E agora vai um corte e costura na seta despedida

«A velocidade (…) não sofreu alterações, (…) mas o meu ritmo (…) diminuiu consideravelmente, de modo que (…) fui acumulando (…) longas viagens (…) de leitura (…) para resgatar (…) o hábito (…) de não poder usufruir como (…) desejável (…) proprietário.»

Sem debrum.
Será ainda de notar a pertinência em tresler recortando 'Lolita' do Blogame mucho

«Fazer de conta que (…) nos satisfazem (…) é (…) o próprio síndrome do excluído, (…) sem que, no entanto, nos consiga desviar (…) da soberba estratégica.»

Lá está. É a tal coisa.
Mas recortando e baralhando o Azul Cobalto, fica assim.

«Admito a (…) inabilidade (…) com que me confronto por estes dias (…). O que me leva a um certo bem-estar é (…) a presença suspensa da (…) ausência. (…)Viver em pontas ajuda a aliviar, (…) de forma etérea e quase musical, tipo um mantra mas com acento agudo»

Lá está. Às vezes também pode ser tudo uma «questão de ritmo».
Apenas brincando, ou não, aos recortes com a educação sentimental

«O que sobra, então? Esqueçamos o fascínio (…) e muito menos nos atrevamos a desejar (…). Abdiquemos da sensualidade e (…) da sofisticação. Concentremo-nos na proximidade (…). Nos trocos. Para (…) a meia-idade, não me parece mal.»

Lá está.
É a tal coisa de ler os clássicos. Já não se fazem fintas-com-remate-incorporado assim

O que Maniche nunca poderia saber quando fez aquela primeira finta rápida e curta é que ‘num estudo sistemático e detalhado acerca da versificação de Mallarmé, Rimbaud e Verlaine, Benoit de Cornulier mostrou que os três «começaram por produzir alexandrinos clássicos», conformes à divisão do verso em dois hemistíquios de seis sílabas, tendo o autor de Poésies praticado também, na sequência, uma divisão tripartida (4-4-4) e mantendo-se, quanto a ele, fiel a ambas essas modalidades do verso duodecassílabo, enquanto os seus émulos simbolistas delas se afastaram a partir de certa altura.’ No entanto, e até talvez por isso, despachou célere a bolita para dentro da baliza antes que aparecesse outra vez o Pauleta com ideias. ‘De notar que o alexandrino tripartido serve muitas vezes de acompanhamento ao duodecassílabo bipartido, introduzindo uma variação no interior da estrutura métrica’. O que pode perfeitamente ter presidido à opção imprevisível de Maniche, tanto mais que ‘Esta variação permite outros acompanhamentos mais livres, chegando a ir até à violação da isometria’.

Basicamente era isto. Maniche nunca dispensa as Poesias de Mallarmé e o prefácio do José Augusto Seabra citando a ‘Théorie du vers’ do tal Cornulier. É que sem estas pequeninas coisas o futebol pode-se tornar uma coisa ilegível.
‘Como se faz um santo’
À atenção de sua Eminência o Sr. Cardeal Saraiva, para ir preparando o dossierzinho.

Ponhamos que o brazuca do bigodinho depois duma visão semi-iconoclástica mete o Hugo Viana a cinco minutos do juízo final; este gajo, num inesperado rasgo de iluminação ad mortem, lembra-se retrospectivamente dum passe que tinha visto fazer ao Pedro Barbosa depois de ter enfardado duas tostas mistas, e faz um igual de 25 metros desmarcando o bom do Boa Morte que, obviamente, nem estava de todo à espera, face ao papel de animador cultural que lhe tinha sido inicialmente destinado; este corre então dez metros em slalom vertiginoso – no sentido do adversário, para espanto da audiência - logrando passar por dois anglicanos sem perder a noção da localização da bola, nem do tornozelo, nem do Aquiles, nem da cabeça da Ana Bolena e, em registo assombroso, faz um centro tenso, colocado a meia altura, que é apanhado pelo lombinho do pé do Postiga, devidamente massajado com creme barral, que, na passada, enfia um charuto, arqueado, tipo rolo banana de tirar rugas, para dentro da baliza de sua majestade, sem dar sequer tempo ao guarda-redes de invocar a intercessão do santo protector das permanentes de Camila P. Bowles.
Julgo que nem São Bento no seu arrepiante martírio conseguiria ser mais convincente. Scolari poderá estar, a qualquer momento, à beira dos altares.
Mas depois pode ser que ainda volte aos clássicos, porque ficou por resolver aquele subliminar problema entre o verso alexandrino e o Maniche.
Sê-lo-á mais se declamar traduções?

Se o potencial épico do Maniche não se agigantar o suficiente pela comparação aqui tão exemplarmente desenvolvida com o modesto (e actualmente um tanto desossado) Camões ter-se-á de sugerir-lhe, a fim de que perceba a sua grandeza sem necessidade de recurso a leituras de encher chouriços, o proselitismo: a visita em quantidade (a qualidade é matematicamente desprezável) a alguns blogs, nomeadamente outros, como terapia alternativa ao uso de um vulgar elevador-de-ego.
Apesar de continuar a ser importante que o Maniche leia os clássicos

Maniche fez tanto com a finta curta explosivamente seguida de remate ao poste mais a jeito como Camões com os decassílabos acentuados na 6ª e na 10ª.
Eu quero...

Félix Vallotton (1909). Nu allongé au tapis rouge (*). Genève, Petit Palais.

... amor feinho. (**)

(*) Título patriótico alternativo em tempo de mundial: "fada tecnicamente descalça sobre bandeira portuguesa invertida". Ou lá que é.

(**) Título do poema de Adélia Prado, "Amor feinho". In 366 poemas que falam de amor, org. Vasco Graça Moura, 2003, Quetzal Editores (pg. 240)
smsantologia

"Are you not weary of ardent ways,
Lure of the fallen seraphim?
Tell no more of enchanted days."

Joyce, "A Portrait of the Artist as a Young Man", Penguin Books, pg. 236
J. Rodrigues dos Santos mas em versão tipo-ler-os-clássicos

O tal de Nabokov em ‘Ada ou ardor: uma crónica de família’ (1969):

«Três mulheres egípcias, mantendo-se submissamente de perfil (longo olho de ébano, encantador nariz arrebitado, juba negra entrançada, vestido de faraó cor de mel, magros braços ambarinos, pulseiras negras, brinco de ouro do feitio da rosca, bisseccionado por uma dobra da juba, faixa de cabelo à pele vermelha e peitilho ornamental), (...) prepararam-me mediante aquilo a que o sedento Eric chamava «delicadas manipulações de certos nervos cuja localização e cujo poder só são conhecidos por alguns antigos sexologistas» acompanhadas pela não menos delicada aplicação de certos unguentos mencionados, não muito especificamente, no pornolore da Orientalia de Eric, prepararam-me, dizia, para receber uma virgenzinha assustada, descendente dum rei irlandês, como fora revelado a Eric no seu último sonho em EX, Suiça, por um mestre-de-cerimónias mais funerárias que fornicatórias.
Os preparativos prosseguiram em ritmos tão prolongados e tão insuportavelmente deliciosos que Eric, morrendo no sono, e Van, palpitando de vida impura num divã rococó, (...) não podiam imaginar como as três jovens damas, que subitamente se libertaram das vestes (famoso artifício onirótico), conseguiam prolongar um prelúdio que mantinha uma pessoa durante tanto tempo à beira da dissolução. Eu jazia supino e sentia-me com o dobro do tamanho que jamais tivera (...), quando, finalmente, seis suaves mãos tentaram instalar la gosse, a trémula Adada, no terrível instrumento. Uma compaixão idiota, sentimento que raramente experimento, murchou-me o desejo e ordenei que a levassem para um banquete de pêssego e natas. (...) Depois de demorado exame e de muito gabar de ancas e pescoços, escolhi uma Gretchen dourada, uma pálida andaluza e uma beldade negra de Nova Orleães. As servas caíram-lhes em cima que nem leopardos e, depois de as afinarem com zelo e uma fúria não desprovidos de matizes lésbicos, entregaram-me as três melancólicas graças. (...) Só uma das raparigas me acertou em cheio na alma, mas passei-as às três à fieira, teimosa e lentamente, «mudando de montada a meia travessia» (...), antes de terminar todas as vezes no abraço da ardente ardiluza, a qual disse, quando nos separámos, após um último espasmo (embora a tagarelice não erótica fosse contra o regulamento) que o seu pai construíra a piscina da propriedade do primo de Demon Veen. ». (pg 185, das Ed Europa América, 1977)

