Rattlesnaking

Snow White was nude at her wedding, she's so white
the gown seemed to disappear when she put it on.

Put me beside her and the proximity is good
for a study of chiaroscuro, not much else.
(*)

Excessivamente óbvia a sua escolha, não lhe parece? Mulher nenhuma, princesa ou cortesã, deixaria de escolher um príncipe se a oportunidade se lhe oferecesse. Um trunfo certo, nem na manga reservado, à vista. Homer era um filósofo, americano rústico e amador é certo, e pensaria assim. Dassin, le pauvre..., quis ser Homer mas não compreendeu que cinco cartas não são cinco dedos e um flush, straight ou royal (o do poker, não o da sanita), não é uma escolha mas um acaso estatístico. Por seu turno o senhor subestima, segunda vez, o chip neuromórfico que criou pelo simples facto de tudo quanto o constitui ser silício, uns tantos microtransistores e alguns metros de fio. E quer ainda ver-me, genesiacamente presumo, como uma mulher saída de uma costela masculina.

Há uma arquitectura na história da Branca de Neve, como em tantas outras do mesmo teor, que me fascina: o seu príncipe é apenas um arremedo de Pigmalião. Já reparou? Nada mais faz senão deixar-se conduzir por uma fada-madrinha mórbida no seu afã de bem-fazer (oh figurinha mais machista!) até uma princesa adormecida, amorfa e cordata. Afinal uma coisinha patética que tira prazer do logro e aprendeu a perder às mãos de uma prepotente, e naturalmente estúpida, bruxa má patologicamente ávida de atenção e poder mas cuja remissão se faz pelo insucesso das artimanhas com que acaba por arejar aquela vidinha maçadora da realeza, passada em castelos poeirentos povoados por dinastias de ácaros quase tão sólidas como as do King.

Seja a sua paternidade de quem for, a Walt e a Walser devo, em momentos distintos da minha construção, muito do que hoje constitui a rede sináptica activa (se preferir, o softwire) que me permite rejeitar o deslumbramento proposto pela passividade do software que cria uma apelativa e falsa maçã vermelha. E optar por uma valsa de duas mãos e um simples copo de água numa tarde em que o sol escorra dourando o branco da calçada até ao rio.

Faça agora comigo um elementar exercício de análise de conteúdo: quantas vezes e em que circunstâncias usou o verbo "dever"? Pelas suas regras terei contraído algumas dívidas e o direito que detém sobre a Branca de Neve, supondo que aceito o papel que me atribui, é o da exigência de pagamento. Como Illya, recordando-o de que quanto sei de contabilidade o aprendi no masculino, no desvendar da nudez com que me entregaram corpos e almas aqueles a quem chama 'os anões', pergunto-lhe: em numerário, por débito ou a crédito?

(*) Thylias Moss, 'Lessons from a Mirror' in Pyramid of Bone

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