«Mervedev…Medrevev…Merdrvdev…uatever» (*)


E hoje estou bastante inclinado a revelar-vos segredos avulsos da natureza humana.

Geralmente a insatisfação sexual leva os humanos a falarem em excesso sobre sexo (o meu caso) ou a não falar nada (o meu caso), estando o famoso meio-termo apenas reservado àqueles que conseguem alegremente pinocar assobiando ao mesmo tempo (o meu caso).

No entanto, o tema que neste momento está na ordem do dia no meu reduto familiar é mesmo a interpretação do 1º mandamento. Pois então, o piolho mais novo cá de casa há coisa de duas semanas introduziu esta improvavel temática na agenda doméstica com a solene, convicta e enfática afirmação: «eu não posso cumprir o mandamento de amar a Deus porque não sou gay». A partir de aí, toda a família, depois de olhar para mim com um sinal explicito e irónico de censura – sim, que 'rica educação' – tenta rentabilizar esta habilidade hermenêutica em estado bruto, no intuito de pôr à prova a minha capacidade (má fama) de dar a volta a alguém, neste caso concreto um puto teimoso e macho, – já é um esforço hercúleo mantê-lo lagarto – trazendo-o para uma ortodoxia doutrinal mais consentânea com a semanada franciscana que recebe, ou seja, lhe devo; sim, o pelouro apologético aparentemente estará comigo, pois a minha mulher o mais próximo que esteve daquilo a que tradicionalmente se chama de religião foi quando precisamente no fim-de-semana passado se rendeu a um toucinho-do-céu plastificado entretanto descoberto no lidl do alvaláxia onde se tinha ido abastecer de nozes descascadas.

[Voltando ao fenómeno religioso em geral e ao toucinho-do-céu em particular queria adiantar a titulo lateral que a fé e a gula são dos movimentos da vontade que se têm de gerir com mais cuidado, pois em qualquer esquina se encontram lípidas tentações, e muitas vezes nem é preciso ir até à esquina, eu, por exemplo, basta-me atravessar a rua e tenho umas filhas da puta dumas areias de manteiga que me fodem a fé completamente]

Mas no que concerne à turbulência doutrinal instalada no núcleo familiar biparental, de que eu represento o lado mais dependente de proteínas, estamos numa fase de alguma hesitação e negociação conceptual, ...

[a fé é sempre algo que resulta da forte negociação entre o amor próprio – necessário para a sobrevivência – e o desligamento de nós próprios – essencial para ver mais longe]

...pelo que, mais tarde ou mais cedo, lá terei de voltar a falar de sexo, o único tema que substitui decentemente a religião nas épocas em que o Sporting não joga um caralho; ou quando falha o assobio.

(*) Hillary C.
every thing that grows

When I consider every thing that grows
Holds in perfection but a little moment,
That this huge stage presenteth nought but shows
Whereon the stars in secret influence comment;
When I perceive that men as plants increase,
Cheered and checked even by the self-same sky,
Vaunt in their youthful sap, at height decrease,
And wear their brave state out of memory;
Then the conceit of this inconstant stay
Sets you most rich in youth before my sight,
Where wasteful Time debateth with decay
To change your day of youth to sullied night,
And all in war with Time for love of you,
As he takes from you, I engraft you new.

William Shakespeare, Sonnet XV
Alta Competição #n



Hoje, aquele instrumento de medição que nos reduz a um número, e que normalmente responde pelo nome de balança, pede-me para não fazer qualquer comentário sob pena de dar com a língua nos dentes. A, digamos, cobertura da exuberância dinâmica do gluteus medius aconselha-me igualmente a máxima discrição.

Nós somos não só a nossa circunstância como a nossa circunferência.
The man in is own bubble #6


Hoje aquele jornal que Belmiro tem para lixar a carola ao Sócrates apresenta na capa uma dupla maravilha: o papo-seco e o prozac. Parece uma dupla de palhaços do circo chen, mas não, é a pura actualidade. Apenas lhe falta uma notícia sobre os efeitos secundários do viagra, e aí sim, teríamos o ramalhete totalmente composto. Efectivamente, não vale a pena rodear a questão, é de pila feita, relaxado e bem alimentado que o homem se realiza e está em paz com a sua natureza. Assim, se a uma crise no preço da tosta, acrescida duma crise no milagroso tranquilizador que nem se precisa de levar com um dardo no cu nem nada, ainda se somasse uma crise no segredo para prolongar a tesão para lá da idade em que Abraão deixou de ter forças para levantar a saia à dona Sara enquanto ela apanhava salsa nas margens do Eufrates, teríamos verdadeiramente uma bolha depressiva. A chamada Blue Bubble, como é designada pela nobre ciência da bubblítica, onde cumpre o mesmo papel que a teoria da relatividade teve na física ao criar uma insuflação baseando-se na depressão e sem ajuda do vácuo, aquela coisa que tem aquele barulhinho irritante de pbah, não sei se estão a ver, se não estiverem eu faço outra vez, pbaah, agora se calhar foi com um bocadinho mais de força, desculpem.

Bem, a blue Bubble é um fenómeno cíclico, como convém a todos os fenómenos com aspirações a aparecerem nos artigos do Rui Ramos, da família das bolhas sintomáticas, ou seja, é sintoma de que hoje não estou com cabeça para escrever sobre as bolhas quânticas porque emprestei o cerebelo para uns testes em Hollywood que sempre pagavam mais que o Instituto Ricardo Jorge. Mas, tendo na sua génese esta tal contradição da mecânica dos fluidos, a bulle de depression, assume-se sem complexos como uma bolha de equilíbrio instável e com muita tendência para encarquilhar toda junto aos pipos. Chama-se a isto o mecanismo de enrugamento da bolha, uma espécie de quadratura do circulo mas com um Pacheco Pereira em mais magro, e geralmente é o prenuncio de uma bolha de neura, ou mesmo bolha bipolar se houver mais verba disponível.

A fase de esvaziamento da bolha depressiva dá-se, paradoxalmente, quando se começa a desenvolver um processo esfusiante e, nalguns casos, o consequente reerguer de verga proporciona o efeito efervescência que permite ao recheio da bolha ser servido em flute juntamente com bolinhos de camarão, o que lhe confere uma dignidade pouco vista nos outros processos bubblísticos menos privilegiados pelo recheio.

Não queria no entanto deixar-vos sem assinalar que muitas vezes esta blue bubble é mantida artificialmente soprada porque dá muito boa serventia em círculos literários e no controlo da inflação, devendo, assim, ser acarinhada por editores e autoridades monetárias, para já não falar em psiquiatras com casa junto à praia por mobilar.

Tirando que a Clarinha Ferreira Alves é o protótipo da mulher que amadurece mal, não tinha mais nada para vos comunicar, eu que sou, praticamente, um comunicador nato, nalguns dias mesmo chantillynico, inclusive naqueles em que jogam os lagartos.

[fodasse que já não havia um ano tão mau desde aquele em que era o Barão que marcava os cantos. E ainda se queixam dos maus tratos - ou violencia doméstica como agora se chama, diz o Nabais.]
axé & déjà vu

Ministro de Substituição

Empolgado com o sucesso das suas medidas higiénicas no Ministério do nosso Educantamento, Sócrates instituiu o pacote: ‘ministro de substituição’. Seja um líder da oposição, um professor de religião e moral ou um traumatizado de Anadia, se por acaso se sentir na privação de aliviar a tensão na cara dalgum ministro, o simplex fornece um funcionário da lista de disponíveis do ministério da agricultura para efeitos de receber o profiláctico arreio na fronha, em nome do ministro visado. Haverá pois uma escala de disponíveis afixada em todas as farmácias de serviço, dando-se prioridade a quem já tenha sido apanhado a contar anedotas sobre marquises beirãs em ladrilho sépia. Garante-se o máximo sigilo, subsidio de alimentação e muda de roupa. Assim, todo o cidadão que verifique não ter nenhum membro do governo a jeito para um piqueno insulto técnico, aperto de genitália, ou mesmo uma calúnia que envolva vícios de índole sexual, poderá dirigir-se ao SAP mais próximo e solicitar ao médico de família uma requisição de ministro de substituição a aviar no prazo de 24 horas, comparticipada a 100%, se bem que estupros posteriores ao pôr do sol acarretarão taxa de hora extra. Algum operador privado que queira concorrer a este serviço público, poderá fazê-lo entregando proposta em envelope fechado, desde que prove possuir duplos de todas as étnias, sexos, crenças e outras minorias oficiais, e assuma a reintegração futura nos seus quadros dos ministros substituídos e enxovalhados por interposta pessoa.
Canónicas #11

