Luna Park

“Um homem conhece-se pelo seu ponto de embraiagem.”

JB, “Aula de Código (V)”, in Bandeira ao vento, 30 Novembro de 2006
love letter (aka message in a plastic bag)
Cartas de amor quem as não tem

Eu. É triste, mas é verdade. Nunca m’as escreveram. O lado calimérico aponta-me para o imerecimento, o lado arrogante leva-me para a falta de cabimento. A verdade estará no meio: dificuldade em atrair um esforçado mas sentido paleio.

Ora se tivesse de elaborar uma teoria, diria: quem nunca recebeu uma carta de amor é porque deve esconder um grande estupor. Mas como não tenho, apenas retenho: alguém que não escreve mas que ama, corre o risco de se perder nos folhos da cama, de desperdiçar o prémio e fica-se pela fama. Primeiro: isto é realmente foleiro, e soa pior que mal, por isso, afinal, ganho tino e refino: amor de letra é foda da treta, é baralhar-se com o testemunho antes de chegar à meta; engrossei em excesso, retomo o processo: o amor escrito é um sentimento restrito, é um lado selvagem que se tempera, mas que nunca chega a domar a fera. Isto atravessa-me um pouco o coração mas leva-me por associação para o conceito de ferida, que é marca do amor quando se mistura com a vida; assim, para sarar, pega-se em duas ou três palavras banais e toca a andar: se for brasileiro sai aquela musiquinha com cheiro, mas se for português nem saímos dos porquês; ‘porque não me amas’, ‘porque nunca me chamas’, ‘porque sou só eu que te beijo’, ‘se não vou ter contigo nunca te vejo’, ‘eu só penso em ti e tu do-re-mi do-re-mi do-re-mi’. O amor lusitano é pois meio fornalha, meio cigano: ora arde como palha, ora cortejamos ao engano; mas só não se engana quem não experimenta, é como o pesca sem cana e o chá de menta, e um amor bem adornado dum belo palavreado é meio caminho andado para moer moer moer , mas nunca…esmorecer, pois, está bom de ver, nunca ninguém me escreve nada assim, e então, coitado de mim, arrasto-me penosamente, vertendo suspiros sobre caixas de correio, francamente, tanta prata que eu areio, tanto coço atrás, à frente e ao meio, à espera duma frase que me comova, dum advérbio que me leve os modos, e não me digam que ainda vou para a cova com lágrimas derramadas a rodos, e sem uma frase dorida, mesmo que fosse com uma ou outra mentira escondida; ora cartas de amor não tenho, e só não choro baba e ranho, porque o lenço que era para me assoar, ficou a esvoaçar, num adeus sofrido, sorte madrasta, asa que arrasta, mas note-se: sou um querido.
ambrósio, tomei a liberdade de recusar a sua sugestão e preferir algo diferente
Jean Dubuffet (1981). Site avec deux personnages (Psycho-Sites). Paris: Centre Georges Pompidou. (acrílico sobre papel reforçado sobre tela, 50×68 cm)
Pedofideismo

Parece-me claro que um crente (ora mais temente, ora mais temerário) a Deus, por mais ironia pascaliana ou relativismo kirkegaardiano com que banhe a sua carninha, só consegue um churrasco em condições com umas oraçõezinhas ao deitar. Ninguém aguenta ir para a cama com a prova da causalidade enrolada, nem com angústias hermenêuticas, e muito menos com um Cristo histórico entre o jardim das Oliveiras e os desertos da Galileia. Toda a alma que se preze quer sossego, uma fé tenrinha, que deslize que nem um lombinho assado, e quanto muito um picante ou outro para aquilo não ficar parecido com palometa frita e ainda dar para enjoar.

Os evangelistas dizem-nos que Jesus indicava a simplicidade das crianças, e a descontracção dos lírios do campo, como ‘modelo de vida interior’, dando assim uma dica (expressão popularucha para ‘boa nova’) sobre a melhor maneira de adequar a nossa natureza de homo faber-sapiens, com tendência para complicar, à verdade mais fundamental da nossa condição, ou seja: Deus ama-nos e está dentro do nosso coração, e a adesão a esta realidade só se alcança com doses maciças de ingenuidade metafísica e alguns pózinhos de quessefodismo instrumental, até porque os fins justificam os meios, como bem sabemos pelos programas da BBC-vida selvagem sobre o sexo entre lagartos, que nem são filhos de Deus nem nos manuscritos do mar morto.

Ora bem podemos andar à toa com os Plínios, os Flávio Josefos, os marados dos gnósticos, as artroses dos zelotas, as filhas da puta das petroquímicas, os cabrões dos chinocas e a falta de pachorra em geral durante o dia que, à noitinha, com a biografia do Estaline ainda a marinar nos miolos, um gajo quer mesmo é que Deus seja aquela coisa fofinha que nos traz no colinho e que só nos diz para não vermos filmes pornográficos, até porque não se deve andar a alimentar corporações de multinacionais da limpeza a seco.

Cansa-me a dúvida, exaspera-me a indiferença, confrange-me a insegurança, desconfio da ironia, aborrece-me a impossibilidade, e por isso refugio-me naqueles sentimentos que se entranharam no corpinho desde criança, que são os mesmos ainda que me fazem ter medo de pássaros, gostar de queijo, dar beijinhos à esquimó, e não saber viver com os pés frios e a bexiga cheia. Deus entrou na minha vida ao mesmo tempo que o pulmão.

Sou claramente um mamífero a acreditar.
Minha estimada senhora,

Não lhe bastando ter colocado aqui um dragão de língua de fora, numa afronta directa ao momento de alguma ansiedade competitiva que envolve a minha leonina alma, entusiasmou-se, e youtubou aqui o estabelecimento com uma musiquinha pospunkada dos Soft Cell ameaçando a virilidade construída filigranadamente (eu gosto desta expressão, que fazer) ao longo destas semanas.

Espera-se a remissão destas provocadoras atitudes com fotografias de virgens parmigianas, colagens de pintores expressionistas de cariz não suicidário, seguidas de paisagens bucólicas encimadas por versos de sebastião da gama, sendo, no entanto, facultativos, tanto os pôr do sol no portinho da arrábida como as naturezas mortas cubistas.

Em querendo fazer uma série, como é de bom tom, tomo a liberdade, senhora, à falta do ferrero rocher, de lhe sugerir algo que possa reflectir uma alma em constante vertigem de originalidade, a título de exemplo, arranjos de flores ou frisos em art deco.

Respeitosamente, aliás nem podia ser doutra forma,
on behalf of thy (aka the gregorian cabaret)



Soft Cell - Sex Dwarf (Live)
Liedson

Custa-me que o principal assunto que me preocupa não esteja também a preocupar a generalidade das pessoas. Não sei se será falta de atenção, se será deslumbramento com as iluminações de Natal, ou andam todos a decorar poemas do cesariny- cesarine como diria o nosso Eanes – ou a discutir alternativas para o TGV (Trauma das Grávidas Voluntárias; atenção, um flagelo! uma mulher quer ter logo o filho às 10 semanas porque já não aguenta com as costas, já tem o enxovalinho pronto, tem saudades do período e assim, e ninguém lhe deixa, acho que nem em Badajoz), não sei, mas não vejo ninguém realmente preocupado com a falta de golos do nosso Liedson, acho que se chama mesmo insensibilidade; chega a dar-me, também tenho de reconhecer, se bem que é mais com after-shaves e azeitonas de elvas.

Para além de o sentir triste por se ver acompanhado por aquela dupla de artolas que mais parece uma colecção de armações da multiópticas para maricas ‘Alecsandro & Bueno’ - que quase me fazem sentir saudades do Spehar ou do Paulinho Cascavel – o rapaz não está a marcar golos, o rapaz está a falhar golos que já passaram bem as 10 semanas, e ainda para mais num ano que parece de benzedura para toscos - atentem na performance irreal dum tal de Postiga que parece saído dum conto de natal, e até o Manel Pinho acho que se vai aguentar até à penúltima trinchadela do peru (na última a cozinheira vai hesitar muito onde acertar).

Reparem que ele não é um Nuno Gomes, que tem o seu estado natural a ajeitar o cabelinho à volta da orelha e a rezar para que os centros do Nelson lhe acertem na esquina da nuca, ele joga mesmo à bola, ele saiu de repositor de supermercados directamente para marcar golos, ele deixou uma carreira para trás, é praticamente como o Armando Vara na banca de retalho.