Mas, no fundo, percebe-se porque é que os brasileiros gostam deste gajo;
Esse mesmo que escreve, por exemplo, na tal assinalada pag. 158 das ‘Littératures II’ que « le manque de goût de Dostoievski, son commerce monotone avec des êtres souffrant de complexes préfreudiens, sa façon de se complaire dans les mésaventures tragiques de la dignité humaine, voila qui est difficile à admirer». Podias só te ter dedicado a depilar borboletas, filho.
G. Steiner dizia (qualquer coisa como, dado que não tenho o texto por perto) que há um novo eros depois de Dante, novas relações humanas depois de Shakespeare, e novas guerras depois de Tolstoi. Eu acrescentaria, e há uma nova conversa de chacha depois de Nabokov.

Mais vale dois.toievskis a pôr-nos a alma na mão do que n’bacokovs a borboletarem-nos os sentidos no ar.

texto que nada tem a ver com Alexandre Soares Silva, blogueiro brasileiro, que não faço a mais pequena ideia quem seja, e que ontem, aparentemente, terá estado na casa Pessoa (casa estimada e onde eu já estive) a falar do Nabokov, entre outros.
Com a devida vénia

Se de um dostoievski - aquele russo cujos personagens remoíam interminavelmente obsessões de culpa e redenção - já se disse ser o grande perturbador da consciência, de doistoievskis só nos resta pensar em pastores pirrónicos distraídos a jogar ao cajado como quem joga ao pau enquanto os rebanhos se dispersam. E isto para nem sequer me deitar a imaginar quantos irmãos karamazov se fariam com três. Toievskis, é claro, porque ali babas hão-de ser mais.
Para os devidos efeitos

Como eu sou uma pessoa muito equilibrada não vou fazer balanços, e apenas constato que esta coisinha (e não se pode dizer palavrões por respeito às duas senhoras residentes convidadas) faz hoje três aninhos. Credo.

ps. (para a am) A Xerazade era mesmo uma miúda, sim, foi o ali baba que me disse.
ps. (para a tm) Para quem escreveu que ‘tem dito palavrões a vida toda’, olha que nessa história um «ide.... » até que também estava bem esgalhado, hem?

Ps. (para mim) Face à tal sessão amanhã na ‘Casa Fernando Pessoa’ (mas é que ias lá mesmo, se pudesses...) não sei se vais aguentar sem dizer aqui mal do Nabokov, um dos teus irritantezinhos de estimação; até porque eu sei que na página 157 e 158 (das 'Littératures II' , quando ele aparvalhava em relação a doistoievski) escreveste de raiva ( em 1988! fosgasse!) «ó nabokov vai encher chouriços». Eras era tão educadinho na altura.

De uma missa

Depois de leituras da Bíblia, que infelizmente eu não consigo dizer quais...até porque quero salientar raras são as vezes que eu consigo acompanhar textos lidos por outras pessoas seja na igreja ou noutro local. Prefiro ler do que ouvir alguém ler:

“Comecei a fazer trabalhos de grupo tinha 10/11 anos na disciplina de Ciências da Natureza. Numa dessas sessões de trabalho um dos meus amigos acusou-me de lhe ter tirado um lápis. Eu não lhe tinha tirado nenhum lápis, mas como o meu lápis era igual ao que ele tinha provavelmente perdido, o meu amigo insistia que eu lhe tinha tirado o lápis. Eu para evitar mais discussões, resolvi dar-lhe o meu. Resultado: O meu amigo disse-me – Vês como me tinhas tirado o lápis!!!!”

Fiquei a pensar...mas eu alguma vez na vida daria o lápis numas circunstâncias destas!?! Não, naturalmente que não. Por várias razões:
- Nunca evitei discussões quando tenho a certeza que tenho razão;
- Amigo meu que achasse que lhe tinha tirado o lápis e não lhe dizia...acabava a fazer trabalhos de grupo sem mim e claro, sem o meu lápis;
- Finalmente, porque eu perco muitas coisas mas nunca acho que são outras pessoas que me as tiram (caramba ...será que são mesmo e o meu amigo é que tinha parte da razão...?!?)

Mas bom e para quem quer saber o final ....na missa concluía-se com esta história que a verdade é sempre um bom caminho! Gostei.

Praystation III

Agora tudo é revelação, mistério, sedução & dúvida. A real destreza está em saber ver para lá do ecran, como quem por detrás da camisola pressente a lã, ou como o feiticeiro que pelo borboto chega ao coração do cordeiro; transformar o plasma em lente e ‘go forward’, transformar tudo, sempre, numa encantadora fuga para a frente. Só há verdadeira liberdade com escassez de informação, a natureza pára se tiver tudo ao alcance da mão. Um Deus 'ausente' é um verdadeiro presente.
Praystation II

Ele quis olhar-te nos olhos como nós nos olhamos. Caprichoso estranho, este Deus. Não lhe chegou o programa básico das profecias, dos povos eleitos, e das terras prometidas. Pegou no mundo e fez ‘Refresh’. Agora bloqueei: criou tudo o que mexe, mas sofreu às mãos da lei. Mandou-nos reparar no exemplo dos lírios no campo, do bom ladrão, e disse-nos que onde estivesse um desgraçado estava um irmão. Não há comando que aguente tamanha corrida em contra mão. Dar a outra face, dar a César o que é de César, dar sem saber quantos bónus estamos a acumular. Mas não se pode jogar de olhos fechados, podemos confundir os bons samaritanos com os fariseus vendedores de enganos.
Praystation I

Pegamos no botão que indica 'on'. Significa que estamos vivos. Whateveritmeans. Não sabemos a que tomada estaremos ligados, mas a coisa – nós – funciona. Existe até uma música de fundo. But don’t close your eyes. Nem todos os comandos se percebe para o que servem, mas parece haver uma finalidade, que, geralmente, também não se apanha às primeiras. Umas vezes as coisas só fazem sentido com uns bons e uns maus, mas por vezes precisamos de ser todos bons, certamente para compensar as vezes em que parecemos todos maus. ‘Turn Back’, não funciona; ‘Pause’, não funciona; muito menos o ‘Replay’. Buy your car, chose your weapons, find your way. A luz do 'on' continua acesa, o Caçador afinal amava a presa.
Wishfull drinking