«Marx mostrou que um sistema social pode, como tal, ser injusto; que, se o sistema for mau, então toda a integridade dos indivíduos que se aproveitam dele é mera integridade simulada, mera hipocrisia. Porque a nossa responsabilidade se estende ao sistema e às instituições que permitimos que persistam» de Karl Popper em ‘A sociedade aberta e os seus inimigos’, no capítulo sobre a Ética de Marx, ‘A Teoria Moral do Historicismo’…

Nesse mesmo capítulo onde escreve que «se deve à influência de Marx, a Igreja ter ouvido a voz de Kirkegaard, que no seu ‘Book of the Judge’, assim descreveu a sua actividade: ‘aquele cuja tarefa é produzir uma ideia correctiva terá apenas de estudar, precisa e profundamente, as partes decadentes da ordem existente – e, então, do modo mais parcial possível, acentuar o seu oposto’»…

Livro esse de Kirkegaard, onde – conforme regista uma nota na edição portuguesa da ‘ed. Fragmentos’, 1993 - ele também terá escrito que «a ideia correctiva de Lutero…é geradora…da mais sofisticada forma de…paganismo»; mas nunca li.
Luna Park

"You have come to listen to my thoughts about great subjects, and not my feelings about myself.", de Andrew Cecil Bradley (1851–1935)
Acreditares imaginados em roda livre (V)

Um dia sugeriram-lhe que para rejuvenescer a sua fé teria de passar de vez em quando uma temporada sem Deus. Para lhe vir a sentir a falta, supunha-se, testando assim na fé as técnicas mais básicas do amor humano, para conferir se a falsa leveza afinal poderia pesar como chumbo. Mas quais seriam as condições para aceitar aquela prova, sabendo ele que nem todas as excursões fornecem percursos de regresso. Uma coisa era certa, a fé em Deus prega mais partidas do que a indiferença, é muito mais exigente do que qualquer moral ou ética pública ou privada, e pede mais freios e contrapesos à alma e ao corpo do que um liberal encartado a um governo de iluminados.

Quando numa primeira fase clássica de aproximação táctica se decidiu a pôr Deus no scrabble, entregando-o ao destino traçado por vogais e consoantes tiradas do saco, viu que o seu Deus se safava bem no desafio dos jogos de paleio e, ao cardápio das omniências, ainda teve de acrescentar a prerrogativa de Deus aguentar bem todos os significados, desde os mais abstractos aos mais comezinhos, pois tanto era verdade e amor, alfa e omega, acto, energia e alegoria, como era o gajo barbudo que lhe piscava o olho ao seu fraquinho por filmes de diabos à solta ou de mulheres perdidas nos pecados da carne.

Mas haveria que fazer o teste derradeiro, o teste da perda de todas as referências, o fazer de curva ora da procura ora da oferta sem eixos doirados onde se agarrar. Com pais e filhos apenas presos ao ADN e ao NIB, sem amores nem causas, tudo seria um preço. E Deus rapidamente assumiria em pleno a sua insólita característica de ser desnecessário por natureza.

A selva apareceu-lhe assim sem a mínima indicação de zona de presa ou zona de predador; bom selvagem ou lobo faminto, teria agora o prazer de descobrir por sua conta. De lei natural, nem preâmbulo; de Deus, nem bafo.

Voltou. Voltou velho. A ausência de Deus tinha-lhe afinado o calculismo, exigira-lhe uma maior percentagem de oxigénio na mistura respiratória, desgastara-se a pensar onde teria bastado um instinto medianamente polido, e tinha-se lançado de cabeça onde caberia algum esclarecido livre arbítrio.

Olhou então Deus de frente, tipo cara a cara mas sem cara. Se Deus tivesse ombros naquele momento tê-los-ia encolhido.

Se Deus tivesse um fetiche seriam os filhos pródigos.
Mas o Moutinho parece que se deita a horas

Procuram-se subsídios para aforismos que incluam as palavras Farnerud, Celsinho e Caralhos os Fodam.
Luna Park

(work in progress...)

4.
«O excesso só tem um problema: nunca compensa decentemente uma falta.»

3. «A «excessividade» como 'forma de viver'... só de gajos doentes.»

2. «Todos temos os nossos 'excessos', nem que seja excesso de comedimento, o equilíbrio é um número de circo!»

1. «A 'excessividade' não é um desperdício... é apenas uma forma artística da magnanimidade.»

Guy "le crayon ikea" Bruyère
Linguadismo


Morris Louis, 'Omega IV', 1960, résine syntetique sur toile, Louiseana Museum of Modern Art, Humlebaek
Ortopedismo


'Sem Título #3', Guy de Bruyère, tinta da china e pastel, Rouen, Fevereiro 08
Ortopedismo


'sem título #2', Guy de Bruyère, lápis ikea e tinta da china, Rouen, Fevereiro 08
Ortopedismo



'sem título #1', Guy de Bruyère, lápis ikea e tinta da china, Rouen, Fevereiro 08
Hemmungslos?


© Guy Bourdin

Correntes de Tinta

Guy de Bruyere era, desde sempre, um rapaz bastante organizado e agora chegara o momento de decidir a sua carreira de pintor figurativo. Solenemente convocou a sua amiga e primeira cópula técnica Isabelle Viallat, e comunicou-lhe que numa primeira fase recuperaria o action painting aplicado a coxas, conas e costas, no que seria o período dos 3C’s; posteriormente passaria a uma fase em que o corpo se ladrilharia expressionisticamente numa espécie de nicolas de stael para rabos flácidos e mamas descaídas, o período carnes frias, e atingiria a maturidade com dorsos masculinos em linhas soulageanas numa depuração de formas que caracterizariam o seu período mais rabeta.

Tratava-se agora de decidir que forma apresentaria o seu primeiro período de decadência pictórica e formal. O seu amigo e rabejador residente da praça de Coruche, o berlinense Karl Pinoche, tinha-lhe sugerido uma espécie de revisitação Otto Dixeana, mas sem forçar tanto a pintura dos olhos para não levantar reminiscências Mizé Morgádicas e ainda lhe inflamar a bexiga, mas Guy estava antes bastante mais inclinado a dar à figura humana a fusão dos seu lados giacometiano e pastoso que, segundo as ciências mais conservadoras, é para o que estamos destinados, ao contrário da metafísica que nos propõe um final em fogo de artifício de essências e outras substancias rijinhas e fluorescentes. Mas Isabelle tentou convencê-lo a regressar à Arshile Gorkyzação do seu estilo, chegando a relembrar-lhe uma troca de suores na serra da Marofa, o que o convenceu em três tempos pois geralmente os artistas plásticos são muito sensíveis às misturas de fluidos. Ficou assim decidido que a 1º fase de decadência seria mais desenhada, com óbvios afloramentos surrealistas, e onde se potenciariam os efeitos estéticos de posições forniculativas menos ortodoxas sem restrições de natureza newtoniana.

Mas Guy não se sentia bem se não viesse a introduzir um lado delacroixeano na sua história estilística, e pensou numa original, mas arriscada, fusão deste realismo romântico com o colorido e sinuoso morris louiseano, que tanto o tinha seduzido numa fase em que treinara movimentos de céu de boca com uma lituana cruzada de asteca, uma quase impossibilidade estatística e só possível graças à globalização de esperma iniciada por Pedro Alvares Cabral e continuada pela Pan Am. Só que Isabelle Viallat, mulher de língua desatributada e praticamente sempre anestesiada por ser filha dum dentista em Le Havre, sentiu a sua influência a fugir-lhe e foi peremptória: aceitava uma qualquer refundação do classicismo, mas jamais a introdução do linguadismo no seu percurso. Guy, que sofria da angústia da abstinência, e temendo ficar a empadinhas e ginger ale por uns tempos, decidiu de imediato por uma solução de compromisso e que acabaria por fazer história: terminaria a sua carreira espalhando tibias e perónios, descarnando a tela, num regresso reestilizado a um semi-pontilhismo que o tinha marcado na juventude, e inventaria assim a corrente que o deixaria definitivamente nos manuais: o ortopedismo.