É evidente que o Papa está na Turquia (já começaram a sair caricaturas, ou não?), é evidente que os espiões russos se andam a alambazar com raticida, é evidente que o McEwan se andou a inspirar na Lucilla (tem nome típico ovelha clonada, ou chimpanzé astronauta, por sinal) – para quando um Abel Mateus para o plágio? – é evidente que Prado Coelho está a ficar velho, mas grave grave é o Liedson andar a ficar parecido com a ministra da Cultura e o ataque do SCP mais parecer uma mistura entre o museu berardo e a vereação da CML. Também já estou a ficar vereado! O Liedson pode perfeitamente ter tirado os golos da agenda e ter lá posto valores, princípios, sei lá, o tipo se calhar agora até é democrata cristão, mas foda-se não me está a marcar golos, caralho, e vêm aí os cabrões dos lampiões e não vejo ninguém realmente preocupado, só falam de acessibilidades e do problema cultural da Europa. Daqui a pouco o Lobo Antunes publica uma correspondência secreta com a Inês Pedrosa e o Rodrigues dos Santos e depois é que eu quero ver como é, se o gajo não marca golos até lá. Já não se sabe distinguir o que é importante; não tarda fundo uma minoria ética.
ong
Luna Park

“o amor é um pouco como a fé. ou se tem ou não se tem. não o amor e a fé, mas a capacidade ou a possibilidade de lhes aceder, de ser por eles ‘transfigurados’”

f., in “um amor de bond”, Glória fácil em 27 de Novembro de 2006
Todos temos um bocadinho de Agustina B. Luis dentro de nós

No público leio que Maria José Nogueira Pinto depois de dizer que Sócrates não tem uma ‘agenda de valores’ (adoro estas expressões, mas ‘homens descascados de ideologias’ também não está nada mal) remata dizendo que o governo nunca lhe ‘pediu para vender a alma’. Ou distraídos, ou inconscientes mesmo; certamente uma consequência dessa negligencia socialista em se fundamentar num conjunto de valores devidamente certificados por anos e anos de bem-fazer ao próximo, filhos do jacobinismo, enteados do materialismo dialéctico e finalmente adoptados como bichos de estimação do capitalismo selvagem. Ora o governo, que tem tanto dinheiro mal gasto, (atrasava-se aí uns quinze dias o plano tecnológico), bem podia deixar-se de arrogâncias e forretices e arranjar algum para comprar a alma de Mizé Nogueira Pinto; não só ganhava uma aforista descomprometida (‘quem exerce um poder moderador tem de o exercer moderadamente’ – género: o verde seco fica sempre bem com o grená), como uma guerreira desinibida, (‘quando é preciso abrir um conflito abro até porque estou mais livre para isso que ninguém’ – é também o lado saca rolhas que nunca viu uma carica) como uma maruja convicta, melvileana até, (‘nunca saí de barco nenhum na vida’, mas que por acaso até entra um pouco em contradição com ‘gosto de laços e detesto nós’, registe-se, mas uma grande alma forja-se nestas pequenas contradições, já se sabe), sem falar do seu lado narciso-mirandico mas em chanel style (‘o grande capital desta cidade são as pessoas e não os edifícios’ - apesar do primeiro ser necessário aos segundos para obter os terceiros, salientaria) e do lado visonário (‘o meu partido tem muita gente’ – já lá vai a geração táxi, claro).

Sócrates, tem ali uma amiga para a vida; é só comprar uma agenda nova com os nomes dos santos.
‘O vale dos Arménios’ (*)

Num dos catálogos editados por alturas da exposição de Arshile Gorky na Gulbenkian nos anos 80, no texto de apresentação (escrito pelo seu sobrinho) retive-me nesta frase: ‘É um dos poucos artistas cuja vida nada fica a dever à sua arte…’. Hoje no ‘público’ uma das páginas dedicadas a Cesariny tem como título: ‘viveu à altura da obra e a obra esteve à altura da vida’.

Tendo eu para mim que um poeta se faz com a morte, como mais nenhuma actividade - tirando a de coveiro e florista, claro – e que a vida é cada vez mais coisa para ‘decoradores de alfabetos’, viciados em low cost e pauliteiros sem miranda, chego rápido à conclusão: passo bem sem ‘vidas’. A. Gorki quando se enforcou terá deixado escrito: ‘Adeus Meus Queridos’, revelando que da vida, por mais intensa que tivesse sido, apenas deixava os seus queridos; a vida mede-se pelos nossos queridos, não pelos nossos actos. Não tarda cito o Sto Agostinho ou o Erasmo, ou ainda como uma apple strudell, ou desenho uma roda dentada a par dum casulo, ou assim.

(*) Título dum desenho de Arshile Gorky. Daqueles que o surrealismo não pára de imitar.
Folclore, ganzas & pão de mistura

É bom que se arranquem uns cabelos por causa desta cegada da festa da música, sim. Todos sabemos que, não havendo dinheiro, a possibilidade de haver palhaços vai diminuindo e só por essa razão a discussão em causa quase poderia ficar arrumada. Mas falta o quase.

Temos de considerar que o espírito do ocidental médio – directa e indirectamente, advertida ou inadvertidamente – foi-se construindo muito à conta de megalomanias absurdas, de excentricidades criativas, a par de best sellers, blockbusters e outras la-feriadas afins; vaidades a par de contabilidades; rinocerontes bebés alimentados a biberon, lado a lado com fiscais de finanças a somar facturas de restaurantes. Encenações de Wagner e roupa cagada com algodão doce.

Não há uma fórmula para ‘enriquecer o espírito’, como não há uma fórmula para nos tornarmos ‘melhores pessoas’, ou para aguentar um governo socialista sem ficarmos todos com cara de parvo ao fim de poucos meses, mas não é a ver os telejornais com toda a certeza. Quer se pretenda privilegiar mais o património , ou mais a bruta criatividade à solta, é claro para todos que o retorno de muitas actividades ditas ‘culturais’ não se pode medir com os mesmos critérios duma ida às urgências, ou dum picnic em segurança no bairro da cova da moura; como um troço de uma scut em miranda do douro não joga na mesma equação duma circular a odivelas. Agora uma coisa é certa: já não há continentes para descobrir se nos deixarmos ir na corrente ou ao sabor dos ventos. Ora o paradigmático exemplo da ministra da cultura faz uma barata tonta parecer-se a um elefante. Podemos trocar metade dos ministros por uma folha excel e sempre pode sobrar para meia temporada lírica que ao menos ainda nos fará sonhar durante umas horas que não somos de cá.

O pior estado em que pode viver uma sociedade ‘civilizada’ é quando alimenta serenamente esta imagem sobre o exercício do poder político: ‘eles estão a fazer o que deve ser feito’.

É este o sinal de que o governo está a ser entregue a uma pandilha que combina bananas com lunáticos e os governados estão a tender para uma ‘espasmaceira’ de flatulentes ou obstipados. E hoje cheira-se esta podre sensação a entranhar-se em demasia, mesmo que não se declare, nas mais variadas cabecinhas. Vive-se a lógica do ‘tem de ser’, sem a tanga, mas com a pretensão dum atordoamento geral em torno das ‘’medidas inevitáveis’; danças populares com folhos em papel de fantasia e xanax levemente comparticipado é o melhor que se pode arranjar até ter o país endireitado, é esta a mensagem que estamos a acolher no nosso colinho de meninos mas agora avisados que não há dinheiro para o coro. ‘Dêem-lhes referendos’ coloridos é a mensagem do novos padeiros de são bento.

E agora vou continuar a ler a biografia do Estaline.
Luna Park

“Que estranha fragmentação entre a emoção e a realidade será esta que nos faz reconhecer a morte anunciada no próprio fôlego da mais inflamada jura de amor, que nos cega perante as evidências…?

Já sei porque é que os anjos não têm sexo!”

Da Infalibilidade do Previsível, in “Um crânio no poste”, 4 de Outubro de 2006
(un)biased
Protestólicos e Cantantes

Volto ao apaixonante tema. O Cristianismo ecuménico-institucional devia alimentar ainda uma maior amplitude creditícia em vez de estarem sempre a tentar encontrar pontos de união que nem costureiras amestradas. A concorrência doutrinal é uma coisa boa; há pessoas que se dão melhor com um cagaço apocalíptico, outras com um Deus misericordioso em cada esquina, outras com um Deus tão fundo lá no coração delas que quase nunca chega às unhas, nem aos dentes, nem aos outros órgãos mais periférico-pendentes, não há nada a fazer, o Criador ‘pensou-nos e fez-nos’ mais variados que uma boa salada russa, mais mistela que os cogumelos que a minha irmã começou a fazer quando se casou (e, portanto, a primeira vez que entrou numa cozinha por moto próprio e com um mínimo de provas a dar a terceiros; sim miúda, se leres isto, ficas a saber que me traumatizaram tanto como a primeira vez que li os teus sublinhados nos livros do Desmond Morris).

Quem vai a uma missa católica (a única que eu frequento, saliente-se, como ressalva epistemológica) encontra a maior diversidade de espécimes acreditantes desde a cena dos sermões da montanha na versão monty python. Ele é o pessoal que acabou de sair da cama e foi directo para a igreja, ela é a gaja que se vestiu de propósito e verteu todo o santo frasco de perfume mais parecendo um sacrário com pernas, ele é o tipo que não tira os olhos da miúda da viola, ela é a velha que fez madeixas à pressa (há que alimentar a minha clientela de leituras cabeleireirísticas), ele é o compenetrado (palavra mais sodómica que babélica por sinal), ele é o arrumador à espera que aquilo acabe depressa, ele é o pai de família a fazer a boa acção da semana com os putos às cavalitas, registe-se, no entanto, que cada vez se vêem menos rapazes vestidos como o blog da Inês há uns dias (talvez seja até por isso que as miúdas interessantes se andam a afastar do reino da Deus) no fundo aquilo é um fartote de gente tão diferente, que Darwin nunca conseguiria definir um padrão para a selecção da espécime ‘crente católico’, nem que incensasse um pia benta cheia de tartarugas.

