Conto dum pinga amor que desistiu de ser repuxo
Disseram-lhe que nunca seria capaz de provocar um amor arrebatador a nenhuma mulher. Esquecera-se de ler Maupassant na idade certa e agora não havia nada a fazer, nunca as conseguia surpreender depois de passados aqueles dois primeiros encontros canónicos. Todas as suas experiências se revelavam traumáticas porque era abandonado no momento mais saboroso, aquele em que a ilusão ainda está na fase ascendente e as referências são todas luminosas construções mentais baseadas em indícios devidamente debruados pela sua imaginação. Ficava sempre inconsolável nos três dias seguintes; no quarto dia dormia, no quinto pura e simplesmente não existia, no sexto comia, mas no sétimo era um homem novo, luzidio como um ovo, e voltava ao serviço com o entusiasmo dum noviço. Tinha algo de bíblica esta sua vida sentimental. Chegou a pensar que o seu coração era uma arca de noé e que estava destinado a coleccionar todas os espécimes de amores falhados por mero desinteresse. Mas não havia maneira de aparecer a pomba com o ramo de oliveira e continuava a arrastar-se naquele diluvio de rejeição. Era pessoa reflexiva - mas apenas o quanto baste, sosseguem - e por isso passou calmamente por todas as fases expiatórias que o pensamento fornece: o mal estaria nelas, nas mães delas, nos pais delas, no nariz dele, no excesso de beleza dele, na falta de beleza dele, no seu excesso de inteligência, na ausência dela, na sua demasiada concentração, na sua excessiva dispersão, abuso de confiança, fraca informação, precipitação, calculismo, sensaborona planície, arriscado abismo, tocou todos os extremos e tabelas como uma bola de bilhar bem mandada. Usou barba de três dias, de quatro, de vinte, usou ternura, usou acinte, usou a luz das velas, usou halogéneo importado, e fez de rico, fez de pobre, fez de remediado, chegou até a fazer dele mesmo, pode dizer-se que tudo fez, mas nada, nenhuma chegava à terceira vez.
Desistiu. E foi nessa desistência que encontrou consolo. O melhor lugar para estar era aquele buraco no meio do bolo; sem fatia; sem sapo para engolir, sem prenda, sem fava, sem maçã, sem cobra. Mas também nunca seria sobra.
Disseram-lhe que nunca seria capaz de provocar um amor arrebatador a nenhuma mulher. Esquecera-se de ler Maupassant na idade certa e agora não havia nada a fazer, nunca as conseguia surpreender depois de passados aqueles dois primeiros encontros canónicos. Todas as suas experiências se revelavam traumáticas porque era abandonado no momento mais saboroso, aquele em que a ilusão ainda está na fase ascendente e as referências são todas luminosas construções mentais baseadas em indícios devidamente debruados pela sua imaginação. Ficava sempre inconsolável nos três dias seguintes; no quarto dia dormia, no quinto pura e simplesmente não existia, no sexto comia, mas no sétimo era um homem novo, luzidio como um ovo, e voltava ao serviço com o entusiasmo dum noviço. Tinha algo de bíblica esta sua vida sentimental. Chegou a pensar que o seu coração era uma arca de noé e que estava destinado a coleccionar todas os espécimes de amores falhados por mero desinteresse. Mas não havia maneira de aparecer a pomba com o ramo de oliveira e continuava a arrastar-se naquele diluvio de rejeição. Era pessoa reflexiva - mas apenas o quanto baste, sosseguem - e por isso passou calmamente por todas as fases expiatórias que o pensamento fornece: o mal estaria nelas, nas mães delas, nos pais delas, no nariz dele, no excesso de beleza dele, na falta de beleza dele, no seu excesso de inteligência, na ausência dela, na sua demasiada concentração, na sua excessiva dispersão, abuso de confiança, fraca informação, precipitação, calculismo, sensaborona planície, arriscado abismo, tocou todos os extremos e tabelas como uma bola de bilhar bem mandada. Usou barba de três dias, de quatro, de vinte, usou ternura, usou acinte, usou a luz das velas, usou halogéneo importado, e fez de rico, fez de pobre, fez de remediado, chegou até a fazer dele mesmo, pode dizer-se que tudo fez, mas nada, nenhuma chegava à terceira vez.
Desistiu. E foi nessa desistência que encontrou consolo. O melhor lugar para estar era aquele buraco no meio do bolo; sem fatia; sem sapo para engolir, sem prenda, sem fava, sem maçã, sem cobra. Mas também nunca seria sobra.
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