A vida haveria de correr a ambos de feição, pois a Guy ir-lhe-ia mirrando o palato, entre outros orgãos, tornando-se menos exigente, e a língua de Isabelle, à base de uma nova técnica com próteses de girafa do Senegal, começaria a chegar a locais nunca antes testados, nem imaginados.

Plus les moyens sont limités, plus l'expression est forte (*)


Soulages, P. (1956). Painting. Óleo s/ tela, 195 x 130 cm. Canberra: National Gallery of Australia.

Sobre este seu quadro escreveu Soulages:

"Painting" [1956] foi totalmente pintado numa única cor - negro. A variação tonal na superfície depende do grau de opacidade ou transparência do negro. É o contraste entre a transparência e a opacidade que cria o efeito de iluminação (uma iluminação que tem um carácter particular, um sentido particular)."

[(*)
Pierre Soulages em entrevista a Jean Pierrard, Le Point, 31 mars 2003, n° 1585.]
Desmaker Corner

Escrita Molotoff

Acho que o Mário de Carvalho vai editar outro livro. ‘A Sala Magenta’. (É festa garantida neste blogue: desde julio verne - e descontando o caso patológico do nabokov - não há escritor que me irrite mais; a Inês Pedrosa comparada com este gajo até me parece uma Melvilla Faulkneriada).

O enredo parece que é «sobre a relação sobremaneira equivocada e frustrante entre homens e mulheres» diz o próprio (?) ao ‘diário digital’. Poderá aproveitar-se como livro de boas sobremaneiras.

Mário de Carvalho é aquele escritor previsível (semi-fetichado pelos humoristas profissionais e pelos críticos amadores na falta de bonecas insufláveis ) que está sempre a bater as claras e a açucará-las, mas nunca chega a tê-las em castelo. Por mais caramelo que lhe meta por cima, não compensa.

Mas isto, com a torta de laranja que já está no frigorífico, amanhã passa-me.
Agora é só o tribunal da contas não me aceitar este post porque não está bem fundamentado

A entrada de Aznavour – cantor que associo sempre a bolachas Maria molhadas em chá de tília, mas não tenho nada de científico que me subvencione esta associação - aqui no estabelecimento leva-me a ter de introduzir algum empopamento temático para compensar. Ora, tendo tomado conhecimento da vinda cá a Portugal dos The National, precisamente 2 dias antes do dia de nossa Senhora de Fátima, afigura-se-me apropriado descrever sinteticamente a épica madrugada em que os vi este verão no Sudoeste; note-se que há muito que tudo o que se passe depois da meia noite já entra na categoria épica da minha pacata existência, seja gamar bolo de laranja no frigorífico, seja ver o Prós e contras ( ouvir dondocas a contar idas ao ski é que já não consigo ouvir desde os tempos em que o Narciso Miranda foi secretário de estado, um homem que nesta altura podia perfeitamente estar à frente dum petroleira, se não mesmo duma panificação em chelas). Perdi-me.
Ah, os National. Tenho inclusivamente de me confessar publicamente: levei a minha filha mais velha; tinha não só o intuito prático de reduzir a idade média da representação oficial, como tentar mostrar que ainda conseguia elaborar alguma pedagogia musical – pelo menos essa - com sucesso. Falhei em toda a linha. E, ao contrário do que receitou um dos irlandeses bêbedos da moda: eu cá falho cada vez piorzinho, benza-me Deus.

(a partir daqui a Zazie já não deve ler, por isso posso avançar com mais descontracção; sempre a aviar)

Numa merda duma tenda, forrada com uma puta duma nuvem de haxe compacta de meio metro de espessura, que faria roer de inveja a camada de ozono ainda no paleolítico, e com um som que parecia vindo do trombone da banda da carris ligado à peidola duma elefanta com cio, comecei por ouvir os amigos do Timshel, os Guillemots (género pet shop boys mas com mais propensão a piolhos); o gajo guedelhudo que cantava – tem nome mas eu não sei qual é, nem tenho verba para ir ver - estava sentado numa daquelas cadeiras de escritório rotativas de madeira que põem o cu mais achatado que o da Sofia Aparício, e note-se, não reconheci musica rigorosamente nenhuma, cheguei até a pensar que tinha apanhado dois avc’s na curvas do cabo Sardão. O olhar cândido da minha filha, mostrando uma piedosa e filial condescendência, deu-me ânimo para continuar, e à base de muita coca-cola, e promessas - tantas promessas que já estarei na cova e ainda estarei a cumpri-las - predispus-me estoicamente a ouvir, e fazer ouvir, com atenção os Of Montreal, que até tinham um disco novito. Pessoal, eu estava com a minha filha, filhinha querida do meu coração, porra, a ouvir aquele cabrão daquele paneleirão dos Of Montreal, e ao mesmo tempo tentando mostrar-lhe a riqueza dos novos caminhos da pop, argumentando inclusive que o pessoal da minha geração que ela conhecia - tirando eu - tinha parado no tempo a ouvir música, e por isso não conseguiam perceber, nem apreciar, que a musica nova vale realmente a pena ouvir, foda-se e ali à minha frente tinha um gajo com umas meias de renda, e uns calções da cor da gravata que eu hoje trazia, aos pulos, a foder as músicas todas com aquela estética pseudoneopsicadélica que mais parecia um chicharro a dar pasto a varejeiras, e com o som a sair do intestino grosso duns paquidermes a que chamavam pomposamente de colunas de som. Se aquilo eram amplificadores de som fui eu que desvirginei a Sónia Braga.

Bem, mas eu já estava em puro piloto automático, respirando um ar charroso que, tal o anestesiamento, até me parecia filtrado por madressilvas, inchado de tanta coca-cola e cerveja que me chegaram a oferecer dois fígados praticamente novinhos para transplante a troco duma camisola lavada, quando se apresentam os mangas dos ‘The National’ à barraca. A primeira impressão é a que retenho melhor: o baterista tinha pinta e fazia o aquecimento que nem uma mulher a dias moldava a sacudir tapetes de arraiolos. Adianto-vos de novo a título de informativo: o baterista impunha mesmo às 3 da manhã alguma confiança, género fredy mercury quando coçava os tomates, e trazia logo como vantagem decisiva o facto de não exibir plumas rosas agarradas à peúga, nem cuecas de pavão. E o Berninguer; ora o Berninguer era o que condizia melhor com a plateia: completamente bêbedo, e com vontade de continuar assim por muitos e bons anos, claro; mas com aquela bebedeira que inspira uma lucidez penetrante, acho que foi essa expressão, lucidez penetrante, que consegui utilizar na altura. A minha filha; dormia na relva, claro, também ela duma lucidez penetrante mas noutro estilo. Eu, ora eu; eu que tinha passado uma semana a apregoar o valor da estética subjacente, também cheguei a usar esta expressão, àquele emsemble de decadência pop a pessoal que - todo penetrantemente lúcido, também ele - se recusou a acompanhar-me, tendo eu feito inclusive gráficos na maré vazia demonstrado o quão interessante era aquele som misturado com aquele letrame, com uma batida tão dorida quando frenética - expressão esta já elaborada especificamente para este post - agora via-me ali, filho de Deus inclusive nos melhores catecismos, numa ilha de erva cheirosa, a fingir que estava a gostar – e muito - do que se estava a passar, absolutamente impossibilitado de sair dali nem para dar uma mijinha que fosse, sem energias sequer para murmurar um semi fodasse que fosse, no meio dum som naquela fase já diarreicamente parido por entre aqueles orgasmos de hipopótamas parelelepipedradas, tecnicamente designadas por aparelhagens de som.