Geralmente um tipo é católico por tara. Acredita porque acredita, ouve padres a dizer as maiores banalidades porque ouve, põe-se de joelhinhos porque põe, bichana umas palavras na maior parte das vezes sem tomar a mínima atenção porque faz assim desde pequenino, remói-lhe a puta da consciência por coisas que a outros os leva a ir beber umas cervejolas, enfim um rol de criteriosas características que, geralmente, depois resumem (e resumo eu, porque me incluo) explicando que é por amor, mas que lá por dentro sabem bem que também é uma ganda borradela em ir para o inferno, combinada com uma ausência de alternativas que garantam um espírito saudável sem excesso de comprimidos ou álcool. Sem a vida eterna, parecemos todos uma junk bond a olhar para um certificado de aforro. Essa é que é essa.

Como se constata já perdi o fio da meada a esta porra - deverei levar mais uma advertência formal pela madame que enfiou aqui a Salomé, avisando-me subliminarmente que eu também me chamo João – mas recupero ainda a ideia inicial, porque a havia, saliente-se: os protestantes (calvinic style) crêem num certo determinismo salvífico, mas no íntimo, desejam é que Deus os oriente e ajude a safarem o deles, e os católicos (origenes style), que acreditam na especial mais valia do seu esforço pessoal, e no perdão e assim, lá no íntimo sonham é que Deus Nosso Senhor os tenha escolhido para pajens na Sua corte celestial. Moral da história, a união faz-se logo no egoísmo próprio de toda a relação religiosa – pode-se acreditar em matilha ou em rebanho, mas morremos eremitas. E aviso já, eu cá, se for preciso para salvar a almita, até danço o fandango a recitar os salmos para o grupo folclórico dos adventistas alzeimerados de Caxias, é que nem precisam de fazer nenhum sínodo de conciliação, nem pagar-me com preservativos benzidos. Isto falta é uma carta apostólica sobre os drive-in, o sexo tântrico, a espessura do papel bíblia e o acto de assobiar as músicas (interiormente, note-se) dos arcade fire no momento da comunhão.
de qui donc a-t-il parlé? (*)

“Salomé” (pormenor) - Alfred Stevens, 1888, M.R.B.A.B., Bruxelles

(*) Oscar Wilde - “Salomé” (1893)
Quadratura do círculo em directo I

‘Há um programa que separa as águas’ diz o genérico de apresentação. Ora o prémio Moisés do Ano vai para…

Quadratura do círculo em directo II

Lobo Xavier lembrou-se de Jorge Sampaio. (Devem estar a perder share para a RTP memória) Pacheco Pereira hoje não traz gravata. Lobo Xavier está com as mãozinhas como uma professora minha de ciências da natureza no Pedro Nunes e diz que Cavaco tem ‘problemas de tempo e forma’. Drª Maria, cuide-se, vai sobrar para si. Escrevo rápido mas não consigo apanhar estes gajos.

Quadratura do circulo em directo III

Sobre a gravata de Jota Coelho não me pronuncio por causa das buscas aqui ao blog, (se bem que ‘exaustor’ continua líder destacado de temas buscados). JC adianta que Ribeiro e Castro foi mais inteligente que Marques Mendes; Pacheco avisa que está irónico; o cameraman até tremeu. Coelho põe o dedo em riste à Portas, mas como não tem botões de punho não dá o mesmo efeito. Até agora o tema continua irrelevante e a condizer com o proigrama em si. Atenção: Coelho avisa que Santana Lopes fez profecias iguais às de Pacheco Pereira. Não sei se é aquela coisa dos vasos comunicantes.

Quadratura do círculo em directo IV

«O meu lider já percebeu», afirma PP, mas confirma-se estar de manga curta o que fica notoriamente foleiro! ALX aparenta melancolia, e é acusado por PP de ‘o estar sempre a traduzir’ , ora graça moura há só um. O tema continua a ser Cavaco mas eu por acaso acho que o tipo até já foi eleito (ou será que me escapou algo). JC diz que PP lhe cai mal, mas ALX diz que houve entre os dois sorrisos de alguma cumplicidade. Eu cá não m’acredita.

Quadratura do círculo em directo V

PP ficou chocado com uma critica que os PS’s fizeram a Carrilho. (Chocado quer dizer com olhar de choco, note-se) ALX diz que não se pode exigir a Mizé Nogueira Pinto coisas que vão contra os seus (dela) princípios - mas depois não avisou a quem é que se podia pedir isso - e afasta a ‘ciumeira’ como leitmotiv de Mizé; PP diz que os problemas da câmara de Lisboa vêm do tempo de J Soares (que já não era lembrado no programa desde o episódio elevador do Martim Moniz ou do Jonas Savimbi). Atenção, atençããão! ALX acusa PPereira de ter profetizado que Portas voltaria para entrar na estratégia de aproximação do PP ao PS. É inveja das gravatas do gajo, só pode. Mas JCoelho atalha cerce (não confundir com circe) e diz que são precisas é lideranças fortes e que serviu com muito orgulho Guterres (ninguém se riu… deve ser sinal que o cachet já não é o que era). Foda-se já acabou! Nota final: não falaram de Barroso!!!

Um jogo de bola tem de facto muito mais para comentar.

Quadratura do círculo VI (rescaldo)

Em regra estiveram muito bem, chalaceiros inclusivé; o moderador, uma fusão entre o J. M.Teixeira e o padre Borga, acho que bocejou duas vezes e sorriu três, o que o coloca a meio caminho entre uma freira e um espectador do teatro da cornucópia, mas no geral não comprometeu, é uma espécie de Custódio nos dias em que bebe compal light antes dos jogos. Pacheco ganha pontos sem a gravata mas compromete depois com o deficit de punho engomado; julgo ser também evidente que perde credibilidade profética se estiver demasiado penteado, pois o seu lado de Isaías aparece um pouco perdido na ondulação salomónica da sua peculiar correnteza de pensamentos. Lobo e Coelho, com posições invertidas nos votos daquelas que têm na cadeia alimentar, estiveram um pouco em regime de peri-enamoramento, o que poderá indicar uma ida próxima de Coelho ao Rosa e Teixeira, dado que Xavier se tem mantido belmiricamente afastado das tocas do poder. Resumindo, faltou falarem da maquilhagem de Segolène, do TBLSPTVSTUSVPTS, aquela coisa da gramática nova, e do regresso de Barroso ao aquário Vasco da gama. Mas pode-me ter passado alguma coisa, terem falado do passeio dos gajos fardados ou assim, porque o meu filho mais novo não adormeceu à primeira e tive de ir lá afirmar a minha autoridade por três vezes.
Serviço público

The Global Oh!

Para mais informação - porque todo o contributo para a Paz é relevante e imperdoável a abstenção de tal dever cívico - GlobalOrgasm Blog
Arredondando o eu e distribuindo vírgulas sem casas decimais

Já fui casuístico, já fui silogístico, já fui inclusivamente concatenador de vontades e, mesmo nunca tendo deixado de ser quessefodístico nem punheteiro de verdades avulsas, hoje sou cada vez mais coçamascostístico de opiniões avalizadas e vaselinador de interesses.

Aliás, se não, reparem nos temas que trouxeram, ontem, algumas almas dispersas, e vagueantes, até aqui:

‘creme barral’ / ‘eucumenismo’ / ‘luna park’ / ‘filoctetes’ / ‘a percepção estereótipo’

Tornaram-se pessoas melhores, certamente, não desfazendo, claro, nas que, no dia anterior, cá tinham vindo procurar as melhores ‘formas de fazer madeixas’.

Mas isto lembra-me, é, tudo um pouco, a nova forma socialista de governar, combinado com o título do livro do Santana Fantasma Lopes: mais vale uma percepção na mão do que duas realidades a voar.

Actualização: mas hoje as buscas a ‘ferro e tábua de engomar’ também não estão a correr mal.
Luna Park

“Os anos são degraus, a Vida a escada. / Longa ou curta, só Deus pode medi-la.” - Sophia de Mello Breyner Andresen
fiction rule #2 - code, don’t mirror

Spreads de barro

Eis que, sem tema, o sarcástico e virulento cronista se aproximava da folha nua, apenas sabendo que tinha de arruinar a reputação de alguém. Ninguém tinha direito ao bom nome, isso era coisa para gente de personalidade fraca e mentes suburbanas, que precisam da imagem para agradar ao patrão, ou para foder a patroa, e assim ele tratava de elevar alguns eleitos a esse altar ‘dos de quem dizem mal’. Hoje sentia necessidade de um delito sexual, poderia mesmo ter de incluir um filho fora do casamento, seria bem disfarçado, claro, apareceria como uma hipocrisia de costumes, um conflito de mensagens, mas seria um rombo definitivo no casco. O cliente tinha-lhe de facto pedido: «faz-me a folha, estou farto de que me digam que sou perfeito de mais para ser verdade, quero os meus vícios autenticados, quero chafurdar na minha própria lama».

Pela primeira vez hesitou, pensou se não seria suficiente apenas um pequeno delito fiscal, uma vendedora de sexo ocasional em forma de retenção na fonte alternativa, mas o pedido tinha sido expresso e claro: «quero sentir aquele horrível sussurrar calunioso nas minhas costas». Estava sem escolha, e como não tinha esse dom especial para doirar pílulas, começou por enquadrar o tema num arredondamento irregular de taxas.

