A César o que é de César, ao intestino grosso o que é do intestino grosso

Uma das mais caprichosas questões em torno do chamado comportamento humano é saber se ele é mais condicionado pelos aspectos culturais, se pelo zodíaco, se pelo intestino grosso ou se pela visão apocalíptica da mãe a travar intimidades com o pai.

A questão religiosa e a questão política coabitam nesta interpelação (interpelar é sempre um verbo que se deve usar de tempos a tempos pelo seu imediato efeito de empolgamento espiritual anexo) duma forma arrepiantemente promíscua.

Reparemos, o homem político preocupa-se em saber se deve ou não transferir para terceiros, os direitos que assume lhe tenham sido atribuídos e consagrados pelo mero facto de respirar, fornicar em múltiplas posições, ficar com comida entre os dentes, e saber a tabuada de cor. Quanto ao homem religioso, a sua maior preocupação situa-se em saber se deve deixar entrar mais ou menos intermediários na sua relação com o Criador, ou, no caso dum não crente, se deve apostar mais no afastamento das micoses existenciais pela via da raspagem individual ou se deve usar mais pomada já testada noutros interstícios.


Apesar de ser tentado a pensar que o intestino grosso tem um papel predominante nestas fracturantes questões, e que não devemos menosprezar o papel de relaxante muscular e anti flatulente dum bom Zodíaco…

[por exemplo, um caranguejo com o cólon irritado acreditará sempre num Deus castigador e muito exigente, um capricórnio com azia jamais permitirá entregar ao Estado a organização dos tuperwares na cozinha e o horário da ida à conduta do lixo, ou um aquário com vesícula sensível verá sempre Deus e o Estado como entraves para a sua autonomia]

…. temo que Freud e Durkheim tenham estado bastante perto da verdade, (apesar de não pensar que baste ser careca e de barba para descobrir o sentido da vida) ou seja, tudo se resolve nas movimentações que ocorrem no chamado inconsciente cultural, essa mistura de mioleira com suor, que coloca o ser humano a meio caminho entre uma livre associação do criador e uma dialéctica histórica.

Assim sendo, julgo que poderei sucintamente concluir que: o homem relaciona-se com Deus baseado no seu equilíbrio pessoal entre a figura do papá e da mamã, e o homem político relaciona-se com o Estado sob influência da porrada que deu ou levou dos irmãos.

Na verdade, a única e real incompatibilidade que a nossa natureza apresenta é entre a propensão para digestões e cartas astrais difíceis e a crença na tendência do mercado para o equilíbrio e o cumprimento de desígnios com alguma transcendência.

Iguais perante a lei e únicos face a Deus é o pensamento mais luxuoso que um homem pode ter. O resto é apenas desenrascar e sobreviver.

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