Infelizmente já nem o vinho dá de comer a milhões de Portugueses; perdidos entre clusters, investimentos estruturantes, modelos irlandeses, estados-já-não-há-paciência, reformismos de vão de escada e factores de sucesso, realmente, hoje, não sabemos onde estamos. Não significa isto que saber onde se está seja imprescindível para fazer algo de jeito, que o diga o Pedro Alvares Cabral, o Alexandre magno, o Marco Polo, o Gengis khan, o de Gaulle, o Peter Pan, o Kandinski, ou o Beckett , ou mesmo o Bill Gates, por exemplo, nalgum sítio estaremos, a algum sítio chegaremos, o sonho comanda a vida, três vezes nove vinte sete, pobrete mas alegrete, e existirão sempre os que estão muito acima da média para compensar os que estão muito abaixo dela e então justificar que a média não mede nada e que a estatística é filha da união entre o pretexto e a ocasião. Existirão sempre falácias e quem as detecte, verdades que nos cegam, mentiras que nos entusiasmem, tal como existirão sempre fortes e fracos, abusadores e abusados, bonitos e feios, ricos e pobres, lagartos e lampiões. Ora parece-me que Portugal para sair deste impasse só com um inebriamento colectivo e uma mão cheia de orações, com a libertação do misto de Camões e de Eça de Queirós que todos temos dentro de nós, mais o saber acumulado de todas as nossas santas avós, disto não tenho dúvida, mas como não elegemos o super Mário por isso não sei qual o grau alcoólico necessário. Só teremos de atingir o famoso equilíbrio entre as forças do inconsciente e as forças do fígado. Vivemos um Portugal Amordaçado II, mas agora a mordaça está seca.
‘Comecemos por cantar as Musas Helicónicas’ (*)

Esse tal Hesíodo, enquanto andava entretido a pôr as mulheres de Zeus a parir desenfreadamente naquele harém olímpico, mal sabia que, com as Musas, iria definir o paradigma da mulher enquanto gaja, ou seja, enquanto ser que cumpre o seu papel dando cabo da carola a um gajo (também chamada uma tal de ‘alteridade’) , seja ele pastor ou não, mas mantendo-o sempre sob a ilusão de que se está a inspirar. Hoje, Mad’am. , o dicionário não ilustrado, fazendo jus ao seu apelo, (praticamente de mainstream, diga-se) de dar o devido valor aos clássicos, dedica-se (e dedica-lhe) a fazer a verdadeira descodificação das artes geralmente atribuídas a cada uma das nove musas, em aberta concorrência com as sereias homéricas. E sempre se evita aquela coisa desagradável de andar a fazer massagens reflexológicas nos pés. (entradas 1202 a 1210)

Clio – Esta musa representa o estilo de mulher que leva o homem à base das obscuras artes e técnicas da História. Fá-lo crer que o passado existe, que é organizável, verificável, e que ela esteve sempre lá, à espera que ele a conseguisse descobrir no meio das outras todas, como a única que seria capaz de lhe tomar conta da Bastilha.

Euterpe – Esta é a musa que exige ao homem uma constante e afinada Música, e, se o sente muito calado ou monocórdico, pensa logo que está a preparar a pauta para outra. É uma eterna insatisfeita e só se contenta quando vê a clave de sol ali a passar-se do sustenido pró bemol e sem passar pela casa da partida.

Talia – É a musa da Comédia. Ou um gajo a põe a rir e sem precisar de receita, ou então é considerado poeta existencialista e sifilítico, e tem destinado a bricolage como destino mítico.

Melpómene – Musa destinada a homens com predisposição para a Tragédia. Ajusta-se àquele tipo de mulher que apela aos valores limites da masculinidade, e que só depois de bem atraiçoada e com a amante devidamente morta e cortadinha em postas, é que vai pôr a sopa no microondas e lhe dobra as peuguinhas.

Terpsícore – É uma das musas mais ingratas porque exige a Dança como forma de cumprimento dos rituais de sedução e respectivos adornos. Representa o tipo de mulher que aprecia ver o homem a ridicularizar-se no denominado movimento artístico-corporal, e que assim, tal como a fruta na sangria, acabará diluído e a abanar-se em seven-up’s reprimidos e envergonhados.

Erato – Musa correspondente àquela amante à maneira tradicional; exige a Lírica amorosa como prova de dedicação e passa o tempo a ver se a métrica confere com a expectativa criada pela rima. Só se satisfaz com piqueniques no monte Parnaso – e o respectivo enchido ‘parnassão’, claro - e com os mosquitos a zumbirem que nem um fastio de rima leonina.

Polimnia – É a musa que se dedica a influenciar o Paleio do homem que lhe é adjacente. Representa aquelas mulheres que exigem do homem uma constante actualização de temas, estilos e variedade de empolgamentos, (também conhecido como o engate hímnico) sob a eterna ameaça de se vir a tornar possuído pelo síndrome de inábil e desinteressante, e arriscar-se a ser trocado por um atleta de circo sem crises de inspiração.

Urania – Musa da Astronomia, destinada a homens de aparência distraída, mas que, vai-se a ver, andam é sempre à coca com as fases da lua, procurando antecipar as crises premonitórias dum quarto minguante.

Calíope – Musa que tem atribuída a inspiração da Poesia Épica e que fatalmente conduz os homens a terem de lutar por ela num ambiente de concorrência expressa e violenta. Precisa de vencedores, não lhe chegam gajos a quem a virtude caía do céu. Levar feridas para lamber é absolutamente essencial para dar vazão a esta musa cheia de… nada nada.


(*) É assim que começa a 'Teogonia' do Hesíodo, Helicónicas não me parece um nome feliz, mas ele depois limpa-se escrevendo:
...senhoras da grande e divina montanha de Helicon /as que dançam com os seus pés delicados em volta da fonte / de águas violáceas… e por aí adiante.
On symbolism behalf

(Ai quem me dera ser musa...)


Gustave Moreau. (1891). "Hésiode et la Muse". Óleo s/ madeira, 59x34.5 cm. Paris: Musée d'Orsay.

E por falar em ismos, uma dúvida existencial a propósito dos contos blogosféricos "1001 noites à la tchekov": existe alguma tese em que se prove que Xerazade era odalisca e não odalisco?
Conto de um encontro à beira sem mar

Encontraram-se a meio caminho entre a combinação e a surpresa, entre o sol e a peneira, e ficaram ali à beira, à beirinha mesmo, um do outro. Sentados, mas não agarrados; pensava ela; porque ela pensava que nunca agarrava ninguém. Ele também estava a meio caminho, entre o tudo para contar e o nada para dizer, e por isso pediu-lhe para ler:

« Dieu pour compléter le tableau
A collé une corne au bec de l’oiseau,
Une queue de poisson au corps du mammifère,
En mesurant le monde à l’aune de ses pas.»

