Teremos desculpa para não sermos felizes? Teremos tudo para ser felizes? Seremos mais desperdiçadores que acumuladores? Teremos mais olhos que barriga? Andaremos na berma sem ver a estrada? Quando Montaigne nos ‘Ensaios’ cita Propércio em «a hera cresce melhor se espontânea, o medronheiro nasce mais belo nos antros solitários e o canto dos pássaros é mais doce sem artifício» (a) estará a instigar-nos a forçar o olhar para a vida e para o mundo sem arte e sem ciência? E sem Revelação? Apenas Sol e lambidelas de cão? E sem amores bem construídos, desenhados para durarem, sejam ele mais erotizados, ou mais agapezados, ora mais água-pesados & acastanhados já agora!?
Não acredito na ‘simplicidade’ do mundo, não acredito em labirintos fora da literatura e das galerias de arte, não acredito na mulher sem beleza, não acredito na mãe natureza, não acredito numa filial sem sede, não acredito num Deus totalmente não intervencionista, não acredito numa taxa sem spread, não acredito numa gaiola sem alpista, desconfio do dedo do gastroentrologista, estou a forçar alguns descredos, concedo, mas, mesmo até quando um dos máximos e longínquos poetas chineses, Du Fu (séc VIII), nos avisa que ‘onde vejas poucas pessoas tem cuidado ao aproximar-te, mas ali onde vejas muitos tigres poderás passar’, eu prefiro antes um homem tecnológico, ambicioso, ofegante nos seus sentimentos, preso à pele, preso à culpa e à redenção, ao deslumbramento e à desilusão, ao esquecimento e à memória, à ruína e à glória, alimentado através da grade ou refém da saudade, do que um homem apenas preso à liana, à areia fina, enternecido em boas vistas, e tão temente aos Deuses como aos parasitas; e, pior, como diz Petrónio no Satiricon, mesmo que embebido em hedonismo, ‘não há nada mais estúpido do que a fingida austeridade’. Não, não temos desculpa para não sermos felizes, só temos desculpa para chegar atrasados, mas todos os dias são dias bons para que possamos dizer ‘não sabia que a vida podia ser assim’(b) e para não nos esquecermos que fomos avisados na parábolas dos talentos que ‘ao que tem dar-se-á e terá em abundância; mas ao que não tem, ser-lhe-á tirado até mesmo o que tem’ (c).
(a) em I, 31 ‘dos canibais’
(b) de J. Sapinho, citado no ‘Y’
(c) Mt 25, 29
Não acredito na ‘simplicidade’ do mundo, não acredito em labirintos fora da literatura e das galerias de arte, não acredito na mulher sem beleza, não acredito na mãe natureza, não acredito numa filial sem sede, não acredito num Deus totalmente não intervencionista, não acredito numa taxa sem spread, não acredito numa gaiola sem alpista, desconfio do dedo do gastroentrologista, estou a forçar alguns descredos, concedo, mas, mesmo até quando um dos máximos e longínquos poetas chineses, Du Fu (séc VIII), nos avisa que ‘onde vejas poucas pessoas tem cuidado ao aproximar-te, mas ali onde vejas muitos tigres poderás passar’, eu prefiro antes um homem tecnológico, ambicioso, ofegante nos seus sentimentos, preso à pele, preso à culpa e à redenção, ao deslumbramento e à desilusão, ao esquecimento e à memória, à ruína e à glória, alimentado através da grade ou refém da saudade, do que um homem apenas preso à liana, à areia fina, enternecido em boas vistas, e tão temente aos Deuses como aos parasitas; e, pior, como diz Petrónio no Satiricon, mesmo que embebido em hedonismo, ‘não há nada mais estúpido do que a fingida austeridade’. Não, não temos desculpa para não sermos felizes, só temos desculpa para chegar atrasados, mas todos os dias são dias bons para que possamos dizer ‘não sabia que a vida podia ser assim’(b) e para não nos esquecermos que fomos avisados na parábolas dos talentos que ‘ao que tem dar-se-á e terá em abundância; mas ao que não tem, ser-lhe-á tirado até mesmo o que tem’ (c).
(a) em I, 31 ‘dos canibais’
(b) de J. Sapinho, citado no ‘Y’
(c) Mt 25, 29
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