a pose da revista, talvez qualquer coisa dispersa no olhar, mas pouco mais. Levava com ele a memória dalguns sonhos, uns óculos escuros para descargo de consciência, mas trazia-os no bolso, como de costume, e quase nunca os usava, e mostrava vontade de se sentar em cima duns penhascos a olhar para o mar. O típico dum homem mal amado e que, como que para desforra ou castigo, também não sabe amar. Naquele dia Simonetta, a correr atrás do óbvio, e fugindo doutro óbvio qualquer, também largou o livro e quis ir ver o mar para acima dum penhasco. Dois sardentos num entardecer nublado na Sardenha a verem o mar do cimo dum penhasco, pouco mais que o óbvio.


O tal olhar, de que estamos à espera, haveria de aparecer mais tarde ou mais cedo. Vai ser mais cedo, vai ser agora. Aquela luz esquisita, que os fotógrafos tanto gostam, decorou as apresentações, e as memórias dum sonho e duma revista de gravatas fizeram o resto. Mas o quê! Não se beijam! Estão hipnotizados com as sardas que têm em comum. Será isto possível! Giorgetto, então, são apenas umas sardas! Agarra-te a ela, não a deixes adormecer o olhar. Pois, assim. Estava a ver que não. Só faltava teres feito o frete de tirar fotografias com gravatas amarelas de cornucópias e agora não conseguires abraçar a Simonetta. Beija-lhe só as sardas, já sonhadas, como se fossem as tuas feridas. Vá, pronto, agora já podes lavar a tua cara e tirar a tua capa de sardas pintadas. E tu Simonetta, já sabes, podes fazer um homem feliz sem precisares de lhe comprar uma gravata com cornucópias, tens é de saber olhar bem para ele, e ele precisa de se saber olhado, claro, mas um olhar só vale mesmo a pena se estiver um bocadinho molhado. Por isso choraram um bocadinho os dois, pois claro, era óbvio num entardecer nublado na Sardenha, em cima dum penhasco e a olhar para o mar. Até porque não existem almas gémeas, isso é o nome que se dá a almas que um dia se souberam olhar.
Uma coisa em forma de atchim



Está-me a apetecer tanto escrever como levar porrada. «Então porque é que escreves». É para experimentar fazer uma coisa que não me apetece, mas sem ninguém me estar a obrigar... «A isso às vezes dão o nome de...» Não, não, eu não estou mesmo a retirar prazer disto, é apenas para testar a secura da imaginação e ver se ela se dá bem com estes ares abafados. «A ti nunca te falta imaginação, não brinques com as palavras, vá, faz-te mas é à vida e sem lamúrias». Fosga-se, é tão giro dizer fosga-se, já não se pode estar sobre o efeito duma rinite mental, já não se pode escrever como quem espirra, um tipo já não pode ter os seus problemas, e resolvê-los assim sem grandes esquemas. «Podes, não precisas é dos apresentar aqui, sem maneiras e com rimas foleiras». Olha, vai-te lixar:

 

Rap do manipulador

Eu cá sou um ingénuo profissional, ninguém me leva nada a mal, e atiro sempre a matar, fingindo assobiar para o ar, e quase nem preciso de paleio, saco tudo o que quero do alheio, apontando sempre para o meio, só que nunca desprezo os extremos, pois qualquer dia ainda nos vemos.

Mas eu sou tão imparcial, tão racional, que se calhar até vou para comentador, vou parir conselhos sem dor, parece-me um desperdício ser só desfazedor, ah mas se calhar não posso, isto é um apenas um ócio, e estragava-se-me o negócio, olha que gaita para isto, mas também está já muito visto, só que é realmente uma pena, eu que até acho que dava conta da faena, eu que noutro dia até fiquei de pensar, nuns conselhos que podia dar, nuns belos tiros para o ar, fosga-se, é tão giro dizer fosga-se, e ajuda tanto a passar o tempo, e como não se diz nada, parece que se diz tudo, e há sempre alguém que se ri, ou que se comove, e como nunca nos tiram a prova dos nove, seremos sempre uns heróis, e isto que rimava tão bem com caracóis, só que não posso, senão dizem que estou a imitar os surrealistas, que até rimam com malabaristas, mas pronto nem tem nada a ver, tal como até já se perdeu o ritmo deste rap escrito à pressa, nesta trampa de conversa, que não leva a lado nenhum, que parece papa nestum, olha espirrei, mas como não sou monárquico foi um espresidente, não espirrei nada, foi só um repente, o que se escreve para ter piada, nem estou doente, fosga-se, é tão giro dizer fosga-se, e dá tão belo efeito, dá-lhe o toque perfeito, é como a rima, nem fecunda nem sai de cima, é como jogar na lotaria, com a terminação a fazer as vezes da poesia, só que eu sou um ingénuo profissional, a mim ninguém me leva nada a mal, mesmo espirrando conversa, mesmo com o pingo no nariz, sim mas que mal é que eu fiz, só porque os levo todos à certa, fazendo aquela força que a ninguém aperta, fazendo aquela pontaria que parece nunca acerta.



Prontos, tenho mesmo de acabar com esta merda das rimas. A Dra girassol até já ameaçou desligar-me da máquina, porque acha que já estou mesmo sem leitores quase nenhuns, mas é tão bom não ter sitemeter, escrever apenas para o éter... pronto, pronto...



Da necessidade. Mais uma, se calhar, estragada pela psicanálise. Como se a alma fosse um rim, no divã, à espera de hemodiálise. Como é bom precisar de alguém, de verdade, e isso ser um inesperado sinal de liberdade. De quem salta livre com um pára-quedas por companhia, companhia, mas que conceito com queda, para ser a mais livre e harmoniosa sinfonia. Não, não o estraguem com sinónimos, esses mimos de judas, eu detesto sinónimos, gosto de me repetir como insinua Kundera, ai quem me dera, poder deitar sempre o meu olhar na alma de que preciso, e ter ali sempre um aviso, por companhia, esta força quase etimológica, em que "com" o mesmo "pão" se alimentam duas almas, como que cozidas num forno de vidrado são, e porque não, até polvilhadas pela lógica, porque só a necessidade faz sentido, tal e qual um corpo forte primeiro foi dorido.

Como é acertado precisar, precisar do que é bom, viver da precisa necessidade desse dom, que é querer bem alguém, e alguém que também precisa.

Também se calhar, e para não falhar, pondo Unamuno e Borges num cruzamento de viés, como um menino, «vê onde pões os pés!» só acredito num Deus de peregrino, que me garanta sem desatino, mas com lealdade, um estado de saborosa necessidade.

Alma que vive para estar saciada, vive viciada, é alma que só irá flatular derrota, será alma que só arrota, e que acabará sufocada à espera de ser aliviada. A serenidade é um estado, herdado, da pura necessidade, só alcançado por quem sabe, que precisa, nem que seja só duma estrela poisada na testa, como se fosse uma festa, uma festa que fosse, também me alegraria, pois o que eu precisaria era dum coração bem dividido, com a necessidade agora já confiante, e airosa, e agora até vaidosa, a usar a assoalhada, pelo sol mais bem banhada.





Hoje o dicionário não ilustrado faz uma pequena viagem ao mundo das figuras de estilo.

É que tudo se resume à gramática como sabemos. Entradas 828 a 836.



Políticos em aliteração – São os que repetem sempre os mesmos sons pensando que o povo se orienta de ouvido



Políticos em anáfora – São os que repetem sempre a mesma palavra no início dos discursos, e assim sabemos logo quando são eles, sem correr o risco de deixar estorricar o refogado



Políticos em epanadiplose – São os que nos chagam à grande e que gostam de ter a certeza que nos chagam mesmo.



Políticos em quiasmo – São os que vivem a tricotar-nos os neurónios, sabendo de antemão que assim não saímos do mesmo sítio apesar de andarmos sempre entretidos.



Políticos em sinestesia – (é pá isto rima tão benzinho que vai ser uma pena desperdiçar) São os que põem tudo no mesmo saco desde que não se misturem os cheiros da anestesia (não resisti, pronto)



Políticos zeugmáticos – São os que tanto servem para a “Defesa” como para as”Artes e Espectáculos”, o importante é manter-se o vínculo, mesmo que a relação não esteja à vista.



Políticos anacolutos – São os que começam com falinhas mansas, reverenciais e educadas, e acabam a tratar-nos por “ó tu estás a olhar para quem”?



Políticos em hipérbato – São os que começam logo pelos finalmentes porque não gostam de nos alimentar a ansiedade.