Saiu-lhe uma voz tímida, sussurrante, mas disponível, plena de zelo, algo dorida, mas como ele não lhe largava o tornozelo às vezes vinha tremida, com a sedução ainda a arder, e calou-se, não fosse o caldo ferver. Ele sorria, tentou um beijo mas falhou-lho, ficou como acto de fé, foi um lapsus osculae, (saiu-me do pé para a mão, que se lixe a declinação) de cinema praticamente, marcava um amor olho por olho dente por dente, esta rima é um horror, primeiro aviso ao narrador; encostaram a cara, mostraram-se filhos duma cumplicidade refrescante, e foi por aí adiante. Pararam onde tinham ficado, puseram as suas histórias lado a lado, e cozinharam-nas por junto, ele não era o primeiro em nada: encerrado esse assunto. Entretanto ele teve de cumprir aquele ritual de lhe pegar na mão, percorrê-la com o olhar em procissão e mordê-la sem pedir perdão, pára com as rimas meu cabrão, segundo aviso ao narrador, ainda para mais nunca lhe ofereceste uma flor, daquelas a sério, não um postal qualquer, que falta de critério para gostar duma mulher; posso continuar? Detesto escrever assim com revisor a controlar, e ainda para mais porque eles estavam a gostar, e queriam ali ficar, à beira, um do outro, nem precisavam de mar, nem de nenhum horizonte desafiante
«Car il n’est pas de cause plus signifiante,
Pas de raison plus fondamentale
Qu’un ciel désert, une plaine nue,
Une route qui serpente au loin.»
Ele quando a deixou, após este encontro de amansar qualquer guerreiro, e em que ela ainda guardava a mesma frescura e encanto do primeiro, perguntou-lhe se gostava dele, estreou-se nessa pergunta, a rainha da insegurança, refém da esperança, tantas vezes reprimida, mas ali era impossível deixá-la mais fingida, saiu de chofre, sem deixar ferida, e veio uma resposta, amada, querida, tão simples quanto sonhada, como a tal franja, uns dias doirada, outros danada, mas sempre: a pedir para ser soprada; aqui ao narrador já nem se lhe pode dizer nada, está derretido, o melhor é deixá-lo meio adormecido, de frente para os sonhos, sem amostra de lamento, a carregá-los de areia, a carregá-los de cimento, fará deles argamassa e secarão ao vento.


(poemas de Vladimir Salimon, traduzido do russo para o francês pela ‘La Différence’, 2005)
Os novos anacoretas da bola

Agora por todo lado se instalou a mania de ser original a falar de bola. Fazem-se nostálgicas associações, ensaiam-se ‘males de montano’ ajustados ao sofisticadíssimo fenómeno, esgalham-se autênticas engenharias de poética para misturar bola com pessoal que tenha o nome na enciclopédia, e em desespero de causa até há quem tente ter piada entre o fina e o retro, mas parecem todos, benzósdeus, saídos dum cabeleireiro de panascas mal desfrisados (ó como é que essa merda se chama). Esquece-se o básico: a bola só faz sentido no meio da irracionalidade, da brutalidade, da beleza estupidificante e da inanição do cerebelo.
Dado o enquadramento, fico impedido de contar a minha primeira ida com o meu paizinho à bola ver os lagartos, mas com ele aprendi: aqui dizem-se os palavrões que calamos em casa, desfruta-se o que não se explica e sente-se o que não se fornica. E isto tudo sem ele alguma vez ter dito uma palavra sequer, porque era do estilo silencioso a ver a bola. E sim dizer o quê, caralho. Aquilo é a pornografia que não faz mal à alma nem nos condena à fornalha, e chega; quem fala do Roberto Baggio (o último jogador verdadeiramente perturbante) como se fosse a Gina Lolobrigida está é a precisar de creme esfoliante na mioleira. Ó sei lá, tentem falar dos banhos turcos enxertados do expressionismo alemão e do aquecimento global. Falar de bola sem erros de sintaxe, e como se estivessem a aliviar a tensão cultural que lhes inunda o ser, é tal qual relatar uma depilação em verso decassílabo.
Pessoal, enxerguem-se. Se querem parecer originais e romântico-místico-científicos a falar de bola, pelo menos embebedem-se primeiro.
smsantologia

"Antes pelo seguro que fiar demais.
Deixai-me livrar-me dos males que temo
E não do medo que ainda há-de vir."

Goneril, ‘Rei Lear’, (1,4)
O sexo dos anjos

Tabela do dia (via skymail)

- foto tremida: 20 €
- gemido: 25 €
- piadola com referências eruditas: 30 €
- piropo virtual: 15 €
- proposta indecente: 5 €
- música orgasmificante: 10 €
- diversos: preço sob consulta
A natureza da companhia de Deus

{1} O Homo pragmaticus e desenrascadus arrumou a questão da transcendência pensando que Deus ora é ‘uma invenção de pessoas ingénuas e felizes’ (*) ou uma necessidade de pessoas tristes e com sentimentos de culpa. (depois, por um ligeiro agravamento de preço ficam disponíveis as outras combinações).

{2} Resolvida a questão teórica ficamos com a questão prática: como ignorar, e viver como que ignorando, que esse Algo que existe. É fácil: 1º da mesma maneira que quando andamos não estamos sempre a pensar que temos pernas mas elas estão lá; 2º algo pode existir (vamos ficar sem esmiuçar o conceito de existência) e não se revelar aos nossos sentidos e razões, assim de repente, e a título de exemplo, lembro-me da música a alguém duro de ouvido, ou um gajo sexualmente arrebatador a uma gaja frígida.

{3} Viver sem Deus é portanto possível e até gestionável (desde, claro, que não percamos as pernas, fiquemos surdinhos ou provoquemos a frigidez na mulher próxima) mesmo que isso nada acrescente à nossa condição (à semelhança de ser lampião ou de gostar do cd dos ‘Final Fantasy’). Surge agora a outra questão fundamental: como viver com Deus, querendo isto dizer: com a sua companhia e com a sua especial – mas algo desconhecida – ontologia. Existem várias opções, nos extremos estão: dum lado o escrúpulo e do outro a banalização. Todos balançamos entre eles, tal e qual como o malabarista quando tem as bolas na mão e está em cima do arame: ou pensa que aquela merda se vai desconjuntar toda a qualquer momento, ou faz aquilo a mascar pastilha elástica e a pensar que vai comer a miúda loura da terceira fila da plateia.

{4} No blog 'A natureza do mal' escreveu-se há uns dias: «há quem se sinta acompanhado por deus (…) não aprecio a sorte de quem com eles caminha. Deve ser incómodo dar a mão, a quem está sempre assim tão acompanhado»; é algo duro de ouvir, até por se entender que pode haver ali alguma - mesmo subjectiva, talvez - razão; Deus é algo que se comunica, se ‘explica’ até, mas nunca é algo que realmente se divida, se dê à competição, à concorrência, ao ciúme. Mas agora não consigo analisar isto fora da conversa de sacristia, da aparência de egoísmo da fé, do amor, da fraternidade e do caraças, foda-se. Bem que já me tinham avisado.
(*) expressão usada num livro da Iris Murdoch
La assoluta verità

Bernardo Bellotto (1735-1742). La torre di Marghera. Óleo s/ tela. 43 x 56,5 cm. Colecção Rau.
Carta de amor de um adepto devidamente alscoolarizado