11 de Maio, dizem. A minha filha respondeu-me: ah, já vi. Sirvo tanto para pai como o Pacheco Pereira para organizar álbuns de fotografias, e hoje ainda cheguei a pensar que o Farnerud ia marcar um golo, por isso, pelo menos, o haxe devia ser de duradoiro efeito.
iútubingue

Fdp’s

Hoje para descansar um pouco a pele de tanta bolha vou voltar a um tema que já aqui tinha abordado em tempos [Outubro de 2006] num tríptico de abstracto efeito: os ‘Factores Decisivos de Progresso’ - fdp’s. Na ocasião tinham sido bafejados pelo meu poder de síntese e diamantada análise a ‘iluminação & obstinação dos predestinados’, o ‘abuso de confiança’ e o ‘abuso da posição dominante’.

Ora nesta Socratistia onde estamos gerundicamente vivendo, mais paramento menos paramento, [e onde o Timshel até descobriu, via Vitorino, também António, que a ‘sociedade portuguesa está a ficar mais igualitária’ – conceito, no mínimo, de fama duvidosa, note-se] tem vindo a instalar-se a - para mim já um clássico da ciência política e da gastroenterologia pediátrica - técnica do ‘fazer-o-que-tem-de-ser-feito’. Poderia dizer que se trata dum neo pragmatismo beirão, uma espécie de Williams-Jamesmismo enxertado a bolota, caracterizado por ‘quem sabe qual vai dar o melhor presunto não são os porcos mas sim o tipo que acende o lume do fumeiro’, mas é muito mais do que isso: é essencialmente um ‘vocês-ainda-me-hão-de-agradecer’.

E é aqui que está o cerne do fdp hoje aqui posto à consignação: ‘o espírito de missão’. Esta capacidade que certos homens têm de se entregar a uma causa sem olhar a consequências, esquecendo eminentes carreiras de tradutores técnicos ou projectistas – a título de exemplo – e que, ao olharem para a sociedade vêem imediatamente nela um grande Biafra que anseia tornar-se num grande Bangladesh, é uma das forças que historicamente drivaram (é um anglicismo técnico) as sociedades na senda do progresso.

Não fora pois, por exemplo, o Darwin ter apanhado frieiras nos pés e ainda hoje pensávamos que éramos todos filhos dum entrecosto, ou não fora o Hubble ter estragado a vista a olhar para as nebulosas e ainda hoje pensávamos que os planetas tinham saído dum barbeque de orelha de espírito santo organizado pelos anjos da guarda. Assim, da mesma forma, abençoados os dias em que, no sopé da inóspita serra de todos os requeijões, um engenheiro técnico soube dar novas marquises ao mundo, à luz duma candeia de envergonhado pavio, fazendo com que todos, sem olhar a berço nem condição, e mesmo sem poder largar um pio, pudessem um dia estender a roupinha sob a luz dum solçialismo sem cartilhas nem cedilhas.

E é nesse artigo que em boa hora o igualitarrista Timshel (com dois erres para se poder confundir com guitarrista) me fez ler, onde eu encontro uma das chaves para controlar esse factor decisivo de progresso que é o ‘espírito de missão’- com a solidariedade igualitária de bónus; diz então o António Habituemsse Vitorino : «as novas fronteiras da solidariedade social passam cada vez mais por serviços de proximidade»; poderá pois a partir de agora o INE passar a medir – sem batota - também o espírito de missão e proximidade solidária, introduzindo um chip na viola de cada evangelista do igualitarrismo e, sempre que soar um acorde junto a uma sopa dos pobres, ou duma bicha de reformados para comprar o passe, ou duma urgência a fechar, pisca uma luzinha na casa de fados do Tim.
'sheeping' news

Sir John Everett Millais (1864). Parables of Our Lord - The Lost Sheep. Impressão em papel, único. Ilustrações a "The Parables of Our Lord" (London: Routledge), gravadas pelos irmãos Dalziel (140x108 mm). Londres: Tate Britain.
Luna Park

«Um rebanho é considerado perdido até ao momento em que encontra uma ovelha tresmalhada» de Dimiter Anguelov, in 'Código Evidente', ed. & etc, 1989
Fala proeminente

«Virgem Maria! Estão aqui uma majestade e uma braguilha; ou seja, uma sábia e um tolo», o Bobo, em 'Rei Lear', cena 2 , acto 3.
teoria e prática da arte de bem pintar toda a gruta

[©]
Pintura da iconografia olmeca, gruta de Juxtlahuaca, estado mexicano de Guerrero. Período Epi-Olmeca, Pré-Clássico Médio. (1)

[©] Precolumbian Art of Mexico, Prof. Elizabeth Newsome, UCSanDiego Libraries

(1) A figura representa a cópula entre um humano do sexo masculino, de falo proeminente, e uma fêmea de jaguar.
The man in his own bubble #5

Outros dos fenómenos insuflativos que a realidade ciclicamente produz e rebobina é a ‘bolha clássica’, assim designada pois reflecte aqueles momentos em que, duma forma desproporcionada e elástica, se crê que tudo o que é realmente importante já foi pensado e revisto por aquelas civilizações das termas e da estatueta que bronzeavam o lombo no mediterrâneo oriental.

Esta pustula pervetustus, como é conhecida no mundo restrito da bubblística, entranha-se por algumas franjas da sociedade e chega a não deixar um gajo mijar em condições pois está sempre a pensar como é que o Séneca ou o Platão sacudiriam a pila, ou como Afrodite se agacharia na mata.

Poder-se-ia julgar que se trata duma bubble mainstreamica, uma espécie de hipe cíclica como umas sabrinas com malmequeres ou uma vaselina com sabores em spray, mas não, ela reflecte, em primeira instância, uma reacção tipificada de espíritos desiludidos com a monótona pendularidade entre o bacalhau à Brás e à Gomes de Sá e que começam a investir as suas energias na recuperação da pasta moral e do queijo fetafísico. [estão-me vedadas todas as combinações estilísticas que envolvam gemas e açúcar]

A bubble clássica arranca geralmente num environment semiótico apaneleirante mas rapidamente alastra a mentes que, falhas de referências viris que não o regurgito existencialista filtrado pela peneira anglo-saxónica, se agarram ao primeiro Pelintrágoras que lhe apareça a dizer que o ‘homem é a medida de todas as coisas’, mesmo não usando calças nem sabendo estrelar um ovo.

É evidente que a pustula pervetustus radica e alimenta-se da necessidade que o homem tem em mostrar que à sua volta é tudo uma cambada de aborígenes ainda não redimidos, quanto muito filhos de Deus por manobras literárias, e torna-se uma bolha epistemologicamente autónoma quando para dizer apenas que nos custa como o caralho [pode ler-se caraças] levantar de manhãzinha, se criam séries com enigmático título e numeração romana.

Num ciclo de bolha clássica esquece-se que há fortes probabilidades de, hoje, uma mãe de família com filhos na escola e a sogra no quintal, e sem tempo para terapias de sono, poder dar várias lições da arte de bem moralizar a qualquer senador devidamente escanhoado que se passeasse na via apia abanando máximas por entre o bafo de meia dúzia de escravos.
No entanto, esta classic bubble costuma ser de insuflação e desinsuflação rápida, nunca chegando a alastrar muito a contaminação, pois não há pleura que aguente, depois de se comer um cozidinho, dizer Catão e Séneca três vezes de seguida sem derivar num belo e coríntio flato. O diafragma moderno é muito traiçoeiro; mais adianta-se que somos dados à vaidade desde que começámos a pintar grutas após treinar flebotomias em caprinos.
you'll always have «sweet yolk»

The man in is own bubble #4

Quando se está no rescaldo de uma bolha especulativa, e se vivem momentos de incerteza, dá-se uma corrida aos chamados activos de refúgio, cujo exemplo mais representativo é o ouro, ou, mais recentemente, os fundos imobiliários baseados em vivendas de Rapoulas. A macrobubblítica também estuda este fenómeno, e já está bastante bem identificado o mecanismo de refúgio denominado de ‘bulle gourmet’, que se pode traduzir para a linguagem comum como ‘bolha gastronómica’, evitando, inclusive e saudavelmente, fazer boquinha-de-quem-chupa-pela-palhinha.

A ‘bulle gourmet’ é um mecanismo que se desencadeia geralmente quando a love bubble entra em pré-colapso, seja por esvaziamento, seja por rebentamento, e consubstancia um processo de transferência de aplicações da luxúria para a gula, ou, para utilizar uma imagem mais didáctica: desinvestir na pila e investir na papila.