Ele teria pegado numa taxa de juro ainda novinha e vinda das berças, acrescentara-lhe um spread discreto com mangas a três quartos, e tinha-a posto a render como bibelot num certificado de aforro de 3 casas assoalhadas ali para os lados da praça do chile. Ela afeiçoou-se ao bem bom, mas sabia viver sem dar muito nas vistas; pagava em capitalização composta com majorações extra de três em três meses, e ia lendo revistas sobre ejaculação precoce e como tirar vantagem de posições minoritárias. Para taxa de juro até foi ficando benzinho com a idade, ia conseguindo manter-se discreta, fez apenas uma amizade superficial com umas call girls, mas nada que a comprometesse ao ponto de se tornar refém duma obrigação convertível. Até que um dia se enganou na contagem dos dias e veio-lhe um prémio de reembolso inesperado. Mas geriu bem a coisa e não houve degradação do capital investido; dedicou-se de corpo e alma aos cuidados do pequeno project finance e apostou numa nova maturidade. A vida prosseguia, o spread ia dando, uma ou outra abébia à autoridade reguladora chegava para a manter entretida e mesmo satisfeita, tudo parecia correr bem e como explicação mantinha-se suficiente a clássica: és filha dum banco central que nunca te deixará ficar mal. Mas a partir de certa altura a consciência começou a pesar, juntaram-se os rebates com os descargos, e havia que lhe contar a verdade: não filha, tu serás uma taxa fina, nunca mais precisarás de arredondamentos às escondidas, e terás um spread com estudos, de boas famílias, que tomará conta de ti às claras, por amor, e nunca te trocará por uma euribor qualquer.

Mas o texto pareceu-lhe demasiado parabólico; nem toda a gente iria perceber o crime, alguns até se desvaneceriam com a candura lírica, outros pensariam ainda que se tratava dum epitáfio metafórico ao Friedman – o tipo que tinha inventado o arredondamento da própria massa monetária – e não faltaria quem, movido pela curiosidade, ainda fosse incomodar a moça com propostas de spreads alternativos, pois ela ainda estava muito bem conservada para a idade.

Não estava nos seus dias, o fúria do acinte tinha-se deixado vencer pela fábula, e já não conseguia descobrir caminhos para que o castigo implacável da má fama pudesse avançar a seu bel prazer. O cliente queixou-se, «assim nem à putas dizem que fui», viu a fama de matador a desvanecer-se, perdeu uma encomenda quase certinha dum secretário de estado que queria ir para a administração duma empresa de seguros e acabou a escrever romances históricos sobre a defesa do consumidor e os emolumentos nas conservatórias. Um dia descobriu-se que tinha vivido com uma taxa bonificada sem que ninguém soubesse.
Nova encigolbédia do reynanimal em fassiclus menstruais.

Sai próximo das luas novas.

(e foi então esta a forma aligeirada que eu arranjei para contrariar a mais famosa verdade cientifica sobre o comportamento humano: a cruel interferência das traiçoeiras fases da lua)

Hoje serão quatro exemplares da família dos bloguídeos. Espécie caracterizada por cartilagens sensíveis, omnívora, guelra oleada, penugem caduca e amante de calduços na nuca.

As blosgas – animal de escrita quente e despreocupada, gosta de apanhar solinho no lombo mas qualquer fresta lhe serve para se enfiar e refrescar as ideias mais íntimas. Aproveita as superfícies especialmente rugosas para se coçar e desliza bem nas paredes estocadas em tromp d’oeil. Acasala em regime de time-sharing.

Os blogamaliões – animal de escrita pegajosa, com mudanças de tonalidade consoante a correnteza hormonal. Piscam o olho em todas as direcções mas depois acasalam em grupos seleccionados pelo cheiro. A amamentação é servida já com adoçante, contudo não se aconselha mexer muito porque pode coalhar.

As blorbletas – animal de escrita crisalizada, vivem metade do tempo pendurados e outra metade a esvoaçar, mas transportam uma constante nostalgia da fase larvar. Na ponta da curiosidade apresentam um arredondamento que lhes permite distinguirem-se das traças melancólicas, mas revelam-se viciadas em publicidade caleidoscópica. Acasalam pelas regras da feitiçaria e segregam aos pingos.

As blombrigas – animal de escrita visceral e dorida. Contorce-se por táctica e tonteia por destino. Finge serpenteamento onde apenas há uma luta entre a mucosa e a fibra, e reproduz-se por mimetismo. Acasala ao sabor do vento, copula em espasmo fino e gosta de se emular a deuses de porcelana.
Luna Park

“Os únicos alheios ao sexo são os anjos e de momento não conhecemos nenhum.”

Blog “Sexo”, El Mundo, 3 de Novembro de 2006
fiction rule #1 - show, don’t tell
Inside blogaring

Fui finalmente admoestado de forma formal, e por quem de direito, pelo excessivo fantasiamento e perca do controle da escrita aqui neste estaminé. Demasiadas ideias a pairar na mesma frase, algumas inclusivamente contraditórias e a piscarem o olho umas às outras, trocadilhos de efeito duvidoso, se não mesmo duma previsibilidade cansativa, alguma ordinarice decadente e forçada, deambulação por temas onde não devia meter o nariz por evidente incompetência, alheamento ao ridículo, misturar Deus com miudezas - a roçar o panteísmo marialva, com heresias não autenticadas - enfim um rol de pequenos delitos que seriam suficientes para uma domiciliária criativa a pão e água. Estilo descuidado, foi ainda deixado subentendido, e foi igualmente sublinhada uma certa falta de pachorra para acompanhar textos que depois desembocam sempre no chamado lugar nenhum (a versão caseira e cruzada do ‘ninguém’ shakespeariano do ‘nowhere’ peri-existencialista, contudo). É uma tristeza, no fundo; ao que um homem chega só para ter de aliviar o bolbo raquidiano à base de verve desconchavada por falta de jeito para montar estantes e prateleiras em carvalho francês. A escrita - para além de efeminar o homem, como está cientificamente provado – ainda nos leva a fazer figura de filhos bastardos da imaginação, fruto dalguma noite acalorada que ela teve com um pirata do mar da palha enxertado em cowboy do elevador da bica.
Alberta, filha, e se fosses escrever romances a meias com o Rodrigues?

Ontem o telejornal do canal 2 terminava com uma reportagem sobre a inauguração da exposição do Amadeo Souza Cardoso na Gulbenkian. A apresentadora, uma tal de Alberta, mas com um olhar relativamente fechado, ia fazendo carantonhas ao comentar uma breve entrevista com Julião Sarmento (o chamado pequeno momento de reportagem) em que este afirmava que se inseria naquele ‘grupo’ de artistas que ‘pinta essencialmente para os outros artistas’. A dita apresentadora, paga certamente ao bocejo provocado pelos seus dotes de mímica carnavalesca, quis deixar no ar – eu sou muito bom a saber o que vai dentro da cabeça dos outros, sim – que o pintor mostrava um elitismo criativo despudorado, tendo até deturpado uma frase dele, ao insinuar que o homem teria dito explicitamente que ‘não pintava para o comum dos mortais’. Mas até podia ter dito; um gajo que pinte para o comum dos mortais é basicamente um parvo. No entanto o que Julião Sarmento estava a tentar querer dizer, mas sem falsas peneiras, e até a fugir um pouco à resposta de ocasião, era que pintava essencialmente a pensar no que iriam pensar os seus pares, aqueles que de facto têm um olhar mais ‘exigente’ (que não significa nem melhor, nem mais elaborado, nem mais importante) e que ele considera como críticos e avaliadores (para o bem e para o mal). A condição de artista (plástico) - que está nos antípodas do que eu faço note-se - vive dum adequado elitismo de conveniência, ora desligamento, ora afronta, ora mediocridade camuflada, que não será condição de sucesso, mas é uma táctica como outra qualquer. Aliás como o corporativimo, ou ‘mais vale dez notícias na mão do que uma ideia a voar na cabeça’, que caracterizam e fazem sobreviver o jornalismo médio, a par de, obviamente, cada vez falarem mais uns para os outros, porque o comum dos mortais já prefere o Goucha ou a Furtado. A ignorância jornalística, a leviandade com que rotulam, apresentam ou insinuam os factos, dissimulando-se numa flácida agressividade que querem vender como coragem, é uma marca confrangedora dos dias que correm. Sim, os jornalistas têm muita culpa.
compensação (a lei)
Eucumenismo, tucumenismo e elecumenismo

Hoje leio no Público que, a propósito dum tal de diálogo (Guterres&Melicias free, ao menos valha-nos isso), bispos católicos e anglicanos referem-se aos principais temas que aparentemente os afastam, depois de já sanadas outras miudezas teológicas; são eles a ‘ordenação de bispas’ e os ‘pastores homossexuais’, sic. Penso que só o encanto destas fantásticas expressões bastariam para afastar qualquer um, mas adiante, quero mesmo correr o risco de me meter na conversa.

