Artroses mentais e outros problemas estereotipo-antropológicos

Um estudo publicado na revista Science terá concluído que ‘o desempenho feminino na matemática depende daquilo em que cada mulher acredita sobre predisposições e determinações genéticas ou sociais relativas a esta matéria’ (frase retirada do Público (6ªfª) – eu, desde que inventaram os raios laser, deixei de ler revistas científicas).

Afastando-me das piadinhas que se podiam construir à volta da matemática no feminino (vai-se ganhando um lugar no céu à conta destas pequeninas coisas) vou-me reter apenas neste conceito que é o ‘condicionamento baseado na crença em predisposições e determinações genéticas e sociais’. Dizer que a mulher está especialmente determinada por ‘aquilo que é’ + ‘aquilo que pensa que é’ + ‘o que pensa que os outros pensam que ela é’ dá obviamente uma fórmula de sucesso, apesar de ser duma banalidade confrangedora, e algo recorrente. Se eu me puser a pensar que sou piloto de fórmula 1 e pedir à minha mãezinha que mo repita três vezes seguidas olhando para a fotografia do primeiro banhinho, e além disso for multado a 237 km/hora e me descobrirem uma ligação especial entre a tíbia, o cólon diverticular, o ligamento que tricota a rótula, a espinal medula e o neurónio 5.3, nunca mais ninguém me tirará da cabeça que sou uma vocação perdida das pistas.

Mas, de facto, a mulher parece mais filiada numa corrente de condicionamentos cruzados do que o homem. É nitidamente mais sofisticada a condicionar-se, consegue mesmo transformar uma sequência de limitações numa perpetuação de psicologismos antropológicos. Aplica-se-lhe sem margem para dúvidas o que P. Johnson diz no final do texto sobre Brecht: «veiled her mind cunningly» (a).

O mecanismo da ‘percepção do estereótipo’ é uma espécie de pescadinha de rabo na boca em qualquer análise pois nada melhor que um bom sistema de crenças para tornar a antropologia num sudoku de paradigmas; tanto estudo sobre o feminino só nos servirá para crucificar ainda mais aquela costela rebelde. Eu penso que antes de se fazer mais estudos sobre homens e mulheres deveriam sempre experimentar primeiro com ratos, pois tanto a fêmea como o macho apresentam o bigode sem complexos (ou não?…).

O homem, aquele ser básico e previsível, espécie de bico de Bunsen que se movimenta sobre um tripé simples de esquemas mentais, poder-sexo-cerveja, aparentemente não tem hipóteses de se refugiar nas cordas desse violino do estigma e enrodilha-se na álgebra dos grandes números: quanto menos incompetente melhor, mas, no limite, a partir de certa altura, apenas estar por tudo para que não se perca nada; fixou-se no modelo recolector e daí não saiu. O homem quando é usado para testar a ‘consistência dos estereótipos’ revela-se pois quase sempre mais enfadonho que os ditos. Deixou por isso de ser objecto de estudo ao apresentar um espectro ainda mais reduzido que os menus de bitoque: ou são ‘à casa’ ou são ‘do lombo’.

A mulher, essa sim, é a tal viciada em se deixar condicionar, a sublimação pavloviana, desde o modelo mais Victória Beckamizado quando diz «I love all that benefits my body shape» até à Shakespeariana MacBeth em «when Duncan is asleep (…) is two chamberlains will I with wine and wassail so convince that memory, the warder of the brain, shall be a fume, and the receipt of reason a limberick only»(b) [género, embebedamo-los e limpamo-lhes o sebo como quem pinta as unhas]. Sempre umas queridas a condicionarem-se, essa é que é essa, e sem precisarem de fazer muitas contas. Se calhar lá vou ter de começar a ler outra vez revistas científicas por causa da depilação; a laser, claro.

(a) ‘The Intellectuals – Bertold Brecht: heart of ice’; (b) ‘MacBeth’ acto I, cena 7

E agora, Mme, é só escolher uma fotografiazinha a condizer, ifitsnotamaçade.

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