Políticos em epífora – São os que acabam sempre no final por fazer merda, mas que gostam de se repetir.





Temos mesmo é que apostar na mudança de ares



Nesta grande secretaria de estado das artes e dos espectáculos, que no fundo é ao que todos nós pertencemos, há um político que devia ser muito mais acarinhado: João Soares. Não entendo o que o mantém afastado do coração das gentes deste meu país. Um homem culto, um homem preocupado com os outros, um homem que pensa pela sua própria cabeça, um homem que não hipotecou o seu coração à usura funcionária da conveniência, um homem que não se vende nas feiras da telegenia, um homem que não renega o apoio dos pais mesmo depois de ter já preenchido o boletim de vacinas, só devia era ser levado ao colo até ao poder, senão mesmo indo em cima dum andor (até por causa das dores nas costas). Deverá ser apenas a inveja (não se pode usar a palavra “ressentimento”porque essa é só o Portas que pode usar) o que está a impedir que o nosso povo à beira-mar (pode substituir-se esta expressão por “recurso estratégico”) plantado possa ser governado no regaço almofadado deste político de brilho radioso, que nos traria certamente uma brisa morna para este nosso pardo entardecer. Poderá ter tendência para ser gordinho, temos de reconhecer, mas isso não será o definitivo sinal da bonomia, da afabilidade, dos que não vivem para o culto do seu corpo e se entregam aos outros como filhos legítimos do desprendimento, senão mesmo perfilhados pela magnanimidade.

Desperdiçando JSoares, perderemos o essencial da política, o que ela tem de amaciador para a alma, deixamos de poder subir no elevador panorâmico em que se podia tornar a nossa vida rumo aos castelos da mourisca felicidade, deixamos de poder contar com o seu sorriso meigo e desinteressado, mas que não esconde o real empenho em nos fazer felizes e donos do nosso destino. Não estaremos a ficar inebriados pelo borbulhar sulfatoso e enxofrado dos dias vulcânicos, e assim a correr o risco de enjeitar a possibilidade de sermos bafejados por um estadista docemente abençoado; será que preferimos lamber-nos na chuva ácida dos dias em vez de vivermos espairecendo com o sopro dum político fadado para nos guiar pelas tempestades destes tempos inóspitos.

A providência leviatânica põe-nos à disposição a mãe-de-todas-as-soluções e nós, desenxertados da árvore da razão, deixamo-nos levar pela leviandade dos dias que crucificam aqueles que nos trariam a verdadeira paz.  E nem rimei, chiça.

Da saudade. Ah mas é um sentimento muito batido. Se calhar já nem é sentimento de tanto que lhe bate o vento. É amancebada da lembrança; ficam ali as duas muito chegadinhas, pudicas, à espera de ver qual é que dá o primeiro passo, que nunca será em falso, porque não se podem atraiçoar, estão as duas de mãos dadas, coladas, e viradas para o mar. Para o mar? Mas que lirismo tão gasto, que estepe tão ondulada e com tão pouco pasto, a saudade merece melhor, quando é saudade duns cabelos ao vento, dum tempo sem momento, e dumas palavras de alento. Então e a lembrança, não serve para nada, fica ali encolhida só a olhar para a ferida? Vá, chega-te à frente, oh memória, mostra  que és gente. Sangra, dá-te ao manifesto, ajuda a alma que eu agora te empresto a não se vender à saudade a qualquer preço; eu mereço: ter uma saudade benigna, feita de pequenos ganhos, entrelaçados em estrelas, que mesmo fora dos baralhos, são beijos,  e vou mas é metê-las no meu saco dos tesouros a rosnar quentinho como os besouros, ó filhas da mãe, só sofre quem as não tem. As saudades e as estrelas.



Discurso de um político anti-populista

 

Em primeiro lugar queria chamar a atenção de que não me vou dirigir a vocês como “portuguesas & portugueses” porque isso é duma ridicularia atroz e para mim vocês serão apenas “utentas & utentes”, ou “contribuintas & contribuintes”, ou “utilizadoras-pagadoras & “utilizadores-pagadores”, abreviando em número e género: escumalha, meros azoinadores dos meus miolos. Depois queria deixar claro que não estou aqui para vos agradar, quero bem é que vocês tenham muitos meninos e que estes sejam dos que não sugam abono de família.



Começo pelo assunto que me é mais caro: a política fiscal. Simples, quem tem chega-se mas é com o dinheirinho à frente, e quem não tem dá o corpinho. Foi abolida a escravatura, reconheço, mas água mole em pedra dura tanto bate até que fura, hão-de cá todos vir comer à mãozinha, como era antigamente.

 
Tenho alguns princípios, poucos é certo, porque mesmo num labirinto que se preze só há um princípio e um fim, mas não queria deixar de dizer o seguinte: não vos considero com nenhum carinho especial, apenas vos suporto; sou sincero apenas porque não me quero dar à trabalheira de vos mentir; no entanto, não cedo a interesses, apenas respondo pelas minhas mais profundas convicções, ou seja, nunca me deixo influenciar pelas 1ªs impressões, e por isso quem quiser sacar algum o melhor é mesmo aparecer em segundo lugar.
 
Eu cá como vêem regulo-me pela minha cabeça, se ela não prestar azar o vosso, eu avisei-vos. Mas fiquem sabendo que o único responsável pela vossa desgraça é este regime macaco que permite a gajos como eu terem acesso ao poder, e já agora vocês aí «oh mal vestidos e com essas câmaras de filmar ao tiracolo, desamparem-me a loja» que eu não sou dos que fazem boquinhas nem dos que se põem a dizer aforismos de ocasião. Captem apenas os meus pensamentos profundos, e para isso basta fazerem-me um clister opaco de dois em dois anos.


Sou liberal desde que não me seringuem o juízo com essa merda da concorrência e dos direitos dos consumidores, e sou intervencionista desde que me falem de finanças públicas só durante o período da Quaresma. Fundamentalmente quero é fazer as minhas coisinhas sem a preocupação de ter de passar mensagem, porque senão sinto-me um modelo de passerelle a abanar as ancas, e poupem-me a adornos sff senão vou para analista político pago à percentagem de share.


As minhas políticas baseiam-se nas primazias, as excepções só servem para incomodar as regras. Não me pagam o suficiente para gerir excepções. Quem se ache excepção, emigre, é para isso que servem os acordos de Shengen e os paraísos fiscais. Assim temos, por exemplo: Na saúde: o primeiro a chegar é o primeiro a ser atendido. Na justiça: o primeiro a ser apanhado é o primeiro a ser julgado. Na educação: os primeiros a acabar os exames têm melhor nota. Na agricultura: o primeiro a enterrar a colheita é o primeiro a receber o subsídio. No poder local: à autarquia que sacar mais graveto dou-lhe a independência ao fim de dois anos. Na cultura: ao que fizer o filme mais longo arranjo-lhe a Juliette Binoche, ao que fizer o mais rápido fica com o Joaquim d’Almeida. E etc, etc, etc, depois se quiserem saber mais consultem o diário da república, do qual – quero avisar - deixa de haver edição electrónica porque eu não estou para alimentar o lobby dos consumíveis informáticos e estou-me a borrifar para o abate das florestas, cada um que trate da sua sombrinha.


Quero reforçar, não terei politicas sociais, porque não acredito nisso de “sociedade”; aliás, todos os cursos de sociologia serão abolidos, o mais que posso garantir é equivalência para as cadeiras com as suas similares em veterinária, pois saber lidar com um rebanho chato, impenitente e manipulavel é uma canseira, e que na maior parte das vezes não merece o pastoreio desprendido e sacrificado de seres de excepção como eu.


Mas ainda tinha de vos dizer isto (se enjoarem já sabem o remédio): eu desprezo a ajuda dos meus amigos e jamais os escolheria para meus adjuntos. A minha alma quase despedaça quando vejo alguém conhecido a ser beneficiado, noutro dia até mandei uma prima minha rasgar um boletim do totoloto em que tinha feito um quatro, não quero confusões, até a sorte é um bem que deve estar ao alcance de todos pela mesma medida.


Como já devem ter reparado, se não repararam são estúpidos e nem merecem o voto que me deram, eu sou uma pessoa de ideias e não de sentimentos. Se por acaso me virem chorar é porque me morreu o cão, jamais vos quererei mobilizar pela via lacrimal, nem nunca me farei de vítima pois para mim está bem claro: as vítimas são vocês.


