Cartas de amor quem as não tem
Eu. É triste, mas é verdade. Nunca m’as escreveram. O lado calimérico aponta-me para o imerecimento, o lado arrogante leva-me para a falta de cabimento. A verdade estará no meio: dificuldade em atrair um esforçado mas sentido paleio.
Ora se tivesse de elaborar uma teoria, diria: quem nunca recebeu uma carta de amor é porque deve esconder um grande estupor. Mas como não tenho, apenas retenho: alguém que não escreve mas que ama, corre o risco de se perder nos folhos da cama, de desperdiçar o prémio e fica-se pela fama. Primeiro: isto é realmente foleiro, e soa pior que mal, por isso, afinal, ganho tino e refino: amor de letra é foda da treta, é baralhar-se com o testemunho antes de chegar à meta; engrossei em excesso, retomo o processo: o amor escrito é um sentimento restrito, é um lado selvagem que se tempera, mas que nunca chega a domar a fera. Isto atravessa-me um pouco o coração mas leva-me por associação para o conceito de ferida, que é marca do amor quando se mistura com a vida; assim, para sarar, pega-se em duas ou três palavras banais e toca a andar: se for brasileiro sai aquela musiquinha com cheiro, mas se for português nem saímos dos porquês; ‘porque não me amas’, ‘porque nunca me chamas’, ‘porque sou só eu que te beijo’, ‘se não vou ter contigo nunca te vejo’, ‘eu só penso em ti e tu do-re-mi do-re-mi do-re-mi’. O amor lusitano é pois meio fornalha, meio cigano: ora arde como palha, ora cortejamos ao engano; mas só não se engana quem não experimenta, é como o pesca sem cana e o chá de menta, e um amor bem adornado dum belo palavreado é meio caminho andado para moer moer moer , mas nunca…esmorecer, pois, está bom de ver, nunca ninguém me escreve nada assim, e então, coitado de mim, arrasto-me penosamente, vertendo suspiros sobre caixas de correio, francamente, tanta prata que eu areio, tanto coço atrás, à frente e ao meio, à espera duma frase que me comova, dum advérbio que me leve os modos, e não me digam que ainda vou para a cova com lágrimas derramadas a rodos, e sem uma frase dorida, mesmo que fosse com uma ou outra mentira escondida; ora cartas de amor não tenho, e só não choro baba e ranho, porque o lenço que era para me assoar, ficou a esvoaçar, num adeus sofrido, sorte madrasta, asa que arrasta, mas note-se: sou um querido.
Eu. É triste, mas é verdade. Nunca m’as escreveram. O lado calimérico aponta-me para o imerecimento, o lado arrogante leva-me para a falta de cabimento. A verdade estará no meio: dificuldade em atrair um esforçado mas sentido paleio.
Ora se tivesse de elaborar uma teoria, diria: quem nunca recebeu uma carta de amor é porque deve esconder um grande estupor. Mas como não tenho, apenas retenho: alguém que não escreve mas que ama, corre o risco de se perder nos folhos da cama, de desperdiçar o prémio e fica-se pela fama. Primeiro: isto é realmente foleiro, e soa pior que mal, por isso, afinal, ganho tino e refino: amor de letra é foda da treta, é baralhar-se com o testemunho antes de chegar à meta; engrossei em excesso, retomo o processo: o amor escrito é um sentimento restrito, é um lado selvagem que se tempera, mas que nunca chega a domar a fera. Isto atravessa-me um pouco o coração mas leva-me por associação para o conceito de ferida, que é marca do amor quando se mistura com a vida; assim, para sarar, pega-se em duas ou três palavras banais e toca a andar: se for brasileiro sai aquela musiquinha com cheiro, mas se for português nem saímos dos porquês; ‘porque não me amas’, ‘porque nunca me chamas’, ‘porque sou só eu que te beijo’, ‘se não vou ter contigo nunca te vejo’, ‘eu só penso em ti e tu do-re-mi do-re-mi do-re-mi’. O amor lusitano é pois meio fornalha, meio cigano: ora arde como palha, ora cortejamos ao engano; mas só não se engana quem não experimenta, é como o pesca sem cana e o chá de menta, e um amor bem adornado dum belo palavreado é meio caminho andado para moer moer moer , mas nunca…esmorecer, pois, está bom de ver, nunca ninguém me escreve nada assim, e então, coitado de mim, arrasto-me penosamente, vertendo suspiros sobre caixas de correio, francamente, tanta prata que eu areio, tanto coço atrás, à frente e ao meio, à espera duma frase que me comova, dum advérbio que me leve os modos, e não me digam que ainda vou para a cova com lágrimas derramadas a rodos, e sem uma frase dorida, mesmo que fosse com uma ou outra mentira escondida; ora cartas de amor não tenho, e só não choro baba e ranho, porque o lenço que era para me assoar, ficou a esvoaçar, num adeus sofrido, sorte madrasta, asa que arrasta, mas note-se: sou um querido.
Sem comentários:
Enviar um comentário