Querida, gostei tanto de ver o jogo contigo. Já não estávamos assim agarradinhos há tanto tempo; começamos como combinado, tu gozavas com os de branco e eu gozava com os de encarnado, só tive pena que as amêijoas tivessem esfriado, mas tu não paravas de te rir a comer as azeitonas sem caroço, fazias um ar de descarada, e, olha, eu nem comia nada, só para desfrutar do prazer de te ver rir até ao soluço. Ai foi tão giro, entrelaçarmos as espinhas ao ritmo das trocas de pernas daquelas andorinhas; acho que eles estavam ansiosos, querida, lembras-te, como nós a primeira vez, nem te queres lembrar, pois, acredito, olha, mas eles coitadinhos estavam-se a estrear neste mundial, aquilo é de muita responsabilidade, muita fruta também se costuma dizer, sabes, não é como o amor, nem como fazer peixe assado, ó que pensas, lembras-te do primeiro peixinho que me fizeste, estava sequinho coitado, e vê lá tu que o comi todinho, até às escamas que tostavam em crosta, e sem um pio, soube-me que nem uma lagosta; gostei tanto quando adormeceste ao meu colo, nem pude saltar quando foi o golo, mas adormeceste tão cedo querida, eu sei, não há nada como o meu colinho, nem preciso de balanço, não é, são dons que se há-de fazer, uns fazem remates em trivela outros embalam que nem barcos à vela, fiz-te poucas rimas, pois foi, desatinei com o verso alexandrino, e depois fraquejei nas interpoladas, mais valia terem sido duas seguidas bem dadas, credo que linguagem, que horror, e logo numa carta de amor, mas se tudo no amor é assim mesmo, uma no cravo outra na ferradura, o que arde cura e o que aperta segura, e tanto bate até que fura, antes fosse, que é do verbo fosser, o verbo é novo, a meio caminho entre o ser e a fossa, verbo das neuras de tamanho médio, daquelas angústias sem tragédia, mas o pior foi a linha média, sem Deco, miséria, é como namorar numa ponte aérea, quando um está a vir-se o outro já se está a preparar para ir, depois acordei-te com aquele beijo no pescoço lembras-te, até fiquei com o cabelo colado à boca, foi na altura em que o Ronaldo se ultrapassou na finta, apanhei-te a olhar para a carinha triste dele e então roí-me de ciúmes, pronto, é insegurança, já sabes, um homem mesmo que saiba dar um colo como nenhum outro também tem os seu momentos de fraqueza, e de franqueza, sim, é mais raro, mas tem. Não devias ser tão exigente com eles, querida, estavam nervosos, não vês, era o primeiro jogo, foi como no teu primeiro arrozinho de polvo, lembras-te, ficou tão duro, eu depois até brinquei contigo, que nem tudo era bom assim tão duro, levaste a mal, insinuaste que eu ainda me tornaria um tarado, mas até nem fiquei, foi pena eles não jogarem nada, e os outros que mal sabiam correr, mas pronto nós também não devíamos ter bebido tanto champagne daquele, e ainda para mais nem havias bifanas para acompanhar, olha ficaram os três pontos, na vida primeiro há que segurar os três pontos, só depois é que se deve avançar para o triângulo, não vá aquilo ficar tudo a abanar, e o sofá depois não aguentar, quando for do irão, pões aquela tua saia às riscas, enceramos o chão e acompanhamos com pataniscas, boa?
Carta de São Ocrates aos Scolarissences
(manuscrito apócrifo descoberto por um tipo já meio bebido ali para os lados do elevador da bica e aprofundado cientificamente pela National Geographic em patrocínio com a cerveja Carlsberg)

Todos os dias dou graças pelos ricos meninos que vós sois, unidos em torno do vosso paizinho do bigodinho que tanto respeitais. Acreditai, é desta união que retirareis frutos, e ponde também os olhinhos no vosso país que agora já está a crescer quem nem um tigre asiático, tem um protocolo que não envergonha ninguém, e vai ter os professores todos avaliados pelos paizinhos, as farmácias avaliadas pelos paraplégicos, os bombeiros pelos pirómanos e até a Ana Gomes vai ser avaliada pelo Pirilampo mágico. Antes de tudo, dai sempre as mãozinhas antes dos jogos, fortalecei os vossos corações e exortai em conjunto para que as forças não vos abandonem, pois tendes sido abençoados com o jeitinho dos brinca na areia. E se por acaso vos sentirdes fraquinhos, e qualquer dorzinha vos impedir de contribuir, não vos apoquenteis, eu arranjo-vos o atestado dum médico de Guimarães. Não vos deixeis também abater com a concorrência entre vocês, se algum se sentir marginalizado, ligeiramente enrabado, se algum se sentir demasiado pressionado eu tratarei de lhe garantir uns pistachiozinhos no banco e uma massagista ucraniana com os papeis em ordem. Não sucumbais sob o peso da ansiedade, pensai que eu ainda há pouco tempo fazia debates com o Santana Lopes e agora já ando de nariz empinado como o Portas, e até parece que tenho ideias, pareço o Churchil ao pé do Marques Mendes e sou primeiro-ministro e tudo. Fazei sempre o que vos mandar o gordinho de bigode, isso é que é o mais importante, se ele disser para fintar, fintai, se for rezar rezai, se for cantar cantai, se for andar feitos tontos no campo andai, se for um centrozinho em balão, obedecei e não vos deixeis tentar pelas bolas tensas que podem ser muito traiçoeiras. Ponde os olhos no país que vos transporta no regaço mítico, sede amiguinhos, passai a bola uns aos outros, mesmo ao Nuno valente, acarinhai o Meira depois dos golos que vai marcar na própria baliza e dizei sempre ao Petit que ele é muito bonito e ao Maniche que é quase tão inteligente como o Rogeiro. Nunca desanimeis perante a adversidade, seja ela uma derrota humilhante, seja tomarem consciência que não jogam ponta de um corno, mas Deus que vos livre de apanharem com os do Equador pela frente porque eles têm um caparro que não é do vosso campeonato, e o vosso corpinho deve ser preservado para poderem limpar as bandeirinhas espalhadas pelas ruas quando voltarem. Não vacileis nunca, lembrai-vos que até o Adamastor se acagaçou com o Bartolomeu, e o D. Sebastião, aquilo foi qualquer coisa que ele comeu.
Smsantologia

"Todo e qualquer momento histórico contém sempre, em potência, vários futuros possíveis.
Parece-me, contudo, que um, de entre eles, será
O mais possível de todos os possíveis."

J.F. de LaPrunelle, "Aforismos subtis"
E eu quero ser o segundo!

1 – Detesto quando as pessoas falam baixo nos cafés para ninguém ouvir
2 – Desiludo-me com taxistas que não falam de futebol, dos políticos ou dos colegas de profissão menos sérios ou pior ainda, não falam e limitam-se a conduzir
3 – Interesso-me pelo que é que as pessoas calçam
4 – Gosto de uma boa coscuvilhice
5 – Não tenho paciência para blogs políticos ou de políticos frustrados
6 – Gostava que o Simão Saborosa tivesse altura para ser um dos meus ódios de estimação, mas como não tem, tenho que ficar com o cabelo do Nuno Gomes
7 – Detesto os Delfins, menos quando cantam assim
http://www.youtube.com/v/FDVotBSZ4yw
8 – Invento registos de interesses
9 – Gostava que o Nuno Gomes comentasse este post
10 – Gostava de gostar de aguas com sabores
11 – Tenho dito palavrões a vida toda
12 – Gostava de tirar fotografias boas sem ter que utilizar o photoshop
Eu cá quero ser o primeiro
(a responder ao repto do jmf)

Declaração de interesses enquanto blogger

Primeiro – Podem não acreditar, mas toda a gente me adora, sempre fui habituado a que gostassem de mim em registo terno, a gostarem da minha companhia, de me desejarem ora para genro, ora enteado, ora sócio, ora comedor de caracóis ao fim da tarde, ora consultor financeiro, ora body building entreteiner, ora conferencista de estratégias impossíveis, praticamente só para amante nunca fui especialmente procurado. No entanto, isto vai criando, como devem calcular, uma espécie de crosta estigmática que me foi ficando pesada e desagradável, amolecendo-me inclusive o carácter e arredondando hormonas e catalizadores afins. O blog apareceu-me assim como uma belíssima oportunidade para tomar consciência de que existirá uma multidão esclarecida de pessoas que se está a borrifar para isto, e para mim, e para as minhas coisinhas, para o meu paleio, e que, no seu íntimo, nem um segundo sequer chegam a perder com um minúsculo pensamento do género: «estou-me bem a cagar para as merdas que este parvo escreve e passo lindamente sem saber da sua existência». É uma lavagem para a alma, acreditem.

