Apenas Paneleirices. Para desenjoar.



Eu tenho de reconhecer que já li esse panasca do Proust. Não o devia ter feito, mas sucumbi à força da curiosidade juvenil. Ora o que se passa é que eu li aquilo quando era puto, e estava-se mesmo a ver, o gajo não tinha quaisquer hipóteses, eu tinha acabado de sair da Enid Blyton e estava a entremear o Júlio Verne com a Agatha Christie. O “florzinhas” caiu ali como uma andorinha de pena mordiscada, a bater asas que nem um colibri! Só me ria, entre sandes de mortadela manhosa que era o castigo que a minha avó me dava por eu lhe ter mentido em relação à catequese.

E sabem como é que eu caí naquilo? Foi mesmo coisa de puto (ou de cinquentão, vendo bem...). Estava numa livraria, peguei no livro por engano pensando que eram as “Viagens com Charley” do Steinbeck, e eis senão quando vejo uma miúda toda engraçadinha a olhar para mim embasbacada. Foda-se, comprei logo o 1º e o 2º volume! Claro, ia dando aquele ar de que tinha perdido os meus e que não podia passar sem eles, representavam muito no meu imaginário e assim. Mas o pior estava para vir, o meu pai deu-se conta de que eu tinha comprado aquela trampa! Começaram-se-lhe a meter macaquinhos na cabeça, pôs-se a dizer à minha mãezinha que eu andava de rédea muito solta, quem eram os meus amigos, e que as desgraças se dão em qualquer família, e que ela ainda havia de se arrepender de me ter tirado dos escuteiros quando cai desamparado duma gruta ali para os lados da praia da Adraga. Mas eu pensava, o meu pai não deve estar bem a ver a coisa, se calhar estava era com inveja por nunca se ter lembrado daquilo com a minha mãe, e se só de pegar no livro tinha dado aquele efeito na miúda, então se eu o lesse mesmo caíam eram todas que nem tordas! Vai daí, bem escondidinho entre as páginas ora do Blake & Mortimer, ora do Príncipe Valente lá fui lendo aquela xaropada enjoativa, verborosa, cheia de salamaleques amaneirados e que mostra o lado mau da alma: ou seja o seu lado ajardinado e inconsequente. Mas porra, eu por um lado não me esquecia dos olhos da gajita, mas por outro lado o medo de ficar apanascado começava a assolar-me o espírito. Não podia dizer a ninguém que andava a ler aquilo, porque os cabrões – que eram mais velhos - punham-me logo a jogar à baliza, e eu sabia que só me realizava como homem na posição de extremo esquerdo. Mas repentinamente começou a passar-se uma coisa: aquela merda dava-me para rir! No fundo aquilo era uma brincadeira de rodriguinhos com sensibilidades paridas ao ritmo dos nasceres do sol, que dão sempre no que dão ( hegelianismos vendo bem), e nem faziam sangue, nem doer, nem nada; só que as palavras que eu não sabia o que queriam dizer eram aos magotes, e se me vissem em casa a ir consultar um dicionário, então é que era colégio interno directamente! E depois ainda tive o desgosto de vir a saber que a miúda da livraria já tinha namorado! Já nada fazia sentido. Acabei por cagar naquilo. Mantive-me muito homem, e fui beber umas cervejolas com o meu pai que se sentiu bem mais reconfortado.

Quem procura o tempo que perdeu acaba sempre por pisar caca. Mas quem não procura o tempo que perdeu ficará sempre com um sabor amargo na boca. Ir e vir, eis a nossa condição.

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