Dá-me a impressão que Deus é daqueles que não brinca em serviço. Mas também, diga-se de passagem, estou a vê-lo a dizer ao Abraão: « É pá naquela brincadeira com o teu miúdo e com o cordeiro, acho que fomos um bocadinho longe demais, e agora a coisa está a fugir-nos ao controlo...»

Tal como nos mercados financeiros que funcionam por antecipação, a Paixão este ano também andou cedo de mais a servir várias “causas” sem que o Cruxificado se tenha pronunciado. O novo dicionário não ilustrado temendo que na semana santa deste ano já se esteja a tratar dos santos populares decidiu avançar. Não sem antes se permitir ao arrojo – com um ligeiro “piquinho” a snobismo - de informar que quem até agora ainda não se pasmou a ouvir a Stabat Mater do Pergolesi ainda só viveu por aproximação.

( Entradas- pisando o risco da pura sinuosidade - 527 a 537)



Culpa – Milagre envergonhado da liberdade. Solteira – como se sabe – mas muito usada às escondidas. Em qualquer bordel perto (dentro ?) de si. ( e de mim claro, ok, tá bem)



Sofrimento – Condição necessária mas desgraçadamente não suficiente. Buraco negro nos silogismos da moda.



Expiação – A lavagem purificadora voltou a ser a tisana dos dias. Mas as esfregadelas devem ser só à superfície que é para não arranhar muito fundo. Onde não chegariam as pomadas para peles com “casca de laranja”.



Cruz – Um entroncamento de “fatalidades”, desenhada por profecias que não respeitaram prioridades, mas que também muitas vezes é evitado pelos engarrafamentos de “domingueiros” que só se sabem queixar dos buracos.



Perdão –Oportunidade dada ao jogador batoteiro, de fingir que a marca das cartas, afinal era o resultado de se ter esquecido delas no bolso das calças que foram na máquina de lavar roupa.



Remissão – Um sumiço que se dá ao veneno quando parecia que ele já estava a surfar pelas veias acima aproveitando a corrente dos dias. Quem não chegou a sentir o tal aperto no peito pode ficar a pensar que o mal era só uma picadela de melga.



Remição – Quando agora as malas com o nosso resgate trazem as notas marcadas de “egoísmo”, os novos raptores não se importam, e lá as vão contando ao som das valquírias; mas nós vamos roendo as unhas para ver se eles desistem de contar antes que comece a aparecer o papel de jornal.



Salvação – Conceito fornecido originalmente na sua forma hermética, mas com tendência para ficar lasso com o uso, e desenxabido no contacto com o ar dos dias. A conservação exige um esforço contínuo de refrigeração, que nem sempre se consegue porque as cuvettes já estão cheias de preconceitos



Escândalo – Quando a pedra estava no sapato apenas a incomodar o pessoal ia-se safando; evitava-se que ela saltasse para a nossa frente, e que acabássemos por tropeçar deixando à vista as partes baixas. Ver o que não se pensava possível é sinal de que a alma está a pedir reforma. Há por isso que ir “poupando” enquanto nos banhamos na indiferença.



Arrependimento – Quando a nobreza se apodera dum coração plebeu, há muitos escudeiros de turno que ficam incomodados, mas são tão valentes que acabam a usar a espada como varinha mágica para fazer batidos de fruta seca.



Abandono – O verdadeiro sentimento limite. Não há filosofia nem poesia que lhe dêem vazão. Quando nem nós nos acompanhamos a nós próprios, as grandes explicações sabem a fel, e o consolo só pode vir de onde menos se espera.





( Algumas destas palavras até já tiveram um ”tratamento” em entradas anteriores, mas as palavras também se vão lavando nas banheiras da ocasião; Se incomodar é só destapar o ralo. Se ficar sabonete por tirar não há problema porque com o tempo a pele absorve)



Mas também... «Quis est homo qui non fleret Matri Christi si videret in tanto supplicio»?



É pá porra tenho mesmo que ir desopilar um bocadinho....

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