O mundo, pelos vistos, anda baralhado por causa do papel que nele desempenham as gajas e os paneleiros, a par dos terroristas e dos pedófilos, (resolvidos que estão os problemas existenciais dos fiscais das finanças e das putas, claro). O que divide efectivamente hoje as pessoas será então : os pedófilos e os terroristas devem ser mortos com um ferro em brasa enfiado no cu, ou basta serem assadinhos no espeto com picante e açafrão; ou então, deve uma gaja gorda e vesga, mas mirrada de mamas, poder dar a extrema-unção a um tipo que ainda poderia dar uma foda em condições, ou é preferível ser um panasca a fazer-lhe as persignaçõezinhas na testa com a outra mãozinha a fazer um ‘L’ invertido?

Penso que vamos pois no caminho certo; são de facto estes os problemas essenciais dos dias de hoje, tanto mais que o Narciso Miranda nem foi eleito para aquela coisa dum tal de secretariado do PS. [e o Vara, pá!? Continuam sem falar do Vara, ou sou eu que ando distraído], o Bottiglione passou a usar preservativos com sabores, e a Mónica Lewinski mudou de empresa de limpeza a seco.

Mas back to basics; a exegética cristã (principalmente a católica) diz-nos que o verdadeiro templo de Deus é o nosso coração; e o mais giro é que esta, encantadoramente simples, é a verdade religiosa mais fundamental e revolucionária da nossa condição. Ora a dona Reforma e a sua prima do Contra fizeram deslizar este ‘ensinamento’ e focaram-nos no aparvalhamento literário, nas disputas sem fim entre liberdades e graças ( género: o melhor serão os carrinhos de choque ou os carrosséis?) ou entre moral e consciência (género: o melhor será uma boa mesada ou uns avós ricos e babados) e ainda somos todos filhos dessa sacanice guttenberguiana que permite desde os folhetos de promoções do toy’sRus, até aos editoriais do arq. Saraiva, passando pela Lux woman e pelos jornais da paróquia com vendas de t’shirts a favor da reparação do soalho da sacristia. (God forgive me, i’m a sinner, eu sei, but às vezes m’aguento)

Geralmente quando católicos e protestantes se põem a falar de harmonização canónico-táctica (mas os tais de fiéis continuam a hormonizar alegremente, é o que vale) apetece enviá-los para um paraíso fiscal a tratar dos mecanismos de deduções à colecta; mas também quando se põem a trocar galhardetes teórico-irónicos, a brincar aos sarcasmos finos, treinando formas elaboradas de ver o mundo, a carne e o espírito, e ajeitando figuras de estilo literárias, parecendo saídos duns Comics já amarrotados de tanto uso e com algumas auréolas de esperma derramado, apetece perguntar-lhes se acreditam mais num Deus das entrelinhas ou num inconsciente salvo pelas fadas madrinhas.

Mas eu penitencio-me de pronto pelas acusações acima expostas; o ‘contraditório intra-teológico’ (só para usar uma expressão assim tal e coiso) é uma distracção que deve ser acarinhada, tal com o estudo das aberturas caucasianas no xadrez (deve haver de certezinha) ou o efeito terapêutico do creme barral nas estrias pós parto; julgo mesmo que se deveriam instituir as olimpíadas teológicas em que, por exemplo, os meninos do 15º ano da catequese das doroteias disputariam uma viagem à terra santa com os meninos da secção baptista nº XXV do bairro da Estefânia (espero que ambos não existam) com base na discussão sobre o efeito cruzado entre a água benta e a transubstanciação, e os vencedores iriam à final com os ortodoxos maronitas das Seicheles que por sua vez tinham deslumbrado a dissertar sobre o papel da iconografia associada à inclinação do dedinho mindinho de Sta Mº Madalena nas pinturas da Paixão e a sua repercussão na evolução do dogma mariano da Assumpção aos Céus. Chiça, agora até me cansei.

Bem, resumindo, falta claramente um novo concílio, uma coisa assim em bom, patrocinado pela Coca-cola light e pelas sopas da Mc Donald, com directos in situ pela Sónia braga ou uma daquelas jornalistas novas de cabelinho escorrido, negro e casto, convidados especiais, tipo prof Marcelo com um chapéu bordado das carmelitas, e microfone aberto para inspirados e cépticos profissionais, fanáticos da crença e incondicionais da indiferença. A teologia também deve ter a sua rua organizada.
Uma mulher bonita: a definição

Não, não vou dizer o que é uma mulher ‘bonita para mim’, isso seria dum ridículo atroz, duma irrelevância quase ingénua; eu vou dizer o que é uma mulher bonita, mesmo, definitely.

1. Nenhuma mulher pode ser considerada bonita antes de ter desenhado o seu primeiro fecho-éclair de rugas. A ruga bem colocada, a acolitar o sorriso ou a estranheza, o cansaço ou a tristeza, é absolutamente essencial para definir a beleza. Se a pele ainda não vincou a sério estamos apenas na sala de espera a gerir suspiros com anúncios de cremalhada. A juventude pode trazer consigo a pelinha esticada, fresca e luzidia, mas, se for para isso, o melhor é ir ver os golfinhos pró Sado.

2. O olhar duma mulher bonita tem de ser distante e indiferente. Uma mulher que concentre o seu magnetismo no olhar está para a beleza como o busca-pólos para o electricista: serve apenas para detectar a existência da corrente mas nunca garante a qualidade da ligação à terra. O segredo está no não-olhar, e no saber fechar os olhos, naquele fazer notar que a corrente está lá e é de quem tiver disjuntor para a apanhar.

3. A beleza feminina tem de possuir um nariz que se possa descrever. Tem de ter um nariz animal; um nariz que não consiga libertar uma metáfora zoológica jamais poderá decorar uma mulher bonita. Uma mulher com um nariz irrelevante, o melhor que tem a fazer é ir para dentro dum ringue de boxe procurando quem a salve.

4. A beleza feminina tem de passar com distinção o teste da confrontação com a transcendência. Uma mulher a rezar, expondo a sua alma ao criador, revela sempre se é um diafragma dorido ou um ventre carente. Mulher que não saiba rezar com dignidade, mesmo que seja a uma peça de carne de fumeiro, é como um tipo que só chuta bem de biqueiro.

5. Um item clássico da beleza feminina é a franja. O cabelo como um todo não interessa realmente; o relevante é a franja, e, mais especificamente: a franja soprada, nunca me cansarei de repeti-lo; se for preciso transformo-me até no único cabeleireiro não panasca do sec.XXI para cá dos Urais; (porque acho que as mulheres dos cossacos não deixam que qualquer um lhes toque no cabelo) neste momento até está uma gajita na esplanada a olhar para mim, e , só podia, tem uma franja que mais parece um repolho a escorrer antes de entrar para um cozido. Franja que, depois de soprada, não dispute a glória com um quadro do Hartung não tem qualquer hipótese.

6. Entramos agora em zonas mais sensíveis e que nem sempre nos são dadas a observar [estive para escrever contemplar, mas soou-me a balofo] A primeira é a curvatura das costas. A invenção da tábua de engomar foi das maiores perversões para as mulheres, mas não por causa do acto de passar a ferro, como seriam levadas a supor, antes sim pelas comparações geométrico-estéticas que se lhe possam fazer com a zona lombar. Mulher que não apresente um curvo perfil traseiro, digno dum fórmula matemática com dois integrais de mínimo, merece ficar a fazer contas de cabeça até inverter o malvado estereótipo.

7. A forma como os membros engrossam (leia-se pernas e braços) é determinante para a fixação do conceito de beleza feminina. O trajecto desde o cotovelo até ao ombro, e o do joelho até à anca, são circuitos decisivos para a mulher. Coxa e braço que não se mostrem ligeiramente musculados, irregulares, tensos, ansiando uma descarga de arqueiro, e se portem que nem tubos de ensaio, fazem com que a mulher possa ser bonita mas é no reino das cornucópias e dos damascos. A mulher bonita tem de possuir braço de operária, de camponesa. Roliços, arredondadinhos, querem-se os rolos de carne.

8. Finalmente tenho de terminar falando dos lábios (a voz e o pescoço levar-me-iam para terrenos pantanosos e instigadores de represálias). É talvez a zona constituinte da beleza feminina que tem dado azo a mais equívocos, certamente movidos pela carnalidade do desejo masculino. Basicamente a mulher tem de ter lábio, lábios, boca, tecnicamente falando. Não pode ter ali apenas um fiozinho que mais pareça uma linguiça sem graça, mas também não pode ter ali quase uma vulva fora do lugar. Cada coisa no seu sítio. O lábio duma mulher tem de ser algo sobre o qual o homem possa dizer: eu quando for transportado até ao céu quero ir deitado ali em cima e, quando lá chegar, algum anjinho que me diga: salta daí de cima rápido ó meu cabrãozito.

Mas não posso no entanto terminar sem deixar uma palavra de ânimo para aquelas (pouquíssimas, estou certo) que leiam isto e não se revejam no estereótipo aqui delineado. Não, não direi que a beleza não essencial, ela é de facto essencial, deixaria antes uma sugestão prática: arregalem os olhinhos, casem-se, pensem depois que o vosso marido é um Deus grego, apregoem-no mesmo, imaginem que as ninfas vos protegem, constatem que até a Calipso ficou a arder, e que haverá sempre algures um Dionísio que vos cante, mesmo que não haja Cupido que vos obedeça, Aquiles que vos embale, ou Hermes que vos aguente, ou excalibur afiada que vos ajude a desapertar o corpetezinho.
,Luna Park

“Existem dois tipos de pessoas: aquelas que dizem a Deus: ‘ Muito bem, assim será feito’, e aquelas a quem Deus diz: ‘ Está bem, então faz isso à tua maneira’.”

