“ Salvum fac temetipsum, et nos”



Uma pergunta que o Tiago fez recentemente é uma voz a pedir o devido eco das dunas. O episódio dos dois ladrões junto a Cristo na Cruz é dos momentos mais marcantes da revelação. Agora só duas singelas doses.



1ª Dose – Deus e homem



São de facto interessantes esses momentos bíblicos em que parece ficar uma ovelha negra a “pairar no ar” - por exemplo, eu se fosse irmão do filho pródigo também teria ficado ”em brasa”... Cristo aparece muitas vezes disfarçado numa “salada” adverbial e adjectivada, mas tudo se pode substantivar “pensando” que Jesus era Deus e homem ao mesmo tempo. Esmiuçando: Jesus foi Deus para o bom ladrão quando este lhe descortinou a omnipotência camuflada na impotência, e lhe pediu que se lembrasse d’ele – foi assim prepotente, discricionário, misericordioso e magnânime. Para o outro ladrão foi apenas homem naquele momento. Jesus deve ter pensado: Cala-te meu, estão-me a doer as costas como o raio, e tu estás praí a chagar-me o juízo, como os fuinhas dos fariseus! É evidente que este outro ladrão se estava a comportar como se portaria a maior parte daqueles por quem Cristo morreu. Este “mau ladrão” confirma que para a economia da salvação era mesmo preciso que Cristo morresse; ele não aproveitou tê-lo ali à mão de semear. Como cá a rapaziada no fundo. Confirmando o trivial “se não vem na televisão é porque não existe”



2ª Dose – “ porque roubo em barca sou ladrão, e vós que roubais em uma armada, sois imperador?”



O padre António Vieira tem no “Sermão do bom ladrão” – que eu já citei aqui no blog , salvo erro – uma “peça” que deveria ser de leitura obrigatória nas tomadas de posse dos governos, se é que os ministros não deveriam mesmo jurar com a mãozinha lá posta em cima da sua lombada....

Uma das partes interessante do sermão é quando ele se põe a comparar o bom ladrão – Dimas - com um outro “ladrão rico” ( cobrador de impostos...) Zaqueu, “extrapolando” mais tarde com o “mau” ladrão. Trata-se de abordar o perdão pela via da restituição, e do “equilíbrio” entre o ladrão e o “rei” que lhe dá abrigo. Enquanto Zaqueu se “safa” restituindo o quádruplo do que tinha “aliviado” e o P. Antº Vieira faz relevar que este ainda teve de fazer algo para se salvar, pelo contrário, o bom ladrão que devia ser um pelintra, escapa-se com um simples acto de fé e entrega.

Mas então e o mau ladrão? Ah! o mau ladrão... na leitura muito especial do jesuíta – que o Tiago até bem deve conhecer - está ali precisamente a dar um recado ao poderosos que andaram a “gamar” a par dos ladrões encartados: «Se és Cristo, salva-Te a Ti mesmo e a nós». Ou seja, já que nós pequenos ladrões estamos aqui um bocado “à nora” e sem grande vontade de corrigir o que defraudámos, ao menos tu – que tens poder - obriga-nos a isso, e assim talvez nos salvemos os dois!...

Portanto: quem detém o poder tem sempre uma última oportunidade de corrigir!!! De dar o exemplo. Muitas vezes o nosso papel, mesmo estando a ser “crucificados” à sua esquerda, é lembrar-lhes isso.



«Saiba-se com que entrou cada um, o demais torne para donde saiu, e salvem-se todos» Frase que bem podia estar à entrada de muito boa comissão de ética, ou a encabeçar a declaração de rendimentos. Foi o padreco que a disse, também neste sermão. Ele há jesuítas para tudo.

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