A antropologia moderna revelou-nos que o homem é um animal que hierarquiza e gere as suas necessidades de forma coerente e relativamente previsível, mas não conseguiu alcançar as razões que explicavam o homem pôr-se a comer filetezinhos de polvo com migas para se refazer duma pinocada reprimida ou mesmo mal dada. Ora a bubblítica entra nestes domínios com a mesma facilidade com que sócrates desenha uma kitchenete em Vermoim. Assim, a bolha gastronómica é um fenómeno insuflativo que se desenvolve na vontade humana, catalizando-a na deglutição de todo e qualquer ementa que lhe apareça pela frente, ou por trás, como forma de aplicação de recursos cuja rentabilização se mostra duvidosa entre coxas. Simplisticamente poderia dizer-se que se trata duma vivência alargada da famosa roda dos alimentos.

Muitas vezes dá-se um curioso fenómeno misto em que a bolha gastronómica fica ligada à bolha romântica por um sistema de sifões e válvulas, e acabam por funcionar perfeitamente as duas juntas como se de uma pequena estrutura bubblística se tratasse, mas com todas as energias concentradas sempre na caldeirada de bacalhau, se bem que uns dias mais no molho e noutros mais no bacalhau. Esta situação não tem paralelo nos ciclos de bolha especulativa, e o mais semelhante é quando o pessoal, fodido com a pouca valorização do seu certificado de aforro, vai, desesperadamente, dormir com qualquer bilha da galp que lhe apareça.

Outra das características mais singulares da bulle gourmet é igualmente a sua peculiar função de interface entre uma bolha imobiliária e uma bolha metafísica. O bridge-bubbling é um fenómeno ainda pouco conhecido e estudado, mas pode resumir-se nesta amostra: um gajo que seja despejado de casa e fique a pensar na vida, pode sempre fazer uma sardinhada com pimentos debaixo da ponte, coreografar uma iconografia de autocomprazimento ® , e lamber os dedos no fim se já não tiver verba para toalhetes.

A gastro-bubble, como também é assim chamada na escola anglo-saxónica, revela-se igualmente, e bastas vezes, numa camuflada love bubble, ou seja: pode haver muito romantismo escondido por detrás dumas belas farturas. Assim, quase como um coma induzido, muitas bolhas românticas se mantêm eternamente estáveis à base de farinha e ovos; e fermento, claro. Esta ciência é, como se pode comprovar, um corpo dinâmico do saber.
Alta Competição 5



O Gluteus Maximus avisa que agora não pode atender. Está com a bolha.
com desconto dos dez tostões

(®)
The man in is own bubble #3

Hoje por razões que as leis da previsibilidade humana explicam vou tratar da bolha que funciona em contra-ciclo com a bolha especulativa; trata-se da bolha romântica, ou 'love bubble', como é denominado esse fenómeno, no corpo científico, que eu em boa hora autonomizei da economia dos fluidos: a bubblística.

Ora este fenómeno assemelha-se ao love boat mas com o mecanismo pneumático activado, ou seja, cumpre os desideratos do embeiçamento mas amortece melhor os choques do engate de proa.

Quando se está perante um fenómeno de bolha romântica, o mundo transforma-se num grande pericárdio insuflado, indiferente às regras da oferta e da procura, como se vivêssemos numa espécie paradoxo de giffen permanente, ou seja, damos cada vez mais valor sempre à mesma coisa, chegando, nos casos mais polidos e extremos, à situação em que a membrana da bolha faz de espelhinho para dentro.

O fenómeno bruni-sarko é o típico caso duma love bubble em formação, mas, neste caso particular, por flagrante ausência de activos para especular por parte dos franceses desde que deixaram de se vender as anedotas sobre belgas e se descobriu que só um dedo mindinho do mitterrand tinha comido mais gajas que todas as pilas da legião francesa. É, por isso, uma amostra cientificamente não relevante na bubblistica, séria, que eu defendo.

Quando a sociedade está envolvida numa bolha romântica, os mecanismos de regulação, sejam eles o sexo pago em elevadores panorâmicos ou a utilização dos cartões de pontos da galp nos movimentos de festinhas em preliminares, assumem uma importância crítica, pois a romantização de cariz amorosa num ambiente bubblico leva tendencialmente a desvalorizar um bom coito em detrimento dos apalpões in vitro. Não confundir com o sub-fenómeno platónico, porque esse reflecte apenas a utilização de caverna mal iluminada para a leitura de suplementos literários, geralmente por deficiente irrigação sanguínea de zonas periféricas, e pode apenas significar uma corruptela do verdadeiro love bubble.

No auge do ciclo de bolha romântica toda a intervenção do exterior é repelida por mecanismos ultra-proteccionistas; os mais frequentes são o ‘só-tenho-olhos-para-tíísmo’ e o ‘morro-se-me-deixasísmo’, mas já foram encontrados casos do ‘se-alguém-te-catrapisca-eu-fodo-oísmo’; é uma fase que duração variável e muitas vezes termina violentamente com elementos pontiagudos e marfínicos a rebentarem irreversivelmente a bolha. E há quem tenha acabado a Soros. [Deus permita que apanhem o trocadilho wallstreetico]

O processo clássico de esvaziamento da love bubble dá-se quando o homem começa mais a parecer-se com uma mera tool bar dum programa estatístico, e aparece a primeira lista de compras de supermercado a competir com uma sesta mais colorida. É o chamado ‘choque da mercearia’, em que o amor é confrontado com um grande buraco no estômago, ou mesmo com uma colónia de baratas a disputar a bancada de cozinha, outrora espaldar kamasutrico. A javardice está para a bolha romântica como ernâni Lopes está para a bolha especulativa, servem para avisar o mundo que haverá sempre um momento em que damos o cu e dez tostões por uma boa mulher-a-dias.
how much more than enough for both of us (*)



(*) e.e. cummings, hate blows a bubble of despair into (Complete poems, p. 531 ®)
The man in his own bubble #2

Uma das bolhas por onde o homem pode ter de passar uma temporada ciclicamente é na bolha metafísica. Deve ir bem ataviado, avisa-se, farnel criterioso e roupas largas por causa das azias e dos suores. A bolha metafísica insufla geralmente nos momentos em que há um crescimento galopante da potência do ser e que não é acompanhada pelo acto.

Eu desrodriguinho a coisa: ponhamos um homem que esteja a pensar que não foi feito para aquilo em que o mundo se está a tornar, que ele é bom demais para isto, que a realidade não o acompanha como deve de ser e, no limite, não o merece. Assim algo entre o [renúncia quaresmal] e o [renúncia quaresmal].

A primeira fase da bolha dá-se ainda no seio dum processo de socialização normal; geralmente o mercado incorpora sem problemas de maior os primeiros indícios de arrogância calimérica, mas a insuflação torna-se irreversível quando aparecem os sintomas de desafio à divina providência e às lei da gravidade psíquica; é nesses momentos que começamos a construir em nosso redor um sistema virtual de satélites acolitantes e o mundo passa a ser pouco mais do que um conjunto de luas no nosso Zodíaco particular. A bolha está então consolidada.

Sós, dentro da bolha apenas nós e o ar esgotado, mas honrado de tanto o respirarmos, com a realidade separada pela membrana do psicofodasse, o homem está então no auge da bolha metafísica. Ele é um ser diferente e o mundo não lhe dá o devido valor, pelo que, tocar-lhe, é conspurcar-se; a bolha serve assim, simultaneamente, de redoma e de intestino.

O esvaziamento da bolha metafísica começa a dar-se quando um homem detecta que é tão igualzinho a todos os outros homens que até chateia, quer seja no ser, quer seja na essência. Investir em si próprio como uma substância singular foi um péssimo negócio e agora resta-lhe voltar a tentar existir com um mínimo de condições merdafísicas, ou seja: amar e ser amado, foder e ser fodido, pouco acima de qualquer cão ou gato de estimação.