C.S. Lewis, ‘The Screwtape letters’, 1943
mundos de sonho (*)

Torii Kotondo (1900-1976), O cabelo pela manhã (pormenor). Japão, 1932 [gravura sobre madeira; tinta e pigmentos sobre papel, 43 x 27,2 cm], Smithsonian Institution, Washington D.C.

(*) Fundação Calouste Gulbenkian, Lisboa.
Artroses mentais e outros problemas estereotipo-antropológicos

Um estudo publicado na revista Science terá concluído que ‘o desempenho feminino na matemática depende daquilo em que cada mulher acredita sobre predisposições e determinações genéticas ou sociais relativas a esta matéria’ (frase retirada do Público (6ªfª) – eu, desde que inventaram os raios laser, deixei de ler revistas científicas).

Afastando-me das piadinhas que se podiam construir à volta da matemática no feminino (vai-se ganhando um lugar no céu à conta destas pequeninas coisas) vou-me reter apenas neste conceito que é o ‘condicionamento baseado na crença em predisposições e determinações genéticas e sociais’. Dizer que a mulher está especialmente determinada por ‘aquilo que é’ + ‘aquilo que pensa que é’ + ‘o que pensa que os outros pensam que ela é’ dá obviamente uma fórmula de sucesso, apesar de ser duma banalidade confrangedora, e algo recorrente. Se eu me puser a pensar que sou piloto de fórmula 1 e pedir à minha mãezinha que mo repita três vezes seguidas olhando para a fotografia do primeiro banhinho, e além disso for multado a 237 km/hora e me descobrirem uma ligação especial entre a tíbia, o cólon diverticular, o ligamento que tricota a rótula, a espinal medula e o neurónio 5.3, nunca mais ninguém me tirará da cabeça que sou uma vocação perdida das pistas.

Mas, de facto, a mulher parece mais filiada numa corrente de condicionamentos cruzados do que o homem. É nitidamente mais sofisticada a condicionar-se, consegue mesmo transformar uma sequência de limitações numa perpetuação de psicologismos antropológicos. Aplica-se-lhe sem margem para dúvidas o que P. Johnson diz no final do texto sobre Brecht: «veiled her mind cunningly» (a).

O mecanismo da ‘percepção do estereótipo’ é uma espécie de pescadinha de rabo na boca em qualquer análise pois nada melhor que um bom sistema de crenças para tornar a antropologia num sudoku de paradigmas; tanto estudo sobre o feminino só nos servirá para crucificar ainda mais aquela costela rebelde. Eu penso que antes de se fazer mais estudos sobre homens e mulheres deveriam sempre experimentar primeiro com ratos, pois tanto a fêmea como o macho apresentam o bigode sem complexos (ou não?…).

O homem, aquele ser básico e previsível, espécie de bico de Bunsen que se movimenta sobre um tripé simples de esquemas mentais, poder-sexo-cerveja, aparentemente não tem hipóteses de se refugiar nas cordas desse violino do estigma e enrodilha-se na álgebra dos grandes números: quanto menos incompetente melhor, mas, no limite, a partir de certa altura, apenas estar por tudo para que não se perca nada; fixou-se no modelo recolector e daí não saiu. O homem quando é usado para testar a ‘consistência dos estereótipos’ revela-se pois quase sempre mais enfadonho que os ditos. Deixou por isso de ser objecto de estudo ao apresentar um espectro ainda mais reduzido que os menus de bitoque: ou são ‘à casa’ ou são ‘do lombo’.

A mulher, essa sim, é a tal viciada em se deixar condicionar, a sublimação pavloviana, desde o modelo mais Victória Beckamizado quando diz «I love all that benefits my body shape» até à Shakespeariana MacBeth em «when Duncan is asleep (…) is two chamberlains will I with wine and wassail so convince that memory, the warder of the brain, shall be a fume, and the receipt of reason a limberick only»(b) [género, embebedamo-los e limpamo-lhes o sebo como quem pinta as unhas]. Sempre umas queridas a condicionarem-se, essa é que é essa, e sem precisarem de fazer muitas contas. Se calhar lá vou ter de começar a ler outra vez revistas científicas por causa da depilação; a laser, claro.

(a) ‘The Intellectuals – Bertold Brecht: heart of ice’; (b) ‘MacBeth’ acto I, cena 7

E agora, Mme, é só escolher uma fotografiazinha a condizer, ifitsnotamaçade.
quiz
Param, scutam e otam, mas o comboio já passou há que tempos.

João Gonçalves, no Portugal dos Pequeninos, remata um post com a frase-trocadilho sobre a esquerda portuguesa, caracterizando-a como ‘persiste sinistra’. Literariamente feliz, mas julgo que acaba por valorizá-la em excesso. A esquerda (primeiro em regime de clandestinidade e depois de pós revolução) produziu, de facto, em Portugal, o único político de eleição depois de Salazar, que foi Soares, (Cunhal daqui a uns anos ficará apenas como um sofrível desenhador a carvão) mas de resto apenas alimenta, na regra, o que foi mantendo colado com cuspo ao longo dos anos: o intelectualismo bafiento (em média sempre mais fraco que a vida intelectual da direita - que evoluiu para mais aberta, mais culta e mais actualizada – e alinhavado numa cozedura arrastada), o tecnocratismo anedótico (sempre a meio caminho entre a incompetência, o almanaque e a flacidez - e nunca focado como o da direita- apenas babando reformas como quem palita os dentes), e o burocratismo verborreico (comprado em promoções nas escolas internacionais que vão rodando ciclicamente a moda socialoide)

Sócrates tenta encher o peito de ar , mecanizar o discurso, (analisou o inenarrável Guterres, o insuportável Vitorino, o amorfo Constâncio, o vazio Coelho, entre outros que pouco contam, e tenta fugir-lhes) mostrar que não é desse campeonato, e que poderá levar o rebanho rosa pelo menos a pastar num atmosfera mais arejada. Julgo que não vai lá. Vestem melhor, lêem autores mais cosmopolitas, sufocam sofrivelmente as asneiras mediáticas, clintonizam e blairizam, mas não dá para alegrarem. Ter como comparação as recentes ‘buchas’ da direita Barroso&Santana apenas chega para enganar a fome. Na média, a esquerda em Portugal não atrai os melhores. Sociologicamente é mais pobre. Mas como o país é Portugal, dá para governar. Persiste sem vista.

(e continuo sem perceber como se põem links nesta coisa…)
naif de ponta e mola

Eu sou daqueles que ainda achou que o bush não podia ser tão tolo assim (mesmo quando me escarrapachavam as gaffes na cara), eu sou daqueles que pensou que Blair tinha algo por detrás do sorriso ( mesmo que agora até se tenha convertido aos preceitos da santa madre igreja, deixando os ingleses a hesitar entre um sucessor mais cockney ou uma mais posh - pois acho que não há fox terriers, nem after eights disponíveis) , eu sou daqueles que acho que a Segolene vai ganhar porque o Laurent fabius dá muitas parecenças ao mega ferreira, eu sou daqueles que não se importa que a maria joão pires tenha levado os bemois para o brasil, mas não sabia que a contrapartida era o sustenido buarque não nos largar a peúga, eu sou daqueles que ainda hoje dou graças todos os dias pelo dia em que o peseiro bazou dos lagartos, eu sou daqueles que ainda gosta de saramago, apesar d’ele não conseguir descrever sopinhas de leite condensado tão bem como o rodrigues dos santos, eu sou daqueles que ainda achou que o prado coelho não tinha nenhuma doença venérea ( leia-se veneração desmedida a ideias parvas), eu sou daqueles que nem percebi porque é que se trocou o santana das revistas do coração pelo filósofo da co-incineração, eu sou daqueles que acha que mais vale uma Ana Karenina na mão do que duas Medeias a voar, eu sou daqueles que grama o deleuze e o paul johnson ao mesmo tempo e sem precisar de barrar com canesteen, eu sou daqueles que tanto se me dá uma taxa moderadora como uma boa trancada nos benefícios fiscais, eu sou daqueles que encontro deus mais próximo dum trocadilho herético do Samuel, do que de duas dúzias de pensamentos do Pascal, eu basicamente sou daqueles; não sei se estão a ver.
Don Cavacon

José Pacheco Pereira, master franchise da ‘lei de gresham’ para o segmento da blogaria, explica hoje no público como o bom blog deve expulsar o mau blog.
quiz
‘Um’ homenage aos poetes que muite me proporcionaram’

