My womanishedesmaker side of the soul

(On & On)

A verdade é que ultimamente me sinto muito afectável pela sazonalidade (nadinha de efeito da indiferença de género à la michaux, é bom de ver) e ontem tirei-me dos meus cuidados e até perguntei a quem sabe se terei alguma descompensação no biorritmo. Que não, que "nada, 'tá parvo ó quê?" foi o que me responderam, e até acrescentaram com a delicadeza de quem me roesse as peles das unhas "estupidez! lá por o sr andar assanhado no outono nada impede que ronrone na primavera, ora essa!". Pareceu-me subentender um sibilante recado felino mas, vindo de quem veio, só se já houvesse híbridos de leões e víboras o que, bem vistas as coisas, a acontecer começará pelo feminino e subverterá a ideia bíblica da génese. Ainda a recuperar da informação sócio-biológica que tão amavelmente me era prestada, insisti "sem querer incomodar, e a minha genealogia desde Adão como fica?" Não foi grande ideia a perguntita, admito, fiquei logo à rasca a magicar que me ia responder "compre um cão! ou faça como aquele adãozeco do Cranach, de raminho na mão e com um veado a guardá-lo! mas veja lá se escolhe um veado de pinta, girézimo como aquele!" e até me podia defender com um tremendo "ganda coisa! a Eva tem um leão sorna!" Podia ter ficado calado, podia pois... "sorna não, cansado! farto! exausto daquela cena interminável em que o Adão se meneia todo mas nem cola o selo nem mete a carta no correio, ou a maçã na boca, ou lá que é! no meio daquela p'pineira toda a cobra diverte-se, p'cébe? olhe bem pròs olhinhos dela e prò nariz arrebitado..." Não foi propriamente na cobra que reparei mais demoradamente que o desejável mas toda a gente sabe que os ramos sem muitas folhas na parte de cima deixam ver à transparência e que o Cranach não aprendeu com Rubens ou com Jordaens, e muito menos com LFreud, a pintar rabos mas na verdade a franja afastada da testa caía-lhe bem "veja lá se despasma e se decide de uma vez por todas, tenho mais que fazer! queira ou não o sr é uma alma de Eva encarcerada num corpo de Adão, p'cébe?!" E não tem nada a ver com desperdício de tempo ter um súbito apetite de ouvir aquele pedacinho em que Jack Johnson canta "and I don't pretend to know what you know / no no / now please don't pretend to know what's on my mind" (*) mas o facto é que não foi necessário mais tempo para me certificar que uma Eva que se preze tem sempre outra maçã na mão.

(*) Wasting time, in "On & On", 2003

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