Nos tempos em que tudo parece omnipresente e “omninsinuante”, fui suscitado pelo mecanismo da falta.

A epifania é uma palavra que entrou na moda, mas de facto, uma ausência só se saboreia mesmo com um regresso, com uma aparição. A ausência jubila-se nesse regresso. E rejubila-se na permanência. Mas acho que estamos é com falta das ausências. Só que das certas. Despojamento a metro no novo dicionário não ilustrado, que não se acanha, e assoma e persegue: ( entradas 591 a 602 )



Posse: ausência de pobreza – Quando não se consegue jogar golf só com os buracos, acabamos obcecados em estatísticas handicapadas e sem desfrutar de cada tacada. (Agora ia dizer que “as bolas só atrapalham” mas acobardei-me)



Companhia: ausência de solidão – Quando não se consegue obter respostas sem ter feito uma única pergunta, acabamos viciados em ser olhados.



Paz: ausência de conflito – Quando se escolhe uma síntese de compromisso é porque já não se aguenta o fedor da contradição, que entretanto se descalçou, depois de ter andado apertadinha na peúga do argumento.



Água: ausência de deserto – Quando todas as esperanças se depositam no oásis, vêem-se escorpiões por todo o lado e não se aprecia a imensidão da paisagem.



Memória: ausência de esquecimento – Quando se perde tempo a decorar os menus e as receitas, não sobra nada para treinar o paladar, e a língua transforma-se apenas num chicote amestrado dos domadores de palavras.



Experiência: ausência de juventude – Olhar para o futuro com desdém, dizendo: hás-de cá vir que eu faço-te como fiz aos outros. Só que nem todos os baldes velhos com buracos dão bons regadores.



Conhecimento: ausência de ignorância – O atascamento da mente é a fatalidade de quem se acerca do mundo como quem vai a uma cantina em self-service com pré pagamento



Fazer: ausência de paciência - Ver o mundo como um formulário a preencher, revela a alma de burocrata que todos temos em nós.



Fastio: ausência de abstinência – Quando se está de barriga cheia, para além de se ter deslocado o centro de gravidade, temos muitas forças concentradas a produzir acidez, e poucas a arrumar a casa para receber bem as visitas que realmente importam



Consolo: ausência de carência – Um coração afagado é um coração afogado. Já só tem água tépida onde deveria entrar ar fresco.



Confiança: ausência de ansiedade – Quando tratamos o destino por tu, perdemos o respeito ao imprevisto e acabamos a dormir no sofá rogando pragas ao telecomando



Presença: ausência de ausência – Só a falta mostra o conteúdo.



Bem, isto agora para limpar, só mesmo com asneirada da grossa...



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