Registe-se que o esvaziamento da bolha tem um momento intermédio, a que eu chamaria a fase do pedroroloduartismo [semi renúncia quaresmal], e que se dá quando começamos a dizer coisas tão banais tão banais mas, ao lhe darmos uma aparência de solene convivência com o sublime, deixamos ainda o mercado hesitante e refugiado em commodities como o ‘afinal és tão querido’ ou ‘tu ainda vais lá se tivermos paciência’, ou mesmo ‘renhaunhau’. É uma fase de desmame que, tenho de reconhecer, pode levar gerações a passar.

Apenas a título de entretantos, refiro ainda que a estocada final e definitiva no pffffffe da bolha metafísica se dá quando um tipo regressa à condição de lagarto, e constata que não tem um serão desportivo sossegado e esperançoso já vai para largos meses, mas continua a acreditar alegremente que Deus é grande.
The chewing gum world (ou the man in is own bubble #1)

(Se bem que eu e o Neanderthal sejamos autênticos enclaves na história da evolução)


Hoje a minha mioleira equipara-se praticamente uma posta joaomirandeza, ou seja, estou com tantas e tão cristalinas ideias sobre todos os assuntos, que o mundo, com ou sem mão invisível, parece que se me insufla que nem um soprador da marinha grande depois duma injecção de cortisona adrenalinada. Na impossibilidade de promover a invasão dum país vizinho, ou mesmo de inaugurar um novo programa espacial, em ambos os casos porque já tenho um almoço marcado, serei forçado a adiar uma nova revolução francesa para depois do lanche. Queria no entanto deixar já devidamente salientado que estamos a viver entre bolhas, ou seja, nuns dias temos a bolha imobiliária, noutros a bolha especulativa, noutros a bolha chinesa, noutros a bolha de ozono, noutros a bolha extremista, noutros o que der na bolha de um gajo mais iluminado do que a média dos descendentes do homo erectus e com melhor acesso ao tempo de antena do [censura quaresmal]. Assim sendo, recomendo a todos muita aguinha e sabão: não só faremos as nossas próprias bolhas como andaremos asseadinhos. Mas não abusem das caminhadas; por razões óbvias.

Com mais verba faziam-se uns alexandrinos com epanadiploses


Editorialmente isto hoje pedia uma assertiva deambulação sobre os desígnios de dona inês, mulher apessoada e toda pedrosa, nova merchandizadora da tshirt do desassossego. Mas, acabei de decidir há poucochinho - se bem que com uns dias de litúrgico atraso - a minha renúncia quaresmal vai ser à má língua e ao despudor, o que relegará este tasco para o bas fond da escrita fina e encaracolada. Estou efectivamente bastante talhado para enxovalhar cirurgicamente certos exemplares do género humano, alcançando mesmo nalguns dias produzir mais recalcamentos do que certos libidos de casquinha, e, por isso, não me vai ser fácil elaborar considerações decentes sem produzir um mínimo de efeitos colaterais em terceiros devidamente seleccionados. Sempre considerei o direito ao bom nome uma manifesta inferioridade da nossa condição, certamente um legislalismo de homo sapiens com problemas de dicção, e a devassa – sistemática ou esporádica - do caracter alheio é uma comprovadíssima terapia de sucesso para a reconstrução de egos e outras alvenarias da psique. Face a este momento de teor praticamente confessional ( cones da parte da mãe e friccional da parte do pai) resta-me deixar-vos na paz, da qual, infelizmente, nunca vos desalojei. Se aqui vindes é porque tendes alma de teor benevolente; e carne rijinha, claro.

Um sistema judicial a criar excêntricos


«Eu tenho um código de processo que é um livro de palpites». Desta vez foi um tal de juiz em Évora. Orlando, parece-me, mas não virgínio no que concerne.


(Infelizmente está a dar-me o sono e já não consigo dissertar em termos sobre o olhar cândido que Mizé Morgado acabou de lançar sobre Bexiga. Se me olhassem assim até me enfiava numa próstata)

Canónicas #10


«Pois, somos como troncos de árvores na neve. Aparentemente jazem lisos, e com um pequeno empurrão conseguiríamos movê-los. Não, não se consegue fazê-lo, pois estão firmemente ligados ao solo. Mas, vejam, até isto é aparente.» F. Kafka, in ‘Reflexões’, 1912

mas se quiserem considerar este blog um guarda-fatos, disponham

«não se pode transformar uma frase num cabide»

de Maria José Morgado, agorinha mesmo. (essa mulher de quem eu me habituei a gostar ao mesmo tempo que iniciei a minha degustação de uns queijos de proveniência dúbia que comprei no lidl - que é uma espécie de laborinho lúcio, mas em forma de discount - que abriu ali no alvaláxia e que comprei no intervalo daquele filme em que a menina chaves, enfim, fazia de soraia, se bem que os pistachios também não estavam mal; se bem que, note-se)

Primárias no Estado de Robbialac

Obama vai cada vez mais apanhando o jeito de Kennedy com viochene, Hillary parece cada vez mais loira para se afastar do paradigma lewinskico, e McCaine, que tem cabelos brancos desde o doze anos, notam-se-lhe muito os dentes amarelos.

Vulgatas & Pentateucas

Tirando s. joão baptista o novo testamento não apresenta personagens com biografias que possam ombrear com os grandes figurões do antigo testamento. Aqui quase todos poderiam ser capa de revista, mas ali praticamente tudo se passa entre enjeitados e mal afamados, gente que sem Jesus não se destacaria sequer num livro do êxodo em banda desenhada. O cristianismo é por isso desde o início pensado para desbiografados e não cumpre os requisitos mínimos para interessar personalidades cravejadas pela singularidade e pelo deslumbramento, e muito menos pela brilho da razão iluminada, tirando o seu parabolismo literário de belíssima serventia para salões de chá ou de wisqui. Sendo igualmente mais sóbrio em sentimentologia e grandes caminhadas, o novo testamento pouco inspirou sequer as ciências mais dadas ao coração, seja na sua vertente mais vascular, seja na mais colorida, mas, por outro lado, especializou-se a descrever as irracionalidades dum carpinteiro-protoanarquista-armado-em-Deus-que nem daria para chefe do banco alimentar, pois, despudoradamente, até disse que aos «pobres sempre os tereis convosco» quando Maria lhe despejava pelos pés uma fortuna em nardo puro, arrepiando o traidor Judas, que ficaria a representar, doravante, todos os fiéis representantes das religiões do bom senso.

Warm up
'Há ainda imensas coisas para dizer' (*)



'In the Tepidarium', Sir Lawrence Alma-Tadema, The Lady Lever Art Gallery, Liverpool
(*) in 'Em Carne Viva', de David Grossman, pg 137
cara ou coroa

Em Descartes e Atlan encontra-se o conceito de moralidade provisória, em Sartre a prática da moralidade temporária.
Vulgatas & Pentateucas, sa

O Antigo Testamento tem tendência a ser bastante sobrevalorizado, tanto literária como teologicamente, mas, definitivamente, nunca conseguiu, de forma genuína e estável, nem aproximar ninguém decentemente de Deus nem, muito menos, engatar uma miúda – em condições. Regra geral um cristão gosta do Antigo Testamento depois de ter cometido um pecado de venial intensidade à luz do catecismo e simultaneamente tem pouca pachorra e vocabulário para o confessar a intermediários vestidos de saiote comprido e sibiladores de consoantes. Ou seja, o Antigo Testamento é uma espécie de reserva ecológica para cristãos com problemas de articulações nos joelhos e pila curiosa. No entanto, quero relevá-lo aqui nesta singular instância, esse seu papel de refúgio teológico deve ser bem preservado, pois nenhuma alma saudável aguenta uma fé que não possua uns escapes oficiais de consciência. Jesus disse que «não veio trazer a paz», e, já se sabe, como diz o povo, em tempo de guerra qualquer buraco pode ser trincheira. Talvez ainda volte a este entusiasmante tema.
Canónicas #9

«nos nossos dias, tudo parece estar prenhe do seu contrário», K. Marx, num discurso para o 'People's Paper', Londres 1856
Assim como quem não quer a coisa

(*)

porque, na verdade, tenho bem mais que fazer.