Segundo – Duas coisas me aconteceram muito precocemente na vida: fornicar e ler os clássicos russos. Cedo também me apercebi que isso marcaria indelevelmente a minha existência e teria de me encaminhar por terapias de índole purificadora. Tentei a declamação de Shakespeare durante as massagens tailandesas só da cintura para cima, tentei o bridge com freiras colombianas em Tóquio, tentei as visitas compulsivas a museus impressionistas (o chato do Turner incluído) acompanhado por poetisas esotéricas e frígidas, enfim andei um pouco a marginalizar pelo mundo da recauchutagem psicológica e moral, mas sem resultados evidentes. Depositei por isso nesta escrita livre e depurada algumas esperanças de reabilitação da alma (o corpo não se quer pronunciar), sem psicadelismos, se bem que tem saído até agora bem mais fresca e despudorada do que o previsto nos sinceros propósitos iniciais.

Terceiro – Ser lido pelo jmf. Apesar de estar a aparecer em terceiro lugar, este motivo não perde pela inferior hierarquia; ser lido por ele, apreciado, publicamente elogiado, desvanecê-lo até um pouco, é, sem margem para dúvidas, uma das minhas mais profundas aspirações blóguicas. Não nego, sim não nego, que ficaria bastante mais feliz se o conseguisse fazer desprender um pouco daquela sua paixão desgovernada – mas não herética - pelo bob dylan e pelos lambshop, mas, se Deus quiser, também lá chegarei. Sobre a scarlett , aquilo passará naturalmente.

Quarto – Poder escrever palavrões. Pois é, isto pode parecer um provincianismo, uma ingenuidade, um despropósito, algo ultrapassado, mas é a mais pura das verdades. Até aos 30 anos praticamente só tinha dito um fodasse quando marquei o meu primeiro golo de canto directo ali ao paço do Lumiar no campo da força aérea, com a bolinha a sair mais arqueada que a pala do pavilhão de Portugal, haviam de ver. Julgo também ter esboçado meio caralho quando o Brasil foi eliminado em 82 e penso que me terei ficado por aí. Dos 30 aos 40 recordo vagamente uma série de merdas em surdina por questões domésticas de merda (lá está, confere) e foi então que me dei conta que o palavrão deve ser explicitado publicamente, e em letra impressa, sob pena de um tipo passar ao lado dum desabafo que lhe poderia mudar o rumo da vida. A minha ingrata vida profissional não me permite esses devaneios semânticos, tudo deve condizer com a cor da gravata e o corte do facto, cheguei a ensaiar um singelo porra entre três aspas, mas detectei um aligeirar no respeito que me era devido e tive de recuar. Eis pois aqui, vernaculizado, mais uma ‘rasteira’ aspiração de vida.

Quinto – Alcançar para o dicionário não ilustrado o estatuto de documento recomendado pelo patriarcado para a catequese em bairros degradados para minorias éticas (não é gralha, não). Talvez já para uma fase posterior à 1º comunhão, talvez sem lhe dar o estatuto de clássico, sem querer concorrer sequer com o bénard da costa no intervalo entre as suas ladainhas de s. joão da cruz e o tintoretos, mas era uma aspiração, era sim senhor, poder trazer uma luz de esperança aos filhos puberbes (esta palavra não deve existir) daqueles que tomaram a opção de ser políticos, ou fiscais da câmara, ou agências de comunicação, ou da brigada de transito; Isto é um blog de missão desde o primeiro dia: bem aventurados os que nunca precisem dele para derreter o tempinho.

Sexto – Ser citado, com o devido enquadramento histórico, num artigo do nosso Vasco Pulido Valente. É verdadeiramente, algo que me move, algo que me transporta aqui a dissertar sobre assuntos que podiam mudar inexoravelmente o rumo decadente das coisinhas da criação. Tive ainda algumas esperanças quando ele abordou o tema da ‘morgadinha dos canaviais’ , cheguei a renová-las quando ele se debruçou sobre os pastorinhos de Fátima, mas nada, apenas Afonsos costas e Montesquieus. Porfiarei, porfiarei, porfiarei, talvez quando ele entender o papel crucial de Narciso Miranda no renascer da portugalidade, talvez quando ele ler outra biografia ilustrada do Napoleão, não sei, eu acho que ainda chegará o dia em que obviamente o povo se perguntará quem é aquele gajo com ar de carneiro mal morto que faz charadismo com as palavras de Ratzinguer e que faz o nostradamus parecer a padeira de Aljubarrota e que está a comentar servilmente as palavras do amigo opiniondesmaker.

Sétimo - Mentir sem ser pecado. No fundo, o sonho de qualquer católico formado nas catacumbas da moral judaico-micósica (ou seja, aquela moral que nos faz de vez em quando uma comichão do caraças). Mas um mentir quase epistemológico, não sei se estão a ver: uma mistura de baldas à lógica, à liturgia do empirismo, à verdade metafísica, dribles à memória. Não sei se ‘está na cara’, não sei se será uma ‘deficiência de carácter’, mas este fingimento sem poesia, este fingir sem deslealdade, esta suspensão da verdade para lhe dar um tempinho para respirar, são tudo motivos que para aqui me trouxeram quem nem um penitente à procura de vias-sacras alternativas para aliviar as articulações mais requisitadas. Mas tudo dentro dos princípios mais sagrados da fé e da caridade (lampiões excluídos por bula específica)


Registe-se em conformidade, e peço deferimento
Hoje o dicionário não ilustrado dedica-se a algumas figuras de estilo da nova corrente literária: ‘textos a armar ao engraçadinho’. Não há gato sem bofe. (entradas 1195 a 1201)

As buchas – Verdadeiras maravilhas da técnica retórica de encher chouriços, costumam dar muito boa serventia em discursos com falta de nexo e excesso de sexo, dão volume, consistência e, em bem aplicadas, nem provocam flatulência.

As ligações improváveis – À falta de capacidade para prender o leitor com o frágil temazinho escolhido, uma das boas alternativas é ir injectando temas completamente inesperados, em cadência certinha, e esperar que a transfusão os misture sem os sobrepor em demasia. A improbabilidade está para o sucesso desta escrita como um universo reduzido para a estatística, ou a paradinha para os penalties.

A exemplificação exaustiva – Para demonstrar farto arcaboiço de fundamentação engraçadinha é essencial saber repescar exemplos engranelados de forma massacrante, impulsiva e variada. Cruzar ciências exactas com superstições, e artistas enfezados com vilões telegénicos (ou vice-versa) é absolutamente determinante. Todo o verdadeiro artista da escrita engraçadinha é forjado no rodriguinho causal e repetitivo com meneios geográficos ou filantrópicos ou bioquímicos ou alergológicos ou arqueológicos ou filosóficos ou oops.

