Fantasia para dois sargentos e um tanque da roupa
Passaram já umas boas semanas sobre a onda laudatória em relação a uma “livro/literatura” que pretensamente seria uma lufada de ar fresco resgatadora da épica ironia nacional.
Ele era descobridor de caracteres, decifrador de tiques, desenganador de frágeis e ocos mitos, esparramando as debilidades do burgo.
Ele era revolucionário no discurso, rasgador da narrativa convencional, destilada na ordem dos novos “paradigmas romanescos”.
Ele era palavras recuperadas ao ritmo da formiga trabalhadora, verbo sempre fracturante e inimagináveis rotinas semânticas.
Desavergonhada e orgulhosa dos subsídios recebidos, tornou-se até a escrita funcionária mais chique. E a que melhor era lambida pela corte.
Frágil e passageiro consolo o que se baseia no artificialismo das meras técnicas de discurso diferentes, que são tão criativas como um molho de grelos num cocktail de camarão.
Frágil e passageiro consolo o que se baseia num passeio de palavras, como quem leva o caniche a mijar numa esquina diferente todos os dias e pensa que está a descobrir o mundo.
Frágil e passageiro consolo o que não vê que a mera ironia, mesmo atascada de sátira envernizada, não passa dum berbequim descartável refém das buchas de turno.
Quando as personagens trocam piropos com o leitor, ou se entretêm a prometer fama ao escritor, o livro passa a ser um bacanal “apanascado”.
Se um livro deu muito trabalho a fazer, tanto pior para quem o escreveu.
O trabalho não é para ser respeitado. É para ser explorado, pago e eventualmente repetido.
Mas não, não escrevi este texto só para dizer mal à toa, e encher de inúteis bits o servidor da blogger. Escrevi isto porque acho pena que nos deixemos ( todos ) levar pela ilusão do artifício laborioso e imaginativo que nos desfoca da intimidade do mundo e da nobreza da alma humana, trocando-os por um pires de tremoços armado em salmão fumado do Petrossian.
«Para vocês os Gogol nascem como cogumelos» como dizia Bielinsky a Nekrassov, quando este lhe apresentou o primeiro livro de Dostoievski ( “O pobre homem”). Só que aqui a história era outra.
Ah...e também quem não sabe aguentar uma piadita, na Torre de Babel punham-no a dormir no quarto dos fundos, e na arca de Noé só não lhe fariam parelha com o papa-formigas porque o estômago não aguentaria muito ácido.
Pronto, já passou. Siga a marinha. Até porque o número de leitores destas peçonhentas águas-mal-furtadas irá reduzir drasticamente a partir d’agora. Se é que isso ainda é algebricamente possível.
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Dostoievski,
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