O Ben-Hur reciclado



A dialéctica da esquerda e da direita será sempre das melhores invenções do homem moderno. É penetrante como o laser e entranhante como o plástico em pré-injecção. Às vezes também um bocadinho robotizada é certo, mas a previsibilidade é igualmente a garantia do efeito.

Quando há uns dias me referi ao religare entre “esquerda vaidosa” e “direita reprimida” – que gerou perplexidades e difíceis digestões – queria dizer que a ligação entre estes dois “extremos” se constrói no “inconsciente” individual ( se um dia se provar que isso não existe eu devolvo o sinal em dobro). Todo a esquerda recalca ideias de direita, e toda a direita procura metonímias dos ideais de esquerda.

No entanto, este confronto parece que maça muito os espíritos mais sensíveis. E eu sou homem de arranjar soluções, não me arrasto na esterilidade. Proponho assim que a grande clivagem se vá situar num trapézio diferente e, aproveitando para matar mais um “coelho com a mesma calinada”, vou igualmente resolver o velho dilema entre os políticos “populistas” e os políticos “cientistas”.



Todos os políticos racionais e responsáveis, que vivem na ansiedade de nos deslindar a realidade, e que tanto sofrem por ver o povo palmilhando os caminhos traçados por homens de pouco escrúpulo e farta verborreia devem ter a seguinte oportunidade: Arranjar uma muleta de políticos populistas que possam ser por si instrumentalizados, e assim pô-los a babar as suas ideias e visões como bons instrumentos de sopro. Cada mestre em ciência política deveria ter agregado a si um autarca, um líder duma distrital, um participante em debates e um parlamentar inflamado. Seriam as quadrigas dos tempos modernos. Não mais as ideias vazias recheariam o discurso político. O relinchar populista seria agora guiado pela rédea do pensamento coerente. O olhar ignaro da populaça concentrar-se-ia nas ideias certas cavalgadas pelas donzelas de serviço.



Por outro lado, os políticos populistas, aqueles de quem as pessoas gostam, que delapidam corações, que sabem as boas anedotas, ou que estão inchados da chamada obra feita, também deveriam ter a oportunidade de se socorrer de cochichadores diplomados, de homens de saber farto, e de conciência serva dos bons valores. Cada popularucho-sufragado teria agregado a si um tradutor de clássicos gregos, um filósofo existencialista, um padre levemente progressista e um sociólogo weberiano. Teríamos uma quadriga também atrevida mas com um trote de epifania, discreto de aspecto, e recheado do melaço ideológico. Não mais o relinchar intelectual se abafaria num discurso de rédea parada, hermética e charadista. Os pavões agora exibiriam a sua cauda deslumbrante em forma de eminência parda.



A luta política concentrar-se-ia nas corridas entre os dois tipos de quadrigas. O povo estaria mais satisfeito porque tudo já tinha sido pensado para as corridinhas do fim-de-semana. Nada seria estéril. Toda a poeira levantada seria aproveitada para as construções na areia, e já não daria conjuntivites aos escandalizados e puros de turno

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