Correntes de Tinta
Guy de Bruyere era, desde sempre, um rapaz bastante organizado e agora chegara o momento de decidir a sua carreira de pintor figurativo. Solenemente convocou a sua amiga e primeira cópula técnica Isabelle Viallat, e comunicou-lhe que numa primeira fase recuperaria o action painting aplicado a coxas, conas e costas, no que seria o período dos 3C’s; posteriormente passaria a uma fase em que o corpo se ladrilharia expressionisticamente numa espécie de nicolas de stael para rabos flácidos e mamas descaídas, o período carnes frias, e atingiria a maturidade com dorsos masculinos em linhas soulageanas numa depuração de formas que caracterizariam o seu período mais rabeta.
Tratava-se agora de decidir que forma apresentaria o seu primeiro período de decadência pictórica e formal. O seu amigo e rabejador residente da praça de Coruche, o berlinense Karl Pinoche, tinha-lhe sugerido uma espécie de revisitação Otto Dixeana, mas sem forçar tanto a pintura dos olhos para não levantar reminiscências Mizé Morgádicas e ainda lhe inflamar a bexiga, mas Guy estava antes bastante mais inclinado a dar à figura humana a fusão dos seu lados giacometiano e pastoso que, segundo as ciências mais conservadoras, é para o que estamos destinados, ao contrário da metafísica que nos propõe um final em fogo de artifício de essências e outras substancias rijinhas e fluorescentes. Mas Isabelle tentou convencê-lo a regressar à Arshile Gorkyzação do seu estilo, chegando a relembrar-lhe uma troca de suores na serra da Marofa, o que o convenceu em três tempos pois geralmente os artistas plásticos são muito sensíveis às misturas de fluidos. Ficou assim decidido que a 1º fase de decadência seria mais desenhada, com óbvios afloramentos surrealistas, e onde se potenciariam os efeitos estéticos de posições forniculativas menos ortodoxas sem restrições de natureza newtoniana.
Mas Guy não se sentia bem se não viesse a introduzir um lado delacroixeano na sua história estilística, e pensou numa original, mas arriscada, fusão deste realismo romântico com o colorido e sinuoso morris louiseano, que tanto o tinha seduzido numa fase em que treinara movimentos de céu de boca com uma lituana cruzada de asteca, uma quase impossibilidade estatística e só possível graças à globalização de esperma iniciada por Pedro Alvares Cabral e continuada pela Pan Am. Só que Isabelle Viallat, mulher de língua desatributada e praticamente sempre anestesiada por ser filha dum dentista em Le Havre, sentiu a sua influência a fugir-lhe e foi peremptória: aceitava uma qualquer refundação do classicismo, mas jamais a introdução do linguadismo no seu percurso. Guy, que sofria da angústia da abstinência, e temendo ficar a empadinhas e ginger ale por uns tempos, decidiu de imediato por uma solução de compromisso e que acabaria por fazer história: terminaria a sua carreira espalhando tibias e perónios, descarnando a tela, num regresso reestilizado a um semi-pontilhismo que o tinha marcado na juventude, e inventaria assim a corrente que o deixaria definitivamente nos manuais: o ortopedismo.
A vida haveria de correr a ambos de feição, pois a Guy ir-lhe-ia mirrando o palato, entre outros orgãos, tornando-se menos exigente, e a língua de Isabelle, à base de uma nova técnica com próteses de girafa do Senegal, começaria a chegar a locais nunca antes testados, nem imaginados.
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