Têm uma garantia: movo-me por critérios de eficiência, posso foder isto tudo, mas serei rápido.
O ambiente é de férias, os ministros estão escolhidos, e os iluminados estarão, não tarda, uns encolhidos e outros esbaforidos.



É por isso que saem apenas estas alarvidades, misturadas com rimas lioninas.

 

Os textos do Bruno sobre o Victor Baia são um «esforço que deverá merecer a nossa ternura».
E até me levarão mais além, vendo bem.

V. Baia tem o seu próprio fado, joga à bola, só lhe falta ir a pé a Fátima. Reparo agora que praticamente se apresenta como Santana Lopes: «Às injustiças pessoais que tem sofrido responde com um silêncio heróico, jamais respondeu amargo ao ódio invejoso de tantos» Estamos pois na presença dum novo paradigma da alma portuguesa: o mal amado. Esse ser complexo, e jamais redutor, esse ser que só é amado com dor.

Almas onde o carisma só atrapalha, almas onde a crista enerva a maralha.

É bem verdade que «as mitologias de estado jamais apagam os mitos que moram no íntimo coração dos povos», por isso eu penso que Baía e Santana ainda poderão vir a ser o aconchego mítico daqueles que se viram despojados da solidariedade dos seus pares. Mostrarão o que vale uma alma bem calafetada com o perfume do sofrimento, com o betume da injustiça e com a força da pi....bem, adiante;

Tal como Baía era o que sofria

belos frangos mas sempre com galhardia, ( reparem que “frangos da guia” teria rimado, mas eu evitei o despropósito por respeito) era o que confiava no golpe de vista ao jeito do piscar d’olho duma criança,

Santana, certamente também, da elegância será refém,

e não nos desiludirá, e sairá aos cruzamentos dos analistas como uma corça segura, e deixará passar os remates rasteiros da oposição banal com o olhar tranquilo dum eremita medieval ( um bocadinho forçada esta...) Ponhamos o nosso enlevo nestas almas incompreendidas, nestas almas do conforto banidas, nestas almas que se alavancam nos sentimentos que a outros perturbariam ou mesmo condenariam.

E eu ainda nem acredito bem que escrevi isto, apesar de estar bem visto.

Uma das coisas boas dos dias que correm é que finalmente todos sabem quem são os bons e quem são os maus e, haja Deus, todos querem ser dos bons. Como vivemos então dias de moralidade controlada e estável, eu posso dedicar-me à mera parvoíce. No entanto, eu “temo” é que – adaptando o que Pascal Quignard dizia nas “Tábuas de buxo de Apronenia Avitia” – os esclarecidos que apresentam os “pêlos do cu muito eriçados se calhar vivem de alma depilada”.





Dopados & Cia



O País estava em transe. Ninguém acreditava que pudéssemos ter caído nas malhas do doping. Mas o resultado era inequívoco: uso indevido de santanoides analopeslisantes. Tinham vindo colher uma mijadela do Mondego para as análises, não poderia haver confusão, aquilo era tudo urina nacional. E logo agora que parecia ir tudo tão bem.



Telmo Correia com as suas boquinhas tinha atraído maciçamente o turismo gay para a “costa vicentina” – nome esse que se tornou da ordem do fetiche sado-maso com a chamada “chicotada à porto covo”. O novo “Ministério das Crianças” tinha libertado o país do estigma pedófilo, e agora os pais até já podiam sair à rua com os filhos piquenos deixando-os nos baloiços ao pé de senhores de barba muito bem escanhoada e lábios luzidios – eram todos funcionários do ministério, não haveria qualquer problema – o lema da campanha tinha sido: “em cada baloiço um amigo”.


Mas agora a consternação era geral. Ninguém se conformava. LNobre Guedes, ministro fada-revelação do ambiente, exigiu imediatamente uma contra análise porque disse que tinha visto JPPereira à sucapa a fazer uma mijinha na barragem da Aguieira. Mas JLArnault lembrou - e muito bem - que desde que JSócrates tinha mandado fazer aterros em tudo que era sítio, a urina nacional nunca mais se tinha recomposto pois a drenagem dos ditos aterros era péssima, e as Etar’s faziam parte do lobby socialista que, ficou assim – pelos vistos - com a merda toda sobre controle. Mas BagãoF é que estava completamente inconsolável. «Fui eu, fui eu» dizia o pobre, assolado pelos efeitos duma mente dominada pelos escrúpulos. «Lembram-se de quando eu alterei a reforma para os 125 anos? E o cálculo era feito com base nos piores 15 dos últimos 50, e ponderados pelos melhores 12 dos piores 30 do meio, arredondado por defeito». «Sim, sim lembro-me muito bem, meu cab...» disse o “jovem” ABarreto. «Bem, eu ia na rua e duas velhotas atacaram-me ferozmente com umas bengalas; então eu acabei por ter de ir comprar uns Nimed à pressa, e foi ali um indiano no Rossio que mos vendeu. Eu na altura estranhei porque na caixa vinha escrito Nimerde, mas ele disse-me que era uma série só com problemas de tipografia e que assim custava menos 10%. Andei foi a cagar fininho mais de 15 dias. Já nem consigo olhar para o país de frente!». «Mas isso também tem o seu quê de bom» adiantou o apessoado Negrão. «Tu de frente és feio como um chaparro e tens pinta de fuinha, aguenta-te de perfil e já é um pau»


O ambiente começava a ficar tenso, confuso e descontrolado. Portas fazia o nó da gravata pela 10ª vez porque ia falar à nação sobre o já apelidado “caso mijagate”, e ia propor a sua ideia de algaliar a oposição para que esta não pudesse misturar a sua mijinha com o líquido puro que emanava do corpo são e piedoso dos portugueses que estavam incondicionais com o governo da nação. Esta proposta tinha sido acolhida com entusiasmo, pois todos ansiavam por ver o dia em que MMCarrilho teria de esconder o saquinho da urina debaixo do xaile da BarbaraG. Todos confiavam na capacidade mediática e persuasiva de Portas. No dedo em riste, na cara séria de estadista compenetrado, no olhar perfurante e visionário, na convicção dos valores. Uma verdadeira cartilha com pernas. As riscas dos seus fatos eram perfeitas linhas de rumo para a nação.
Entretanto Antº Monteiro não quis deixar de relembrar o que já tinha avisado – quase que a prever este desfecho vergonhoso para a nação de Gama & Cabral & Camões & Cia - «eu bem disse que a área do laboratórios de análises não devia estar no Min. da Saúde mas sim no dos Negócios Estrangeiros!» Pois é pensava MSarmento «Nunca demos o devido valor à tua experiência de chafurdar na merda que é a política internacional; consegues cheirar uma acidez amoníaca à distância!» Foi então aí que o espectro de MSTavares começou a ensombrar a sala do poder. «Será que o gajo já emigrou mesmo, e não terá sido quando o avião passou por cima da Serra da Estrela que o sacana mijou aquela azeda verborreia para a nascente do Mondego e só para nos lixar?». MariaJBustorff estava deveras incomodada coma situação e com o palavreado. «Valha-me Deus, santanoides analopeslisantes é que é mesmo chato. Ainda se fosse assim uma substância mascarante ou assim, parecida com aquelas que eu usava lá na fundação RES para fingir que os contadores indo-portugueses eram antigos e que as cadeiras Biedermeyer não eram feitas ali numa marcenaria a Campolide, nesse caso talvez nos safássemos, podíamos dizer que o país tinha de recuperar a sua imagem, tinha de mostrar que fazia a fusão entre a força da tradição e a energia da modernidade...»


Mas esperava-se mesmo era uma palavra do novo timoneiro. Do homem da seringa mágica e purgadora. Mas este teimava no seu silêncio, afeiçoara-se ao seu novo ar circunspecto, criando à sua volta um halo de serenidade , sensualidade, sedução e mesmo de alguma religiosidade oriental. Só que temia-se realmente por um diagnóstico de impotência precoce provocada pela sua erecção demasiado rápida e inesperada ao poder. Temia-se pela sua utilização de catalizadores sexuais em excesso. Temia-se que o país tivesse caído numa salada aviagrada. E agora não havia um padre Melícias para benzer a nova química do poder! O país estaria mesmo dopado? A nossa pujança seria mesmo apenas fruto dum artificialismo sintético, duma “malandrolona” qualquer! Ou estaríamos na esteira duma nova governação de griffe, em que todos os nossos sonhos seriam projectados como festas pirotécnicas de verão na fábrica do inglês! Será que éramos agora mesmo o paraíso que alguns invejosos teimavam em peregrinar num santanário de desgraças, ou teríamos caído realmente nas malhas dum doping cruel, que iríamos pagar mais tarde quando víssemos o nosso corpo atlético de quem “deu novos mundos ao mundo” a ficar balofo, e tínhamo-nos mesmo transformado nas mamas descaídas da civilização europeia, ansiando esbugalhados pelo implante racional e esclarecido do silicone pachequiano & cia.

