Pronto, vá lá.



Sou uma alma incompetente e por isso não aprecio especialmente poesia. Encontro-lhe as palavras demasiado reféns do efeito, e simultaneamente demasiado carrascas para as causas. A poesia também me escandaliza um pouco porque vive de forma excessiva a promiscuidade com a imaginação, abrindo tanto os ângulos que faz tudo parecer uma recta.

Mas mesmo assim hoje o novo dicionário não ilustrado, e por motivos óbvios ( SophiaMB) – que são sempre os melhores – vai tratar dalgumas palavras que dão serventia ao pomposamente chamado discurso poético. Às vezes pisando o risco nas entradas 789 a 800. Apenas.



O mar – Apenas água, que depois de perder a virgindade expõe-se de forma indecorosa, mas que por artes mágicas acaba por ser vista como uma imensa maternidade de ilusões e horizontes.



O rosto – Apenas uma mera grilheta anatómica. Podia ter ficado reduzido à sua condição de maquineta fabricante de identidades, mas à última hora foi repescado para acólito de musas em crise.



As mãos – Apenas as princesas da ambiguidade. Representam o desejo tentacular. São mero sexo escondido numa «concavidade de ser», e disfarçado numa vocação de cesto de «abandono»



A Lua – Apenas um complexo associado à nossa condição de suspensos astronómicos. Acabamos assim por gostar de nos centrar naquilo que apenas anda à volta, e de nos iluminar naquilo que apenas reflecte.



O “Tu” – Apenas o fatídico outro que nos espreita incomodamente, e que para o sacudirmos falamos-lhe de forma directa e pretensiosa, procurando enganá-lo com uma hipócrita atenção.



A solidão – Apenas condição. Feita suave e nobre «desligamento» pela força melódica do palavreado supostamente «inventado no ar» porque temos inveja dos pássaros.



O corpo – Apenas periferia. Mas apresenta-se como a foz do desejo para o rio das palavras. O sonho da poesia é fazer de represa, só que, vai-se a ver, era tudo banhada.



A morte – Apenas mais uma das coisas que não se sabe ao certo o que é. Todos trazem a sua, mas todos a querem sacudir – poeticamente – dizendo que a repetem todos os dias.



A mulher – Apenas um floreado cromossómico, transformado na sensibilidade em estado puro, sempre revestida de pele acetinada, adornada de mente desatinada e dum coração sem açaime



A noite – Apenas a ausência da luz natural. Uns dormem-na mais física ou mais metafisicamente, outros vivem por turnos andando sempre atrás dela como «folha murmurada»



O Jardim – Apenas aquela coisa onde medram as flores, mas onde alguns «perdem o olhar» e outros usam e abusam para fazer balouçar os espíritos ingénuos e mais carentes de cor.



O beijo – Apenas um dos trejeitos postos à disposição dos lábios. Procurando disfarçar o repenicamento sonoro fizeram-no prometer feitiços empolgantes, incêndios de alma, ou êxtases de bilheteira.



Em itálico e com aspas estarão algumas palavras retiradas de poemas de Sophia. A entrada «amor» foi descartada senão a Dra Girassol punha-me outra vez a soro.

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