G. Steiner escreveu que a “esperança é a gramática”. De facto, por muito que nos custe, o ser humano precisa da condicional para se definir. A nossa esperança está mas é em apanhar os “ses” correctos.

O condicionário


Se não fossem as palavras eu preferia ser musgo

Se fosse musgo preferia ser artificial para não apodrecer

Se não fosse o anonimato eu apodrecia noutro

Se me repito é porque me acredito

Se eu me levar a sério sou bem levado

Se eu não fosse maçador maçava-me de verdade

Se Deus não for mesmo misericordioso eu bem posso “ tirar o cavalinho da chuva”

Se o mandamento de “Não invocar o nome de Deus em vão” é para levar à letra eu “estou feito num oito”.

Se fosse comida gostava de ser aperitivo para nunca saciar

Se eu gostasse de problemas detestava soluções

Se há gajos porreiros porque é que eu não posso ser um deles

Se eu não fosse inseguro conseguia viver pendurado

Se eu quisesse leitores deixava-me destas merdas e contava umas piadas

Se eu roesse as unhas hoje já não tinha mãos

Se estar em todo o lado é não estar em parte alguma, eu gostava de poder viver intermitente

Se eu acreditasse em tudo o que escrevo explodia

E como eu gostava de poder dizer como Montaigne que «A maior parte dos espíritos precisa de matéria de fora para se desentorpecer e exercitar; o meu dela antes precisa para se acalmar e repousar (...) pois o seu principal e mais laborioso estudo é o de si mesmo»

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