Pedem agora contenção à governação. Será certamente contenção urinária. O país doravante não mijará mais para os analistas.
Posta restante: "Não se cai no ridículo, sobe-se no ridículo." - António Ferro (Teoria da indiferença – da arte e da vida)

O direito de resposta #2

A-da-Gorda, 16 de Julho de 2004

Meu caro senhor Félix

A sua atenção e dedicação só se compara à dos suspiros de amêndoa que se me colam ao tabuleiro por mais farinha que lhes ponha por baixo e deixe-me dizer-lhe que agora até fiquei com pena de não os ter tido ao balcão para que os pudesse provar mas lá em casa comem-nos todos antes do amanhecer e, quando me ponho a pensar sobre o assunto, concluo que seja por causa da Lua. Não, eles não uivam à Lua como os poetas e os cães! Comem, simplesmente. Fica assim a perceber por que tenho tanto trabalho na cozinha com tão pouco material no balcão; mas, veja se percebe, o que tenho é com muita atenção aos desejos da clientela. Aliás, já que fala nas "tartelettes" de "causa e efeito" é bom de ver que só as faço por pedido expresso e para clientes muito especiais; às vezes lá sobram e há quem as prove mas é mesmo por acaso e deve ser por caírem fora do tempo que fazem azia; também pode ser por caírem fora do prato ou por causa da carne utilizada, há quem se dê bem e quem se dê mal, já se sabe que é uma questão de estômago para pratos reaquecidos feitos a partir de restos. Por outro lado não quero deixar passar a oportunidade sem lhe recordar que faço pratos de encomenda e, por conseguinte, bastará que me envie o aforismo que pretende revisto e esforçar-me-ei por decorá-lo a seu contento ainda que seja com uma imagenzinha do "menino-das-lágrimas" que, pinderiquice por pinderiquice, vai a dar no mesmo que o cavaleiro solitário do Sahara ou que algumas coisas que aquela mocinha que ainda não decidiu se é inglesa ou portuguesa, uma Isabelinha que tem uma revista, costuma escrever. Já a Inês é mais "fazes-me-falta", sempre um molho de belo efeito como tempero de saladas até quando se sem moderação ou quando se pretende um efeito garantido no polvilhar dos confettis. A Betinha, a mocinha brasileira da oficina de automóveis onde vou, hoje também me recomendava que usasse um novo produto cuja representação ela tem por cá e que vende muito bem: um "topping" para os gelados com o nome genérico "m'apaixonêporsuaspalavras" mas que existe em vários sabores e texturas que incluem variantes sem palavras. Nem lhe digo nem lhe conto! é cada vez mais difícil gerir a doçaria do pronto-a-comer com tanta oferta rica em adoçantes artificiais no mercado mantendo o cuidado de não exagerar, para mais ou para menos, no de cana. Gosto muito de o saber vivo e de boa saúde e daqui lhe envio, soprado como faria a uma peninha de colibri perdida na ponta dos meus dedos (é da alergia a peninhas e coisas assim, sabe? mas com Claritine bem doseado e mantendo-me longe da causa passa depressa), um beijinho doce como o dos "ziguezagues" azeitados que a Micas sempre me recomendou que fizesse para amaciar, perdão, cativar os clientes antes de lhes apresentar a conta.
Atenciosamente à sua disposição,
Carlota S.


Servido por Posta restante. # 08:30
Posta restante: "Não se cai no ridículo, sobe-se no ridículo." - António Ferro (Teoria da indiferença – da arte e da vida)

O correio dos leitores #2

Oliveira de Cruzes, aos 15 de Julho de 2004

Dª Carlota

Ai gostei tanto de ir ao seu estabelecimento esta semana. Então e não é que encontrei lá aquele rapaz o P. Rolo Duarte. Como eu gosto do ver trabalhar. Praticamente não sou capaz de ter nenhuma ideia sem que ele tivesse pensado nela antes. E sempre a falar do filhinho dele, aquilo sim deve ser um pai esmerado. Aquele salame maravilhoso que a senhora lá serve é dedicado a ele, não é? Mas o que eu gostei mais foi da fotografia do cavaleiro no deserto. Vou-lhe fazer uma confidência, sabe que fiquei a pensar que era eu, ali solitário entregue às dunas, sem me preocupar com os meus horários e as minhas canseiras, e esperar que o acaso me trouxesse a minha mata-hari com segredos fascinantes. Tipo um piropo num redemoinho do siroco, ai o que faz ter uma musa assim que quase versejo. Aquilo é tão interactivo que até me saltou uma areiazita para o olho, mas esfreguei e passou, felizmente era amanteigada. Mas minha querida, aqueles seus pastelinhos da “revisão de aforismos” deixam-me sempre de água na boca e qualquer dia peço-lhe a receita sabe. O meu sonho era fazer um aforismo para a senhora poder rever. Com a receita desses bolinhos já deve ter comprado toda a colecção da Teresinha não? Olhe, e nem me posso esquecer, um rapaz que eu conheci noutro dia quando fui renovar o meu stock de buchas no AKI, até me comentou «tu conheces aquela moça dos dois m’s que tem um pronto-a-comer, gosto imenso daquela tarte dela das “causas e efeitos”, só que fico sempre com uma azia desgraçada». Eu fiquei logo à rasca, porque aquilo às vezes também me dá crises de refluxo gástrico, e até porque comecei a pensar que os dois m’s eram de Marina Mota e fiz de conta que não a conhecia, mas agora que sei que o verdadeiro nome é D. Carlota, deu-se-me um alívio que até vou convidar o meu amigo para uma cerveja quando terminar de forrar a minha marquise. Olhe acabei por tomar All-Bran como me recomendou, mas chiça que aquilo é enjoativo, continuo a preferir os anti espasmódicos que a minha vizinha de baixo me arranja com as receitas da caixa dum médico amigo dela que por acaso até também lê blogs como o Abrupto e assim, e até já lhe escreveu um mail mas acho que não foi publicado porque ele se descaiu e escreveu “merda”. Olhe sabe que a minha miúda também vai à Licas a esteticista, e soube que a senhora é muito boa cliente e que lhe empresta os livros da Inês Pedrosa e assim. Parece que essa escritora também lhe mudou a vida e passou a olhar para o mundo sem verniz, sem rímel, só com a pureza dos dias (esta frase “dos dias” vi numa sobremesa que a senhora de vez em quando recomenda lá no seu estabelecimento, quando o cozinheiro “de turno” é aquele muito apessoado e assim). Mas querida Carlota, posso chamá-la assim não posso? ou será que ainda levo com uma dose de “causa e efeito”, ai como eu adorava credo, até encadernava ao pé dum poema que um dia a minha vizinha do lado me fez quando acabou de ler um livro daquela moça a Natália Correia, credo que ela era esquisita, a minha miuda até me disse que ela era ..., cruzes, que essas coisas fazem-me tanta impressão, valha-me Deus. Olhe despeço-me por hoje e até fica a conhecer o meu verdadeiro nome,

Seu admirador confesso

Félix Manápulas

Servido por Posta restante. # 08:30
Apenas Paneleirices. Para desenjoar.



Eu tenho de reconhecer que já li esse panasca do Proust. Não o devia ter feito, mas sucumbi à força da curiosidade juvenil. Ora o que se passa é que eu li aquilo quando era puto, e estava-se mesmo a ver, o gajo não tinha quaisquer hipóteses, eu tinha acabado de sair da Enid Blyton e estava a entremear o Júlio Verne com a Agatha Christie. O “florzinhas” caiu ali como uma andorinha de pena mordiscada, a bater asas que nem um colibri! Só me ria, entre sandes de mortadela manhosa que era o castigo que a minha avó me dava por eu lhe ter mentido em relação à catequese.

