“Filosofia Crucificada”



Eu adoro ser maçador e falar sobre os assuntos quando eles até parecem que já enjoam. Tomo Nausefe como uma grávida por causa dos aviões e por isso estou defendido. A reaparição do “holocausto terrorista” junto ao “dueto sem cordas” do judaísmo e da paixão de Cristo voltou a trazer-me à memória uma pessoa muito singular. Edith Stein. Ou se quisermos, Sta Teresa Benedita da Cruz, canonizada por João Paulo II em 98.

Não vou atascar isto de misticismos (a sua conversão está intimamente ligada à leitura de Sta Teresa), nem de interpretações judaico-cristãs (apesar dela poder representar, como já li algures, o mais “problemático” judeu depois de S. Paulo de Tarso), nem de variações sobre o seu passado de filósofa fenomenologista (foi discípula de Husserl, como muitos saberão)

Edith morre em Auschwitz quando estaria a escrever um livro num mosteiro carmelita holandês: “ A ciência da Cruz”. E aqui paro porque já estou a abusar da “piridoxina” e da “diciclomina” (fui ver à caixa estejam descansados...).

- «Nunca consegues manter um discurso coerente, sem a bengala das piaditas»

- «Deixa-me em paz. Se não percebes o que digo, limita-te a estar calado»


A vida de Edith deixa muitas mensagens pouco óbvias. Vivem entrelaçadas, parecem não ser do nosso tempo, e mais ainda, nem sequer estão impregnadas daqueles modelos de santidade que vêm no catálogo. Revelou-se uma mulher que foi ao mais fundo das coisas e que depois se entregou a um “heróico” despojamento intelectual. Associou ao seu martírio de sangue um “martírio de inteligência”. Depois de ter escrito que “pensar já não era uma actividade meramente racional, mas sim a activação de todas as forças da alma”, e que “a essência desta era estar aberta para dentro”, descobre que «só Deus é capaz de acolher a entrega plena duma pessoa». E silencia-se.

- «És muito esquisito»

- «Nem queiras saber»

(bem isto são só as falas que oiço entre o Scar e o Simba no vídeo do “Rei Leão”)


Edith Stein não se pode dizer que tenha tido uma vida de grande sofrimento. Talvez tenha passado pela provação de ser acusada pela família de que, enquanto o povo judeu já era massacrado, ela se ia refugiar num convento, mas de resto viveu embrenhada dos seus pensamentos e estudos, e até parece que foi dispensada das tarefas mais comezinhas do convento. Dizia inclusivamente que para o renascimento espiritual era apenas necessária a «capacidade passiva de acolhimento que reside no fundo da estrutura da pessoa». Continuava fora do catálogo dos altares.



A ligação de Edith aos “tempos de casino” em que vivemos chegou-me mais clara quando relembrei e reli a homilia de João Paulo II aquando da sua canonização: “Nada é mais eloquente que a Cruz que se quer silenciar!”. It’s the point! “Ficou” Padroeira da Europa. Judia. Prussiana. Convertida a uma religião que se revolve interna e eternamente entre a tolerância e a intransigência, mas saída da riqueza do seu judaísmo natal. Convertida no seio de uma filosofia que apontava no sentido das coisas afastando o espírito dum idealismo cepticista. Morre aos braços dum terrorismo de estado, pela sua condição, que não tinha renegado mas que teria sublimado, como uma Ester pobre e impotente (como parece gostava de se chamar). Apanhada no silêncio dum Carmelo. «Anda, Rosa vamos dar a vida pelo nosso povo»- teria dito à irmã antes de receber o bafo de morte.

Bafo esse soprado por um terrorista de bigode, que se estivéssemos à espera do diálogo, bem podíamos ter esperado sentados.



Eu não tenho mesmo muito jeito para isto. Mas às vezes é mais forte que eu.

O título deste post é adaptado dum livro de Joachim Bouflet sobre Edith. Livro esse que não li.

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