A auto depreciação – É um must estilístico recorrente mas sempre de belo efeito, desde que acompanhado de alguma ânsia de reconhecimento alheio e dumas pitadinhas de negligência relativizante (não sei se esta frase funcionou... - isto é tecnicamente uma bucha). Está para a escrita engraçadinha como o pisca pisca nos reclames das casas de alterne.

O auto elogio – Inesperadamente a par da entrada anterior e patenteando (o esforço que eu ando aqui a fazer para catar sinónimos é da ordem do odisseico) que a escrita engraçadinha é filha legítima da realidade, esta figura estilística reserva inusitadas fontes de atracção. E deriva de características básicas da nossa condição, em que ser sem parecer não vale um caracol, e quem não dá um passo em frente arrisca-se a dar a imagem de que deu um passo atrás.

O exagero ostensivo (e em crescendo de absurdo) – Parece um artifício de escrita banal mas revela-se em todo o seu esplendor na escrita engraçadinha. O pormenor do crescendo é, no entanto, determinante, porque também aqui o climax orgásmico deve ser atingido por cima para não poder ser confundido com caimbras. São permitidas algumas oscilações canónicas, no entanto, sem o exagero em carrossel este tipo de escrita assemelha-se a rezar uma avé maria sem ter as mãozinhas juntas.

A eruditação (de assuntos tidos como banais) – Nos dias que correm há que balizar muito bem as fronteiras entre a escrita engraçadinha e a escrita revisteira; esta fronteira passa pelo relacionamento cirúrgico entre o cânone literário-científico com o cânone da bola ou da culinária, verdadeiramente só ao alcance da escrita engraçadinha. O verdadeiro artista dará sempre a ilusão de ser tão culto, tão culto, que até despreza a cultura, género o Deco a marcar livres como quem marca cantos de mão na anca (é pá, o gajo deixou de saber fazer essa merda, ou quê?)
conto de uma loira natural

Naturalmente ela tinha de ser loira. Fresca, rebelde, meia cavaleira andante, sempre próxima, sempre distante, sem diamante que a fure, desconhecida, girl toujours, sempre a fingir que não se lambe uma ferida, pose entre o fatal e o ausente, mas loiro natural, semi frio, semi quente, é tão difícil encontrar um bocadinho mais giro de gente; Quem lhe fizesse uma festa, quem lhe desse um beijo, recebia sempre um olhar terno, mas era sempre mistura de céu e de inferno, porque nos olhava através dum véu, feito com a seda com que tinham sido fiados os seus cabelos, e um coração de pedra enrolado em novelos; de uma miúda e tal, que soprava, e arrasava, com uma franja em louro natural, e uma cabecita que voava, voava, mas tanto voava como poisava, ora em rapina ora em graça, jeito de felina feito miúda giraça.
Temos então no dicionário não ilustrado algumas variáveis dispersas da dimensão do tempo. Serviu-me assim de tema por não ter pachorra para escrever sobre rigorosamente nada, nem sequer para dizer mal, até porque o episódio do dia do cão ainda pôs o pessoal mais vidrinho; desde que está mesmo confirmado que evoluímos daqueles macacos que usavam o polegar dobrado para tirar os burriés ficámos muito peneirentos. (entradas nº 1187 a 1194)


A espera – Momento que combina a heroicidade da compreensão com a ansiedade da ausência. A indústria trouxe o contributo da pastilha elástica, a filosofia tentou o existencialismo pedagógico, mas os alentejanos foram mais felizes com a divulgação da sombra do chaparro.

A contemplação – É uma categoria ora extra-valorizada ora arrogantemente negligenciada, um pouco como os óregãos na comida, que tem a peculiaridade de permitir ao utilizador avaliar e relativizar tanto o usufruto como a posse, e está para a alma como uma letra eternamente em carteira está para o direito comercial.

O preenchimento – O tempo gerido de forma burocratizada é um fenómeno que decorre da mistura explosiva entre noção de finitude com a noção de obrigação. Sermos ultrapassados pelos acontecimentos é o risco de vivermos como peões num porra que parecia uma passadeira mas afinal era uma zebra míope atropelada numa via rápida.

O instante – Maravilha da contra lógica, na qual a parte pode ser maior que o todo, ou o todo não segura a parte, e em que uma parcela de tempo pode fazer com que todo o tempo passado antes e o que se vai passar a seguir já não tenham razão de existir sem ela; é o ponto rebuçado de toda a marmelada. Sem instantes, venham eles adornados de joelhos nus, ou mãos em concha, ou olhos fechados, o tempo é uma mera lengalenga em banho maria.

A partilha – O tempo alavancado tendencialmente de forma masturbatória é meio caminho não só para o desperdício de códigos genéticos como para tendinites de natureza lírico-vasculares. As novas correntes de filosofia-de-acolhimento não o demonstram, mas são infinitamente preferíveis umas coxinhas de coelho à caçadora para dois do que um Platão à perna.

A precipitação – Toda a vertigem deve ser consumida num compromisso entre bungie jumping e o parapente. Face ao ar ascendente e à gravidade só não nos devemos deixar levar pela ilusão de óptica. A melhor lente para o tempo é a que tem a distância focal bem correlacionada com o aperto nos tomates e o fogo no cu.

A suspensão – Característica pouco estudada de momentos com aparência paranormal ou amnésica. Pode oscilar entre o delírio ou o mero shiatsu de miolos, mas trata-se, contudo, de uma das poucas performances da nossa condição onde a ilusão pode fazer frente à realidade (como quem põe requeijão num refogado para fazer parmesão); para recuperarmos bem, basta roubarmos um bocadinho ao sono nessa noite e manter os amigos devidamente bebidos.

A continuidade – Figura obrigatória dentro da análise do tema e está para ele como o duplo mortal com meia pirueta para a ginástica desportiva: médio efeito, média dificuldade, médio contributo para a pontuação, ou seja: feito para distrair o tempo e preparar uma série de mortais árabes culminada com um triplo encarpado. Mas, no fundo, é uma injustiça não lembrar que o que determina a perfeição do tricot não é a qualidade da agulha mas sim o tamanho e a boa ligação da fibras do novelo.
Seis autores à procura dum personagem

O Tavares, o Vila-Matas, o Sebald, o Coetzee, o Rushdie e o Auster na feira dos argumentos disputavam avidamente os direitos de poderem usar como personagem um escritor obscuro, apenas com dois pequenos opúsculos publicados, sem tema muito preciso e em torno das técnicas de enxerto em ameixeiras de ‘rainhas cláudias’, mas que se tinha tornado de culto entre um grupo de golfistas que tinham em comum cantarem mentalmente ‘always on my mind’ dos ‘pet shop boys’ quando treinavam o put. Era um sujeito com algumas possibilidades romanescas pelo seu equilíbrio entre o cagaço de morrer e a má gestão dos desgostos amorosos, tinha chegado a tomar um ginger ale com o patrão da general electric numa bomba de gasolina e roçava o vício pela experimentação de plantas aromáticas. Só que apresentava uns ombros demasiado largos para algum dia ser um escritor bem aceite pelos seus pares, e escrevia de forma excessivamente linear para os críticos, raramente ensaiando uma mera hipérbole. Era, pela ambiguidade e consequente abertura biográfica, um dos argumentos mais procurados da feira, tirando uma prima afastada de Maria Madalena e uma enteada de Carlos Magno, mas com o receio de acabar por ficar espremido, por qualquer um dos seis famosos concorrentes licitantes, num simples pretexto para ironias pessimistas e herméticas, ou de o amancebarem com alguma prima do absurdo, ou com alguma política eleita por via das quotas, acabou por escolher (a conselho do agente que também representava um guarda-redes de hóquei em patins e uma lésbica caixeira dum supermercado) vender-se à MRP ®, que, mesmo indecisa entre ele e uma mulher executiva em fase de encornanço selectivo que estava em saldo, resolveu arriscar – talvez numa estratégia de diversificação existencialista, e à falta de professores em crise de auto-avaliação - e ainda poderia fazer dele um personagem com interesse erótico e intelectual, chegar mesmo a paradigma numa lista de verão, ou de inclusive arranjar o papel de galã numa telenovela de guião interactivo. No contrato mandou escrever, a troco de permitir porem-no a dar arrotos: ‘a ficção é de quem a trabalha’.
Refreshing
(não temos é soutiens para queimar)