Sim, o nosso Ramalho Eanes também foi proporcionado pelas bênçãos da ‘brisa fresca’ das palavras em degrauzinhos e vai ter a sua recolha de poemas publicada na série do Público. Ora constar que alguém foi proporcionado é algo que me deixa roído de inveja, é verdadeiramente o meu sonho. Trata-se dum verbo riquíssimo de conteúdo e até de uma morfologia léxica bastante envolvente (assemelha-se mesmo a um motor a dois tempos sem estar afogado em óleo). No fundo, aquilo que todos procuramos na vida, qual asterixes, é a verdadeira proporção mágica: sabermos o peso, conta e medida da parte do mundo que nos cabe e a parte onde devemos caber, (mesmo sabendo, claro, que temos um coraçãozinho do tamanho do mundo, e unhas dos pés enormes se não as cortarmos, e pêlos nas orelhas - os homens por cauda dos tais genes holândricos – e mais uma enorme gama de etceteras de todos os tamanhos e feitios, incluindo fogagens na testa por causa da merda das azeitonas; acho). Em geral – tirando as fases mais sôfregas (abençoadas) - estamos conscientes que ‘os bois se comem às postas’ ou seja, por porções, e que daí deriva uma das características da nossa condição (zinha, também, nos dias de lua nova): irmo-nos fazendo. Muitas vezes ‘vão-nos fazendo’ também, mas isso é uma expressão que tem ganho um cariz duvidoso e por isso afastá-la-ei da análise deste maravilhoso mundo do proporcionalismo científico. Quando algo nos é assim proporcionado deveríamos por inerência passar a ser pessoas proporcionadas, expressão também ela algo ambígua pois remete-nos para imaginários de músculos bem desenhados e/ou formas bem esculpidas (digo imaginários, porque neste preciso momento nada se me passa, neste capítulo, fora do maravilhoso mundo da imaginação); mas isso nem sempre acontece, pois receber uma boa porção por vezes não é acompanhado do devido processo da sua incorporação eficaz neste todozinho querido com que nos pavoneamos mais ou menos alegremente, e muitas vezes não passamos de dentaduras postiças com pernas a querer partir nozes (que também dá para plural de ‘nós’ neste enquadramento antroplogico-semantico-trocadílhico, note-se). Vocês já não estão a acompanhar isto, eu sei, não sabeis aproveitar estes momentos únicos que eu vos podia proporcionar, mesmo não fazendo parte da antologia escolhida do nosso Eanes. Sim, nosso, se há algo que eu considero verdadeiramente nosso património, é o nosso Eanes, (ali entre a barragem da Aguieira e a cozinha do mosteiro de Alcobaça) alguém que a revolução nos proporcionou, lá está, algo que as forças armadas nos deram sem exigir continência, (um bocadinho de abstinência, vá lá, mas também nada que não se remediasse com umas cervejitas e umas anedotas porcas) uma gracinha no fundo. Hoje, em modus absurdus, penso: que bons tempos nos proporcionastes, ó Ramalho, e que a poesia te continue a proporcionar também. Como diz o Timshel (*), o que é preciso é equilíbrio e fio condutor (mas esqueceu-se que, se a corda estiver muito bamba, ainda podemos saltar com ela). A proporcionalidade à dignidade dos altares, é o meu desejo, Manelinha volta estás perdoada.

(*) http://timoteoshel.blogspot.com (não sei por links nesta coisa).
my pleasure
We have no more forgiving’s

Teremos desculpa para não sermos felizes? Teremos tudo para ser felizes? Seremos mais desperdiçadores que acumuladores? Teremos mais olhos que barriga? Andaremos na berma sem ver a estrada? Quando Montaigne nos ‘Ensaios’ cita Propércio em «a hera cresce melhor se espontânea, o medronheiro nasce mais belo nos antros solitários e o canto dos pássaros é mais doce sem artifício» (a) estará a instigar-nos a forçar o olhar para a vida e para o mundo sem arte e sem ciência? E sem Revelação? Apenas Sol e lambidelas de cão? E sem amores bem construídos, desenhados para durarem, sejam ele mais erotizados, ou mais agapezados, ora mais água-pesados & acastanhados já agora!?

Não acredito na ‘simplicidade’ do mundo, não acredito em labirintos fora da literatura e das galerias de arte, não acredito na mulher sem beleza, não acredito na mãe natureza, não acredito numa filial sem sede, não acredito num Deus totalmente não intervencionista, não acredito numa taxa sem spread, não acredito numa gaiola sem alpista, desconfio do dedo do gastroentrologista, estou a forçar alguns descredos, concedo, mas, mesmo até quando um dos máximos e longínquos poetas chineses, Du Fu (séc VIII), nos avisa que ‘onde vejas poucas pessoas tem cuidado ao aproximar-te, mas ali onde vejas muitos tigres poderás passar’, eu prefiro antes um homem tecnológico, ambicioso, ofegante nos seus sentimentos, preso à pele, preso à culpa e à redenção, ao deslumbramento e à desilusão, ao esquecimento e à memória, à ruína e à glória, alimentado através da grade ou refém da saudade, do que um homem apenas preso à liana, à areia fina, enternecido em boas vistas, e tão temente aos Deuses como aos parasitas; e, pior, como diz Petrónio no Satiricon, mesmo que embebido em hedonismo, ‘não há nada mais estúpido do que a fingida austeridade’. Não, não temos desculpa para não sermos felizes, só temos desculpa para chegar atrasados, mas todos os dias são dias bons para que possamos dizer ‘não sabia que a vida podia ser assim’(b) e para não nos esquecermos que fomos avisados na parábolas dos talentos que ‘ao que tem dar-se-á e terá em abundância; mas ao que não tem, ser-lhe-á tirado até mesmo o que tem’ (c).

(a) em I, 31 ‘dos canibais’

(b) de J. Sapinho, citado no ‘Y’

(c) Mt 25, 29
“multiflash indian club”
Summa Taralhógica

Antes da criação do mundo tudo se resumia a uma arrobazinha palpitante. Deus, cansado de tanto acto e de tão pouca potência, disse à arrobazinha: ‘ó tu, faz-te à vida, não sejas taralhoca e espreme-te bem!’ Ela hesitou e de que maneira: «farei um hula hula ou uma habanera…mas antes que Ele se zangue, vai antes um big bang». Dito e feito, ao sétimo dia já era um fartote, e se não fosse o céu um dilúvio mijar, e a torre de Babel a empinar-se no ar, hoje Sodoma seria a nossa feira popular. Vai daí, todo o ser que se pudesse genuflectir sem ganhar muitos calos, nem bolhas nos pés, foi incorporado num pelotão de robinsons crusoes, sem ilhas nem sextas-feiras, com a alma em ferida, e à cata duma terra prometida. Mais Salomão, menos David (que até rimava com pevide, mas não estou para aí virado) chegou-se ao momento em que a metafísica meteu os pés pelas mãos e o Criador achou por bem vir ver pessoalmente em que estado se tinha transformado a arrobazinha palpitante. Apanhou-a entalada entre umas falácias e uns deboches, já tinha sido enfernizada e não tardava a fazer de salada. Havia que intervir: já eram deuses a mais para um Olimpo entretanto encafuado num subúrbio, vendilhões com a banca a meter água, muito Pilatos a querer lavar as mãos, muito fariseu a coçar a pança e muita Salomé com fome de dança. Tudo espremido: entre o bom ladrão e o mau ladrão, a ocasião fez a redenção. Veio depois a fase da dúvida entre o mortal e o venial, entre a graça e a vontade, do infiel e do leal, a virtude deixou de estar no meio, acabaram-se os milagres, e veio o domínio do paleio. A arrobazinha estava cansada, olhava para trás e pensava: ‘tenho que pôr mão nisto, pois se nem mesmo tendo sido o próprio Deus visto e revisto, como é ainda possível tanta genuflexão e tão pouca contrição?’ Estava demonstrado o exagero da explosão, não tinha sido a melhor opção, «olha Criador, rebobina, desfaz as regras da causalidade, põe tudo ao molho e faz como eu te disse: cozido à portuguesa, águas quentes e frias, chantilly com framboesa, e período fértil só de três dias».
Luna Park

“Os detalhes da sua incompetência não me interessam.”

Miranda Priestly, in “O Diabo veste Prada”, 2006
in fabula
No país dos flippers encantados

Foi numa manhã chuvosa, daquelas em que Lisboa faz por imitar outras cidades europeias, que MSTavares® , CPCorreia® e MRPinto® se reuniram como sócios fundadores da Liga dos Amigos dos Plagiadores Não Anónimos. Estavam bem dispostos, contavam anedotas do Sala uns aos outros, pois estava-lhes vedada a piadola original de improviso, e a discussão previa-se desde logo acesa em torno do primeiro artigo dos estatutos: «Será considerado plágio acima das três palavras iguais, ou serão precisas quatro?» MST, que tinha vindo do tratamento dum processo de negação, estava bastante liberal «acho que desde que se mude o título e os agradecimentos finais já deve ser aceite», MRP parecia algo confusa e afirmava que só deveria ser admitido um plágio que fosse descoberto antes das 11 semanas, e CPC, ainda a braços com um processo que tinha instaurado à Microsoft por se lhe ter encravada tecla e o rato no copy paste, afirmava que para o plagiador tinha de haver explicação científica e ela achava que era tudo por causa dum gene que também aparecia numa osga escarlate da Nova Guiné.

