Discurso de um político anti-populista

 

Em primeiro lugar queria chamar a atenção de que não me vou dirigir a vocês como “portuguesas & portugueses” porque isso é duma ridicularia atroz e para mim vocês serão apenas “utentas & utentes”, ou “contribuintas & contribuintes”, ou “utilizadoras-pagadoras & “utilizadores-pagadores”, abreviando em número e género: escumalha, meros azoinadores dos meus miolos. Depois queria deixar claro que não estou aqui para vos agradar, quero bem é que vocês tenham muitos meninos e que estes sejam dos que não sugam abono de família.



Começo pelo assunto que me é mais caro: a política fiscal. Simples, quem tem chega-se mas é com o dinheirinho à frente, e quem não tem dá o corpinho. Foi abolida a escravatura, reconheço, mas água mole em pedra dura tanto bate até que fura, hão-de cá todos vir comer à mãozinha, como era antigamente.

 
Tenho alguns princípios, poucos é certo, porque mesmo num labirinto que se preze só há um princípio e um fim, mas não queria deixar de dizer o seguinte: não vos considero com nenhum carinho especial, apenas vos suporto; sou sincero apenas porque não me quero dar à trabalheira de vos mentir; no entanto, não cedo a interesses, apenas respondo pelas minhas mais profundas convicções, ou seja, nunca me deixo influenciar pelas 1ªs impressões, e por isso quem quiser sacar algum o melhor é mesmo aparecer em segundo lugar.
 
Eu cá como vêem regulo-me pela minha cabeça, se ela não prestar azar o vosso, eu avisei-vos. Mas fiquem sabendo que o único responsável pela vossa desgraça é este regime macaco que permite a gajos como eu terem acesso ao poder, e já agora vocês aí «oh mal vestidos e com essas câmaras de filmar ao tiracolo, desamparem-me a loja» que eu não sou dos que fazem boquinhas nem dos que se põem a dizer aforismos de ocasião. Captem apenas os meus pensamentos profundos, e para isso basta fazerem-me um clister opaco de dois em dois anos.


Sou liberal desde que não me seringuem o juízo com essa merda da concorrência e dos direitos dos consumidores, e sou intervencionista desde que me falem de finanças públicas só durante o período da Quaresma. Fundamentalmente quero é fazer as minhas coisinhas sem a preocupação de ter de passar mensagem, porque senão sinto-me um modelo de passerelle a abanar as ancas, e poupem-me a adornos sff senão vou para analista político pago à percentagem de share.


As minhas políticas baseiam-se nas primazias, as excepções só servem para incomodar as regras. Não me pagam o suficiente para gerir excepções. Quem se ache excepção, emigre, é para isso que servem os acordos de Shengen e os paraísos fiscais. Assim temos, por exemplo: Na saúde: o primeiro a chegar é o primeiro a ser atendido. Na justiça: o primeiro a ser apanhado é o primeiro a ser julgado. Na educação: os primeiros a acabar os exames têm melhor nota. Na agricultura: o primeiro a enterrar a colheita é o primeiro a receber o subsídio. No poder local: à autarquia que sacar mais graveto dou-lhe a independência ao fim de dois anos. Na cultura: ao que fizer o filme mais longo arranjo-lhe a Juliette Binoche, ao que fizer o mais rápido fica com o Joaquim d’Almeida. E etc, etc, etc, depois se quiserem saber mais consultem o diário da república, do qual – quero avisar - deixa de haver edição electrónica porque eu não estou para alimentar o lobby dos consumíveis informáticos e estou-me a borrifar para o abate das florestas, cada um que trate da sua sombrinha.


Quero reforçar, não terei politicas sociais, porque não acredito nisso de “sociedade”; aliás, todos os cursos de sociologia serão abolidos, o mais que posso garantir é equivalência para as cadeiras com as suas similares em veterinária, pois saber lidar com um rebanho chato, impenitente e manipulavel é uma canseira, e que na maior parte das vezes não merece o pastoreio desprendido e sacrificado de seres de excepção como eu.


Mas ainda tinha de vos dizer isto (se enjoarem já sabem o remédio): eu desprezo a ajuda dos meus amigos e jamais os escolheria para meus adjuntos. A minha alma quase despedaça quando vejo alguém conhecido a ser beneficiado, noutro dia até mandei uma prima minha rasgar um boletim do totoloto em que tinha feito um quatro, não quero confusões, até a sorte é um bem que deve estar ao alcance de todos pela mesma medida.


Como já devem ter reparado, se não repararam são estúpidos e nem merecem o voto que me deram, eu sou uma pessoa de ideias e não de sentimentos. Se por acaso me virem chorar é porque me morreu o cão, jamais vos quererei mobilizar pela via lacrimal, nem nunca me farei de vítima pois para mim está bem claro: as vítimas são vocês.


Têm uma garantia: movo-me por critérios de eficiência, posso foder isto tudo, mas serei rápido.

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