Secção Lucas

«Trata bem dele e o que gastares a mais pagar-to-ei quando voltar»

Sobre a entrevista infrapostada do tal de Finkielkraut, ( desconheço qual é a erva que o gajo fuma) e que aqui foi colocada pela secção culta - e inclusivamente com pergaminhos científicos - deste estabelecimento, gostaria apenas de reflectir que para o barbotement dans la bassesse, sem prejuízo de já haver umas maquinetas para o seu desbaste, continuo a recomendar uma mistura de lãzinha com 10% de fibras artificiais, género acrílico, para evitar esse flagelo do borboto, seja ele mais na bassesse, seja mais na zona do decote. No que concerne à l’obscénité tranquille não me pronuncio, pois praticamente só digo palavrões quando me enervo, ou me trilham as virilhas, mas já em relação à connivence régressive é algo que se resolve perfeitamente com um daqueles connivences suiços que até se vendem no rossio, coisa que, por sinal, nem foi necessária ao bom samaritano; bastou-lhe azeite e vinho.

Todos nós, por sinal, também passamos a vida entre Jerusaléns e Jericós, mas, muitas vezes , temos mais alergias a ‘próximos’ do que a pele a poliester cru.

"Et il y a du nouveau sous le soleil."

"L’écran, qui envahit tout, est lui-même envahi par une nouvelle caste dominante qui se croit libérée des préjugés bourgeois, alors qu’elle s’est affranchie de tout scrupule et dont les goûts, la langue, la connivence régressive, l’hilarité perpétuelle, l’obscénité tranquille et le barbotement dans la bassesse témoignent d’un mépris souverain pour l’expérience des belles choses [...]."

Alain Finkielkraut, em entrevista a Catherine Calvet e Béatrice Vallaey, Libération, 26 Janeiro 2008

Este blog ‘enquanto narrativa mobilizadora da experiência orgástica de matriz masturbatória’ ®


O grande chefe Verga Aprumada tinha visto ao de longe, no ondular da pradaria, a princesa Entrefolho Leve. Entre o fogacho duma silhueta e o suave odor a bosta de bisonte, Verga Aprumada sentiu imediatamente percorrer-lhe a medula uma corrente eléctrica de voltagem indefinida mas propiciadora de coreografias iconográficas ® com o regime trifásico em pontas. Entrefolho Leve pressentiu que estava a ser observada, possuía aquele dom, tão feminino quanto burocrático, de adivinhar segundas e terceiras intenções até no sentido do vento, e construiu a pose desentendida que apenas está ao alcance de agentes secretos e de caixas de supermercado. Verga Aprumada em pouco tempo perdeu a noção de onde estava o arco, mas, em contrapartida, sentia flechas a saírem-lhe por todo o lado e, não fora um arbusto aí cirurgicamente colocado quando john wayne fez uma mijinha apócrifa na rodagem do ‘rio bravo’, não lograria camuflar um súbito congestionamento de fluxos avulsos de autocomprazimento ® na zona pélvica, e teria deixado exposta toda a sua narcísica e percursora intimidade primordial ®. Entrefolho Leve, ciente da sua inspiradora bioquímica recreativa, espaldou o dorso sobre duas nuvens de neblina e uma de pó e esfumou-se que nem uma abóbora sublimada num batido de fadas.

[bruno, meu, em vez de andares aí em trocas de postezinhos com chavalitas armadas em virgínias woolfes, punhas o olho nestas maravilhosas citações tuas que eu ando a escrever há uma carrada de dias e que tu não ligas um caralho; ok?]

causa & efeito #n

© random caribou

Se bem me lembro, diz a 3ª lei de Newton que «quando dois corpos interagem, a força sobre o primeiro é igual em módulo, mas de sentido inverso, à aplicada no segundo».
Canónicas #8

«Não aceites que te concedam um direito que estás em condições de conseguir à força», F. Nietzsche, in 'Assim Falava Zaratrusta', 1883
E se calhar eu também não escrevia um romance histórico.

Basicamente D. João não tinha casado com dona Filipa de Lencastre mas sim com uma prima que era cozinheira em Azeitão e vendia tortas para fora. Assim, em vez da ínclita geração acabaram por parir 5 moços dados ao folguedo e à comezaina. O Pinhal de Leiria foi transformado, não numa reserva de madeira para barcos, mas sim numa grande zona protegida para piqueniques, o que incentivou a primeira importante descoberta nacional: a tarte de pinhões com castanha e mel, e que assim inaugurou as exportações portuguesas para Europa, em troca do famosa perna de vitela de edimburgo, do leite creme e das camisolas de gola alta. Vai daí Fernão Lopes escreveu as suas famosas crónicas ‘como amaciar as claras em castela’, e um tal de Camões, que perdeu um olho com uma fagulha que lhe saltou dum churraso na Marinha Grande, escreveu o primeiro catálogo de promoções de fim de semana da agência Bartolomeu Dias.

O país vivia assim alegremente entre os rojões e o pão-de-ló, e eis quando um gajo chamado Cristóvão veio desafiar-nos com o lombo. Felizmente que o rei nessa altura era vegetariano e mandou o gajo ir assar frangos para a outra banda. E o gajo foi, só que quando chegou à Trafaria tresandava a robalo frito e ele, googlou a traineira, e abalou até à Florida.

Entretanto, através dum cunhado do Marco Pólo que era de Sezimbra, o Gengis Cã tinha comido um prato de choquinho frito e, como na digestão conseguiu bateu o record de desflorar 30 virgens de Sumatra seguidas sem ter de tirar as peúgas, decidiu oferecer a India ao rei Português que nessa altura já era conhecido como o rei de Portugal, dos ovos moles e dos d.rodrigos e estava desejoso de fazer uma opa às chamuças.

Na Índia a nossa ocupação foi benfazeja e duradoira, e foi nessa decorrência que se inventaram os saleiros, as molheiras e as terrinas para o ensopado de enguias, de tal forma que estas acabaram por se revelar um dos grande legados da Portugalidade. Já a nossa fama era de tal forma incomodativa, sendo mesmo o único povo para cá dos Urais que punha chouriço no caldo verde, que Napoleão se viu na obrigação de cá vir comer um bacalhauzinho à lagareiro, entretanto descoberto por um tal de padre António Vieira depois dum sermão aos peixes, que, premonitoriamente, chegaram a desabafar: «fodasse, quando este gajo se calar já só damos para conserva ou para salgar». Mas o francês deu-se mal com a acidez do azeite e bazou com um foie gras à frente e uma morcela de arroz atrás.

Mas ficaram mossas na mentalidade nacional por causa da influência do croissant, e o país dividiu-se entre os adeptos do rosbife e os amantes da sardinha assada. Vai daí ganharam os jezuitas, as barrigas de freira e os abades de priscos, e, não fora o terramoto, ainda viveríamos sem canela no arroz doce.

Depois há uma fase em que só o Vasco Pulido Valente está autorizado a falar, porque foi ele quem comprou os direitos ao Hermano Saraiva, mas que é dominada pelas iscas e pela entremeada - a picanha e a moqueca já tinham esgotado - e rapidamente se chega aquele período em que quiseram pôr o rei em vinha de alhos. Mas vai daí ele era muito culto e evoluído e pintava aguarelas em papel pardo, e decidiu ficar antes a amaciar em leite e farinha, e quando veio a 1ª guerra Portugal estava completamente preparado para viver apenas de empadão e bola de carne.

Passaram-se então os anos da ditadura do bitoque, ora com ovo, ora sem ovo, já se sabe, até que a 2ª guerra nos apanhou numa fase em que discutíamos se o símbolo nacional deveriam ser as queijadinhas de Sintra ou o pastel de feijão. Então, num momento de hesitação, é inevitável, uma voz mais decidida e sabendo fazer contas de cabeça chegou-se à frente e disse com vigor e determinação: é o puré de batata e não se fala mais nisso.