E sabem como é que eu caí naquilo? Foi mesmo coisa de puto (ou de cinquentão, vendo bem...). Estava numa livraria, peguei no livro por engano pensando que eram as “Viagens com Charley” do Steinbeck, e eis senão quando vejo uma miúda toda engraçadinha a olhar para mim embasbacada. Foda-se, comprei logo o 1º e o 2º volume! Claro, ia dando aquele ar de que tinha perdido os meus e que não podia passar sem eles, representavam muito no meu imaginário e assim. Mas o pior estava para vir, o meu pai deu-se conta de que eu tinha comprado aquela trampa! Começaram-se-lhe a meter macaquinhos na cabeça, pôs-se a dizer à minha mãezinha que eu andava de rédea muito solta, quem eram os meus amigos, e que as desgraças se dão em qualquer família, e que ela ainda havia de se arrepender de me ter tirado dos escuteiros quando cai desamparado duma gruta ali para os lados da praia da Adraga. Mas eu pensava, o meu pai não deve estar bem a ver a coisa, se calhar estava era com inveja por nunca se ter lembrado daquilo com a minha mãe, e se só de pegar no livro tinha dado aquele efeito na miúda, então se eu o lesse mesmo caíam eram todas que nem tordas! Vai daí, bem escondidinho entre as páginas ora do Blake & Mortimer, ora do Príncipe Valente lá fui lendo aquela xaropada enjoativa, verborosa, cheia de salamaleques amaneirados e que mostra o lado mau da alma: ou seja o seu lado ajardinado e inconsequente. Mas porra, eu por um lado não me esquecia dos olhos da gajita, mas por outro lado o medo de ficar apanascado começava a assolar-me o espírito. Não podia dizer a ninguém que andava a ler aquilo, porque os cabrões – que eram mais velhos - punham-me logo a jogar à baliza, e eu sabia que só me realizava como homem na posição de extremo esquerdo. Mas repentinamente começou a passar-se uma coisa: aquela merda dava-me para rir! No fundo aquilo era uma brincadeira de rodriguinhos com sensibilidades paridas ao ritmo dos nasceres do sol, que dão sempre no que dão ( hegelianismos vendo bem), e nem faziam sangue, nem doer, nem nada; só que as palavras que eu não sabia o que queriam dizer eram aos magotes, e se me vissem em casa a ir consultar um dicionário, então é que era colégio interno directamente! E depois ainda tive o desgosto de vir a saber que a miúda da livraria já tinha namorado! Já nada fazia sentido. Acabei por cagar naquilo. Mantive-me muito homem, e fui beber umas cervejolas com o meu pai que se sentiu bem mais reconfortado.

Quem procura o tempo que perdeu acaba sempre por pisar caca. Mas quem não procura o tempo que perdeu ficará sempre com um sabor amargo na boca. Ir e vir, eis a nossa condição.
Isto não se vai perceber nada, mas vendo bem não sou o único.

Ou: caraças, não leio mais blogs à noite



Será que Pacheco Pereira anda a beber do mesmo que Freitas do Amaral?

Ou será que leu Hegel nos intervalos entre duas bicas, Camus e S. João da Cruz (juro que não fiz de propósito para rimar)

O que tem força Sr. Dr. Pacheco Pereira não é o “é”, o que tem força é a “pura possibilidade”. O “é” é apenas um filho da circunstância já em fase de esmorecimento. O ser não tem força intrínseca, e só a ironia do pode ser (olhe lá anda-se a esforçar, hem!) é que ainda dá um bocadito de gás à existência (também é verdade que Sartre depois caiu demasiado nessa esparrela, mas compreende-se porque nessa altura ainda não havia a SIC notícias)

Mesmo Deus que será o “puro ser”, não dá para esse peditório, e mostra que não quer abafar nem a “existência”, nem a “história”, nem o “mal” (seja lá o que essa coisa for). Só se traumatiza com a recuperação do argumento hegeliano quem não entende que a nossa condição não é metafísico-independente, mas sim biológico-dependente: quase que Aristóteles já explica, todos somos o que o nosso estômago faz por nós. Uns têm de viver ruminando numa eterna acidez, outros filtram e lambem-se.

Balançar entre o “tudo ser meramente inevitável” ou o “tudo ser absolutamente evitável” é apenas jogar com as palavras que adornam a nossa condição. Essa história do “é”, já era! Hegelianos de direita? Isso agora já deve ser uma marca de rebuçados, não? Venha outra. Já nem fazem fados com isso. (Olha agora o S. Tomás riu-se...). Ser também é esforçar-se, é espreitar, driblar e avançar, não é apenas viver esgueirado fugindo ao fora de jogo, protegido pela mesma ambiguidade que “os outros” usam nas palavras armadas ao pingarelho. E inevitável, reparo agora, é eu ficar com sono depois de ter escrito esta porcaria. Felizmente é à borla.

Por estrita imposição médica tive de voltar às gajas inacessíveis



Fui à consulta de rotina da Drª Girassol, e ela advertiu-me que: ou eu começava a tratar dos assuntos sérios seriamente, ou ia terminar a contar anedotas sobre enfermeiras no circo Chen, e mesmo assim só me punham naquelas sessões em que os bilhetes eram oferecidos às viúvas dos flautistas da banda da Carris. E ainda para mais ela estava furiosa porque eu agora m'andava a meter com pessoas que não conheço, só que já ninguém tem pachorra para as minhas tiradinhas armado ao engraçadinho, e então a única safa possível que tenho é usar da minha farta experiência mediurnica para disponibilizar às hostes, que andam arrepiadinhas com a antevisão da forquilha populista do demónio santanista, alguns pontos de socorro da mitologia do feminino. Sim porque o Sol quando nasce é para todos (será isto um mito populista de esquerda?) As verdadeiras mulheres fatais, as que nos poderão então encantar os dias, no dicionário não ilustrado, entradas 818 a 827





Fadas boas – As que gostam de provar o sabor das tartes em meia cozedura lambendo-as primeiro nas suas varinhas mágicas. Quando as tiram do forno vêm fofinhas e derretem-se todas. Os homens bem apessoados que lhes caem na forma raramente têm dificuldades na vida porque essas fadas estão treinadas a descalçar botas.



Bruxas más – Grandes malandras que andam armadilhadas com fusos amaldiçoados e que não vão descansar enquanto não picarem a primeira princesa que se candidate ao PS. O pior é se o beijo do despertar ainda for uma prerrogativa do príncipe Soares. Mas vendo bem, não custa nada, fechem os olhos e pensem que é a Barbara Guimarães. (se vos aparecer a imagem da AnaGomes ofereçam outra vez a mãozinha à bruxa)



Deusas (“amigas tipo”) – As que nos põem as estrelas da pop a vir comer à mãozinha, e sacam benzeduras de primeira água, ou seja das que fazem a água benta parecer mera água oxigenada



Anjas da guarda – Toda a alma que se preze inveja a multiplicidade do feminino, isto é certo. Mas o “retorno” ao estado angélico acaba por ser o desejo secreto de qualquer mulher. Geralmente quem se oferece para tomar conta das asas dessas meninas prendadas enquanto elas se penteiam acaba a cuspir as penas. Os mais endiabrados ficam com elas – as penas - entaladas nos dentes e a rosnar.



Feiticeiras – Especialistas em falinhas mansas e palavras difíceis, cobrem-nos com o seu voluptuoso manto, simulando a protecção dos ventos ciclónicos, mas depois há rapaziada que fica tão dependente do seu abafo que já não sabe viver ao relento.



Grandes sacerdotisas – Acabadinhas de sair do Tarot já um bocadito com os copos, mas como trazem os olhinhos aluarados a brilhar continuam a conseguir reflectir o que nos vai na alma. Não recomendáveis a homens que vivem de peito feito.



Sereias & Ninfas – Raparigas que produzem tais mareamentos que já nem se lá vai com Nausefe. Os homens que se gabam de que não vão com duas cantigas, o melhor é nunca as apanharem a passear-se junto aos cacilheiros dos dias, porque irão acabar sempre a pedir que lhes segurem na testa e agarrem no estômago, e não é por causa do melão que apanharam a meio da travessia.



Sibilas & Pitonisas – As que tratam o futuro como quem come tremoços, e geralmente provocam espasmos intestinais a quem lhes quer comer também as cascas, e que em vez de cervejola prefere a aguinha sulfurosa das termas. Recomendadas a comentadores com crises de deficit de previsão.



Sherazades – As que nos vão contando histórias de encantar e nos adiam a morte com inimagináveis cenas de sexo olímpico-nirvanico. São as mais desejadas pelos políticos que gostam de governar por detrás do véu, mas que adoram que lhes façam festinhas no cabelo.



Cinderelas – As que fingem fugir ao bater da meia noite, mas que no fundo não resistem a um sapatinho novo. São as ideais para homens de calçadeira em riste que procuram dar largas à sua indigitação.

Foetor, foetoris

Li uns blogs e apeteceu-me...



