‘Experiências com a verdade’ © (*)

Eu essencialmente gosto é dos chamados problemas existenciais. Geralmente dou-me bem com eles, tirando uma sacana duma borbulha – daquelas com pontinha, não sei se estão a ver - que me chegaram a fazer ali a três quartos da bochecha, mas talvez até fosse duns cajus que comi, ( note-se que um homem ter de fazer referência pública à sua bochecha é um claro sinal de decadência) e raramente me descontrolam os intestinos e nunca me deram flatulências nem azias inoportunas (sobre dores nas costas ver mais à frente). Costumo ( ter costumes de índole intelectual é também de muito bom tom) distingui-los em três categorias: os ‘cinéticos', género ‘para onde vou’, os ‘estáticos’, tipo ‘o que faço aqui’ e os ‘de cu tremido’, género: ‘mas que foda é esta’.

Para os problemas ‘cinéticos’, regra geral aconselho boa companhia, pois já vi muito problema existencial resolvido entre pernas, perdão entre paredes, apenas com uma boa conversa, inclusive com troca de conceitos desde que bem parametrizados – a queima de incenso é opcional - e o caminho da saída é geralmente apontado como uma mera deixa para um passeio no parque, quer porque o cão tem de mijar quer porque não se pode fumar charutos em casa. Queria chamar a vossa especial atenção para o agora subestimado ‘cagando e andando’ que tem uma força epistemológica enorme, e revela um carácter interior desprendido a par do inconformismo que forja as almas que não se confinam ao corpo que o criador lhes atribuiu. Mas a nossa condição de caminhantes exige sermos eternos reféns de meias-solas. Muitos tentam disfarçar andando intermitentemente em bicos dos pés. Eu cá limito-me a pedir a Deus que nunca me ponham os patins.

Para os problemas ‘estáticos’ é absolutamente essencial um bom apoio lombar. Ninguém consegue perceber a sua real posição nos desígnios da criação se tiver todo o seu peso concentrado cóccix. Um outra condição para nunca perdermos o referencial metafísico é sabermos construir o nosso eu de forma filigranada, ou seja: leve e vistoso. Desta forma supremamente equilibrada descobriremos com facilidade que o mundo gira à nossa volta, coperniquianamente, e que a nossa missão é mesmo sermos ‘sunshine of my life’ de quem quer que se aproxime. Espreguiçarmo-nos será assim sempre visto como um sinal de tremenda magnanimidade, ou libertação de energia em linguagem científico-esotérica. Mas a velha questão posicional não passa duma filha dum complexo de dama de companhia amancebada dum recalcamento de corno. Há centros de gravidade que são autênticos bicos de obra.

Os problemas de ‘cu tremido’ são os de maior turbulência psicossomática. Ainda atordoados da missão apocalíptica de ‘crescermos e multiplicarmo-nos’, roçamo-nos uns nos outros sem medir convenientemente as consequências para a coluna. Sermos vertebrados é a pior coisinha que o criador nos reservou e vivemos assim naquela ansiedade em que tudo tem de encaixar em tudo, e bem, senão sai marreca. Por mais que queiramos descopular o mundo e hermafroditizar a criação numa ânsia de autosuficiência espermatozoidal ou uterina, o cerne desta questão encontra-se na capacidade de legofilizarmos a existência convenientemente (é aproveitar enquanto estas palavras maradas apenas pagam 19%). A tremelicância é tanto sinal de excitação como de boa lubrificação, mas um bom encaixe nunca é eterno porque enquanto uma das partes vive numa errância entre a mirração e erecção, a outra ora faz de dique, ora é Suez. O mundo devia ser gerido como um grande canal do Panamá.

(*) Título roubado duma série do agora hibernado Azul-cobalto (o Inverno é sempre que uma mulher quiser)

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