Daquele gajo que ganha notoriedade à conta do subtítulo deste blog:
«Olhando para o meu rebanho e vendo as minhas ideias,
Ou olhando para as minhas ideias e vendo o meu rebanho,
E sorrindo vagamente como quem não compreende o que se diz
E quer fingir que compreende.» FP
A ideia de que os que detêm o poder «não podendo fazer o que queriam, fingiram querer o que podiam» com que Montaigne termina o seu ensaio “De la liberté de conscience” ( apesar do dito, segundo parece, não ser original dele ), leva-me para este conceito do fingimento de peito feito. O fingimento é um conceito rico, muito bem explorado no “estudo” das relações amorosas, mas não é para aqui que ele hoje me leva (aliás o Avatares nessa área não dá muita margem de manobra – é praticamente o Mourinho da eros-táctica) ver nota (1)
Hoje analisarei a eficácia do fingimento no exercício do poder. Ponho a conclusão logo no início que é para os que se especializaram a só ler posts curtos ainda apanharem qualquer coisa: Fingir já atrapalha um bocado.
Agora a seca.
O político só o é porque sabe fingir. Isto é o básico. Toda a gente concorda. E quanto mais aguenta mais se safa. Também elementar. É uma espécie de campeonato de “apneia da verdade”. Mas agora vem a fatalidade: Os que melhor fingem acabam corroídos pelo remorso, nunca chegam a descomprimir em condições quando chegam à tona, e a consciência vai coagular mais tarde ou mais cedo. Mas isto é apenas uma teoria. Nunca aconteceu.
O que sim aconteceu é que a percepção do fingimento por parte da gentalha miúda tem vindo a evoluir. E o esforço do dissimular tem vindo a afrouxar. Podemos chegar ao caricato de descortinar fingimento, onde o desgraçado do político-sufragado já apenas tentava agradar à mulher e aos filhos que estavam em casa “a ver o programa”. «Ó filho tu antes não eras assim» é uma frase que pode transtornar qualquer político quando chega a casa no fim do turno. Mas as mulheres dos políticos não lêem Pessoa, porque senão saberiam que o melhor para ele seria mesmo ir «repousar, alheio, do “seu” fingimento orgânico».
O marketing político vive também nesta encruzilhada. Vende o mesmo produto há muito tempo, vai trocando o embrulho, mas já lhe vão faltando ideias para o papel de fantasia. Os exemplos do slogan da coligação e dos cartazes do PS (aqueles com o Guterres encafuado num canto – acho que estão a mudar...) mostram que já nem compensa gastar dinheiro para manter as aparências. O povo começa a nem merecer que o enganem bem. Fingir começa a dar demasiado trabalho. O poder está possuído por um desprezo de imagem que só nos desrespeita. Queremos ser enganados mas com estilo. Queremos de facto que se esforcem em fingir que acreditam no que estão a fazer.
Fingir é trabalho de artesão. De quem molda os factos como o barro. Por amor de Deus não se percam nessas chinesices de plástico. Mantenham a dignidade, o mundo não é um tornedó, mas também escusam de o apresentar em forma de happy meal. O povo sabe que não tem acesso a uma verdade triunfante, mas pelo menos tem direito a uma mentira decente, bem amanhada e bem embrulhada.
Mas eu percebo, fingir já atrapalha um bocado quando é preciso fingir que se compreende o que se diz. E é bem mais difícil «fingir sem fingimento» como dizia “o do costume”.
Nota (1) O Dicionário do Diabo será eventualmente o Camacho, porque passa o tempo a olhar para a bancada. Não resisti, pronto.
E como borla, dado que não fiz nenhuma piadola com o Avelino de Canavesses ( volta Fátinha estás perdoada...) deixo mais esta:
«Pátria, quem te feriu e envenenou?
Quem, com suave e maligno fingimento
Teu coração suposto sossegou
Com abundante e inútil alimento? »
...mas este gajo também era um bocado pirrónico....
Etiquetas:
fernando pessoa,
Montaigne
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