Havia no entanto assuntos de expediente a tratar e tiveram de se deixar de divagações programáticas. Tinham à frente a ficha de inscrição de MFMónica® , que apresentava como justificação o facto de nas suas memórias ter copiado um acontecimento da biografia da gina lolobrigida em que esta beijava a nuca dum nadador salvador e pintor simbolista que a tinha safo (mitologias à parte) duma patuscada de piranhas num riacho da Sardenha. Parecia-lhes um plágio consistente e até decidiram convidá-la para tesoureira porque tinha ar de boas famílias e um espírito muito aberto. O boletim de EPCoelho® já lhes parecia menos convincente porque se acusava de ter usado uma estrofe inteirinha de Paul Valery, com vírgulas e tudo, para fazer uma tese sobre o papel da rebentação das ondas na poesia não masturbatória de florbela espanca, mas MST defendeu-o porque tinha sido esse Valery que lhe tinha aberto os olhos no tratamento, quando escreveu ‘Le meilleur ouvrage est celui qui garde son secret le plus longtemps’. MRP já não estava a acompanhar a conversa e saca do boletim de inscrição de Sócrates que vinha assinado por Cavaco e dizia: «porra, mas este tipo nem um sorrizinho, nem um safa, nem uma fatiazinha de bolo rei, nem nada» mas os outros responderam que os políticos não podiam entrar na Liga porque: uma coisa era plágio, e havia que preservar a sua dignidade própria, outra coisa era o ‘lêem todos a mesma cartilha’ e para isso até já tinham de pedir autorização ao João de Deus e ao Armando Vara.

Já se estava a fazer tardinha, e a MRP mostrava-se inquieta porque tinha de ir para o cabeleireiro escrever o seu próximo romance, (a pedicure acho que fodia às quintas com um tipo que era contabilista) quando aparece inesperadamente o boletim de VPValente® reconhecendo que já tinha escrito vários artigos depois de ouvir um tipo no Speacker’s Corner que era viciado em Bourbon com capilé. Nesta altura tiveram forçosamente de definir bem a fronteira entre cópia e inspiração, e MST disse peremptoriamente que tudo se jogava na alma do plagiador: a inspiração é uma fragilidade do inconsciente, um plagiador sério não finge interpretar, não conjectura, não circunstancializa (MRP nesta altura já não acompanhava outra vez e pensava em fazer umas madeixas como as da joni mitchell) isso é para o crítico literário, para os decoradores de interiores e para os tipos que escrevem editoriais nos jornais; CPC ia-se desvanecendo com o derramamento dum intelecto tão viril e questionou se podia usar aquela frase dele num artigo sobre as semelhanças da fotossíntese e do trajecto da seiva elaborada na bolota e no musgo da pantagónia, mas ele até se indignou porque num plágio em condições nunca se deve pedir licença, isso é o plágio apanascado. Mas estava mesmo a ficar tarde, o lusco fusco já lhes toldava as ideias, e nem sequer a ficha de inscrição de VGMoura® a confessar que tinha posto uma frase do Racine na tradução dos sonetos de Shakespeare e que ninguém tinha notado, os fez prolongar a sessão inaugural da Liga, e lá foram todos jantar para um daqueles restaurantes onde não vai ninguém, ali para a bica do sapato.
‘Lacedemónios dissolutos e Tebanos entretidos’

Demóstenes falando aos atenienses e chamando-lhes à atenção de como tinham deixado espaço à prepotência de Filipe da Macedónia (pai de Alexandre), a certa altura dizia que o povo ‘já se ia dando por muito satisfeito se fosse repartindo entre si os fundos dos espectáculos ou organizasse alguma procissão’ (*)

Ontem, como hoje, e aparentemente como em muitos amanhãs, a sobrevivência do ‘poder’ vai de mãos dadas com a decadência da ‘cidadania’: fundamentam-se ambos numa cirúrgica distribuição de mordomias e numa criteriosa prática de liturgias.

E com cada vez menos Bastilhas para tomar, as mais nobres e desinquietas almas vão soçobrando nas revoluções dos plágios, nos arredondamentos das taxas de juro, na legislação do ciclo menstrual, nos financiamentos de pérolas do atlântico, na regulamentação das boas práticas gramaticais e nas dores dos procuradores.

(*) da 3ª Olintíaca (ed. Espasa Calpe)
Liguem o exaustor

O mundo, desde que descobriu que a «acrilamida se forma durante a fritura, a cozedura no forno e os assados em condições de alta temperatura e baixa humidade», nunca mais foi o mesmo. A busca de culinárias alternativas tem levado a espécie aos maiores horrores, e tem inclusivamente afastado a mulher da cozinha, deixando esta ao abrigo de infestações de homens que agora chegam a dizer «eu relaxo muito a cozinhar». Ora homem que relaxe a cozinhar merece bem que a acrilamida se lhe enfie pelos interstícios da masculinidade que nem um peróxido de carbono amestrado. E isto tudo para vos contar que se está a perder o encanto pela fritura. Repare-se que qualquer dia, estejamos à beira do apocalipse final, ou da reeleição do sócrates, ou de mais uma quadratura do círculo, ou de outro livro do MST, queremos aliviar da desolação da pátria e da diarreia de convicções apregoadas em que vivemos, e apetece-nos dizer que estamos todos fritos, e, já nem sabendo o que isso é, acabamos a desabafar: ‘estamos todos ao vapor!’ Por favor! Esta chapsoisização dos costumes, em que tudo deve vir servido entre rebentos de soja e molhinhos de ranho de gato leva o género humano a esquecer-se que é no óleo da fritura que se devem tratar os grande assuntos da humanidade, ali a borbulhar que nem mártires cristãos, e jamais ao vapor ou no carvão, e muito menos na pedra (até por causa das costas, mas agora divaguei, reconheço). Tenho agora até de vos confessar que me perdi completamente no tema disto, mas realmente o que me trouxe aqui até foi ter visto ontem um quadro que está no Louvre dum tal Lorenzo Lotto (séc. XVI) em que Jesus aparece com a mulher adúltera mas apresenta um arzinho todo penteadinho e anafado, pá, ou põem Jesus com um ar esquálido, distante e sofredor ou eu começo a dar borlas a budistas em três tempos, ou a ler o Tao da Física, e isto para já nem falar que a Agustina tem um livro novo, e parece que nem é plágio nem nada, assim nem tem piada (o ‘mil folhas’ diz que’ para ela tudo é pretexto’- a última vez que me disseram isso até amuei). Bem passado, please, com o Pulido valente a cavalo, e a ferreira alves num pratinho à parte, até porque o ramalho Eanes também tem um livro de poemas de cabeceira, já só falta o Macário Correia. Mas limpem bem a porra do filtro, foram as últimas palavras de Dante antes de sair do purgatório.
b&w
O mundo às nove semanas e meia

Ora faz de conta que sou um feto à beira das 10 semanas e estou perante um dilema intransponível: ou vou desaguar num mundo de cesares da neves e gajas nem vê-las, ou num mundo de fornicações breves e algumas edites estrelas. Dou duas voltas na nhanha onde estou a marinar, esfrego bem as cavidades, assobio pró ar, coço as partes e questiono o criador: Meu, achas que ainda posso invocar a objecção de consciência e bazar daqui, que já não há paciência, sei lá, para a constelação dos berimbaus alados, onde já se fazem tostas mistas aparadas com raios laser, embalsamaram o Marx e fazem sexo tântrico sem xanax? Acho bem que me escondas que a odete santos e o louçã andam por cá, pois não haveria livre arbítrio que aguentasse tamanho condicionamento, mas que puseram uns lápis de cera na mão da Paula Rego e uma viola no colo do bob dylan, !? isso acho que já foi de mau gosto não me teres avisado. Agora, convenhamos, é aborrecido um tipo ser feto praticamente às 10 semanas e nem vos poder avisar que daqui de dentro todas as gajas me parecem a kim bassinger com aquele focinho de freira em esgaseamento místico, e nem um pecado solitário se pode cometer em termos por evidente falta de espaço.

Agora, sendo certo que não há nada mais fácil para um feto às dez semanas do que manipular um galinheiro de mães extremosas, ou uma matilha de predadores com cárie mental, também não deixa de ser verdade que me aborrece ficar sempre tão desfocado na porra das ecografias; a ver se o al gore toma igualmente conta deste problema global faz favor.
A ‘fatal futilidade dos factos’

Oiço neste momento paulo portas na sic notícias. Politicamente foi, é, e será, sempre, um bluff politico; a ‘colagem’ a anedotas como durão e santana - era o que ele tinha à mão na altura, de qualquer modo – não lhe permitiram consolidar o partido do taxi no partido da rodoviária e lá teve de ir recreando e mantendo o seu boneco o melhor que conseguiu e consegue. Por estes dias proporciona uma viragem na estética televisiva: o realizador em vez da previsível focagem da apresentadora-objecto concentra-se em grandes (e médios) planos dos seus botões de punho. Mesmo se de caminho vai dizendo que sócrates é vulnerável e que os monopólios são terríveis, entre outras banalidades ditas em formato de fiscal de linha engravatado - neste momento não sei se voltará a elogiar inês pedrosa – a reter, verdadeiramente a reter: os botões de punho, tirando a antevisão da passagem do neoconservadorismo para o conservadorismo moderado e tudo isto sem parecer o albaran. Qualquer dia será um vitorino em mais bem vestido.