Antes da criação do mundo tudo se resumia a uma arrobazinha palpitante. Deus, cansado de tanto acto e de tão pouca potência, disse à arrobazinha: ‘ó tu, faz-te à vida, não sejas taralhoca e espreme-te bem!’ Ela hesitou e de que maneira: «farei um hula hula ou uma habanera…mas antes que Ele se zangue, vai antes um big bang». Dito e feito, ao sétimo dia já era um fartote, e se não fosse o céu um dilúvio mijar, e a torre de Babel a empinar-se no ar, hoje Sodoma seria a nossa feira popular. Vai daí, todo o ser que se pudesse genuflectir sem ganhar muitos calos, nem bolhas nos pés, foi incorporado num pelotão de robinsons crusoes, sem ilhas nem sextas-feiras, com a alma em ferida, e à cata duma terra prometida. Mais Salomão, menos David (que até rimava com pevide, mas não estou para aí virado) chegou-se ao momento em que a metafísica meteu os pés pelas mãos e o Criador achou por bem vir ver pessoalmente em que estado se tinha transformado a arrobazinha palpitante. Apanhou-a entalada entre umas falácias e uns deboches, já tinha sido enfernizada e não tardava a fazer de salada. Havia que intervir: já eram deuses a mais para um Olimpo entretanto encafuado num subúrbio, vendilhões com a banca a meter água, muito Pilatos a querer lavar as mãos, muito fariseu a coçar a pança e muita Salomé com fome de dança. Tudo espremido: entre o bom ladrão e o mau ladrão, a ocasião fez a redenção. Veio depois a fase da dúvida entre o mortal e o venial, entre a graça e a vontade, do infiel e do leal, a virtude deixou de estar no meio, acabaram-se os milagres, e veio o domínio do paleio. A arrobazinha estava cansada, olhava para trás e pensava: ‘tenho que pôr mão nisto, pois se nem mesmo tendo sido o próprio Deus visto e revisto, como é ainda possível tanta genuflexão e tão pouca contrição?’ Estava demonstrado o exagero da explosão, não tinha sido a melhor opção, «olha Criador, rebobina, desfaz as regras da causalidade, põe tudo ao molho e faz como eu te disse: cozido à portuguesa, águas quentes e frias, chantilly com framboesa, e período fértil só de três dias».
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