Uma mulher bonita: a definiçãoNão, não vou dizer o que é uma mulher ‘bonita para mim’, isso seria dum ridículo atroz, duma irrelevância quase ingénua; eu vou dizer o que é uma mulher bonita, mesmo, definitely.
1. Nenhuma mulher pode ser considerada bonita antes de ter desenhado o seu primeiro fecho-éclair de rugas. A ruga bem colocada, a acolitar o sorriso ou a estranheza, o cansaço ou a tristeza, é absolutamente essencial para definir a beleza. Se a pele ainda não vincou a sério estamos apenas na sala de espera a gerir suspiros com anúncios de cremalhada. A juventude pode trazer consigo a pelinha esticada, fresca e luzidia, mas, se for para isso, o melhor é ir ver os golfinhos pró Sado.
2. O olhar duma mulher bonita tem de ser distante e indiferente. Uma mulher que concentre o seu magnetismo no olhar está para a beleza como o busca-pólos para o electricista: serve apenas para detectar a existência da corrente mas nunca garante a qualidade da ligação à terra. O segredo está no não-olhar, e no saber fechar os olhos, naquele fazer notar que a corrente está lá e é de quem tiver disjuntor para a apanhar.
3. A beleza feminina tem de possuir um nariz que se possa descrever. Tem de ter um nariz animal; um nariz que não consiga libertar uma metáfora zoológica jamais poderá decorar uma mulher bonita. Uma mulher com um nariz irrelevante, o melhor que tem a fazer é ir para dentro dum ringue de boxe procurando quem a salve.
4. A beleza feminina tem de passar com distinção o teste da confrontação com a transcendência. Uma mulher a rezar, expondo a sua alma ao criador, revela sempre se é um diafragma dorido ou um ventre carente. Mulher que não saiba rezar com dignidade, mesmo que seja a uma peça de carne de fumeiro, é como um tipo que só chuta bem de biqueiro.
5. Um item clássico da beleza feminina é a franja. O cabelo como um todo não interessa realmente; o relevante é a franja, e, mais especificamente: a franja soprada, nunca me cansarei de repeti-lo; se for preciso transformo-me até no único cabeleireiro não panasca do sec.XXI para cá dos Urais; (porque acho que as mulheres dos cossacos não deixam que qualquer um lhes toque no cabelo) neste momento até está uma gajita na esplanada a olhar para mim, e , só podia, tem uma franja que mais parece um repolho a escorrer antes de entrar para um cozido. Franja que, depois de soprada, não dispute a glória com um quadro do Hartung não tem qualquer hipótese.
6. Entramos agora em zonas mais sensíveis e que nem sempre nos são dadas a observar [estive para escrever contemplar, mas soou-me a balofo] A primeira é a curvatura das costas. A invenção da tábua de engomar foi das maiores perversões para as mulheres, mas não por causa do acto de passar a ferro, como seriam levadas a supor, antes sim pelas comparações geométrico-estéticas que se lhe possam fazer com a zona lombar. Mulher que não apresente um curvo perfil traseiro, digno dum fórmula matemática com dois integrais de mínimo, merece ficar a fazer contas de cabeça até inverter o malvado estereótipo.
7. A forma como os membros engrossam (leia-se pernas e braços) é determinante para a fixação do conceito de beleza feminina. O trajecto desde o cotovelo até ao ombro, e o do joelho até à anca, são circuitos decisivos para a mulher. Coxa e braço que não se mostrem ligeiramente musculados, irregulares, tensos, ansiando uma descarga de arqueiro, e se portem que nem tubos de ensaio, fazem com que a mulher possa ser bonita mas é no reino das cornucópias e dos damascos. A mulher bonita tem de possuir braço de operária, de camponesa. Roliços, arredondadinhos, querem-se os rolos de carne.
8. Finalmente tenho de terminar falando dos lábios (a voz e o pescoço levar-me-iam para terrenos pantanosos e instigadores de represálias). É talvez a zona constituinte da beleza feminina que tem dado azo a mais equívocos, certamente movidos pela carnalidade do desejo masculino. Basicamente a mulher tem de ter lábio, lábios, boca, tecnicamente falando. Não pode ter ali apenas um fiozinho que mais pareça uma linguiça sem graça, mas também não pode ter ali quase uma vulva fora do lugar. Cada coisa no seu sítio. O lábio duma mulher tem de ser algo sobre o qual o homem possa dizer: eu quando for transportado até ao céu quero ir deitado ali em cima e, quando lá chegar, algum anjinho que me diga: salta daí de cima rápido ó meu cabrãozito.
Mas não posso no entanto terminar sem deixar uma palavra de ânimo para aquelas (pouquíssimas, estou certo) que leiam isto e não se revejam no estereótipo aqui delineado. Não, não direi que a beleza não essencial, ela é de facto essencial, deixaria antes uma sugestão prática: arregalem os olhinhos, casem-se, pensem depois que o vosso marido é um Deus grego, apregoem-no mesmo, imaginem que as ninfas vos protegem, constatem que até a Calipso ficou a arder, e que haverá sempre algures um Dionísio que vos cante, mesmo que não haja Cupido que vos obedeça, Aquiles que vos embale, ou Hermes que vos aguente, ou excalibur afiada que vos ajude a desapertar o corpetezinho.