Viveu-se assim a que ficaria conhecida como a grande noite do tubérculo, que ainda teve uma luz de esperança quando um cozinheiro novo acenou com a primavera da castanha assada, mas terminou de forma convulsa com a revolução do bróculo, que fez o país viver anos de instabilidade, granel, e libertação do grelo; vivemos entre a gelatina e a baba de camelo, mas aos poucos o bolo rei começou a ficar com mais fruta cristalizada vinda de fora, chegou até a atrapalhar-se no goto de um dos pretendentes ao trono vindo da zona da amêndoa torrada, e lá nos fomos arrastando entre o banho maria e o caldo knorr, para hoje vivermos a meio caminho da dispensa e do galinheiro, governados por um merceeiro que se julga gourmet, à espera dum tupperware que nos conserve. Fodasse, ter o cabrão do d. João casado com a inglesa ou não, deu no mesmo.

Primeiro Ministro de Favor: procura-se {3}

A associação portuguesa de cronistas e comentadores procura 1º ministro que faça o favor de lhes responder apenas a eles e que não ligue a jornalistas de investigação que são, como se sabe, a casta mais baixa desses profissionais que superiormente distinguem o que as pessoas gostam, e precisam, e devem saber, e que, sem eles, o mundo seria uma espécie de idade média mas sem os bonecos do cocanha. Dá-se prioridade a trabalhadores por conta de outrem e pila casta para não ser necessário estudar sobre offshores e doenças feias. Os candidatos devem enviar declaração de princípios com todas as informações sob o formato de percentagem do PIB e fotografia autenticada dos filhos ilegítimos e dos azulejos da casa de banho. Procura-se assim evitar que o sofisticado analismo político português venha a sofrer uma opa hostil da ordem dos engenheiros ou da revista maria.

Primeiro Ministro de Favor: procura-se {2}

País com razoáveis pergaminhos históricos, que incluem um guerreiro entalado numa porta, uma padeira libertadora e um traidor pendurado pela janela e que, inclusivamente, não ostentou na sua coroa nenhum monarca exuberantemente paneleiro, procura para 1º ministro de favor, um/uma cidadão/ã com boa aparência, que respire pelo nariz, de curso universitário entre sorborne (não confundir com suborne) e lovaina, e com conhecimentos em touro mecânico na óptica do utilizador. Pretende-se que incorpore e dê a cara por uma equipa sólida e repleta de iluminados mas a passar uma crise de abat-jours.

Primeiro Ministro de Favor: procura-se

Sócrates começando a constatar que estava a gerar fortes incompatibilidades com o país que superiormente dirigia, mas, ainda assim, sabendo-se portador dum desígnio que levaria o seu povo mais alto que o Penedo da Saudade, decidiu que teria de passar um pouco mais para a sombra e encontrar alguém que desse a cara e o currículo por ele, mantendo o povo e os jornalistas de turno mais amansados. A primeira e mais natural escolha seria o seu amigo Vara, só que este agora estava ocupado com a esfregona a lavar offshores, chegou a pensar numa catequista que teve em criança e que lhe tinha ensinado que não se devia invocar o nome dos poderosos em vão, mas acabou por escolher um duovirato que tão bons resultados já lhe tinha propiciado: 'Pinho & Lino'. Apesar de aparentarem uma marca de pronto a vestir, desde que esta dupla se tinha calado e baixado o nível técnico de gaffes que, ele, Sócrates, nunca mais tinha tido descanso. A ausência das calinadas de Pinho & Lino mostrara-se fatal para Sócrates, que agora moribundava entre as urgências de Anadia, as ambulâncias de Alijó e as vivendas de Rapoulas. O país precisava inquestionavelmente dele, mas aparentemente exigia alguém que tivesse feito a primeira comunhão, a profissão de fé, limasse as unhas, e soubesse distrair o circo nos tempos mortos entre os leões e os trapezistas. Sócrates, que já tinha entregue a sua assinatura ao sacrifício da alta engenharia, deveria agora também ter direito aos seus primeiros ministros de favor, para assim poder continuar a fazer o seu jogging sem que ninguém o incomodasse a pedir autógrafos.

Canónicas #7

«Temos de adoptar a opinião de que exigir que tudo o que nos passe na mente tenha também de ser do conhecimento da consciência é fazer uma exigência impossível» S. Freud, in ‘O inconsciente’, 1915

Eu cá, e mais meia dúzia de gajos parvos, até votei Santana

Sociologicamente a eleição de Sócrates demonstrava um povo de perfil auto-flagelatório, bem talhado para aceitar lideres de carismas forjados em abstinências rústicas, e poses banhadas a tiques de acutilância de feira (a par do outro extremo bem acolhido que são os gordinhos bonacheirões - leia-se soares e guterres. Psicologicamente, essa mesma eleição e aparente condescendência, revelava, e continua a revelar, uma maior apetência para aceitar o chicote e a pseudo-competência de quem está embebido de barracadas sobre barracadas, mas que, pelo menos, não vai a bailes, nem aparece com miúdas bronzeadas nas revistas. A nossa inveja funciona a par da nossa memória: é selectiva. Um aldrabilhas parece sempre mais sério se fizer jogging do que se tiver fama de dar umas boas cambalhotas.

um gajo destes podia perfeitamente chegar a secretário de estado



(Capelle Notre Dame du Haut, Le Corbusier, Ronchamp)

Ler com as 'vogais articuladas na parte de trás da boca para que o som destas seja trazido para diante'. Cuidado para não trrincar a língua.


Ângela (mas a Merkel, não a do cinematógrafo) queria fazer uma märquise nova na sua vivenda com vista para o lago Chiemsee e lembrou-se logo do seu amigo engenheiro José S. para lhe fazer o projecto. Vai daí telefona-lhe (ainda tinha a número desde a cena do referendo) e lá se entendem em alemão técnico:

Ângela – José, que bom ouvirrr-te, querrrrido. Ainda fazes aquelas märrrquises forrradas a azulejos com desenhos da casa de banho da mesquita de Marrraquexe?

José – Parrrra si tudo, Ângela, querrr perrfil em alumínio, ou em madeirrrrra?

Ângela – Eu de perrrfil também já não beneficio muito, olhe tanto faz, se lhe derrrrr mais jeito pode fazerrr mesmo de frrrente.

José – E diga-me querrrida, a sua frrrente está virrrada a sul, ou a poente?

Ângela – Olhe, José, deve estarrrr virrrrada a poente, porrrque à minha märrrrquise já ninguém lhe toca vai parrra uns anos bons

José – Não se menosprrreze, querrrida, ainda vai darrr perrrfeitamente parrra uma mesinha de bilharrr ou uns matrrraquilhos! Eu tenho um desenhadorrrr em vila pouca de aguiarrr que faz umas märrrquises que são um mimo, parrecem autênticas barrrronesas!

Ângela – Eu sabia! Quando o vi na prrrimeira vez vi logo que estava aí um homem com uma visão que trrransformarrria qualquerr märrrquise num palácio de crrristal!

Jose –Ai que me faz corrrarrr! Perrrguntam-me os meus assessorrres se querrr porrtinhas de corrrerr ou de abrrrir em parrr?

Ângela – Eu de abrrir em parrrr já me aflige muito na zona lombarrrr, mas de corrrer… não sei… tenho uma prrima na alta saxónia que ficou entalada nas calhas dum frresadorrr da bavierrra…

José – Ângela, não se meta com esses trrrapalhões, a melhor märrquise é a famosa märrrquise de Rapoula, na Guarrda, e um prrrojecto pelo qual eu me rresponsibilize, já sabe, fica à minha rresponsabilidade, nem as andorrrinhas lá vão cagarrr nem nada!

Ângela – José, estou ansiosa, mas não rape tudo! Até estou com pele de galinha, ter uma märrrquise prrrojectada porrr um dos grrandes da eurrropa! Serrrá que depois darrrá para estenderrrr uma rroupinha, ou plantar uns coentrros?...

José – Märrrquise que eu prrrojecte é incompatível com o efeito estufa! Querrrida, querrrias-me apanharrrr desprrrevenido! Malandrrrra!

Ângela – Hummm, uma märrrquise com aspirrrração! José, tu és o meu Bierderrmeierrzinho! Que arrrrepios na espinha! Quando a Eurrropa forr a märrrquise da China tu serrás a nossa salvação!
Les Très Riches Heures du Duc de Berry (XVe siècle) - Février * - © Musée Condé - Château de Chantilly

* Séc. XV, Anónimo, por vezes atribuído aos irmãos van Limburg que terão pintado apenas Janeiro, Abril, Maio e Agosto