Eu estou muito solidário com Sampaio, até que estou sim senhor. Fico inclusive com pena quando brincam com ele como agora até vi um tal de cómico RAP, a ser citado por tudo o que é lado, numa infeliz comparação entre o choro sentido do compenetrado condecorador de jogadores da bola, e a sua ausência de comoção no momento em que nos condenou à tal governação santanada. Certamente esse Sampaio é o mesmo que se ri das tuas piadinhas, RAP, o mesmo que se calhar até já disse «olha ali está um comuna com jeito para a chalaça». Olha RAP, quando Deus Nosso senhor te forneceu esse dom de dobrares o intestino àqueles que arrastam a barriguinha pela sensaboria dos dias, avisou-te certamente que devias respeitar os que se entregam de alma e coração à causa pública, aqueles que nem podem esboçar um sorrisinho malandro quando vêem a mulher vestida pelo Augustus, e que têm de reprimir em público o riso provocado pelas anedotas porcas que lhes contam nas visitas aos lares da Misericórdia. Não se deve brincar com as pessoas importantes que têm responsabilidades e as abraçam desinteressadamente; eu gostava de te ver se também tivesses de ouvir o Freitas do Amaral depois de ele ter bebido o que agora deve andar a beber ( droga também não acredito, valha-me Deus), nem uma piada de alentejanos conseguias esgalhar, e se calhar até pintavas o cabelo também. As decisões dum lobo solitário do poder têm de ser acarinhadas, não podem ficar ao abrigo de humoristas sem escrúpulos, que tudo fazem para instrumentalizar o mundo, e pô-lo à mercê da sua piadinha fabricada em prol das ideias que lhes meteram na cabeça quando eram pequeninos, sim porque me disseram que os humoristas têm de ficar pequeninos para toda a vida, pois na época do defeso podem ter de ir fazer uns ganchos ao sítio do picapau amarelo. Eu sou contra a promiscuidade da política com os meninos que têm de fazer piadolas para comer em restaurantes de marca. O humor deveria servir causas mais nobres: o ambiente, o apoio à terceira idade, a falta de zonas ajardinadas, a condição feminina, a falta de condições nas urgências, a merda do adsl que se está sempre a ir abaixo, e o etcetera (que é o sagrado nome de Deus que o "Cruzes Canhoto" usava mas já se esqueceu), e porra que eu agora tenho de desligar porque fiquei em ir almoçar com a minha mãezinha.

Posta restante: "Não se cai no ridículo, sobe-se no ridículo." - António Ferro (Teoria da indiferença – da arte e da vida)

O direito de resposta #1

A-da-Gorda, 11 de Julho de 2004

Meu caro senhor F. M.

Como sabe é da mais elementar regra de "netiquette" responder a um e-mail e, como tal, vou tentar ajudá-lo a aliviar-se de dramas. Antes de mais, só a sua extrema bondade, aliada à sua pertinaz ironia, podem permitir um tal juízo sobre aquilo a que chama, com alguma impropriedade, "o meu blog". Fazendo fé na sua inteligência, amplamente demonstrada na missiva que me dirige, reconhecerá o seu engano ao chamar "blog" (andei a ligar às amigas todas para perceber a que se referia) ao meu pequeno estabelecimento de "pronto-a-comer". Não sei se tem ideia mas é com ele que pago as contas daquela esteticista minha amiga que mora para os lados de Torres e compro uns sapatitos na Terezinha.

No entanto, as suas referências ao "menu" deixaram-me seriamente preocupada: séries de #? Fala certamente dos pastelinhos mas o # é só para que os clientes percebam que se podem adquirir à dúzia e com desconto. O "Houellebeck" é um pastelão afrancesado para consumo por uns clientes que gostam muito de picantes a atirar ao "urban-chic" (aprendi esta palavra com a Licas, a esteticista). As tiradas a que se refere devem ser as de "pão de rala" que às vezes me sai mais esboroado e com um vago sabor a peixe por causa da chila que é alérgica a metais e se me enrola toda com o ponto de pérola do açúcar. Pratos com terminação em "an", tipo Cioran, são como os anti-eméticos, como deve saber, e tendem a provocar efeitos extrapiramidais em pessoas sensíveis (como crises espásticas agudas) mas passa tudo depressa com muito cházinho preto e um antídoto adequado (foi assim que trataram o meu irmão quando teve a primeira e última porque depois dedicou-se ao Hulk e nunca mais teve nenhuma). Evite é a água das termas, pela sua rica saúde: um fino ainda vá, é coisa de homem, agora água morna a saber a enxofre fazer bem? Valha-o o santo que aquilo é coisa para...

Não se preocupe com a sua tentativa de fazer piadas, por quem é! não conseguiu fazer nenhuma o que, suponho, o deixará muito mais aliviado. Por outro lado, e pelo que percebi das suas palavras, parece-me ser dado a reparações domésticas o que o converte num admirador com elevado interesse: como sabe, hoje em dia, é muito difícil arranjar quem nos faça a manutenção das torneiras e quando as coisas correm mal desatam a pingar; parece que foram todos ao futebol (ao menos isso) mas olhe que acho aquilo muito suspeito, um monte de homens sentados numas bancadas a gritarem para outros que andam meio-despidos a correr na relva - havia um filme que se chamava "Esplendor na relva" mas nesse só havia um homem e era podre de bom - e de vez em quando levantam-se todos e põem-se aos abraços uns aos outros e gritam como se estivessem numa orgia, enfim estou a desviar-me do essencial...

De serralheiro é que não estou a ver que precise, obrigada, mas esses também têm um problema que é estarem sempre a bater na forja que deve ser a única forma que arranjam de convencer o ferro a fazer-lhes a vontade... e lá me estou a desviar de novo...
Não maça nada, como é evidente, até porque todas as críticas são bem-vindas e permitem a melhoria do atendimento e já se sabe que o livro amarelo é sempre de evitar por causa das multas apesar de os fiscais ficarem um pouco esquecidos dele quando se lhes põe um prato de esparregado e um écran na frente. Também não maça porque estou um bocadito desafogada agora que a Micas voltou ao serviço e já me anda pela casa a salgar a comida para além da conta o que aumenta o consumo das bebidas, e lá me estou a desviar...

Mas olhe, uma recomendaçãozita a não deitar fora: o seu intestino pode estar apenas a precisar de All-Bran, percebe? É que há pessoas muito sensíveis e não aguentam muitas especiarias.

P'lo Azul Cobalto, S.A., um abraço da tia

Carlota S.


Servido por Posta restante. # 08:30
Do fascínio. Quem precisa dele para viver está condenado a ser um eterno parvo. Será refém dos “milagres do Sol”, ansiando sempre pelo revirar dos olhos como se fosse uma alma em versão "flipper". Os “fascínoras”, que suspiram por sinais exteriores de deslumbramento, acabam por se arrastar agarradinhos a um ensimesmamento parolo, que por vezes lá vão disfarçando com a dose de frases feitas que lhes aviaram nas catequeses do amanhecer dos dias. Mas como não conseguem alimentar a alma com o sereno dobrar das esquinas dum quarteirão qualquer, continuam a sonhar com os desfiles em palácios que nunca mais terão e, mal dos males, até podem correr o risco de passar ao lado da arca do tesouro só porque ela não aparece engalanada num altar iluminado pelos reclames do êxtase.

Tal como não é preciso rasgar as vestes para exorcizar o escândalo, também não é preciso fazer três tendas no deserto – acompanhado de profetas ou não - para ser mordido pela serpente encantada. Tristes dos que vivem da importação de astronomias fluorescentes para a alma. A verdadeira gravidade está no olhar simples, aberto, inspirado, sereno, inteligentemente atrevido, terno e até duro que se esconde e revela num penetrante mas irrequieto pestanejar amigo. As verdadeiras cumplicidades não são manipuláveis, os fascínios sim.

A situação política em três penadas

Mais uma de bónus, para ajudar à retoma



1. Versão técnica

O poder serve para ser comprado ou exercido. O resto é comentário político



2. Versão piada de bloguista

As Anas Gomes pedem o escalpe de Sampaio. Só que com isso não se consegue tecer nem um tapete de casa de banho. ( é pá "ninguém" faz uma dedicatória num artigo de jornal à frontalidade desta moça)



3. Versão profunda

Todos os Herodes acabam por se deixar levar por Salomés, mas na bandeja nem sempre está a cabeça dum João Baptista. Só os déspotas produzem mártires, a democracia produz bananas.



