Realmente o que eu gostava de ser era líder para-lamentar

(até porque todos temos um pouco de telmos correias dentro de nós)

Existe de facto aquela hipótese mesmo muito má. Má para todos: gregos, troianos, piedosos e escabrosos, Deus existiria, sim existiria, mas era mau como as cobras. Seres dados à crença e seres dados à dúvida, seres dados à prece e seres dados à auto-suficiência, seres dados à revelação e seres dados à negação, atenção: todos bem fodidos estariam. É uma hipótese que se tem de considerar; reparemos, o bem foi inventado, como sabemos, pela madre teresa, e ela foi-se, morreu. A coisa não era estável.

[e podia não ter morrido, reparem, não é possível provar que todos morremos – sim, quem pode provar que todos morremos? Eu, pessoal e estatisticamente, até conheço mais gente que não morreu do que gente que morreu, e o que nos diz que não haja aí um gajo que seja um eterno trintão, que viva de campo de refugiados em campo de refugiados, especializando-se em corredores humanitários, sem identidade fixa, que nem o guterres o conheça e até seja primo afastado da Lucy, tenha andado com o Abraão ao colo, feito palavras cruzadas com o Herodes e coleccionado cromos com o Tarmelão, sim, a matemática já provou há muito tempo a existência das tendências para infinito, inclusivamente o Acontece e o TV Rural estiveram lá quase ]

Mas um Deus assim berucha seria um desconsolo para muita gente. O incréu, coitado, reparem, ver-se-ia entalado por todos os lados, até porque seria o mais fortemente penalizado: primeiro, tinha andado enganado a vida toda e a fazer figura de urso esperto –pior que urso burro, note-se - e agora, certamente, um Deus desse calibre não lhe iria perdoar tamanha afronta, os estúpidos nem tinham percebido que a malandrice é a rainha da dissimulação. E os coitados dos crentes, que tinham andado a santa via crucis entre os arrepios de pecado e os suspiros de arrependimento, alguns até revirando os olhos em momentos de maior arrebatamento, fariam aquela figura de quem comprou uma merda qualquer por um balúrdio na véspera de começarem os saldos.

Até já estou a ver o juízo final. Requintado: bonzinhos e velhacos todos lado a lado. E deus a iniciar a oração de sapiência: «Pessoal, lembram-se do Estado? Fui eu que inventei. Lembram-se daquela coisa duma pilinha em vertigem epistemológica para travar conhecimento com um pipi que nem estava para aí virado? Fui eu que inventei. Lembram-se do hemorroidal, da afta, da hérnia discal e do furúnculo na virilha? Fui eu que inventei. Lembram-se dos genes holandricos? Fui eu que inventei. Lembram-se daquela velha que fodeu o dedinho da branca de neve? Fui eu que inventei. Lembram-se do pisca pisca do Miranda Calha? Fui eu que inventei. Lembram-se de que os putos não nasciam logo a saber andar de bicicleta? Fui eu que inventei. Lembram-se daquela coisa dos explorados e exploradores, forcados e rabejadores? Fui eu que inventei. Lembram-se daquela de 5 de areia e uma cimento, duas de sufrágio e uma de parlamento? Fui que eu inventei, de tanto rir já nem me aguento. O fatalistas da neura andaram lá perto, mas faltou-lhes o crème de la crème: não perceberem que eu impedi à partida que pudessem coabitar nas vossas carolinhas de dromedários de bossa deslocada o conceitos de deus e o de malandrice!»


[Mistura de consternação e de pânico nas hostes. («eu tenho os certificados em dia, eu tenho os certificados em dia!...», ouvia-se duma vozinha arranhada de fundo, «cala-te ó bacharel sem carácter, não vês que estamos fodidos» ouvia-se também, mas vindo de meio metro abaixo) De resto, nem um bichanar. Darwin coçava-se, Rasputine catava pulgas, Catarina de Sena tinha afrontamentos e o Robespierre tentava atenuar um torcicolo que não o largava. Meia dúzia de anjos iam gozando o pratinho e fumando uns charros.]

Mas deus ainda não tinha terminado, «....Lembram-se dos filmes do Carpenter? Fui eu que inventei. Lembram-se do socialismo? Foi um chip que mandei fazer na china. Lembram-se do dedo em riste do paulo portas e da segolene? Isso foi o s.pedro que inventou num dia em que o mandei ver se chovia. Lembram-se do haxe? Era o que eu andava a fumar no dia do big bang.... Lembram-se de deus? Fui eu que inventei.»


[A coisa estava a ficar mesmo preta: Deus acabara de informar que era ele próprio que se tinha inventado! Freud e Platão chegaram a tentar pedir desculpa ao resto do pessoal por não se terem lembrado desse esquema, o bom do Wittgenstein ainda lá foi tentando desanuviar o ambiente dizendo que aquilo era só paleio, mas o Miguel Angelo já só fazia bandas desenhadas dos Simpsons, e o Kant e o Descartes coçavam as partes.]

Mas Deus começava a ficar com pena. Talvez tivesse sido malandrice em excesso para com os portadores dum genoma tão frágil, tão susceptível, e que até tinham escrito coisas tão bonitas sobre Ele. Que criaturas deliciosas no fundo até tinha criado. Aquecêramos o planeta ( agora o Alecsandro falhou um de baliza aberta, atenção, eu agora posso descontrolar-me um bocado ) o que o tornava mais aconchegado, os Oasis até «You're gonna be the one that saves me» tinham cantado, o Manuel Pinho já tinha sido ministro, o Murillo tinha pintado 300 bambinos e 400 madonnas, enfim... poucos Deuses teriam conseguido uma coisa assim. Começou a ficar com orgulho dos seus meninos, arrependeu-se de ter deixado a natureza tão caprichosa – para isso teriam bastado as filhas de Eva – , e, como a coisa estava ficar feia, deu a palavra ao Telmo Correia. E acabou a bola.

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