Do tempo. O dicionário não ilustrado hoje não irá falar sobre o crescimento, ou sobre o amadurecimento, ou envelhecimento, se bem que valeria a pena. Hoje é frequente falar dos homens ( aqui significando o género masculino apenas) que pretendem recuperar a sua adolescência, ou que a prolongam, numa mistura do ‘nunca crescem’, com o ‘querem voltar a ser miúdos’, face a hábitos e gostos que agora se encontram mais frequentemente na chamada grande órbita da meia-idade (eu nem acredito que estou a falar assim) e que parecem mais próprios duma juventude sem responsabilidades, e com o tempo e a rebeldia e liberdade para o esturricar e render. Apenas acho que o homem, feito um balanço, nos nossos dias, amadurece (ou pode amadurecer) duma forma muito mais engraçada e lúdica, com o que pode ler, com a musica que pode ouvir- e como o pode fazer- o que pode viajar, ver, interessar-se, conversar, fazer, pensar e até sentir.
Quando a macieira atraiçoou Adão e ele acabou expulso do paraíso, nada indica que, lá por passar a encarquilhar a casca, não se poderia ir mantendo viçoso por dentro que nem uma maçã raineta. Amadurecer pode ser cada vez menos amolecer e cada vez mais refrescar, como já aconteceu com a pesca industrial em alto mar há dezenas de anos.
O homem pode ser diletante sem deixar de ser responsável e exigente com o que quer da vida, e sem sequer cair naquela obsessão parola de a querer aproveitar ao limite, pode ‘engaiatar-se’ ( vem de gaiato, calma!) sendo o tal ‘bom pai de família’ que lhe manda a consciência, pode ir reformulando constantemente o peso das coisas, mesmo sabendo que ao querer caminhar sobre as águas, que nem o incrédulo S. Pedro, também pode correr o risco de fazer figura de ganso patola. Sem reprimendas sociais, nem morais, nem culturais, e também com normalidade. É esta a emancipação masculina. Seja ele gabiru, seja apertadinho para os lados, seja putanheiro, seja amante do bricolage tecnológico, ou dos blogs de poesia ambulatória, seja jardineiro, seja eunuco, seja marinheiro, seja realmente maluco, caminhante solitário, esteja viciado na playstation, nos sopranos, na nova pop britânica, no sky surf, ou no canal Panda, ou Odisseia, ou seja apenas mais um parvo que para aqui anda, volta e meia.

Meto-me em conversa praticamente séria, e depois dá nisto. E o dicionário sobre o 'tempo' foi irresponsavelmente pró caraças
Pesponto à vista

Quis exercitar outra vez esta transexualização pela via do ‘sign in’ feminino, tomando-lhe o gosto só mais esta vez, procurando, quem sabe, novas sensações, viver o que Tirésias viveu sem precisar de reflexologias avulsas, e até nem estou a desgostar, até parece que a Emily penetra mais fundo na alma, consigo ver uma telenovela com outra abrangência, sei lá, saem-me mais fluidas as metáforas com sanefas, com varões e com cortinados, afasto-me selectivamente das esquerdas cruzadas a uma mão e cheias de top spin, ou dos brincos da Sharapova, ou da associação nacional de farmácias, enfim, são sensações editoriais diferentes, nem é que me esteja a dar para falar de miudezas ginecológicas, nem sequer senti o apelo ao amor cinefilizado, ou à pintura metafísica italiana, há uma outra ligeireza despreocupada no vocabulário reflexivo, sim, talvez um pouco mais de vertigem para dar nas vistas, mas também nada de mais, não é de se apoquentarem.
Sou até levado a aproveitar esta rara oportunidade de estar deste ‘lado de lá’ para vos fazer um desabafo pedagógico que há muito estava para fazer e não me vinha a coragem, e assim aqui vai de chofre: mulher que se preze tem mesmo de falar bem um francês sentido.
Pobre do homem que se deixe seduzir por uma mulher que não saiba dizer, sem ninguém estar à espera, numa esplanada, sob a brisa morna do entardecer, esperando ansiosamente o crepúsculo, com deuses ou sem deuses: « et mes yeux dans le noir devinaient tes prunelles, / et je buvais ton souffle, ô douceur! Ô poison! / (aqui as pernas já tremem que nem uma flecha empenada) / Et tes pieds s’endormaient dans mes mains fraternelles / (nesta altura a cervejita já se entornou que nem baba derramada) / la nuit s’épaississait ainsi qu’une cloison.». Mas isto é apenas parte do teste definitivo, garanto-vos. Comparadas com mulheres destas assim, todas as outras vos parecerão, mais tarde ou mais cedo , como electrodomésticos búlgaros, ou plumagens de cabaret. Aproveito para vos dizer que este ano os manjericos dos santos populares vão estar inundados de poesia grega, e já vi muito rapaz, e dos avisados, ser levado à certa com píndaros e depois amaciadinhos com anacreontes (recomendo o das ‘coxas’), quem nem toalhas turcas, até dá dó ver, e é por isso que eu faço questão: façam-lhes, pela vossa rica saúde, o teste da lágrima; comecem por dizer: «J’ai perdu ma force et ma vie, / et mes amis et ma gaîté; / (aqui com uma ligeira inclinação de cabeça a 70 graus) / J’ai perdu jusqu’à la fierté / qui faisait croire à mon génie (mordidela de lábio opcional mas sem fazerem ar de maus)». E depois aqui, das duas uma, ou ela vos diz que não está com pachorra e que o melhor é irem jantar fora, e então isto indica que não é mulher para vocês, sem qualquer margem para dúvidas, ou então vai-vos fazer uma moussezinha de chocolate com a receita da mãezinha e responde-vos em voz sussurrada, tipo rouquidão embebida em bechamel, (bem, isto quase que já era suficiente, mas devemos ser mais exigentes porque estamos perante uma prova definitiva): «Dieu parle, il faut qu’on lui réponde. / Le seul bien qui me reste au monde / Est d’avoir quelquefois pleuré.» ; e aqui uma lagrimita deve derramar-se, lambida com dois ou três ‘ne me quittes pas’. Acreditem, ali está mulher das que já não se fazem; é mais certinho que aquele teste novo do tubinho do cuspo.
Acho que já vos dei umas dicas boas, mas confesso-vos que não sei se estes posts passados do outro lado da barricada não me terão alterado um bocado. São riscos que um homem tem de correr, a par de ser chamado misógino, mas isto com dois ou três afrontamentos deve acabar por passar. Com a vossa licença.

{antónio}

(os itálicos são de Baudelaire e Musset)