4. Versão minimalista

eheheh

Posta restante: "Não se cai no ridículo, sobe-se no ridículo." - António Ferro (Teoria da indiferença – da arte e da vida)

O correio dos leitores #1

Oliveira de Cruzes, aos 10 de Julho de 2004

Olhe menina m. gostei muito do seu blog. Não é nada como o das outras meninas que estão sempre com parvoíces, a falar das suas frivolidadezinhas, e às vezes até a meterem-se com rapazes o que não é de bom tom. Aprecio muito as suas "séries de #", só que como já tem tantas até tive de meter baixa no serviço para poder acompanhar. Mas foi tempo bem empregue porque acabei por descobrir os poemas dum houllebeck, que agora nem sei escrever bem o nome, valha-me Deus que homem tão inteligente, fico-lhe grato para toda a vida. Nem a menina sabe o bem que me faz com aquelas suas tiradas que eu não apanho nada, eu que tenho a mania que apanho tudo, acho que é da parte da minha mãe que era muito magnética, e fico ali a olhar para aquilo e nem me dá sono nem nada como com o coitado do Sampaio, que faz concorrência ao "Lexotan" e já hoje a "Roche" se veio queixar que assim não vende mais comprimidos. Desculpe eu estar assim a tentar fazer umas piadas consigo, mas pronto noutro dia disseram-me que temos de ser engraçados com as meninas e as senhoras senão elas pensam que nós não somos inteligentes e que não servimos senão para arranjar as torneiras quando estão a pingar. E eu até que pronto é primeira vez que lhe estou a escrever e não queria que pensasse que era apenas mais um dos seus admiradores e que não lhe conseguia escrever nada de interesse, que até sou tímido sim, mas a senhora também não dá muita margem e impõe muita distância, mas a mulher dum serralheiro meu amigo disse-me que as mulheres assim são as que precisam de mais atenção, e então eu pensei vou-lhe escrever para a menina m. ver que há quem a compreenda e assim. Eu peço-lhe é pela sua rica saúde que não ponha mais nada daquele seu amigo com nome de supositório o Cioran ou lá que é, porque me dá sempre um arrepio na espinha e eu sou de nervos fracos que até já andei num tratamento à base de choques eléctricos só que não deu em nada, mas para as termas também não posso porque dou-me muito mal a beber água morna pela manhã, ai que coisa que os meus intestinos não se dão nada bem com aquilo, mas desculpe se calhar estou a maçá-la e deve ser tão ocupada com as suas viagens e as suas fotografias e assim, e a minha tripa se calhar não lhe interessa.

F. M.

Servido por Posta restante. # 08:30
Já nos primórdios (bela palavra) deste blog eu tinha aflorado (outra bela palavra ) a temática ( outra ) da atitude presidencial; ou seja, este órgão de soberania vive em constante ambiguidade sexual porque o que faz...: falo-enconadamente

O dicionário não ilustrado segue as audiências privadas nas entradas 812 a 817



Raposas velhas – Meros pilhas galinhas engravatados que, vai-se a ver, afinal só queriam canjinha caseira.



Mensageiros Secundários – Artistas armados em descodificadores, mas que pouco mais fazem do que chatear-nos a molécula



Cães de fila – Mamíferos domésticos, que na impossibilidade de serem os verdadeiros danados, arrepiam caminho nos guichets dizendo que vêm da parte do dono



Coninhas – Seres de condição vaginal, que sendo de origem virginal, percorrem um purgatório menstrual e estabilizam menopausicamente.



Pessoas avisadas – Sofisticados sorvedouros de cochichos. Produzem cera para benzer.



Pessoas influentes – São as que acabam com o caudal a desaguar numa represa dando banho às trutas.
O dicionário não ilustrado, quer desfazer a imagem de hermético e virou hoje um bocadinho género decifratário. Entradas 801 a 811.



Hobbes-secados – Rapaziada que está sempre a ver o Estado todo mijadinho, e que gosta de o estender na marquise virada para o quintal, soprando-lhe com o bafo quente da sua clarividência. O pior são as moscas que gostam muito do quentinho do estendal.



Mãos invisíveis – Rapaziada que afaga muito, mas vai-se a ver são meros penteadores da moda



Bons Selvagens – Rapaziada que parece viver com os cabelos ao vento mas que afinal tinha era um capachinho bem colado.



Racio-cínicos – Rapaziada que escorre o pensamento ao serviço da comunidade, mas no fim esquece-se de sacudir... e pronto, já se sabe, deixa sempre nódoa. Acabam geralmente como meros corretores de apróstatas. ( estarei a recalcar alguma vocação escondida para urologista?)



Eminências pardas – Os que pretendem acinzentar as evidências coloridas para fazerem render o peixe e serem os donos dos pregões da moda



Conselheiros – Parideiras do bom critério, sabem mandar fazer força e quanto muito ajudam a gemer.



Videntes – Os que estão para lá da ilusão de óptica, e usam a distância focal a seu belo prazer. Os clientes limitam-se a ir piscando os olhos disfarçando o esgazeamento



Reservas da nação – Os que saem a correr do celeiro quando os namorados começam ardentemente aos guinchos em cima da palha seca.



Homens de mão – Os que coçam as costas do poder sem arranhar muito, aliviando a comichão dos dias e evitando que os pianistas estraguem as unhas



Damas de companhia – As que vão bordando os floreados da colcha com que as princesas do poder cobrem as partes baixas.



Brigada do reumático – Adornadores dos bengaleiros do poder.

Hermético eu?



Há por aí comentadores que vivem Hobbes–secados. Dormem sonhando com o Leviatã, e depois quando julgavam poder ter sido escolhidos para ”mão invisível”, descobrem que o mais que podem servir é para apresentadores do bigbrother do bordel do poder. As “mentes brilhantes” geralmente atafulham de “lei natural” o que podia ser desanuviado com mera malandrice, e levam muitos outros a pensar que são os “bons selvagens”. Vivem do racio–cínico , que é uma das frutas da época. Vamos lá ver se também não foi amaldiçoada pelos novos deuses de turno. Comam disso, comam...

Fiem-se na Sta Sufrágica e não corram.

Fodassopoulos prahistos, ó caraçasteas



Então mas aquelas merdas dos deuses do Olimpo existiam mesmo? Esses panascas complexados, que muitos nem conheciam pai nem mãe, que se acagaçavam todos com uns titãs de esferovite, e que acabaram por se vender aos filmes de desenhos animados para continuarem a poder comprar roupas novas e de marca, agora lembraram-se de vir fornicar um povo abençoado por uma Rainha Santa!? Mas que merda é esta! Esses sacanas que nem conseguiram lugar na última série dos Power Rangers, pensam que são quem! Agora deram em madrinhas de jogadores da bola. Ao ponto que esses gajos se vão rebaixar para chamar a atenção! Têm saudadinhas dos tempos em que comiam caracóis com o Aristóteles, é? Ou será das sardinhadas que faziam com o Homero? (se bem que enjoavam o pimento o que já era sintomático) Agora estão mas é reduzidos a uns fuinhas da porra; são tão deuses como o Narciso (o Miranda, claro) é deus para as peixeiras de Matosinhos. Estou mesmo ali a vê-los a ajudar os jogadores gregos a pôr o gelzinho no penteado para poderem cabecear bem nos cantos, como se o risco ao meio desses cabrões fosse mais um dos trabalhos do Hércules. Fungosos. Qualquer dia ainda lhes espeto com um Nabucodonosor em spray pelas ventas acima. Vão mas é brincar às alegorias com outros meninos do vosso bairro. Ó agora também querem cá ficar para ajudar o Sampaio a fazer os discursos!? Raios parténon esse gajo que também sabe tanto de presidências da república que nem que o Cupido lhe enfiasse uma seta na carola ele descobria as mamas de Vénus. Mais valem dois Santanas a brincar às escondidas no meio dumas colunas dóricas, do que umas eleições bizantinas benzidas às três tabelas por uma procissão de enconadinhos. Parecem-me é todos saídos da “ Castidade” do Giovanni B. Moroni, mas com as mãozinhas molhadas em água quente para amaciar as pelinhas junto às unhas, e fazerem boa figura quando forem votar. Olimpem-se bem todos a essas deusas da democracia ó paneleiríades! E que Deus me perdoe. Outra vez.

Pronto, vá lá.



Sou uma alma incompetente e por isso não aprecio especialmente poesia. Encontro-lhe as palavras demasiado reféns do efeito, e simultaneamente demasiado carrascas para as causas. A poesia também me escandaliza um pouco porque vive de forma excessiva a promiscuidade com a imaginação, abrindo tanto os ângulos que faz tudo parecer uma recta.

Mas mesmo assim hoje o novo dicionário não ilustrado, e por motivos óbvios ( SophiaMB) – que são sempre os melhores – vai tratar dalgumas palavras que dão serventia ao pomposamente chamado discurso poético. Às vezes pisando o risco nas entradas 789 a 800. Apenas.



O mar – Apenas água, que depois de perder a virgindade expõe-se de forma indecorosa, mas que por artes mágicas acaba por ser vista como uma imensa maternidade de ilusões e horizontes.



O rosto – Apenas uma mera grilheta anatómica. Podia ter ficado reduzido à sua condição de maquineta fabricante de identidades, mas à última hora foi repescado para acólito de musas em crise.



As mãos – Apenas as princesas da ambiguidade. Representam o desejo tentacular. São mero sexo escondido numa «concavidade de ser», e disfarçado numa vocação de cesto de «abandono»



A Lua – Apenas um complexo associado à nossa condição de suspensos astronómicos. Acabamos assim por gostar de nos centrar naquilo que apenas anda à volta, e de nos iluminar naquilo que apenas reflecte.



O “Tu” – Apenas o fatídico outro que nos espreita incomodamente, e que para o sacudirmos falamos-lhe de forma directa e pretensiosa, procurando enganá-lo com uma hipócrita atenção.



A solidão – Apenas condição. Feita suave e nobre «desligamento» pela força melódica do palavreado supostamente «inventado no ar» porque temos inveja dos pássaros.



O corpo – Apenas periferia. Mas apresenta-se como a foz do desejo para o rio das palavras. O sonho da poesia é fazer de represa, só que, vai-se a ver, era tudo banhada.



A morte – Apenas mais uma das coisas que não se sabe ao certo o que é. Todos trazem a sua, mas todos a querem sacudir – poeticamente – dizendo que a repetem todos os dias.



A mulher – Apenas um floreado cromossómico, transformado na sensibilidade em estado puro, sempre revestida de pele acetinada, adornada de mente desatinada e dum coração sem açaime



A noite – Apenas a ausência da luz natural. Uns dormem-na mais física ou mais metafisicamente, outros vivem por turnos andando sempre atrás dela como «folha murmurada»



O Jardim – Apenas aquela coisa onde medram as flores, mas onde alguns «perdem o olhar» e outros usam e abusam para fazer balouçar os espíritos ingénuos e mais carentes de cor.



O beijo – Apenas um dos trejeitos postos à disposição dos lábios. Procurando disfarçar o repenicamento sonoro fizeram-no prometer feitiços empolgantes, incêndios de alma, ou êxtases de bilheteira.



Em itálico e com aspas estarão algumas palavras retiradas de poemas de Sophia. A entrada «amor» foi descartada senão a Dra Girassol punha-me outra vez a soro.
Invenções Terapêuticas

...abaixo os "racionamentos semânticos"



A Drª Girassol disse que eu me estava a afastar do tratamento, e que estava a ficar pirrónico sempre a bater na tecla do durón barrueso (nome artístico). Não tarda ainda caía na cirrose santanática, e por isso tinha de atalhar rápido com uns comprimidos novos à base de “pólen de palavreado” que parece darem-se muito bem com o meu organismo



Eu até estou a tomar isto um bocadinho contrariado, mas a Sra dra ainda impõe muito respeitinho e vai daí, toca a desfazer ( senão arranha no gasganete): li no blog modus vivendi:



(...) um homem a valer (...) não pede uma ternura diferente da que é capaz de dar (...) ” de Sándor Márai, in A conversa de Bolzano, ed. Teorema, que eu nunca li, nem faço ideia de quem seja, como de muitos outros dos que lá leio, ao menos não morro estúpido, e que Deus me perdoe, se é que a ignorância tem perdão.





Mas como isso é tão mentira! Um homem assim não presta é para nada. Quem só pede aquilo que saiba também ser capaz de dar, de retribuir, é um mero balancete com pernas. Medroso da dívida, medroso do agradecimento, um eterno desfavorecido. Uma alma levanta-se com a alavanca do desprezo pelos equilíbrios amorosos. Os melhores corações são os divididos. Os que batem válvulas com o sabor da recusa e com o sabor do engano. Os que vivem de luvas, de amores corruptos, e de fidelidades pagas a preço de ouro. O que vale um homem que nunca tenha suplicado por um carinho imerecido. O que vale um homem que nunca se tenha arrastado numa carência estéril e frívola. Um homem que apenas se «consagra (...) aos encantos da vida» parece um tocador de pífaro a acompanhar um xilofone: um parolo do amor, alguém que nunca soube subornar um afecto a que aparentemente não tivesse direito. O amor é um caderno de encargos: só se rentabiliza com as alcavalas, com clientes caprichosos e amantes com espírito de empreiteiro, sempre à coca de poupar no cimento e abusar da lágrima.



E repare Drª Girassol falei sempre com os melhores modos, mas acho que me dava melhor com a outra terapia.

Não me está a apetecer largar-lhe a peúga, por isso vou mesmo ajudar o Zé Manuel a fazer a malinha a mais a sua senhora.



Oh querido, eu gosto muito de ir viajar contigo mas há uma coisa que ainda me está a fazer espécie.

O que é minha flor?

Não percebo como é que o Abramovitch não cobriu a proposta da Comissão Europeia.

O Mourinho acho que lhe disse que não precisava de tradutor. O quê!? Também tenho de levar esse pullover?

Amor! Então esta é a camisolinha de lã que te tricotei quando foste eleito!

Eleições? Quais eleições, não me lembro de nada.

Ai filho, vais ter de levar as cápsulas do magnésio também.

Agora é que estou a ver, achas que podemos pedir ao SLopes para vir cá dar a comida aos peixes?

Ele é um querido, vem cá de certeza, mas olha não te esqueças das cassetes dos malucos do riso porque é muito importante continuares com o teu sentido de humor.

Olha, sabes quem é que me ligou? Foi o Asnar a pedir para não me esquecer dele. Não sei o que hei-de fazer. Para chefe dos bombeiros de Bruxelas já não pode ser porque prometi ao Figueiredo Lopes

Não te esqueças é de levar o Arnault porque pode ser preciso para mudar as lâmpadas dos candeeiros. Olha lá, e estes suspensórios são para quê?

É que se calhar vou ficar com barriguinha por causa dos chocolates, e disseram-me que lá é preciso muito jogo de cintura

Vê lá o que fazes e se engordas muito, porque senão de cherne passas a tamboril. E achas que ainda vais precisar da tua gravata da sorte?

Ah não... agora acho que a MFLeite já me vai deixar comprar roupa nova

Bem me diziam que essa escanzelada é que mandava em ti! O melhor é levares o manual de socorrismo, não te vás também arrepender de teres mandado o Deus Pinheiro para o parlamento europeu. Ele não dá ponto sem nó.

Achas que eu agora também posso continuar a dizer mal do Prodi como fazia com o Guterres?

Não filho, lá fora não fica bem. É o que dizem nas entrevistas da SIC mulher, só cá é que dizemos mal uns dos outros. E se calhar até podíamos convidar o Ferro Rodrigues para vir connosco; ele foi tão bonzinho contigo cá em Portugal.

Ó querida ele é socialista, não posso levá-lo!O Marques Mendes ainda vá que não vá, porque cabe à justa na mala, mas o Ferro ficava com a cabecita de fora e depois nem passava no detector de metais.

Mas coitadinho, vais deixá-lo cá com o SLopes? Isso é uma maldade! Assim eles não ganham nenhuma eleição, já viste!

País de bandeiras desfraldadas, e de almas defraudadas. Vivam a lamechice e os coraçõezinhos de melaço. Vivam os aldrabões e os políticos do bagaço. Vivam os comentadores e as suas dores. Vivam os sapos e os que os têm de engolir.



E dedico isto a... Fatinha Felgueiras ( ou se calhar agora também não posso dedicar um texto a uma mulher política !? )



Outra das boas maneiras de desanuviar é continuar a agradecer. Ao cruzes-canhoto, ao respirar o mesmo ar, à voz do deserto (que ainda me deve uma resposta à “pergunta indiscreta” – eu aguento uma resposta indiscreta também), ao jakinzinhos, ao retórica, ao avatares (Bruno: dia, hora e local, a arma, perdão, a marca da cerveja fica à tua escolha). Todos serão muito mais do que os seus links. Muitos políticos e comentadores já não poderão dizer o mesmo.